Estruturação de redes sociais virtuais em organizações: um estudo de caso
1. INTRODUÇÃO
As redes sociais virtuais (RSV) são espaços de colaboração e de interação
abertas à participação das pessoas interessadas em temas específicos. Essas
redes são baseadas em diferentes tecnologias de interação, tais como Orkut,
Facebook, Twitter e blogs. Sua difusão favorece o desenvolvimento de relações
não hierárquicas, alterando o entendimento de tempo e espaço e impactando o
comportamento humano, pois tais redes reforçam os laços relacionais e
proporcionam mudanças nos modos de comunicar e de interagir das pessoas
(Gabriel, 2010).
Em estudos sobre as RSV analisaram-se os sites de relacionamento como
ferramentas de socialização e de marketing e, também, tratou-se de seu uso
pelos funcionários das organizações e os decorrentes prejuízos para o
rendimento do trabalho (Añaña, Vieira, Petroll, Petersen-Wagner, & Costa,
2006; Albuquerque, Pereira & Bellini, 2011). Outras questões decorrem da
implantação das RSV nas organizações, tais como mudanças nas estruturas
relacionais que desafiam a noção de hierarquia existente e as próprias
fronteiras organizacionais, muitas vezes redefinidas em razão da flexibilidade,
da temporalidade e da virtualidade proporcionadas pelas redes (Gabriel, 2010).
As redes sociais virtuais organizacionais (RSVO) têm suas finalidades mais bem
explicitadas do que as redes abertas, apresentando diferentes níveis de
formalização com base em seus objetivos e no perfil dos participantes (Aguiar,
2006). Essas redes podem ser empregadas para a construção e a disseminação do
conhecimento e para o desenvolvimento de novas formas de organização do
trabalho em estruturas horizontalizadas, nas quais os participantes mudam em
função das interações que ocorrem.
No decorrer da estruturação deste estudo, realizou-se um levantamento da
produção científica nacional sobre redes sociais e tecnologias de informação e
comunicação (TIC). Constatou-se que, apesar do crescente interesse pelas redes
devido ao impacto da Internet, poucas pesquisas empíricas tratam da variedade
de práticas sociais nas redes, em especial nas organizações. Em sua análise,
Aguiar (2006) destaca que a ênfase das abordagens de redes tem sido mais
estrutural do que relacional. Segundo a autora, a análise das redes é
fortemente influenciada pela tradição estruturalista e baseada em sociometria
(Mizruchi, 2006). Mesmo que amplamente utilizada na literatura, essa abordagem
apresenta limitações, pois reforça apenas a expressão gráfica das relações, não
contemplando seu significado (Emirbayer & Goodwin, 1994). Complementando,
as RSV não são tratadas como algo dinâmico, em constante mutação e
transformação, atributos essenciais que são consequência das interações sociais
que nelas ocorrem (Thacker, 2004; Recuero, 2009).
A análise de redes por meio da sociologia estrutural é, por sua vez, incapaz de
lidar com o conteúdo cultural da ação social (Mizruchi, 2006). Desse modo, as
RSVO devem ser observadas como um processo ativo, pois os espaços de interação
alteram-se em relação ao significado dos eventos que ocorrem nas organizações,
ao mesmo tempo em que os atores adicionam contexto, interpretação e significado
a essas redes por meio das informações que transmitem (Kilduff & Tsai,
2003; Cross & Parker, 2004).
Frente a isso, entende-se que a teoria da estruturação (TE), de Anthony
Giddens, permite melhor compreender as RSVO como construídas física e
socialmente pelos atores, considerando elementos de seu contexto. Outra questão
importante, que reforça o uso da TE, é que essa teoria fundamenta uma visão
processual e estrutural da organização (de sua dinâmica e de suas estruturas).
A incorporação da lógica da recursividade é essencial para o estudo das RSV,
pois permite analisar a rede ao longo do tempo e olhar como as ações se
regularizam e se tornam recorrentes. Isso tudo constitui seu processo de
estruturação.
Considerando-se o até aqui exposto, o objetivo neste estudo é compreender o
processo de estruturação das RSVO, usando a TE como teoria de base.
Identificando e analisando as práticas organizacionais resultantes das
interações nas RSV, procura-se contribuir para o entendimento dessas redes como
instrumento de trabalho e que servem de espaço de discussão de ideias e
projetos e de integração dos atores envolvidos.
A pesquisa realizada abarca um estudo de caso longitudinal único em uma
instituição federal de ensino superior, aqui denominada de universidade, que
está localizada geograficamente em dez campi. Ela foi escolhida como campo de
estudo por valorizar as RSVO para desenvolver seus cursos de graduação,
entendendo-as como um espaço de comunicação, interação e integração de seus
membros.
Visando atender aos objetivos do estudo, organizou-se este artigo em cinco
seções, em que se abordam, inicialmente, a temática da pesquisa e os objetivos
propostos. A seguir, descrevem-se os elementos teóricos norteadores do estudo,
o caso investigado e os procedimentos metodológicos adotados. Na sequência,
apresenta-se o processo de estruturação das três RSVO estudadas, com base na
dimensão tempo e espaço e no processo de estruturação. Por fim, destacam-se
elementos constituintes de uma RSVO, com o propósito de contribuir para a
difusão de seu uso como instrumento de gestão em organizações e oferecem-se
direcionamentos para pesquisas futuras.
2. REDES SOCIAIS VIRTUAIS ORGANIZACIONAIS
As RSV são definidas como uma composição social formada por indivíduos que
estão interligados por um ou mais tipos de interdependência, que se efetivam em
uma interação mediada por TIC (Garton, Haythornthwaite & Wellman, 1999;
Sangwan, Guan & Siguaw, 2009). As redes sociais têm a ver com pessoas e
relacionamentos entre elas, e não somente com tecnologias. Sua essência é a
comunicação e as TIC são elementos que facilitam as interações (Gabriel, 2010).
As RSV em organizações podem ser entendidas como redes em contextos
específicos, com determinadas características, como a intencionalidade de
objetivos. Investigá-las envolve entender como os participantes se organizam e
se mobilizam para integrar essas redes e como as alterações estruturais (e suas
motivações) ocorrem. Também é preciso analisar como os integrantes da rede
lidam com as orientações e normas da organização, as relações de poder
existentes e os movimentos que ocorrem na rede, que podem levar a sua
continuidade ou descontinuidade.
Com base nessas reflexões, destacam-se dois aspectos que contribuem para a
relevância desta pesquisa: o estudo de RSV no contexto organizacional e o uso
da teoria da estruturação para investigá-las. Visando aprofundar esses temas,
na continuidade abordam-se questões teóricas que sustentam o olhar sobre o
processo de estruturação das RSVO e descrevem-se elementos que caracterizam e
distinguem essas redes.
2.1. O processo de estruturação de redes sociais virtuais em organizações
A TE, desenvolvida por Giddens (2009), possibilita compreender o papel das RSV
na representação e na construção da realidade organizacional (Orlikowski, 1992;
Pozzebon & Pinsonneault, 2005; Thompson, 2012). Destacam-se as reflexões
sobre as dimensões tempo e espaço e a dualidade da estrutura, as quais são
utilizadas como arcabouço conceitual para entender as RSV no contexto
organizacional, pois as consideram como um fenômeno social.
A estruturação é entendida como o conjunto de condições que direciona a
continuidade ou a transformação de estruturas, e como a reprodução de sistemas
sociais que compreendem "as relações produzidas entre atores ou coletividades,
organizadas como práticas sociais regulares" (Giddens, 2009, p. 29). A
estruturação abarca o modo e as condições sob as quais as estruturas existem e
se transformam através do sistema social. Esse sistema compreende o conjunto de
atividades e relações dos atores reproduzidas no tempo e no espaço,
constituindo estruturas que pertencem às coletividades, como é o caso das RSVO
(Giddens, 2009). Portanto, a estruturação pode ser entendida como o
relacionamento recursivo e interativo de influência mútua entre ação e
estrutura (Avgerou, 2002; Thompson, 2012).
Essas propriedades estruturais, ao mesmo tempo em que permitem e condicionam a
ação humana, são reproduzidas pelos atores (Luvizan, 2009). A TE concebe a
estrutura como "um conjunto de regras e recursos implicados, de modo recursivo,
na reprodução social; as características institucionalizadas de sistemas
sociais têm propriedades estruturais no sentido de que as relações estão
estabilizadas no tempo e no espaço" (Giddens, 2009, p. XXXV).
Ao discutir a dualidade da estrutura (Figura_1), Junquilho (2003) salienta que
Giddens (2009) enfatiza a interação humana como composta de dimensões e
modalidades que indicam a associação entre a ação humana (de interação) e a
estrutura. As dimensões da estrutura compreendem significação, dominação e
legitimação, enquanto o domínio da interação envolve comunicação, poder e
sanção. As modalidades são os esquemas interpretativos, as facilidades (ou
recursos) e as normas. Elas servem de mediadoras entre a estrutura e a
interação nos processos de produção e reprodução do social, e os atores apoiam-
se nelas para reproduzir os sistemas de interação e, com isso, reconstituir
suas propriedades estruturais (Giddens, 2009).
A significação é mediada pelos esquemas interpretativos que expressam os
conhecimentos dos atores sociais sobre a realidade, compartilhando,
interpretando e comunicando significados nos processos de interação (Junquilho,
2003). Os esquemas interpretativos podem ser transformados em ação cotidiana,
representando condicionamentos da dimensão estrutural e evidenciando
significados de regras sociais que informam, restringem e tornam possível a
comunicação no nível da interação (Giddens, 2009).
A estrutura existe, também, por meio dos conhecimentos que os atores têm a
respeito de suas atividades cotidianas, tendo em vista que o ator social é
reflexivo e sabe como definir sua forma de agir (Junquilho, 2003). Portanto, a
estrutura envolve a configuração dos aspectos que constituem uma representação
social, constituindo uma dinâmica própria de construção de significado (Silva,
Carrieri & Junquilho, 2011).
As práticas sociais (re)produzem formas de dominação que são regularizadas ao
longo do tempo e do espaço (Junquilho, 2003). Por isso, uma questão importante
refere-se às discussões sobre a dominação, pois os recursos (facilidades) são
meios utilizados pelos atores para alcançar objetivos e resultados que lhes
interessam, transformando a realidade. É por meio dos recursos que o poder é
exercido, compreendendo a capacidade transformadora, ou seja, a habilidade de
um ator em intervir numa dada realidade ou em cenários específicos, alterando-
os de alguma maneira (Junquilho, 2003).
As normas viabilizam a legitimação de determinada ordem e sua sanção pelos
atores no domínio da interação. São responsáveis por comportamentos legitimados
institucionalmente, reforçando a ordem normativa na vida social cotidiana
(Junquilho, 2003). As normas evidenciam um conjunto de regras que condicionam e
orientam a ação humana na interação, facilitando ou restringindo as ações
sociais (Giddens, 2009).
O contexto em que a ação e a estrutura ocorrem é outra questão essencial na TE.
O entendimento do processo de estruturação perpassa o conhecimento de como os
atores veem o tempo e o espaço em que estão envolvidos e como os articulam com
suas ações, agindo de acordo com o contexto cultural em que estão inseridos
(Rodrigues, 2008). Para Giddens (2009), a investigação social possui dimensões
culturais, etnográficas e antropológicas que não devem ser negligenciadas,
sendo importante o estudo do contexto institucionalizado e dos padrões de
interação entre tempo e espaço. Com base nesses elementos, a TE possibilita que
os fenômenos organizacionais sejam estudados tomando sua estrutura como uma
abstração em que as regras e os recursos do sistema social se relacionam em um
processo.
As RSVO são estruturas que conectam indivíduos que interagem por um interesse
ou devido a relações afetivas. Elas passam a ter significado quando inseridas
no contexto organizacional. O uso da TE pode levar à compreensão das estruturas
subjacentes que emergem das interações, refletindo o dinamismo fundamental das
redes. Permite investigá-las como causa e consequência da estrutura da rede e
das demais propriedades da organização, entendendo-as como influenciadas pelos
diferentes estágios temporais e pelo contexto em que se institucionaliza.
2.2. As redes sociais virtuais em organizações
As RSVO formam espaços de colaboração e interação entre os membros de uma
organização. Franco (2011) indica que essas redes podem ter dificuldade de
estabelecer-se, ao mencionar que as organizações foram desenhadas,
historicamente, para direcionar e disciplinar as interações e não para deixá-
las fluir. O autor entende que é preciso repensar o padrão da rede
organizacional, além de identificar que redes implantadas por instâncias
hierárquicas ou que foquem mais nisso do que nas pessoas podem não ter
resultados efetivos. Tal situação ocorre porque a interligação entre os atores
não caracteriza a existência da rede, é preciso que exista horizontalidade das
relações, negociação entre os atores e colaboração (Santaliestra, 2007).
Franco (2011) avalia que as RSVO são ambientes de liberdade e voluntariado, não
devendo ter escopo e finalidade prefixados, e Aguiar (2006) afirma que elas
tendem a ser abertas à participação por afinidades. Segundo Orlikowski, Yates,
Okamura e Fujimoto (1995), essas redes permitem aos atores expandirem o
contexto e as fronteiras organizacionais, de modo a colaborarem mais
eficientemente, acarretando mudanças para o trabalho e para a comunicação. Isso
pode resultar em um novo desenho organizacional.
As principais características das RSVO, segundo Ayres (2001), são: a existência
de um propósito unificador e de um conjunto de valores compartilhado pelos
participantes, de forma esclarecedora, democrática e explícita; a independência
dos participantes, que são automotivados e integram a rede por vontade própria;
e as interligações voluntárias - os atores relacionam-se e realizam tarefas de
forma voluntária e automotivada, podendo escolher seus interlocutores e optar
por trabalhar em projetos que os ajudem a cumprir seus objetivos pessoais e
organizacionais. A autora ainda cita que as redes podem possuir uma
multiplicidade de líderes, os quais assumem e mantêm compromissos e também
aceitam ser liderados, existindo descentralização, independência, diversidade e
fluidez de lideranças.
Santaliestra (2007), por sua vez, menciona as seguintes características das
redes sociais, também observáveis nas redes organizacionais: a existência de
objetivos comuns aos participantes; a convivência com o diferente (tempos,
atores, culturas e processos heterogêneos); a circulação de informações e a
produção de conhecimentos; a articulação, participação, colaboração e
cooperação; a horizontalidade nas relações e a não hierarquização; a
socialização do poder; e a negociação. Muitas das características descritas por
Ayres (2001) e Santaliestra (2007) são sintetizadas por DiMicco et al. (2008),
que ressaltam que as RSVO possibilitam o desenvolvimento de relacionamentos
horizontais e não hierárquicos entre os participantes, conectados a partir do
compartilhamento de objetivos e valores comuns.
A partir dessas proposições, pode-se depreender que uma rede organizacional é
social quando pressupõe a interligação e, também, a transposição de fronteiras,
sejam geográficas, hierárquicas, sociais ou políticas.
As RSVO são mediadas pela tecnologia, pois sua essência são a interação e a
comunicação. As TIC são facilitadores porque nenhuma ferramenta tecnológica
promove a existência das redes nem a concretização da colaboração. Ambas estão
relacionadas à atitude das pessoas que percebem a tecnologia como um
instrumento de efetivação das interações.
Ayres (2001) também considera que uma RSVO vai além da simples troca de
informações sobre o trabalho que um grupo realiza. Para que ela se constitua,
os atores participantes devem efetivar, conjuntamente, ações concretas que
modificam as organizações, auxiliando-os a alcançar seus objetivos. Cabe
mencionar que não existe obrigatoriedade de interação contínua e de
empreendimentos comuns, isso ocorre à medida que a rede define objetivos de
trabalho. Do mesmo modo, não há limitações quanto ao tipo de conteúdo que pode
ser compartilhado (DiMicco et al., 2008).
As RSVO pressupõem a existência de vínculos profissionais entre os atores, que
estabelecem relações horizontais em um ambiente participativo, e as interações
nas RSVO podem ocorrer em grupos formalmente constituídos. Seu funcionamento é
determinado pela organização e voltado para uma tarefa concreta e objetiva,
definida deliberadamente. As interações também podem formar-se espontaneamente
quando da discussão de ideias e opiniões. Em ambas as situações, as RSVO devem
ser abertas, favorecendo a articulação dos atores da rede com atores de outras,
pois a organização não é um ente isolado.
As relações nas redes muitas vezes acarretam papéis com funções definidas, que
podem ser estruturados com base nos objetivos do grupo, numa agenda ou num
plano de atividades. E as redes permitem expansão ilimitada, agregando novos
participantes a qualquer tempo, muitos dos quais, por sua vez, efetivam
ligações com outros atores e redes, criando elos invisíveis e dificultando a
delimitação das fronteiras da rede, que pode ultrapassar os contornos
organizacionais.
Para os propósitos da pesquisa, as RSVO são conceituadas como interações entre
atores, mediadas ou não pelas TIC, constituindo um espaço participativo com
certo grau de formalização nas atividades, nas quais os atores envolvidos
adotam objetivos específicos. Essas redes são influenciadas pelas organizações
que as hospedam.
3. O ESTUDO DE CASO
O objetivo do estudo é compreender o processo de estruturação de RSVO. Adotou-
se uma abordagem qualitativa, fundamentada em estudo de caso único como
estratégia de investigação. Essa estratégia é considerada apropriada para
entender a natureza de fenômenos sociais como o desenvolvimento e o uso de
redes sociais, pois facilita a coleta de informações e a análise do
comportamento e das ações de grupos e pessoas em seu cotidiano (Yin, 2005).
Como os limites entre o fenômeno estudado (a estruturação das redes) e o
contexto (a organização) não são claros, o estudo de caso bem como a
metodologia de coleta de dados utilizada - entrevistas, observação participante
e análise de documentos - permitem efetuar um estudo em profundidade.
3.1. A organização
A organização é uma universidade e três RSVO são as unidades de análise. As
redes são fóruns de discussão e de deliberação - o Fórum de Engenharias e
Ciências Exatas, de Licenciaturas e de Ciências Sociais Aplicadas -, que têm
como objeto os cursos de graduação dessas áreas de conhecimento e abordam temas
de interesse de seus participantes e da instituição.
A universidade, pública, iniciou suas atividades em 2006, atua em dez campi
localizados em cidades diferentes e oferece muitos cursos de graduação de
diversas áreas do conhecimento. A universidade foi selecionada por seu
desenvolvimento estar alicerçado no uso de ferramentas TIC, que facilita a
organização de equipes de trabalho distribuídas geograficamente nos campi, e
por sua ação para formar RSVO. Essas redes são por ela entendidas como um
espaço de comunicação, interação e integração de seus membros e como uma
possibilidade de troca de experiências e de formação da cultura organizacional.
Também contribuiu para essa escolha a existência de uma estrutura formal para
apoiar os fóruns, assim como a possibilidade dada aos pesquisadores de
participar do dia a dia desses fóruns e de ter acesso irrestrito a seus
integrantes e aos dirigentes da universidade. Cabe mencionar que os
pesquisadores exerceram suas atividades profissionais na instituição quando da
realização do estudo.
Os três fóruns foram selecionados em função de seu grau de consolidação e da
possibilidade de um dos pesquisadores integrar, como membro ativo, um dos
fóruns - o de Ciências Sociais Aplicadas - desde o momento de sua criação, e de
participar dos outros dois fóruns como observador participante. Eles apresentam
as características de redes sociais indicadas por Aguiar (2006),
respectivamente a horizontalidade (e por vezes uma verticalidade, por tratar-se
de redes organizacionais) das interconexões e do fluxo de informações, a
democratização dos processos decisórios e a existência de uma temática e de
objetivos (que motivaram seus participantes). Esses temas desdobraram-se em
subtemas de interesse específico que surgiram com o desenvolvimento das
interações. Essas redes são entendidas como espaços virtuais porque seus
membros estão distribuídos geograficamente e utilizam TIC para que o ambiente
se mantenha ativo nos intervalos entre os encontros presenciais.
Para integrar os fóruns, a universidade convidou os coordenadores de cursos de
graduação da área temática, os coordenadores acadêmicos dos campi, professores
e técnicos administrativos em educação envolvidos com os cursos. A participação
dos coordenadores de cursos e dos técnicos em assuntos educacionais foi
recomendada pela organização, enquanto os demais integrantes participaram
espontaneamente, conforme seu interesse.
Com base na experiência vivenciada com a criação do primeiro fórum, a
universidade sugeriu a realização de reuniões presenciais periódicas
previamente agendadas (cujo número máximo anual foi delimitado por razões
orçamentárias) e a indicação de um coordenador do fórum (com mandato entre um e
dois anos). Essas sugestões (não mandatórias) para o bom funcionamento dos
fóruns foram rediscutidas em cada um deles. Além dessas características comuns
- origem, frequência dos encontros e participantes -, também há características
peculiares a cada rede. A área de conhecimento é a principal delas, porque
condiciona a formação dos integrantes, bem como o projeto pedagógico dos cursos
de graduação. Isso resultou em diferentes concepções da rede pelos grupos, bem
como de seus objetivos e ações. As redes também se distinguem quanto ao
comportamento e às competências dos atores, à temporalidade das discussões, e
às ações.
3.2. A metodologia de pesquisa
O estudo de caso durou 18 meses. O protocolo de pesquisa adotado teve como
propósito aumentar a confiabilidade da pesquisa e compreendeu a organização das
observações feitas nas três unidades de análise, o uso do diário de campo, os
desdobramentos da questão de pesquisa em questões que orientaram a observação e
o roteiro das entrevistas, o cronograma de execução, o recenseamento dos
documentos coletados e analisados, e a organização da coleta e da análise dos
dados.
A observação participante visou apreender a complexidade do campo e foi
orientada pelas questões de pesquisa (Flick, 2009). A observação de reuniões
presenciais voltou-se para o funcionamento da rede e as interações existentes,
procurando restringir o olhar do pesquisador aos problemas e às ações mais
essenciais - indícios, processos e exemplos das práticas descobertas. O
processo de articulação dos dados deu-se com o auxílio das anotações de campo.
Para os registros no diário de campo, foram adotadas as indicações apresentadas
por Crang e Cook (2007): espaço e tempo; pessoas; objetos e artefatos; ações;
debates; participação e reflexões do pesquisador.
As entrevistas possibilitaram a coleta de informações para melhor compreender
os papéis, as ações e as interações dos integrantes das redes e para resgatar
aspectos históricos que antecederam a entrada no campo do observador
participante. Foi adotada uma sistemática conversacional livre em torno do tema
da pesquisa e de seus desdobramentos, o que favoreceu a emergência de novas
perguntas. O roteiro teve como base a TE e abrangeu questionamentos sobre como
os atores concebem a rede social virtual, como caracterizam o ambiente de
atuação da rede e suas fronteiras, como definem seus papéis na rede e como
descrevem suas ações, atuações e interações, seus processos de comunicação e os
resultados da rede, incluindo reflexões quanto a seu significado.
A análise documental utilizou informações de e-mails, fóruns virtuais, chats,
arquivos e documentos estudados ou construídos pelas redes, tais como
legislação de cursos, projeto institucional (Universidade Federal do Pampa
[Unipampa], 2009), projeto pedagógico institucional, normas acadêmicas,
projetos pedagógicos dos cursos (PPC), convites e pautas dos encontros
presenciais, relatos das reuniões, documentos de trabalho, artigos e outras
fontes bibliográficas consultadas pelos integrantes das redes, além de
apontamentos referentes à história da organização e das RSVO.
As informações coletadas foram sumarizadas com base nas temáticas que emergiram
das aproximações teóricas entre as RSVO e a TE. A partir dessa classificação,
inicialmente foram detectadas similaridades e diferenças entre as redes. A
seguir, procurou-se caracterizar na análise as dimensões tempo e espaço e a
dualidade da estrutura, para descrever-se o processo de estruturação das RSVO,
e procurou-se identificar sua estrutura e seus elementos constituintes. Essas
etapas da análise foram adaptadas de Crang e Cook (2007).
Os pressupostos da TE nortearam todo o processo da pesquisa, desde a coleta até
a conclusão da análise dos dados, resultando em um processo recorrente de
retomada da coleta de dados no decorrer da análise. Desse modo, a análise dos
dados da pesquisa permitiu abordar as redes sociais virtuais imbricadas em um
contexto social. Adotando tal posicionamento, os pesquisadores assumiram que o
conhecimento da realidade é gerado pelas construções e pelas relações sociais,
seguindo as proposições de Klein e Myers (1999) para uma abordagem
interpretativa.
4. ANÁLISE DO PROCESSO DE ESTRUTURAÇÃO DAS REDES SOCIAIS VIRTUAIS EM
ORGANIZAÇÕES
A compreensão do processo de estruturação das RSVO envolveu analisar questões
sociais que contribuíram para a dinâmica das redes, incluindo práticas que
emergem do contexto, estruturas e significados criados, mantidos e alterados
por seus participantes (Rosenbaum & Shachaf, 2010). A TE como base teórica,
por meio das dimensões tempo e espaço e da dualidade da estrutura, ensejou a
análise de como as redes se formam, se sustentam e se alteram quando da busca
do entendimento de suas trajetórias e de sua dinâmica.
Ao todo foram observadas dez reuniões presenciais; foram realizadas 28
entrevistas com participantes das redes (coordenadores das redes, atores-chave,
equipe de apoio à organização das redes) e com dirigentes (atuais e anteriores)
da universidade; e foram analisados mais de 50 documentos.
4.1. As dimensões tempo e espaço
Na Figura_2, destacam-se as dimensões tempo e espaço investigadas nas RSVO, bem
como os resultados que as caracterizam.
Nas dimensões tempo e espaço, evidenciou-se o contexto histórico e social que
dá estrutura e significado às interações nas RSVO (Rosenbaum & Shachaf,
2010). As redes devem ser compreendidas a partir de sua dinâmica e de como as
práticas sociais podem ser reestruturadas por meio das condições temporais e
espaciais. Ao compreender essas dimensões, percebeu-se que as fronteiras das
RSVO são permeáveis, expandem-se e encolhem constantemente, apresentando
limites porosos. Por ser uma rede organizacional, tendo como aglutinadores os
cursos de graduação de áreas de conhecimento específicas, a própria organização
e os cursos que participaram dos fóruns deram um contorno às fronteiras
espaçotemporais da rede. Os encontros presenciais balizaram o desenho da rede,
restringindo-se aos limites espaciais e temporais da organização. Contudo, esse
desenho ampliou-se por meio das ações virtuais, favorecendo a continuidade das
interações e a aproximação entre os atores distribuídos geograficamente nos
diferentes campi e, também, fora da instituição.
As interações virtuais efetivaram-se por meio de diversas tecnologias,
abrangendo ferramentas de elaboração de textos colaborativos, tecnologias de
trocas de mensagens de texto, de videoconferência e chat, entre outros. As
definições de qual ferramenta utilizar têm a ver com as atividades
desenvolvidas na rede e com a atuação do coordenador do fórum, que possui um
importante papel de incentivador e de motivador dessas interações.
Foram constatados diferentes níveis de incorporação de tecnologia e o uso
descontínuo de algumas ferramentas, sendo essas escolhidas (ou deixando de ser
utilizadas) à medida que foram definidos objetivos e tarefas a serem
desenvolvidos. A infraestrutura tecnológica adotada caracteriza a virtualidade
da rede, impondo restrições ou induzindo os atores em suas ações. No entanto,
dada a liberdade de ação, os atores inclusive restringiram voluntariamente as
tecnologias utilizadas.
Os encontros presenciais foram valorizados pelos atores, porque permitem
conhecer a universidade e facilitam o ingresso de novos participantes na rede.
Por isso, entendeu-se que as interações presenciais e virtuais descrevem o
contexto das redes e configuram-se como seus elementos estruturantes,
expressando a operacionalização de sua estrutura.
À medida que foram definidas as ações nas redes, formaram-se grupos de
trabalho, que são comunidades com tarefas específicas que interagem com maior
frequência. Esse fenômeno é denominado de clusterização nas redes (Franco,
2009). Outro importante aspecto envolveu a temporalidade das ações, tendo uma
relação próxima com a atuação de seus membros e como eles entendem a urgência
de resultados nas interações. Em alguns casos, foi realçada a necessidade de
objetivação das atividades da rede e dos encontros, requerendo decisões
imediatas.
Cada rede definiu as sistemáticas e os procedimentos considerados adequados
para a execução de suas ações e interações. As ferramentas escolhidas para a
gestão das redes e das interações virtuais condicionaram o contexto da rede e
suas dimensões tempo e espaço e constituem-se em elementos estruturais que
delimitam as ações dos atores, visto que as estruturas são, ao mesmo tempo,
habilitadoras e inibidoras das atividades.
4.2. A dualidade da estrutura
Observar o processo de estruturação das RSVO implica conhecer a relação dual
entre ação e estrutura. A dualidade é fundamental para compreender as RSVO, sua
evolução ao longo do tempo, as relações entre as práticas e a identidade dos
participantes e da organização, indicando como as interações e a estrutura da
rede se mantêm e se alteram (Rosenbaum & Shachaf, 2010). A recursividade
das interações evidenciada pela TE revela que as redes estão em constante
construção, fazendo com que, a cada nova interação, esses elementos possam ser
reforçados ou reorganizados com base nas atividades e nos objetivos dos grupos.
Na Figura_3, mostram-se elementos da dualidade da estrutura e suas aproximações
com as RSVO, destacando-se a reprodução das práticas sociais que as delineiam.
No entanto, a figura não mostra claramente a dinâmica da rede (que é melhor
observada na Figura_1), que faculta a emergência de novos elementos estruturais
a cada interação. A recursividade indicada pela TE reforça que as redes e suas
estruturas dificilmente podem ser planejadas a priori e gerenciadas durante as
ações. As redes resultam das interações e deixam de existir quando a
organização procura definir suas ações e sua estrutura, visto que ambas são
consequência das relações entre os atores.
As RSVO foram consideradas um elemento integrador dos atores distribuídos
geograficamente nos dez campi e constituíram uma oportunidade para as pessoas
conhecerem-se e reconhecerem-se na universidade. A significação, mediada por
esquemas interpretativos, proporcionou a comunicação e o compartilhamento do
conhecimento por meio da ação social na produção e na reprodução da rede.
Refletir quanto à significação das RSVO conduz ao sentido produzido pelos
atores para as interações e as comunicações efetivadas, seus elementos e
atributos. As observações e as entrevistas evidenciaram que os atores, ao
interagirem, são agentes reflexivos, e que a rede, por si só, também é um
espaço para reflexão sobre o trabalho e a universidade. Além disso, a rede é um
espaço de compartilhamento de conhecimento, experiências e práticas,
propiciando que os saberes compartilhados agreguem os participantes em torno de
atividades comuns.
Tais ponderações permitem concluir que diferentes são as necessidades
informacionais da rede, muitas vezes relacionadas às ações específicas
realizadas pelo grupo. As necessidades informacionais compreenderam
instrumentos legais, normativas, editais, conhecimentos especializados sobre
assuntos e áreas específicas. Os recursos necessários para o provimento dessas
necessidades informacionais configuram-se como elementos da estrutura da rede,
que facilitam ou restringem as interações.
As redes foram constituindo-se como um espaço participativo. Isso ocorreu à
medida que o grupo foi se apropriando dos fóruns e que esses passaram a ter um
significado para os integrantes, que os assumiram em função das ações
coletivas. Independentemente de ter tarefas mais específicas ou de ser um
espaço aberto de reflexão, a rede é caracterizada pelas interações horizontais,
constituindo-se em um espaço participativo no qual todos são integrantes da
rede devido à afinidade com a área de conhecimento, não havendo relação com a
função e o cargo fora dela. Essas características delinearam o funcionamento da
rede, que é constituída por elementos estruturais como papéis (coordenação),
recursos, agenda (pauta), normas e organicidade.
Para a sustentação das RSVO existe a necessidade de um elemento que articule o
grupo. Alguns entrevistados registraram a importância de a rede fazer sentido
para as pessoas e a importância da percepção dos resultados e do retorno de sua
participação, decisivo para a sustentação e a consolidação da rede. Desse modo,
são necessários objetivos que justifiquem o trabalho coletivo, deem unidade e
sirvam de elo entre os membros da rede. Evidenciou-se que os atores identificam
mecanismos que tornam viva a estrutura da rede e representam a ação coletiva.
As redes, devido à horizontalidade das interações, proporcionaram uma
aproximação com os gestores da universidade. Isso favoreceu a circulação da
informação e possibilitou aos participantes apresentarem suas reivindicações
ou, até mesmo, conhecerem pessoalmente os gestores. Franco (2009) afirma que as
redes podem contribuir para um movimento de desconstituição da hierarquia,
permitindo que seus integrantes tenham mais acesso a pessoas e recursos, já que
ela estabelece fluxos de trocas, intercâmbios e aumento da empatia com os
demais. Esse elemento envolve a dimensão dominação, compreende a distribuição
de recursos, denominada facilidade por Giddens (2009), e a análise de como essa
distribuição influencia os atores e as interações (poder) nas RSVO. Requer,
também, a observação das ações na rede, de quem possui mais ou menos recursos,
no sentido de exercício do poder e de influência sobre os demais atores.
O acesso a recursos materiais é incrementado porque, ao tomarem parte dos
encontros presenciais, os participantes conheceram a estrutura física e humana
da universidade, identificando equipamentos, laboratórios e pesquisadores que
atuam em áreas comuns, além de promoverem o desenvolvimento de projetos
conjuntos para a participação em editais da instituição ou de órgãos de fomento
externos.
Cabe enfatizar que as tecnologias virtuais para interação das RSVO podem ser
adotadas para controlar as ações das redes, permitindo ao coordenador do fórum
observar e acompanhar o andamento das tarefas. Recursos tecnológicos podem ser
escolhidos para facilitar o controle sobre a rede, reforçando questões
relativas à dimensão dominação. Entretanto, como cada grupo teve liberdade para
escolher os instrumentos e as ferramentas de trabalho, evidenciou-se que eles
foram selecionados com base nas ações a serem desenvolvidas pela rede.
Observou-se que algumas normas da universidade foram construídas a partir das
interações da rede, sendo objeto de discussão do grupo, enquanto outras se
configuram como elementos estruturantes dos fóruns, delimitando as ações dos
atores. Por isso as RSVO constituíram ambientes de articulação e legitimação de
decisões, normas e ações organizacionais, dando substancialidade e significado
para a organização. Ao mesmo tempo em que construíram normas, aquelas já
existentes também foram legitimadas nas redes. Complementando, entende-se que a
TE auxilia a compreensão do processo de legitimação das RSVO, bem como de suas
normas e regras de funcionamento, que determinam o que é ou não apropriado para
o grupo e o que pode acarretar sanções (aprovações/confirmações ou medidas
repressivas) para comportamentos e ações dos atores.
Nos fóruns, mostra-se um arranjo organizacional não convencional, pois as redes
não têm poder legal instituído nem fazem parte da estrutura formal da
universidade. O que agregou seus participantes foram os cursos de graduação,
não existindo determinações prévias quanto aos assuntos e às ações objeto da
rede. Os grupos sancionaram e legitimaram o que deve ser tratado na rede. Nas
redes, também não há regras de funcionamento determinadas pela organização, com
exceção das recomendações de funcionamento já apresentadas na descrição do
caso.
No entanto, a não existência de normas formais não significou que o grupo não
tenha reprovado comportamentos e decisões que se afastam dos objetivos
definidos pelas RSVO. Além disso, muitas das aprovações ou das reprovações
foram suportadas e delimitadas pela legislação e pelas normas internas que
regem as atividades da própria organização, que se constituíram em balizadores
das ações. A legitimação de normas e sanções criou situações em que esses
documentos se fizeram presentes nas comunicações dos atores e pautaram suas
decisões e atitudes.
Outro importante aspecto foi o apoio dado pelos gestores para a legitimação das
redes e dos seus resultados, contribuindo para a institucionalização de muitos
dos documentos concebidos e elaborados nos grupos. Ficou evidenciado que todos
os processos construídos nos fóruns tornaram-se estruturantes na universidade,
uma vez aprovados por seu conselho superior. Ao analisar a legitimação das
produções intelectuais das redes nas estruturas decisórias, percebeu-se que
elas foram tratadas de forma diferenciada pelos integrantes do conselho
superior, por serem construções coletivas de um espaço participativo da
organização. Esse aspecto interferiu no funcionamento da rede e no entendimento
de sua legitimidade, pois os participantes dos fóruns sabiam que suas produções
estavam sujeitas aos espaços deliberativos formalizados e perceberam que
recebiam um tratamento privilegiado nesses espaços.
Por fim, a recursividade das práticas sociais que emergiu da análise das RSVO
mostrou que os fóruns se constituíram (e legitimaram-se) como um elemento
participativo de reflexão da universidade e de acesso a suas estruturas de
poder. Isso resulta em significação para a organização e para a rede, de modo
que ela pode ser caracterizada como um espaço de interações horizontais e
democráticas de discussão e de construção de identidades (dos cursos, das áreas
e da universidade).
5. DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS
A TE permitiu evidenciar os aspectos dinâmicos das redes sociais, destacando a
continuidade e a rotina das interações e a criação e recriação das estruturas
que favorecem ou restringem as práticas sociais. A compreensão das dimensões
tempo e espaço e da relação dual entre as ações dos atores e as estruturas das
RSVO resultou, por sua vez, na definição dos elementos constituintes das redes,
detalhados a seguir.
5.1. A estrutura de RSVO resultante
O contexto social das RSVO é caracterizado pelas dimensões tempo e espaço e
pelas propriedades de sua estrutura. Como elementos da estrutura das redes,
elencam-se as interações, que ocorrem tanto presencial quanto virtualmente; os
diferentes papéis desempenhados pelos atores; as normas e regras que balizam o
funcionamento das redes; os elementos articuladores dos grupos e indivíduos; e
a temporalidade e a dinamicidade desses fenômenos, que são determinadas pela
relação entre os demais elementos sintetizados no modelo apresentado na Figura
4.
![](/img/revistas/rausp/v49n2/10f04.jpg)
Os atores exercem papéis decorrentes de sua experiência profissional e de sua
atuação na organização, na própria rede ou nos encontros e interações do grupo,
sendo influenciados por estilos de liderança e pela motivação em participar de
trabalhos coletivos.
As interações abarcam tanto os encontros presenciais (preparação de documentos,
relatos, agenda, convites para membros externos) como as ações virtuais
(definição de prazos, troca de informações e documentos), dependendo também da
tecnologia adotada.
O funcionamento envolve a agenda de trabalho, os recursos a serem utilizados
(as diferentes ferramentas de TI escolhidas) e as normas e regras definidas
pelo grupo para o desenvolvimento das atividades por ele estabelecidas.
O elemento articulador compreende o elo entre os atores, ou seja, a própria
organização que serve de agregador, a área de conhecimento e as ações e os
objetivos a serem trabalhados.
Os objetivos variam de mais amplos para mais específicos. Dentre os mais
amplos, destacam-se a necessidade de integração sentida pelos participantes
oriundos de diversas localidades, o compartilhamento de conhecimento e a
inovação nos cursos de graduação, em processos pedagógicos de ensino e
aprendizagem, na formação de grupos de pesquisa e de projetos de extensão.
Dentre os objetivos mais específicos, cabe mencionar a construção de normas e
documentos para a área de conhecimento dos atores da rede ou para toda a
universidade.
A dinamicidade das RSVO está relacionada com a tecnologia adotada e com a
temporalidade das ações - urgência dos resultados - e está pautada pelos
objetivos. Nos três casos, observou-se que o perfil do grupo e o engajamento
dos atores interferiram nessa dinâmica.
O olhar sobre a dualidade da estrutura, por meio das dimensões significação,
dominação e legitimação, condiciona o modelo de RSVO resultante. O
funcionamento da rede deve ser compreendido como decorrente dos objetivos e dos
elementos articuladores. Cada grupo determina como se organizará e como se
conduzirá a execução das atividades para o alcance dos propósitos da rede,
definindo papéis, dinâmica das interações e recursos (materiais, financeiros,
tecnológicos e informacionais) a serem utilizados por seus integrantes.
A estrutura é concebida pela TE como produto e processo das ações, habilitando
e restringindo as interações dos atores nas RSVO. Corroborando essa ideia,
Niederman, Gregor, Graver, Lyytinen e Saunders (2009) sugerem que as
influências contextuais podem interferir (e até alterar) a agenda do grupo,
assim como são criadas estruturas particulares em conjunto com as atividades a
serem desenvolvidas pela rede. Por isso, enfatiza-se que no decorrer dessas
interações podem emergir novos elementos, além dos aqui destacados, visto que
cada grupo define sistemáticas de trabalho com base nos objetivos propostos,
alterando seu funcionamento e, consequentemente, os resultados disponíveis.
5.2. Considerações finais
No estudo das RSVO, fundamentado na TE e em dados empíricos, visou-se
contribuir para o desenvolvimento de uma (teoria de) explicação desse fenômeno.
Conforme destaca Gregor (2006), algumas teorias de explicação advêm de
investigações que se basearam nos pressupostos de Giddens, utilizando
abordagens como estudos de caso. No estudo, foi possível abarcar objetos de
pesquisa atuais e ainda não bem compreendidos. Portanto, a teoria gerada,
composta por um modelo e por explicações sobre a origem e o funcionamento das
RSVO, buscou explicar como e por que os eventos aconteceram e quais as
estruturas resultantes. Sua contribuição relaciona-se com a análise de fatos
novos ou perspectivas novas mencionados por Gregor (2006).
A pesquisa compreendeu um estudo de caso único em uma universidade em
consolidação e a observação de três RSVO que se formaram. As redes serviram de
espaço para discussão de problemas comuns, abordaram ideias de interesse comum
e contribuíram para a estruturação de produtos e processos (normas e
diretrizes), contemplando a integração dos atores envolvidos. Nesse processo de
estruturação, verificou-se uma boa dose de espontaneidade na participação dos
atores, pois todos os integrantes da organização ligados a atividades
acadêmicas dos cursos foram convidados.
As conexões entre os atores de uma rede social em geral são baseadas em
relações afetivas, profissionais ou em ambas. O interesse pelas redes
organizacionais advém da constatação de que essas ligações se formam não
somente pela troca de informações e por afinidades pessoais, mas também para a
realização de trabalhos conjuntos e, inclusive, para efetivar ações que podem
modificar as próprias organizações (Ayres, 2001).
Nas RSVO analisadas, a importância dada a seus objetivos e resultados mostrou
uma forte relação com especificidades da organização e com a qualificação e
experiência profissional dos atores. Uma possível explicação é que a
universidade se encontrava em consolidação e estava construindo seus elementos
normativos e estruturais. As redes inclusive contribuíram para tornar efetiva
uma gestão participativa, um dos princípios do projeto institucional da
organização (Unipampa, 2009). A análise revelou que se constituíram fóruns de
caráter mais pragmático quanto às temáticas discutidas, às ações empreendidas e
às interações; e fóruns mais reflexivos, que enfatizaram o compartilhamento de
conhecimento. Essas características podem ser atribuídas à formação e à
qualificação de seus participantes, respectivamente graduados em ciências
exatas e engenharia, e graduados em licenciaturas diversas e pedagogia
(ciências humanas).
Comparando os elementos da estrutura das RSVO com as características de redes
sociais virtuais abertas, verifica-se que, em ambos os casos, a participação é
livre e as pessoas agregam-se à medida que sentem afinidade com o tema. Outro
elemento comum é a existência de um moderador ou coordenador, com o propósito
de sustentar e ativar as interações. Contudo, o moderador não representou uma
figura com mandato específico e com atribuições definidas pela organização,
pois a rede perderia sua principal característica que é a horizontalidade das
interações.
As TIC facilitaram a circulação da informação e o desenvolvimento das
interações da rede, sustentando as ações nos intervalos entre os encontros
presenciais. Foram observadas características diferentes de incorporação da
tecnologia e não foram identificadas tecnologias adotadas de modo permanente
pelos grupos. Verificou-se, também, que as diferentes redes escolheram os
instrumentos tecnológicos à medida que desenvolveram ações específicas, tendo
por base a adequação da TIC aos objetivos, às tarefas e ao perfil dos
integrantes do grupo. Mesmo assim, os encontros presenciais foram bastante
valorizados pelos atores, sendo concebidos como um elemento importante para a
sustentação das redes, por aproximar pessoas que pouco se conheciam e que
trabalhavam dispersas geograficamente. Isto pode ser explicado pelo estágio de
vida em que a organização se encontra.
As interações ensejam a formação de estruturas e um desenvolvimento contínuo
das redes, alterando regras e recursos que habilitam e restringem as ações. As
práticas sociais resultam na formação de uma identidade entre os atores e as
redes. Isso faz com que tenham sentido e significado para o coletivo,
reforçando a importância do engajamento dos indivíduos. As alterações nas
interações (ocasionadas por novos objetivos e novas tarefas) viabilizam a
emergência de uma nova estrutura nas RSVO, que determina como as ações são
realizadas e os recursos necessários para tal, sinalizando uma recorrência da
dualidade.
Evidenciaram-se, também, ações e elementos a serem valorizados pelas
organizações que adotam ou têm a intenção de adotar RSVO para realizar
projetos, para integrar seus membros fora da estrutura orgânica tradicional e,
inclusive, para encaminhar mudanças organizacionais visando a formatos menos
hierarquizados. Para tanto, as RSVO devem ser compreendidas como novas práticas
de inovação organizacional e como novas ferramentas de trabalho. Dentre os
elementos, destacam-se objetivos comuns codefinidos, o encaminhamento de
resultados concretos, a liberdade dos integrantes das redes para organizar seu
trabalho e a importância do suporte organizacional para o atingimento dos
resultados.
No caso investigado, as RSVO foram constituídas a partir de uma
intencionalidade da organização, motivada pela necessidade de aproximar as
pessoas, de socializar conhecimentos e de estruturar e formalizar processos. No
entanto, os resultados indicam que essas redes sociais somente se estabeleceram
porque houve liberdade de ação para os atores envolvidos, o que possibilitou
que os objetivos do grupo estivessem presentes em todas as interações e
delineassem as atividades da rede. As redes (seus integrantes) definiram suas
estruturas, processos de trabalho e identidade como grupo, caracterizando-se
como um espaço não hierárquico e de participação voluntária.
A intencionalidade organizacional limitou-se à valorização desse espaço na
organização e ao apoio dado pelos gestores para a realização das ações,
disponibilizando recursos financeiros, materiais e humanos. O fato de tratar-se
de uma universidade também contribuiu para uma estruturação menos dirigida das
RSVO, uma vez que sua constituição é baseada em grupos e em espaços
participativos, o que faz parte de sua cultura e está alicerçado no projeto
institucional. De certa forma, isso foi fortalecido pelas redes organizacionais
formadas.
Um importante aspecto para a consolidação das RSVO foi o fato de os indivíduos
manifestarem necessidades e interesses quanto a seus propósitos, pois a
fragilidade de algumas estruturas e processos da organização era vista como um
problema no trabalho cotidiano. Para eles, as redes representaram uma
oportunidade para construir uma identidade para o grupo, pois permitiram a
discussão e o compartilhamento de conhecimentos comuns em relação à
instituição, à área de conhecimento e aos cursos, e para influenciar a
constituição de estruturas e normas. Muitos processos e normas acadêmicas e
elementos da própria estrutura organizacional foram formalizados a partir das
interações e produções das RSVO por existirem diversos procedimentos e
atividades não mapeados e normatizados.
Contudo, vários aspectos que influenciaram os resultados e sua validade devem
ser mencionados como limitações do estudo. O fato de os pesquisadores
integrarem a organização pode ter ocasionado vieses na coleta e,
principalmente, na interpretação dos resultados. Para minimizá-los, foram
tomadas algumas precauções, tais como a triangulação no momento da análise dos
dados e a verificação, pelos respondentes, de resultados-chave encontrados. O
estudo de caso único, com três unidades de análise, implicou que a validade dos
resultados obtidos limita-se ao tipo de organização estudada e indica a
necessidade de pesquisas futuras, em organizações mais consolidadas e com
desenhos hierárquicos diversos.
Tendo em vista o importante papel que as RSVO podem cumprir no funcionamento e
na estruturação das organizações, reitera-se a grande valia das pesquisas que
se propõem a analisar, em profundidade, outros tipos de rede e outros formatos
de agrupamento e de interação e, também, que adotem as TIC mais intensivamente.
Assim, poderá ser melhorada a compreensão de como as redes sociais virtuais
organizacionais interferem na relação dual entre agência e estrutura das
organizações.