Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

BrBRHUAp0080-21072013000400014

BrBRHUAp0080-21072013000400014

variedadeBr
ano2013
fonteScielo

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.

Orçamento público no Brasil: a utilização do crédito extraordinário como mecanismo de adequação da execução orçamentária brasileira

1. INTRODUÇÃO Devido à necessidade de ajustes na programação financeira, bem como em decorrência do descompasso existente entre o período de elaboração do orçamento e a sua efetiva execução, podem ocorrer situações que não foram previstas na elaboração da proposta orçamentária e que devem ser absorvidas no orçamento do exercício. Tais situações são descritas por Pires (2002) como omissões e erros, e, para corrigi-los, é necessário lançar mão dos chamados mecanismos retificadores do orçamento. Dentre esses mecanismos, destaca-se o instrumento denominado crédito extraordinário.

Esse tipo de crédito está presente no ordenamento jurídico brasileiro desde 1850, quando a Lei n. 589, de 9 de setembro de 1850 estabeleceu as primeiras diretrizes sobre a sua abertura. Segundo aquele dispositivo, o governo, sem prévia autorização do legislativo, poderia abrir créditos extraordinários apenas no caso de epidemia ou qualquer outra calamidade pública, sedição, insurreição, rebelião e outros dessa natureza. Apesar dessas restrições, em 1892, o parlamento da época via a utilização do crédito extraordinário como uma forma de burlar autorizações orçamentárias ordinárias (Perezino, 1999).

Passados mais de 160 anos, e apesar das restrições constitucionais e legais impostas, o crédito extraordinário passou a ser utilizado de maneira generalizada. Nesse sentido, levando-se em consideração o período de 1995 a 2010, o Governo Federal abriu aproximadamente R$ 304 bilhões em créditos extraordinários. Dessa forma, pode-se discutir se a excepcionalidade que deveria marcar a utilização do crédito extraordinário está, ou não, acontecendo. No período mencionado, o montante de despesa aberta por esse tipo de crédito passou de R$ 350 milhões (em 1995) para R$ 35,31 bilhões (em 2010), tendo atingindo o pico em 2007, com a abertura de R$ 60,72 bilhões. Em termos práticos, o volume de recursos nesse tipo de crédito parece, pois, contrastar com o entendimento de Kohama (2003) de que, na hipótese de existência de um processo de planejamento e orçamento integrado, devidamente formulado por meio de Orçamento por Programas, como praticado no Brasil, a existência de créditos adicionais tenderia a reduzir-se ao mínimo ou ser de uso excepcional. Assim, são formuladas as seguintes questões de pesquisa: Quais razões e principais fatores que têm levado o Governo Federal a utilizar sistematicamente o crédito extraordinário? Os requisitos constitucionais da imprevisibilidade e da urgência estão sendo observados pelo Poder Executivo ao editar medidas provisórias que abrem créditos extraordinários? Baseando-se em tais questionamentos, os objetivos nesta pesquisa foram identificar e analisar as razões e os principais fatores que levam o Governo Federal a utilizar sistematicamente o crédito extraordinário, bem como levantar o entendimento existente quanto ao significado dos pressupostos constitucionais da imprevisibilidade e da urgência, além de avaliar a aderência dos créditos extraordinários abertos a esses pressupostos.

No que se refere à organização, ressalta-se que além da introdução, o trabalho está estruturado em mais quatro seções. Na seção 2 apresentam-se os principais conceitos que deram suporte à pesquisa. Na seção 3 descrevem-se os caminhos trilhados para seu desenvolvimento. Na seção 4 apresentam-se os resultados encontrados e as análises efetuadas e, por fim, na seção 5, apresentam-se as considerações finais e sugestões para trabalhos futuros.

2. REVISÃO DA LITERATURA SOBRE ORÇAMENTO PÚBLICO O orçamento público tem sido um campo fértil de pesquisas nos últimos 70 anos, mormente por refletir uma arena em que atores com interesses difusos buscam a satisfação de suas demandas. Podem-se citar os estudos de Key Jr. (1940), Lindblon (1959), Rubin (1993), Peters (1995), Wildavsky (2002), Caiden e Wildavsky (2003) e Schick (2006). No Brasil, encontram-se os estudos de Abrucio e Loureiro (2004), Giacomoni (2005) e Matias-Pereira (2007). Ponto de entendimento comum entre esses estudiosos é que o Estado não possui recursos suficientes para suprir todas as necessidades da sociedade e, por consequência, tem de escolher em quais demandas alocará os recursos escassos provenientes dos seus tributos financiadores. Entretanto, escolher em quais demandas os recursos serão aplicados não é tarefa simples.

Nesse sentido, Key Jr. (1940) alertava para a inexistência de uma teoria capaz de responder como se poderia basear a decisão de se alocar recursos em uma Atividade X em vez da Atividade Y. Segundo aquele autor, dada a ausência de padrões de avaliação, a utilização mais vantajosa dos recursos públicos tornar- se-ia uma questão de preferência de valores entre fins que não têm um denominador comum. Nesse sentido, Rubin (1993), por exemplo, indaga como se podem comparar os benefícios de prover abrigo para sem tetos com comprar mais helicópteros para a marinha.

Dessa forma, o Estado ao efetuar suas escolhas está, na verdade, estabelecendo preferências, ou melhor, está tomando a decisão entre satisfazer uma demanda ou outra e, nesse contexto, surgem os conflitos de interesses entre os diferentes grupos de pressão para ver suas demandas satisfeitas. Como se pode perceber, a concepção do orçamento público é marcada por disputas nas quais os diferentes atores (agências governamentais, políticos, empresas, servidores públicos, grupos sociais, dentre outros) buscam maximizar a satisfação de suas necessidades. Essas disputas, entretanto, tornam-se mais acirradas pelo fato de inexistir metodologia capaz de dar contorno mais objetivo ao processo de decisão na alocação de recursos orçamentários, bem como pelo caráter perpétuo que gozam determinados programas ou despesas incluídos no orçamento em determinado exercício. Como lembra Peters (1995), embora as decisões sobre a alocação de recursos devessem ser tomadas em bases racionais, as decisões entre as burocracias que competem por orçamento são inerentemente políticas.

De outro lado, como afirma Wildavsky (2002), os orçamentos dificilmente são revistos como um todo, pois em vez de se considerar o valor dos programas existentes em comparação com todas as alternativas possíveis, o orçamento de um ano baseia-se no orçamento do ano anterior, com especial atenção para uma pequena variação de aumentos e diminuições e, assim, a maior parte do orçamento é o produto de decisões anteriores.

Por essa perspectiva, Wildavsky (2002) entende o orçamento como um modelo incremental. Para ele, o orçamento incremental acaba ocorrendo em função da complexidade de cálculo envolvido na elaboração do orçamento, em contradição ao princípio da racionalidade limitada pela qual o homem atua. O homem, segundo esse princípio, através de um vidro escurecido e, por consequência, a sua habilidade para calcular é severamente limitada. Some-se a isso a escassez de tempo, o grande número de questões a serem consideradas e o fato de se ter de avaliar méritos de programas diferentes para diferentes pessoas cujas preferências variam em natureza e intensidade. Tudo isso faz com que os elaboradores do orçamento optem por processos mais simples.

Ainda segundo Wildavsky (2002), o orçamento incremental tende a ser praticado em países ricos, pois faltam aos países pobres as estabilidades política e econômica capazes de conferir previsibilidade ao processo de orçamentação.

Assim, os países pobres acabam praticando o que se denominou de orçamento repetitivo. Segundo essa teoria, o orçamento é feito e refeito durante todo o ano, continuamente. O ambiente de incerteza existente nesses países faz com que eles reprogramem seus recursos rapidamente a fim de ajustarem-se às variações constantes de cenários (Caiden & Wildavsky, 2003).

Caiden e Wildavsky (2003) afirmam ainda que a falta de estabilidade, aliada ao lapso temporal compreendido entre a elaboração e a execução do orçamento, faz com que o orçamento aprovado se transforme em uma peça irreal, necessitando de repetidas alterações. Tais alterações normalmente são feitas por meio da transferência de recursos entre categorias de despesas e pelo aumento das dotações existentes via créditos suplementares.

Caiden e Wildavsky (2003, p. 75-77) apontam, ainda, algumas consequências derivadas da prática do orçamento repetitivo, destacando que: todo o processo orçamentário sofre atraso excessivo; pode gerar falta de zelo na elaboração das estimativas de despesas, visto que praticamente ninguém leva o orçamento a sério; a aprovação do orçamento torna-se evidentemente mais política; a prática do orçamento repetitivo supostamente favorece a corrupção; os investimentos acabam sendo prejudicados, pois eles podem ser adiados; na existência de problemas de fluxo de caixa, as despesas e os programas obrigatórios acabam prevalecendo; favorece a existência de constantes lutas internas por recursos; o atraso na liberação dos recursos faz com que os órgãos dificilmente utilizem a sua dotação até o término do exercício.

Em suma, o orçamento pode ser entendido como um instrumento de alocação de recursos a fim de satisfazer os propósitos humanos. Dessa relação, surge o trade-off entre a limitação dos recursos e as necessidades humanas ilimitadas.

A resposta para tal conflito poder-se-ia extrair do orçamento, uma vez que ele deveria espelhar as prioridades e as metas estabelecidas por um dado governo.

No Brasil, como exposto nas seções seguintes, o orçamento federal é ajustado ao longo do exercício por meio da utilização do crédito adicional e em especial pelo crédito extraordinário, o que tem provocado discussões entre os principais grupos de pressão a ele relacionados.

2.1. Aspectos conceituais e legais dos créditos adicionais Crédito adicional é gênero do qual são espécies o crédito suplementar, o crédito especial e o crédito extraordinário. Segundo a Lei no 4.320/64, de 17 de março de 1964, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, créditos adicionais são as autorizações de despesas não computadas ou insuficientemente dotadas na Lei do Orçamento.

Cada espécie de crédito adicional possui função e características próprias.

Assim, o crédito suplementar é aquele destinado a reforçar a dotação orçamentária existente, em razão do subdimensionamento da despesa fixada; o crédito especial é aquele destinado a modificar a lei orçamentária em vigor, por acrescer-lhe despesas para as quais não haja dotação orçamentária específica previamente fixada; e, por fim, o crédito extraordinário destina-se a cobrir despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública.

Segundo Giacomoni (2005), os créditos adicionais prestam-se a resolver duas situações clássicas do orçamento: a imprevisão na elaboração orçamentária (insuficiência de dotação para fazer face à despesa prevista no orçamento) e a inexistência de crédito orçamentário (para atender às despesas a serem realizadas). Para a primeira situação, o remédio é o crédito suplementar. para a segunda, o remédio pode tomar a forma de crédito especial ou de crédito extraordinário.

Por alterar o orçamento vigente, os créditos adicionais têm sido vistos como elementos perturbadores da execução orçamentária desde o Brasil Império, vez que são inseridos no orçamento em vigor para cobrir falhas da fase de planejamento que surgem durante a execução orçamentária. Tais falhas são descritas por Pires (2002) como indicadoras de erros ou omissões na elaboração da proposta orçamentária que devem ser corrigidos por meio dos mecanismos retificadores do orçamento (créditos adicionais).

Carreira (1980) pondera que o entendimento majoritário entre os estadistas, à época do Brasil Império, era de que os créditos adicionais eram elementos perturbadores da regular marcha do orçamento e, por isso, era sempre vantagem restringi-los ou suprimi-los. Nessa mesma linha, Coelho (1952, p.268) afirma que "[...] o fato de contribuírem os créditos adicionais para criar ou aumentar os déficits, tem sido a causa principal de diversas medidas imaginadas para restringi-los aos casos inevitáveis [...]".

Constata-se, pois, a preocupação em manter os créditos adicionais e, em especial, o crédito extraordinário no menor nível possível, adstrito, apenas, às hipóteses previamente previstas na legislação. Escudado nesse entendimento, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao analisar a Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Medida Provisória (MP) 405/2007, concedeu medida cautelar suspendendo os efeitos da Lei no 11.658/2008, desde a sua publicação, em razão do entendimento de que "[...] nenhuma das hipóteses previstas pela medida provisória configuravam situações de crise imprevisíveis e urgentes, suficientes para a abertura de créditos extraordinários" (Supremo Tribunal Federal [STF-ADI 4.048-1-MC|DF], 2008).

Em relação aos aspectos legais relacionados ao crédito extraordinário, verifica-se que desde o Brasil Império havia a preocupação em restringir sua utilização a casos urgentes e excepcionais. Nesse sentido, no Quadro_1 é apresentada a evolução do tema na legislação.

No que toca à legislação mais recente, verifica-se que a Constituição Federal de 1988 e a Lei no 4.320/64 são o corpo normativo que atualmente regem o tema.

Importante ressaltar que a referida lei não exige a indicação de recurso para a abertura de créditos extraordinários, ou seja, eles podem ser abertos independentemente de haver ou não recursos financeiros para fazer face às novas despesas. Ainda consoante a lei, os créditos extraordinários são abertos por decreto do Poder Executivo, que deve dar conhecimento imediato ao Poder Legislativo, e podem ser abertos em qualquer época do ano, não sendo submetidos a prazos, diferentemente do que ocorre com as outras modalidades de créditos adicionais (especial e suplementar).

a Constituição Federal de 1988, conforme disposto no art. 166, § , informa que os recursos que, em decorrência de veto, emenda ou rejeição do projeto de lei orçamentária anual, ficarem sem despesas correspondentes poderão ser utilizados, conforme o caso, mediante créditos especiais ou suplementares, com prévia e específica autorização legislativa.

A Constituição Federal de 1988, além de citar exemplos de despesas para servirem de medida ao exercício dessa prerrogativa excepcional (§ , art.

167), traçou os limites e a validade dos créditos adicionais (artigos 166 e 167); a vigência dos créditos especiais e extraordinários (§ do art. 167); a abrangência das despesas a serem cobertas por tais créditos, bem como os parâmetros da imprevisibilidade e da urgência, que devem ser elementos intrínsecos dos créditos extraordinários. Em relação às fontes de recursos do crédito extraordinário, quando necessário, estão previstas no inciso I do artigo 148, o qual determina que seu uso é exclusivamente para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; no inciso II do artigo 154, está disposto que a União poderá instituir tais créditos na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.

2.2. Medida Provisória como instrumento de abertura do crédito extraordinário Com o advento da Constituição Federal de 1988, a abertura do crédito extraordinário passou a ser veiculada por meio de medida provisória expedida pelo chefe do poder executivo, não mais prevalecendo os mandamentos contidos na Lei no 4.320/64. Harada (2008, sp.), entretanto, afirma que "[...] lançar mão de medida provisória para abertura de crédito extraordinário, a fim de cobrir gastos previsíveis, configura autêntico desvio de finalidade".

De acordo com Amaral Jr. (2004), a doutrina tem entendido que a Constituição Federal de 1988 adotou a medida provisória como instrumento de abertura dos créditos extraordinários ao dispor em seu artigo 62 (pp. 214-217) que: Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê- las de imediato ao Congresso Nacional.

§ É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I- relativa a: [...] d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § .

(Grifos acrescidos).

Nesse sentido, Amaral Jr. (2004) assevera que a medida provisória é ato normativo primário e provisório circunscrito à esfera de competência do Presidente da República, possuindo, desde logo, força, eficácia e valor de lei.

Em matéria orçamentária a alínea d, do inciso I, § , do art. 62 da Constituição Federal, somente permite à medida provisória a abertura de crédito extraordinário que, pela sua própria natureza, tem, na medida provisória, o veículo legislativo por excelência. Para a abertura desses créditos, que se atender aos critérios da imprevisibilidade e da urgência das despesas, combinado com a urgência e a relevância requeridas para a edição de medidas provisórias.

Para o Supremo Tribunal Federal (STF), em sede da ação direta de inconstitucionalidade, a utilização de medidas provisórias pelo Presidente da República para abrir crédito extraordinário deve ocorrer quando existir um estado de necessidade que obrigue o Poder Público a adotar providências imediatas de caráter legislativo, inalcançáveis segundo as regras ordinárias de legiferação, em face do próprio periculum in mora que fatalmente decorreria do atraso na concretização da prestação legislativa. Segundo o STF, o que legitima o Presidente da República a antecipar-se, cautelarmente, ao processo legislativo ordinário, editando medidas provisórias pertinentes, é o fundado receio, por ele exteriorizado, de que o retardamento da prestação legislativa cause grave lesão, de difícil reparação, ao interesse público (STF [STF - ADIMC 293|DF, 1990], 1993).

3. PROCEDER METODOLÓGICO A fim de atingirem-se os objetivos delineados, utilizaram-se as seguintes estratégias de pesquisa: pesquisas bibliográfica, documental e de campo. Por meio da pesquisa bibliográfica, foi realizado estudo que contemplou referências originárias de artigos, livros, legislação comentada, entre outras. A pesquisa documental foi desenvolvida a partir da análise de documentos oficiais, tais como leis, decretos, entre outros. Realizou-se, também, pesquisa de campo com o objetivo de conseguir informações e/ou conhecimentos acerca do problema pesquisado.

Quanto aos meios de coletas de dados, utilizou-se a entrevista estruturada contendo dez perguntas abertas, previamente formuladas. Os entrevistados responderam às mesmas questões, o que permitiu comparar as respostas dos diferentes participantes.

Os entrevistados foram selecionados a partir de consulta aos organogramas das instituições abrangidas pela pesquisa, disponíveis nos respectivos sítios na internet. Por esse critério, o roteiro de entrevista foi aplicado a uma amostra selecionada por conveniência e, portanto, não é representativa da população, embora possa representar um recorte real do objeto estudado, que abrangeu integrantes das diferentes instituições. Inicialmente, havia a intenção de realizar 18 entrevistas, divididas igualitariamente entre os integrantes de três instituições. Entretanto, devido à dificuldade de agenda de alguns dos entrevistados, foram realizadas 17 entrevistas.

Essas entrevistas foram aplicadas individualmente a um conjunto de atores que formulam políticas orçamentárias, analisam e emitem pareceres acerca da conformidade ou não de despesas amparadas por crédito extraordinário em relação aos pressupostos da imprevisibilidade e da urgência. Também foram entrevistados especialistas que militam na área de orçamento público e contabilidade pública.

Assim, as entrevistas foram respondidas por integrantes da Comissão Mista de Planos, Orçamento Público e Fiscalização (CMO), do Congresso Nacional; da Secretaria de Orçamento Federal (SOF); do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG); por Consultores de Orçamento da Consultoria de Orçamento, Fiscalização e Controle do Senado Federal (CONORF), por Consultores de Orçamento da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara de Deputados (COFF) e por Especialistas da área de Orçamento e Contabilidade Pública da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade de São Paulo (USP).

As entrevistas foram agendadas previamente por telefone e/ou e-mail. Antes de iniciar cada entrevista, foi entregue um roteiro contendo as questões formuladas, precedidas de um texto motivador, além de instruções de como a entrevista iria transcorrer. Também, nesse momento, o entrevistado era alertado quanto à garantia do sigilo acerca de seus nomes.

As entrevistas transcorreram em clima de cordialidade e foram realizadas no lugar, dia e horário de preferência do entrevistado. Antes de proceder às perguntas, informou-se aos entrevistados que a entrevista seria conduzida de forma não diretiva, com pouca interferência do entrevistador. Esse modo de condução visou minimizar a influência pesquisador-pesquisado, buscando maior rigor à pesquisa. Assim, os entrevistados foram estimulados a apresentar suas opiniões de maneira franca e aprofundada, sem a interrupção do pesquisador, salvo para esclarecimento de eventuais dúvidas. As respostas dos entrevistados foram gravadas e, posteriormente, transcritas. Essas operações resultaram em mais de sete horas de gravação e 109 páginas transcritas, buscando-se, dessa forma, a integridade das informações.

Para examinar as respostas colhidas por meio das entrevistas, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo. Nesse sentido, primeiramente se agruparam as respostas por temas e, em seguida, utilizou-se da categorização a fim de classificar os dados em unidades de registros sobre um título genérico e com características comuns.

No que se refere aos temas, para a análise dividiu-se a pesquisa em quatro itens: Tema 1 - utilização sistemática de crédito extraordinário; Tema 2 - entendimento quanto aos pressupostos constitucionais de imprevisibilidade e urgência; Tema 3 - indícios de disfunções na elaboração e execução do orçamento ordinário; e Tema 4 - consequências da utilização de créditos extraordinários no Brasil. No que tange às categorias utilizadas na pesquisa surgiram naturalmente da análise das entrevistas, levando-se em consideração as características comuns identificadas entre as diferentes respostas. A utilização da categorização teve como objetivo fornecer uma representação simplificada dos dados brutos.

A fim de complementar as informações obtidas por meio das entrevistas, também foram coletados dados sobre crédito extraordinário disponíveis na internet, no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi); no sistema Siga Brasil, no sítio do Congresso Nacional (CN); e no sítio da Presidência da República.

Com o objetivo 0de afastar a possibilidade do cômputo em dobro que pode decorrer dos créditos extraordinários, optou-se por considerar os valores desses créditos como abertos e utilizados dentro do mesmo exercício financeiro.

4. RESULTADOS E ANÁLISES A análise aqui apresentada está organizada de acordo com o eixo temático exposto na seção anterior e abarca os quatro grandes temas da pesquisa de campo: Tema 1 - utilização sistemática de crédito extraordinário; Tema 2 - entendimento quanto aos pressupostos constitucionais de imprevisibilidade e urgência; Tema 3 - indícios de disfunções na elaboração e execução do orçamento ordinário; e Tema 4 - consequências da utilização de créditos extraordinários no Brasil.

4.1. Tema 1 - Utilização sistemática de crédito extraordinário No Tema 1, foram identificados as razões e os principais fatores que levam o Governo Federal à utilização sistemática de crédito extraordinário. Com relação a essas razões, identificaram-se sete categorias de respostas: Celeridade; Efetividade; Ausência de contraditório; Abrangência dos objetivos dos créditos extraordinários; Demora na tramitação no Congresso Nacional (CN); Deficiência no planejamento; e Falta de flexibilidade.

Pelas respostas obtidas, em relação a esse grupo de categorias, a utilização contumaz do crédito extraordinário possui mais aspectos negativos do que positivos. Como positivos, o crédito extraordinário foi descrito como um mecanismo de ação rápida e tempestiva com que conta o Governo Federal para promover alterações no orçamento e liberar recursos de maneira mais célere.

Também foi visto como um instrumento dotado de efetividade, uma vez que, aberto por medida provisória, pode ser imediatamente executado, ou seja, é possível realizar o gasto.

Todavia, pela ótica negativa, a abertura sistemática de crédito extraordinário foi vista como elemento que impede a discussão no parlamento acerca da alocação de recursos, vez que a execução imediata desses créditos independe da opinião do Congresso Nacional. Com a crescente utilização desse tipo de crédito, houve uma banalização desse instrumento, o que proporcionou, em razão de sua utilização em situações mais amplas, uma fuga dos objetivos constitucionais inicialmente previstos.

De outro lado, o uso sistemático do crédito extraordinário acaba evidenciando a deficiência do Governo Federal em planejar suas ações futuras. Em razão disso, necessidade de alterar-se o orçamento diversas vezes no curso de sua execução, seja por meio de créditos extraordinários, que lhe é mais conveniente, seja por meio dos créditos suplementares e especiais. Aliás, essas características encontram amparo tanto na teoria do orçamento repetitivo quanto na do orçamento incremental descrita por Wildavsky (2002) e Caiden e Wildavsky (2003), apesar de não mais viver o Brasil no nível de incerteza e instabilidade descritas por aqueles autores.

Identificou-se, ainda, que o uso sistemático do crédito extraordinário pelo Governo Federal é potencializado em função da demora da tramitação de outras modalidades de crédito (especial e suplementar) que são veiculados por projeto de lei. A inexistência de rito abreviado, até mesmo quando se trata de MP, é outro argumento utilizado para o uso mais acentuado do crédito extraordinário.

Outra razão desse uso contumaz repousa no fato de o orçamento brasileiro ser excessivamente detalhado e de baixa flexibilidade na sua fase de execução. Por essa visão, caso o orçamento federal possuísse autorizações orçamentárias mais amplas, que permitissem ao gestor realizar a transposição de recursos de uma área para outra, de acordo com o andamento de cada programa, não haveria necessidade de recorrer-se ao mecanismo da medida provisória para abrir crédito extraordinário. No Quadro_2 encontra-se o resumo sobre o Tema 1.

Com relação aos principais fatores causadores da abertura de crédito extraordinário pelo Governo Federal, identificaram-se sete categorias de respostas: Facilidade e conveniência; Baixa resistência no Congresso; Motivações políticas; Falta de flexibilidade; Deficiência do planejamento; Demora da tramitação no Congresso Nacional; e Redefinição de prioridades (Quadro_3).

Da análise desses fatores, apontados pelos entrevistados, infere-se que o crédito extraordinário é um instrumento conveniente e de fácil utilização pelo gestor, que pode utilizá-lo a qualquer tempo, permitindo discricionariedade - a decisão de aplicação dos recursos depende de quem edita a medida provisória - e execução imediata. É, também, o crédito extraordinário utilizado para cumprir acordos, como aumento de salário de servidores (despesa previsível por natureza), e para fazer frente a despesas de interesse do governo.

Conta o crédito extraordinário, ainda, com amplo respaldo político, talvez por permitir acomodação de pressões políticas que terminam viabilizando entendimentos positivos entre os atores envolvidos, ainda mais nos casos em que o chefe do Poder Executivo tem maioria frágil no Congresso Nacional. A falta de flexibilidade foi descrita pelos entrevistados como sendo fruto do excessivo detalhamento do orçamento e da baixa flexibilidade gerencial, percebidos desde o Plano Plurianual (PPA), que deveria ser um plano estratégico e acaba por definir até o nível de ação, além de fixar valores para um período de quatro anos. Segundo eles, esse engessamento força o Governo Federal a buscar instrumentos que permitam ajustes rápidos do orçamento. Nesse caso, o crédito extraordinário, vez que não necessita de aprovação a priori do Congresso Nacional.

Ainda segundo os entrevistados, a facilidade em utilizar esse tipo de crédito acaba por deixar transparecer a incapacidade do governo em planejar suas ações futuras. Essa utilização ampla e frequente aponta para a necessidade de se ter rito diferenciado, mais ágil, para aprovação dos demais tipos de créditos orçamentários (especial e suplementar), para que o Poder Executivo não veja no crédito extraordinário uma solução prática para todos os seus problemas orçamentários.

Outro fator destacado foi a necessidade de redefinição de prioridades no orçamento por parte dos atores envolvidos. O crédito extraordinário acaba por transformar-se em remédio encontrado para compatibilizar as novas prioridades com o orçamento em execução, no menor tempo possível. Esse fator, entretanto, acaba por ressaltar a dificuldade de elaboração de planejamento criterioso pelo governo, além de sugerir a tibieza do Congresso Nacional ao aceitar ficar à margem das discussões das políticas públicas.

4.2. Tema 2 - Entendimento quanto aos pressupostos de imprevisibilidade e urgência No Tema 2, procurou-se identificar o entendimento entre os entrevistados acerca do significado das expressões constitucionais imprevisibilidade e urgência, necessários à abertura do crédito extraordinário, bem como o grau de aderência das medidas provisórias que abriram créditos extraordinários nos últimos anos a esses pressupostos constitucionais.

Com relação ao significado das expressões constitucionais imprevisibilidade e urgência, pressupostos constitucionais à abertura do crédito extraordinário, verificou-se que podem ser agrupadas em duas categorias, vez que foram descritas pelos entrevistados com o sentido de Inesperado e excepcional e de Imediato.

Nas duas primeiras acepções, a expressão imprevisibilidadesignificaria um evento que foge à capacidade humana de prever. Uma situação anômala, excepcional e inesperada. Entretanto, um dos entrevistados ressaltou que o campo semântico das expressões imprevisibilidade e urgência, como postas na Constituição Federal, não deixou margem para necessidades econômicas inesperadas.

Quanto à expressão urgência, o seu significado foi descrito como uma necessidade de ação rápida e imediata do Estado para fazer frente a despesas inadiáveis, ou seja, nas palavras de um dos entrevistados: "urgente é a possibilidade de se abrir o crédito hoje e gastá-lo ontem, na pior das hipóteses, amanhã". No Quadro_4 encontra-se o resumo sobre o Tema 2.

Com relação ao grau de aderência aos pressupostos constitucionais da imprevisibilidade e da urgência das medidas provisórias que abriram créditos extraordinários, identificaram-se três categorias: Muitas desobedecem, Poucas desobedecem, e Não como medir, resumidas no Quadro_5.

Para 70,59% dos entrevistados, os requisitos constitucionais de imprevisibilidade e urgência não são obedecidos pelo Governo Federal ao abrir créditos extraordinários. Apenas um entrevistado afirmou que a abertura dos créditos extraordinários obedece aos requisitos constitucionais de imprevisibilidade e urgência, enquanto para 17,65% dos entrevistados não como medir se os requisitos constitucionais de imprevisibilidade e urgência são obedecidos ou não pelo Governo Federal ao abrir créditos extraordinários.

Com base nas respostas obtidas dos entrevistados e condensadas no Tema 2, levantaram-se todas as medidas provisórias que abriram créditos extraordinários no período de 1995 a 2010. Após esse levantamento, classificou-se cada crédito aberto segundo o entendimento de imprevisibilidade e urgência demonstrado pelos entrevistados (Tabela_1).

Como se pode verificar, os resultados apontam para a desobediência aos pressupostos constitucionais. Salvo os anos de 2000 e de 2009, em que os percentuais de despesas consideradas imprevisíveis e urgentes ficaram em 18% e 10%, nos demais casos, de maneira geral, 100% dos créditos extraordinários abertos por medida provisória, no período compreendido entre janeiro de 1995 e dezembro de 2010, não obedeceram aos requisitos constitucionais da imprevisibilidade e da urgência.

Esses dados também confirmam a preocupação do STF de que os pressupostos da imprevisibilidade e da urgência não estariam sendo observados na abertura de créditos extraordinários. Como demonstrado, praticamente 100% dos créditos extraordinários abertos nos últimos 16 anos não obedeceram aos ditames constitucionais, o que poderia configurar crime de responsabilidade, conforme assevera Harada (2008).

4.3. Tema 3 - Indícios de disfunções na elaboração e execução do orçamento ordinário No Tema 3, identificaram-se disfunções na elaboração e na execução do orçamento e no processo de aprovação dos créditos extraordinários. Em relação a essas disfunções, foi possível agrupar as respostas dos entrevistados em duas categorias: Existência de Orçamento Paralelo e Possibilidade de Contratação de Empresas sem Licitação. Essas duas categorias foram, ainda, subdivididas, o que permitiu colher respostas do tipo dicotômico sim e não, e do tipo tricotômico, sim, não, e não sabe, resumidas no Quadro_6.

Para 64,70% dos entrevistados, a abertura de crédito extraordinário cria uma espécie de orçamento paralelo, na medida em que se abrem créditos vultosos sem a participação a priorido Congresso Nacional, enquanto para 23,53% dos entrevistados não que se falar em orçamento paralelo. Quanto à Possibilidade de Contratação de Empresas sem Licitação, para 35,29% dos entrevistados a utilização crescente do crédito extraordinário pode ensejar a contratação de empresas sem licitação, enquanto para 41,17% dos entrevistados a simples abertura do crédito extraordinário não seria suficiente para a contração por dispensa de licitação. 23,53% dos entrevistados não souberam opinar ou simplesmente deixaram de emitir opinião.

Em relação ao processo de aprovação dos créditos extraordinários, identificaram-se três categorias de respostas: Aprovação Inócua pelo Congresso Nacional; Rito Ordinário de Tramitação; e Decisão Política. Com base nessas respostas, pôde-se inferir que, em decorrência da possibilidade de execução imediata do crédito extraordinário, a partir da edição da MP, a deliberação a posteriori do parlamento é vista como inócua, pois a MP passa a produzir efeitos imediatos e as despesas podem ser prontamente realizadas. Assim, na decisão para abertura desse tipo de crédito pelo Poder Executivo, em sua maioria os aspectos técnicos acabam sendo sobrepujados pelos aspectos políticos. Ainda segundo os entrevistados, o Presidente da República, em última análise, é quem avoca para si a responsabilidade pelas características constitucionais da medida provisória. O mesmo tratamento político repete-se no Poder Legislativo ao aprovar a MP. As Notas Técnicas elaboradas pelos Consultores de Orçamento não emitem opinião conclusiva, exatamente em razão da precedência dos aspectos políticos sobre os aspectos técnicos. As respostas dos entrevistados parecem corroborar o entendimento exposto por Peters (1995), de que as decisões sobre a alocação de recursos acabam sendo inerentemente políticas, ficando a racionalidade à margem do processo de alocação de recursos.

Em complemento ao Tema 3, procurou-se saber o que poderia ser feito para melhorar o controle e o acompanhamento da abertura dos créditos extraordinários, isto é, o que poderia ser feito para aperfeiçoar esse instrumento. As respostas dadas pelos entrevistados foram agrupadas em três categorias: Restringir o uso de medida provisória (MP) e Tornar a legislação mais clara; Aperfeiçoar o rito de análise no Congresso Nacional; e Flexibilidade.

Em síntese, apontou-se que uma possibilidade de controle e aperfeiçoamento da utilização dos créditos extraordinários seria restringir-lhe o uso aos casos previstos na Constituição, bem como editar a Lei Complementar, prevista no artigo 163 da CF de 1988, para regular, de forma mais clara, as situações de imprevisibilidade e de urgência nas quais caberia a abertura de crédito extraordinário. Outra medida que poderia surtir efeito seria o melhor uso da fase de admissibilidade da MP pelo Congresso Nacional. Nesse sentido, seria analisado inicialmente o atendimento dos pressupostos da imprevisibilidade, da urgência e da relevância. Essa análise deveria ser feita o mais rápido possível, dentro de 24 ou 48 horas. Outra providência importante seria tornar o trâmite dos créditos especiais e suplementares mais céleres, a fim de transformá-los em instrumentos eficazes a prover os ajustes orçamentários que se fizerem necessários.

Também seria necessário instituir um modelo de planejamento que viabilize menor detalhamento e seja capaz de dar tratamento adequado e flexível a despesas que, embora sem as características da imprevisibilidade e da urgência, necessitam ser realizadas. No caso dos investimentos que ultrapassem um exercício social, a plurianualidade orçamentária, por exemplo, poderia corrigir os problemas causados pela não aprovação tempestiva do orçamento pelo Congresso Nacional. As informações encontram-se resumidas no Quadro_7.

4.4. Tema 4 - Consequências da utilização de créditos extraordinários no Brasil No Tema 4, foram identificadas as principais consequências positivas e negativas da utilização frequente de créditos extraordinários, bem como a possibilidade da existência de elementos que possam complicar ou facilitar a elaboração e a execução do orçamento ordinário. Quanto às consequências da utilização frequente do crédito extraordinário, identificaram-se cinco categorias, que, dada a natureza das respostas, foram subdivididas em categorias positivas e negativas.

A Categoria negativa foi subdividida em: Ausência de discussão no Congresso Nacional; Deficiência no planejamento; Perda de oportunidade; e Desequilíbrio entre os poderes; ou seja, quatro categorias negativas. Na visão dos entrevistados integrantes do Poder Legislativo, a abertura frequente de crédito extraordinário por meio de MP acarreta perda de prerrogativa constitucional do Congresso Nacional em discutir a alocação de recursos públicos, o que leva ao enfraquecimento do Poder Legislativo, além de atrapalhar a produção legislativa como um todo. Entrevistados, tanto do Poder Legislativo quanto do Poder Executivo, apontaram, ainda, a deficiência no planejamento como uma consequência da utilização frequente de créditos extraordinários. Para eles, a deficiência do governo em planejar suas ações futuras acaba levando à utilização de uma medida que deveria ser excepcional para resolver seus problemas de planejamento.

Como positivo, identificaram-se somente a possibilidade de execução imediata e a flexibilidade para ajustar a execução orçamentária. Isso visto apenas pelos integrantes do Poder Executivo.

Como se verifica, foram identificados mais itens negativos do que positivos.

Segundo os entrevistados, a abertura frequente de créditos extraordinários por meio de MP, além de atrapalhar a produção legislativa do Congresso Nacional, subtrai parte das competências do Poder Legislativo e torna o Poder Executivo formulador e executor das políticas públicas. Esse uso irrestrito do crédito extraordinário como instrumento de reformulação do orçamento evidencia, de certa forma, a fragilidade do sistema de planejamento do Governo Federal que, ao modificar sistematicamente o orçamento, acaba por distorcer as programações que foram discutidas e aprovadas pelo Poder Legislativo.

Quando se abre um crédito extraordinário, em razão da autoexecutoriedade intrínseca da MP, ele pode ser executado imediatamente, criando obrigações para o Estado junto a terceiros, mesmo pendente de aprovação por parte do Congresso Nacional. Essa situação é vista por alguns dos entrevistados como um fator que compromete seriamente o funcionamento do Congresso Nacional, que termina por debruçar-se, sem necessidade e de forma absolutamente improdutiva, durante vários meses sobre matérias que foram resolvidas antes mesmo de chegarem ao parlamento.

Por fim, segundo o entendimento de um dos entrevistados, o uso da MP para abrir crédito extraordinário que não obedece aos requisitos constitucionais sobrepõe competências do Poder Legislativo, similar à situação vista no período ditatorial ao qual foi submetido o País por mais de 20 anos. No Quadro_8, encontra-se o resumo do Tema 4.

Quanto aos efeitos complicadores ou facilitadores para a elaboração e a execução do orçamento ordinário, em decorrência do uso contumaz do crédito extraordinário, identificaram-se quatro categorias de análise: Prejudica o processo de orçamentação; Facilita a execução pelo Executivo; Não facilita, nem prejudica; e Decisão unilateral do Executivo.

Com base nas respostas obtidas, depreende-se que a abertura contumaz de crédito extraordinário pelo Governo Federal é vista, por alguns, como elemento complicador no que se refere ao processo de elaboração e execução do orçamento.

Isso se explica em virtude de as despesas concorrerem com a mesma base de receita. Em decorrência da prioridade de execução dada ao crédito extraordinário, ele acaba tornando-se uma espécie de orçamento paralelo ou, pelo menos, uma forma de despesa privilegiada. Gozando o status de despesa privilegiada e levando-se em consideração a necessidade de se alcançar e manter a meta de superávit primário, pode ser necessário cancelar dotações constantes da Lei Orçamentária Anual (LOA), aprovadas pelo Congresso Nacional, para que a meta seja cumprida. Consignar dotações por meio de créditos extraordinários seria, pois, garantir a execução de determinado programa.

É de se notar, entretanto, que o desvirtuamento na utilização do crédito extraordinário desmoraliza o orçamento e torna a LOA um processo inócuo, vez que parte das despesas acaba por ser definida unilateralmente, ou seja, o Poder Executivo estabelece a prioridade e diz no que vai gastar, em detrimento do que constava do orçamento.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme os objetivos propostos para este estudo pode-se constatar que, visto de uma ótica mais operacional, o governo acaba se utilizando frequentemente do crédito extraordinário devido, principalmente: à sua celeridade, sendo um instrumento tempestivo; à sua efetividade, podendo ser executado imediatamente; à demora da tramitação no Congresso Nacional para aprovar os créditos suplementares e especiais; e à falta de flexibilidade para se ajustar o orçamento sem ter que se recorrer ao Poder Legislativo.

Por outro lado, visto de uma ótica mais política e de controle, constatou-se que a utilização frequente do crédito extraordinário distancia o Poder Legislativo de parte das decisões na alocação de recursos, ocorrendo, pois, ausência de contraditório e decisão unilateral por parte do Poder Executivo. Em relação ao entendimento existente quanto ao significado dos pressupostos constitucionais da imprevisibilidade e da urgência, apurou-se que o termo imprevisibilidade estaria relacionado a um evento que foge à capacidade humana de prever uma situação anômala, excepcional e inesperada. Quanto à expressão urgência, o seu significado foi descrito como uma necessidade de ação rápida e imediata do Estado para fazer frente a despesas inadiáveis.

Com base nesse entendimento, apurou-se que praticamente 100% dos créditos extraordinários abertos por medida provisória entre 1995 e 2010 não obedeceram aos requisitos constitucionais da imprevisibilidade e da urgência. Apenas nos anos de 2000 e 2009 é que esse percentual ficou abaixo de 96%. Esse resultado corroborou o sentimento do STF de que os pressupostos da imprevisibilidade e da urgência não estariam sendo observados na abertura de créditos extraordinários.

Essa desobediência é preocupante na medida em que pode configurar crime de responsabilidade praticado pelo Presidente da República por atentar contra a lei orçamentária, como previsto no artigo 85, inciso VI, da CF de 1988.

Constatou-se, ainda, forte influência política na alocação dos recursos públicos em detrimento a um processo de escolha que possuísse bases racionais, bem como indícios da prática do orçamento repetitivo, descritos por Caiden e Wildavisky (2003) como característica peculiar de países pobres, carentes de estabilidade econômica e política em contradição, por exemplo, ao orçamento incremental.

Como limitações da pesquisa, ressalta-se o número de entrevistados, 17, que pode ser considerado relativamente baixo. Contudo, os atores entrevistados, por estarem envolvidos no processo de formulação, aprovação e controle das políticas orçamentárias, são capazes de fornecer um recorte significativo da realidade. Destaca-se, ainda, a carência de estudos realizados acerca do tema, a despeito de alguns poucos trabalhos acadêmicos, o que levou a realizar uma revisão bibliográfica fortemente baseada em normas, mas isso não diminui a importância da pesquisa.

Sugerem-se, como estudos complementares a esta pesquisa: investigar empiricamente a possibilidade de o crédito extraordinário estar sendo utilizado para fugir ao processo licitatório; e utilizar métodos quantitativos para verificar a possível existência de relacionamento entre variáveis como Produto Interno Bruto (PIB), dívida pública, superávit primário, período eleitoral, entre outras, com a variável crédito extraordinário.


transferir texto