Sorte ou habilidade: uma avaliação dos fundos de investimento no Brasil
1. INTRODUÇÃO
Neste estudo, o objetivo é analisar os retornos dos fundos de investimento em
ações ativos no Brasil para verificar se ocorrem retornos anormais e se esses
retornos decorrem da habilidade dos gestores ou apenas do fator sorte.
Nos últimos dez anos, a indústria de fundos no Brasil apresentou um crescimento
bastante expressivo, mais que triplicando seu patrimônio líquido. Segundo o
Anuário da Indústria de Fundos de Investimento de 2013 (realizado pela Fundação
Getulio Vargas de São Paulo [FGV-SP] e a Associação Brasileira das Entidades
dos Mercados Financeiro e de Capitais [Anbima]), a indústria de fundos no
Brasil é a sexta maior do mundo e tem sob gestão mais de R$ 2 trilhões em
ativos. Isso representa quase 50% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e
posiciona os fundos como o produto de investimento mais procurado pelos
brasileiros. A perspectiva para a indústria também é otimista, o patrimônio
líquido médio de um fundo no Brasil é de apenas US$ 151 milhões versus US$
1.627 milhão nos Estados Unidos, ou seja, o potencial de crescimento é grande.
Além disso, a educação financeira tem alertado para a importância de poupar e
os fundos continuam como opção prioritária no país.
O sucesso dos fundos está na oferta de um serviço especializado para gestão de
patrimônio, e a promessa de retornos esperados superiores ou anormais. Para que
isso seja possível, os fundos cobram uma taxa de administração para remunerar
seu esforço de gestão. Em média, a taxa de administração dos fundos no Brasil é
de cerca de 1% ao ano, ou seja, os esforços de gestão dos fundos custam cerca
de R$ 20 bilhões por ano para o país, isso sem contar a taxa de desempenho.
Dada a magnitude dessas despesas, é imprescindível para a indústria avaliar se
como um todo, ou em partes, o talento dos gestores em escolher ações supera a
administração passiva e menos custosa de ativos, não apenas para que a
indústria seja mais eficiente, mas para que a própria poupança do país seja
alocada mais apropriadamente.
Muitas técnicas já foram aplicadas para avaliar o desempenho dos fundos em
diferentes períodos de tempo e grupos de ações no Brasil. Além de alguns
indicadores de desempenho que relacionam o retorno e o risco dos fundos, como o
índice de Sharpe, tradicionalmente os modelos utilizados para avaliar o
desempenho de fundos são similares ao Capital Asset Pricing Model (CAPM), eles
empregam um benchmark de mercado para a comparação e a identificação de fundos
que fiquem persistentemente acima da média. Esses modelos apresentam algumas
falhas, entre elas o fato de os resultados serem bastante dependentes da
escolha do benchmark. Além disso, é de esperar que em amostras grandes existam
retornos extremos persistentes como resultado de sorte e não de habilidade.
Este artigo baseia-se na metodologia apresentada por Fama_e_French_(2010) para
verificar a existência de sorte ou habilidade por parte dos gestores de fundos
de ações brasileiros na geração de retornos extraordinários. Fama_e_French_
(2010) partem da ideia de equilíbrio contábil (equilibrium accounting), na
qual, em resumo, afirma-se que, como a indústria de fundos é bastante próxima
da carteira de mercado, ela tem alfa (retorno esperado anormal) zero. Os fundos
passivos, medidos antes dos custos e despesas, também têm alfa zero, já que seu
objetivo é replicar e não superar os índices de mercado. Portanto, se alguns
fundos ativos tiverem alfa positivo antes dos custos e despesas, esse retorno
positivo anormal terá de necessariamente ser obtido à custa de outros fundos
ativos com alfa negativo, já que no agregado o alfa da gestão ativa é zero por
construção. Se considerados os retornos líquidos, após custos e despesas, a
gestão ativa de fundos terá de ser necessariamente um jogo de soma negativa
(Sharpe,_1991).
Entretanto, ainda que existam fundos de gestão ativa com alfa positivo, o que
implicaria dizer que esses fundos obtêm retornos positivos anormais, o desafio
é distinguir sorte de habilidade, pois em uma grande amostra é de esperar que
uma parte tenha alfa positivo por sorte. A proposta de Fama_e_French_(2010) é
usar longos históricos de retornos passados de fundos para produzir simulações
bootstrap em que se possa observar o que se poderia esperar em termos de
retornos anormais positivos por sorte.
Utilizando-se esse modelo de Fama_e_French_(2010), foram realizadas neste
estudo dez mil simulações bootstrap de fundos mútuos de ações de gestão ativa
de 2000 a 2013. Os retornos utilizados para construir esses fundos simulados
foram aqueles dos fundos reais, porém com seus alfas ajustados artificialmente
para zero. Assim, os fundos simulados partiram de um universo em que não
existem retornos anormais persistentes. Para cada fundo simulado, foi realizada
uma regressão de mínimos quadrados utilizando-se o modelo de quatro fatores de
Fama_e_French_(1993) e de Carhart_(1997); as estatísticas t do alfa de cada
regressão foram então comparadas com as dos fundos reais de ações brasileiros
do mesmo período. A ideia é que, se houver uma proporção semelhante de fundos
com retornos acima e abaixo da média em ambas as amostras, fundos reais e
simulados, isso significa que o bom desempenho dos fundos se deve à sorte e não
à habilidade de seus gestores em escolher ações.
Além disso, os fundos de ações ativos foram separados em dois grupos de acordo
com seu patrimônio líquido, e sua distribuição da estatística t do alfa foi
novamente comparada com a dos fundos simulados para observar se o tamanho dos
fundos tem alguma relação com a existência de sorte ou habilidade por parte de
seus gestores.
Nos resultados, constatou-se que a proporção de fundos reais com retornos
anormais foi maior do que a de fundos simulados com retornos anormais mesmo
quando considerados retornos líquidos, o que significa que existe habilidade
por parte de alguns gestores de fundos de ações brasileiros em gerar retornos
anormais para os investidores, após custos e despesas. Os resultados são
positivos, porém modestos. Se assumir-se que a amostra de alfas dos fundos
reais seguiu uma distribuição normal de média zero, então o desvio padrão dos
retornos anormais dos fundos ativos de ações brasileiros no período analisado
foi 1,55%; isso significa que apenas 16% dos fundos analisados obtiveram
retorno anormal maior do que 1,55% ao ano, ou 0,13% ao mês. E apenas 2,3% dos
fundos analisados conseguiram obter retorno anormal maior do que 3,1% ao ano,
ou 0,26% ao mês.
Quando se observam os fundos classificados de acordo com o tamanho de seu
patrimônio líquido, é possível notar que os fundos considerados grandes, com os
30% maiores patrimônios líquidos da amostra, apresentaram um resultado ainda
mais positivo que os da amostra total dos fundos. As evidências de que os
gestores de alguns fundos grandes possuem habilidade para gerar retornos
anormais positivos são ainda maiores: por exemplo, assumindo-se que a
distribuição de alfas dos fundos segue uma distribuição normal, a média dos
alfas dos fundos grandes é 0,9% maior do que a dos fundos simulados, o que
significa que os fundos grandes geram em média 0,9% a mais de retorno anormal
(em excesso) por ano do que seria gerado pela sorte. Já nos fundos pequenos,
com os 30% menores patrimônios líquidos, não há evidências de habilidade por
parte de seus gestores.
Fama_e_French_(2010) apresentaram resultados diferentes: não foi identificada
habilidade por parte dos gestores de maneira geral, e os poucos gestores que
demonstraram habilidade nos retornos brutos eliminaram essa vantagem após
custos e despesas. Em outras palavras, os próprios gestores habilidosos
retiveram os frutos de seus retornos anormais por meio da remuneração do
próprio esforço de gestão, as taxas de administração. Em outras palavras, no
que diz respeito a retornos líquidos, dos que chegam efetivamente ao bolso dos
investidores, a expressiva maioria, se não todos os fundos ativos, gera alfa
negativo. Uma das razões possíveis para explicar essa diferença de resultados
pode ser o fato de o nosso mercado ser menos eficiente; além disso, vale
considerar que a competição na indústria no Brasil deva ser outra possível
causa.
Dado o tamanho da indústria de fundos no Brasil e a relevância que tem para o
investidor, é importante conhecer o desempenho dos fundos e seus determinantes,
tanto para a própria escolha do investidor, quanto para garantir a eficiência
na alocação de recursos do país.
No artigo, apresenta-se inicialmente uma breve revisão bibliográfica sobre
avaliação de fundos no Brasil e no mundo e, em seguida, é apresentada a
metodologia, seguida pelos resultados e conclusões.
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA INTERNACIONAL
Existe uma vasta literatura acerca do desempenho de fundos mútuos no mundo, e o
debate sobre o valor adicionado pelos gestores de fundos a seus investidores
segue vivo e ainda sem consenso. O artigo seminal sobre a análise de desempenho
dos fundos mútuos foi de Jensen_(1968), que define desempenho como sendo tanto
a habilidade do gestor em prever preços e aumentar o retorno do investimento
quanto sua habilidade de minimizar os riscos. Nesse mesmo artigo, Jensen
avaliou a capacidade de predição de preços dos gestores de 115 fundos mútuos
norte-americanos, dado o nível de risco que escolheram tomar, no período de
1945 a 1964. Jensen foi um dos primeiros pesquisadores a se preocuparem em
elaborar um padrão absoluto de comparação para avaliar os fundos; medidas
relativas usadas anteriormente tinham dificuldade de tratar adequadamente os
diferentes níveis de risco dos investimentos avaliados. O autor utilizou um
modelo derivado daquele de precificação de ativos financeiros de Sharpe_(1964),
conhecido como CAPM, usando o beta para estimar o risco sistêmico do fundo e um
componente de retorno livre de risco. Jensen conclui por meio desse estudo que
há poucas evidências de que qualquer fundo individual seja capaz de ter um
desempenho acima do esperado. Outros estudos nessa mesma linha chegaram a
resultados semelhantes, ou seja, de que não há evidências suficientes para
afirmar que os gestores tenham habilidades especiais que gerem retornos acima
da média. Dentre eles, destacam-se Malkiel_(1995)que, estimando o alfa de
Jensen em fundos norte-americanos de 1971 a 1991, não conseguiu encontrar alfa
estatisticamente diferente de zero, e Gruber_(1996) que avaliou fundos de 1985
a 1994 e chegou ao resultado de que os fundos têm em média um desempenho pior
do que o dos índices de mercado em 65 basis points por ano.
Por outro lado, alguns estudos encontraram evidências contrárias, que
corroboram a existência de gestores com habilidades superiores. Grinblatt_e
Titman_(1993) sugerem uma nova medida de desempenho de carteiras que não
utiliza um benchmark para a comparação, método tradicionalmente usado até
então. Para os autores, a utilização de um benchmark pode condicionar os
resultados, que passam a ser dependentes do benchmarkescolhido. Essa crítica
foi inicialmente elaborada por Roll_(1978). Como uma alternativa, Grinblatt_e
Titman_(1993) sugerem uma medida que compara o peso de um ativo na carteira do
fundo avaliado com o retorno desse mesmo ativo: espera-se que, se o gestor é
bem informado, a correlação entre o peso do ativo no fundo e seu retorno seja
positiva, já que, à medida que o retorno de um ativo aumenta, maior deverá ser
sua participação no fundo.
A medida de Grinblatt_e_Titman_(1993) estima a soma das covariâncias da série
temporal entre os pesos da carteira e os retornos de cada ativo incluído na
carteira avaliada. Essa soma gera uma boa estimativa de desempenho já que
representa a diferença entre o retorno realizado do ativo que faz parte da
carteira do fundo e o peso desse mesmo ativo na carteira em questão. Um gestor
informado apresentaria uma covariância incondicional positiva já que os pesos
dos ativos da carteira do fundo cresceriam junto com seus retornos esperados.
Se o gestor não tiver habilidades especiais de predição de preços, o peso dos
ativos na carteira dos fundos não terá correlação com os retornos desses mesmos
ativos, e essa medida deverá convergir para zero em grandes amostras.
Aplicando essa nova medida a uma amostra de 155 fundos norte-americanos mútuos
de 1974 a 1984, Grinblatt_e_Titman_(1993) chegaram a resultados que corroboram
a teoria de que a habilidade dos gestores de fundos – principalmente gestores
de fundos de crescimento e fundos de crescimento agressivo – pode gerar um
retorno acima da média. Outros estudos (Grinblatt & Titman,_1992;
Hendricks,_Patel & Zeckhauser,_1993; Goetzmann & Ibbotson,_1994)
encontraram resultados semelhantes, corroborando a hipótese de que existem
gestores com habilidades superiores para escolher ações.
Entretanto, segundo Daniel,_Grinblatt,_Titman_e_Wermers_(1997), os resultados
apresentados por Grinblatt_e_Titman_(1993) não levam em consideração anomalias
geradas por diferenças de tamanho, book-to-market value das ações e o fator
momento, e, além disso, o número de fundos utilizados na amostra é limitado. Os
autores atribuem os resultados positivos das outras pesquisas ao viés de
sobrevivência e aos erros de benchmark. Daniel_et_al._(1997) introduzem uma
nova abordagem para a avaliação de desempenho dos fundos mútuos: em vez de
avaliar o retorno obtido pelos investidores dos fundos, eles avaliam o retorno
das ações selecionadas pelos fundos, dividindo os retornos em categorias de
acordo com características das ações, como tamanho do valor de mercado da ação,
índice de book-to-market value e momento (characteristic selectivity); timing;
e estilo. Segundo os autores, grande parte dos custos dos fundos ocorre devido
aos esforços de seleção de ações. No estudo, comparam a seleção de ações dos
gestores dos fundos com carteiras de ações com características semelhantes para
verificar se o processo de seleção gera retornos acima da média para os
investidores. Ao se avaliarem as ações que fazem parte da carteira do fundo, é
possível criar benchmarks que melhor capturem o estilo de investimento do
fundo, e assim avaliar se a decisão dos gestores foi capaz de gerar retorno
acima da média da categoria. Daniel_et_al._(1997) não encontraram evidências
suficientes de que os gestores tenham habilidades especiais para superar o
mercado.
Carhart_(1997) estuda a persistência do desempenho de fundos de ações nos
Estados Unidos, no período de 1962 a 1993, usando seu próprio modelo de quatro
fatores (Carhart,_1995), construído a partir do modelo de três fatores de Fama
e_French_(1993), com um fator adicional para incluir o efeito momento de
Jegadeesh_e_Titman_(1993). Ele ressalta em seu estudo a importância de evitar o
viés de sobrevivência, incluindo na amostra fundos que foram encerrados no
decorrer daquele período. Em sua amostra, mais de um terço dos fundos tiveram
suas operações encerradas, uma parte importante da amostra que não é observada
na maioria dos estudos anteriores a esse. Carhart_(1997) argumenta que a
persistência de desempenho documentada por ele não significa habilidade
superior do gestor, mas pode ser explicada por fatores comuns nos retornos das
ações e pelas despesas de investimento dos fundos. Segundo Carhart, quanto mais
ativo um fundo, ou seja, quanto maior o número de compra e venda de ativos,
maiores suas despesas, piorando seu desempenho.
Chen,_Jegadeesh_e_Wermers_(2000) examinaram as operações de compra e venda de
ações dos fundos mútuos e chegaram à conclusão de que, de maneira geral, os
fundos compram ações que apresentam um desempenho superior às ações que eles
vendem, apoiando assim a ideia de que fundos ativos se saem melhor que fundos
passivos e de que seus gestores possuem talento na escolha de ações. Wermers_
(2000) preocupou-se em avaliar se os custos e as despesas para manter uma
estratégia de gestão ativa, que envolve um número maior de transações de compra
e venda de ativos e maior esforço de análise, compensam o trabalho. Ele
realizou um estudo da indústria de fundos mútuos de ações nos Estados Unidos
num período de 20 anos e concluiu que os fundos obtiveram um desempenho
inferior ao de mercado em média em 100 basis points por ano, devido
principalmente às despesas e aos custos de transação, e também ao baixo
desempenho de seus recursos não alocados em ações (recursos alocados em
dinheiro e títulos). Além disso, nesse estudo, Wermers_(2000) encontrou
evidências de que fundos mútuos com alto turnover, que é a velocidade com a
qual um fundo compra e vende ações, têm mais chances de superar o mercado
(utilizando como benchmark o Vanguard Index 500), apesar de incorrer em mais
custos de transação.
Kosowski,_Timmermann,_Wermers_e_Hal_(2006) são pioneiros em aplicar a técnica
de avaliação de desempenho de fundos que utiliza simulações bootstrap para
estimar variáveis, eliminando dessa forma o fator sorte das análises, já que em
uma amostra grande é natural que haja valores extremos sem necessariamente
haver mérito, ainda que esses valores extremos persistam. Kosowski_et_al._
(2006)defendem o uso da técnica de simulações bootstrap uma vez que a cross-
section de alfas dos fundos tem uma complexa distribuição não normal devido à
heterogeneidade do risco que os fundos tomam, e devido também aos próprios
fundos individuais possuírem distribuições não normais de seus alfas. Eles
aplicaram o modelo de quatro fatores de Carhart_(1997) nos fundos norte-
americanos de 1975 a 2002 e encontraram fortes evidências de que existe um
número significativo de fundos com desempenho superior nos Estados Unidos.
Outros autores (Wermers,_Scaillet & Barras,_2010; Busse,_Goyal_&
Wahal.,_2010; Fama & French,_2010), posteriormente, utilizaram o método de
Kosowski_et_al._(2006), com pequenas modificações, porém não encontraram
evidências de desempenho superior.
Junarsin_(2010) publicou uma pesquisa na qual examina fundos mútuos de ações
norte-americanos num período de quase 40 anos, de 1961 a 2009, utilizando
quatro abordagens: uma regressão para avaliar a relação entre o retorno dos
fundos e seus custos, índice de turnover e idade; o alfa de Jensen e o modelo
de quatro fatores de Fama_e_French_(1993) e Carhart_(1997); a medida de
Grinblatt_e_Titman_(1993); e as medidas criadas por Daniel_et_al._(1997). Em
seus resultados, Junarsin_(2010) observa que os retornos dos fundos são
positivamente relacionados com as despesas e negativamente relacionados com o
turnover. Além disso, com base nos últimos três testes mencionados, Junarsin_
(2010) não encontrou evidências de que os gestores tenham habilidades especiais
para bater o mercado.
Para tentar separar sorte de habilidade, Fama_e_French_(2010) realizaram
simulações bootstrap, uma técnica de reconstrução de amostras para obtenção de
estimativas de medidas estatísticas, em 3.156 fundos mútuos ativos de ações de
1984 a 2006 nos Estados Unidos para verificar a persistência de alfas
positivos. Para estimar o alfa dos fundos, os autores lançaram mão do próprio
modelo de três fatores, e aplicaram também outros modelos como o CAPM e o
modelo de quatro fatores de Fama_e_French_(1993)e de Carhart_(1997). Eles
concluíram que fundos mútuos ativos têm alfa agregado muito próximo de zero,
sem considerar suas despesas. Para verificar se os poucos fundos com retornos
anormais são produto de sorte ou habilidade, a abordagem mais comum seria
testar a persistência dos fundos, ou seja, se fundos ganhadores continuam com
retornos altos. O problema dessa abordagem, segundo Fama e French, é que esses
testes se baseiam em desempenho passado de curto prazo, estão sujeitos a ruído
e dificultam a identificação de padrões. A metodologia sugerida por Fama_e
French_(2010) é a utilização de longos históricos de retornos dos fundos
individuais para a geração de simulações booststrap para inferir se existem
fundos superiores e fundos inferiores além do que se esperaria por conta da
sorte. Suas conclusões são de que, sem se considerarem custos, existem poucas
evidências de habilidades especiais dos gestores para gerar resultados acima e
abaixo do mercado. O desvio padrão encontrado foi de 1,25% ao ano, cerca de 100
basis points por mês, ou seja, existem poucos gestores com habilidades
especiais que geram retornos acima da média, e o retorno adicional gerado por
eles é muito pequeno.
3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA NO BRASIL
Apesar de esse ser um tema bastante abordado na literatura internacional, no
Brasil o número de estudos voltados para a análise de desempenho de fundos
mútuos é mais modesto. Grande parte da pesquisa voltada para a área lança mão
das análises mais tradicionais, nas quais, para comparação, se usam índices de
desempenho que relacionam retorno com risco, como o índice de Sharpe; ou então
são aplicados modelos similares ao CAPM ou o modelo de três fatores de Fama_e
French_(1993), nos quais se utiliza um benchmark de mercado para realizar uma
comparação. Em geral, os resultados encontrados são mais positivos do que os
relatados pela literatura internacional e muitos encontram evidências que
corroboram a existência de gestores com desempenho superior.
Dos estudos que fizeram uso de alguma variação do CAPM para estimar o alfa dos
fundos com relação a algum benchmark de mercado para identificar o desempenho
dos fundos, os resultados são variados com uma leve tendência para as
evidências que levam a concluir que existe um número pequeno de fundos
brasileiros com capacidade para apresentar um desempenho extraordinário. Esses
resultados, apesar de mais positivos do que os dos estudos norte-americanos,
estão em linha com a conclusão de que, se existirem, poucos são os fundos que
apresentam habilidades superiores por parte de seus gestores. Alguns estudos
brasileiros nessa linha são:
* Eid_e_Rochman_(2007), que avaliaram 669 fundos nacionais de 2001 a 2006
utilizando o alfa de Jensen e concluíram que fundos mútuos da categoria
de ações e multimercados teriam desempenho superior ao do mercado;
* Leusin_e_Brito_(2008), que utilizaram metodologia similar à de Eid_e
Rochman_(2007) para 243 fundos brasileiros no período de 1998 a 2003 e
encontraram 15 fundos com alfas positivos e significantes.
Adicionalmente, Leusin_e_Brito_(2008) aplicaram o método de Henriksson e
Merton para avaliar o market timing (capacidade de antecipar retornos
positivos) dos fundos na mesma amostra e encontraram 32 fundos com market
timing superiores, ou seja, com capacidade de prever grandes diferenças
de retorno entre uma ação e a taxa de juros livre de risco ou renda fixa,
dado que no Brasil os grandes movimentos da taxa de juros podem facilitar
a obtenção de retornos anormais. Essa medida, market timing, é chamada de
previsibilidade macro por Fama_(1970);
* Fonseca,_Bressan,_Iquiapaza_e_Guerra_(2007), que avaliaram o desempenho
dos fundos no Brasil de 2001 a 2006, usando os índices de Sharpe e de
Sortino, e não encontraram diferenças significativas de retorno entre as
categorias, mas identificaram que fundos de renda fixa apresentam melhor
relação risco e retorno, provavelmente por conta das altas taxas de juros
do mercado brasileiro nesse período;
* Gomes_e_Cresto_(2010), que avaliaram o desempenho de fundos long-short no
Brasil para verificar se existe geração de retornos anormais próprios
dessa categoria de fundos. Analisando uma amostra de 76 fundos de 2001 a
2008, por meio do CAPM e do modelo de Henriksson_e_Merton_(1981) para
market timing, foram encontradas evidências de que poucos geram retornos
anormais, e esses retornos não são persistentes;
* Casaccia,_Galli,_Macêdo_e_Leitao_(2011), que estudaram o desempenho de
106 fundos ativos de 2004 a 2009 por meio dos índices de Sharpe, de
Treynor e de Jensen, e os modelos de Treynor-Mazuy e Henriksson-Merton, e
não conseguiram identificar habilidades especiais de seus gestores;
* Matos_e_Nave_(2012), que analisaram fundos de ações brasileiros de 1998 a
2009, por meio da construção de carteiras rebalanceadas trimestralmente,
construídas a partir de diferentes métricas de risco e retorno como
índices de Sharpe, Treynor, Calmar e Sortino. Os autores encontraram
evidências de uma persistência incomum entre fundos com melhor
desempenho;
* Leusin_e_Brito_(2008), que avaliaram o market timing de 243 fundos de
1998 a 2003. A metodologia utilizada foi a proposta por Henriksson_e
Merton_(1981). Os resultados mostram a existência de market timing na
minoria dos fundos;
* Lazier_e_Siqueira_(2010), que avaliaram 20 fundos de investimentos
brasileiros de 2003 a 2008 utilizando uma alternativa ao índice de Sharpe
tradicional, que tem como limitação a exigência de retornos normalmente
distribuídos e independentes, o índice de Sharpe econométrico com
estimação derivada de um modelo AR-GARCH-M. As evidências mostram que,
apesar de haver correlação positiva de Spearman entre os índices, eles
levam a avaliações diferentes de desempenho.
O modelo CAPM, com algumas alterações para atender às peculiaridades dos hedge
funds, foi aplicado em estudos para essa categoria específica de fundos no
Brasil:
* Jordão_e_Moura_(2011) avaliaram hedge funds com relação a retornos
anormais, market timing e beta numa amostra de 2.347 fundos de 2000 a
2009, e os resultados indicam menos de 5% da amostra com capacidade de
gerar retornos anormais;
* Joaquim_e_Moura_(2011) estudaram o desempenho de fundos de hedge durante
a crise financeira de 2008 usando dados diários de outubro de 2007 a
fevereiro de 2011. A metodologia utilizada foi o índice de Sharpe e o
alfa do CAPM simples. Além disso, os autores argumentam que o Ibovespa
não é um bom benchmark para fundos multimercado no Brasil, por isso eles
calculam também o alfa do CAPM com um índice de fundos multimercado da
Anbima (Anbima Hedge Fund Index) no lugar do risco de mercado, e o alfa
de um modelo de fatores que inclui índices de títulos públicos (IRF-M e
IMA-B). Para avaliar a persistência de retornos, os autores usaram o
coeficiente de correlação de Spearman. Apesar da crise financeira, os
resultados indicam a existência de um grupo representativo de fundos com
retornos anormais e evidências de uma persistência conjunta de um a três
meses;
* Malaquias_e_Eid_(2013) analisaram 831 fundos multimercado brasileiros de
2007 a 2011 para verificar se usam retornos passados e informações
públicas para obter retornos anormais, e concluíram que na média os
fundos não adicionaram valor extraordinário, mas as informações públicas
estão relacionadas ao desempenho dos fundos, contrariando a teoria de
mercados eficientes. A metodologia utilizada foi a proposta por Amin_e
Kat_(2003), uma alternativa ao índice de Sharpe e ao alfa de Jensen mais
apropriada para fundos de hedge.
Os fundos com responsabilidade social foram tema de uma avaliação específica
por Campos_e_Lemme_(2009), que analisaram o desempenho de fundos que incluem
aspectos sociais e ambientais na seleção de ativos. Foram analisados fundos a
partir de 2005 por meio de testes de média para os retornos acumulados anormais
e o índice de Sharpe generalizado, e não foram identificadas diferenças
significativas de risco e retorno gerados por esses fundos no Brasil.
Uma alternativa ao CAPM é o modelo de três fatores de Fama_e_French_(1993), que
leva em conta, além do fator de mercado incluído no CAPM, outros dois fatores
conhecidos por apresentarem prêmios de risco significativos, são eles o tamanho
da empresa e o índice book-to-market. Uma extensão desse modelo também bastante
utilizada é o modelo de quatro fatores de Fama_e_French_(1993) e Carhart_
(1997), que inclui mais um fator de prêmio de risco conhecido como momento:
segundo o efeito momento, ações com retorno positivo num período anterior
tendem a manter o retorno positivo no período seguinte. Os estudos realizados
no Brasil utilizando essa técnica de fatores são menos numerosos e os
resultados consistentes, poucos são os fundos que apresentam retornos anormais:
* Castro_e_Minardi_(2009) investigaram se os gestores de 626 fundos ativos
geraram retornos anormais com sua habilidade superior de seletividade em
relação aos fundos passivos, no período de 1996 a 2006. Como metodologia,
os autores aplicaram o modelo de três fatores de Fama_e_French_(1993),
com um quarto fator para o efeito momento de Carhart_(1997) e um quinto
fator para market timing. Apenas 4,8% dos fundos apresentaram alfa
positivo, na média não há diferença significativa entre fundos ativos e
passivos;
* Laes_(2010) realizou uma análise de 812 fundos mútuos de ações
brasileiros no período de 2002 a 2009 simulando a distribuição
longitudinal de seus alfas. Seus resultados corroboram a maior parte da
literatura internacional de que não existem gestores com habilidades
especiais para gerar retornos acima da média.
Alguns estudos optaram por avaliar desempenho através da persistência de
retornos anormais, seus resultados são positivos. Nos artigos, encontraram-se
evidências de fundos com persistência de desempenho extraordinário:
* Monteiro_(2007), através da metodologia desenvolvida por Bollen_e_Busse_
(2005), avalia a persistência do desempenho de 112 fundos de ações para o
período de 1998 a 2005, utilizando dados diários, e também encontra
evidências de desempenho e market timing superiores;
* Benevides_(2008) avaliou a persistência do desempenho de fundos
multimercados de 2001 a 2007 utilizando o índice de Sharpe e o
coeficiente de correlação de Spearman, e concluiu que houve persistência
de desempenho em 44 fundos;
* Santos,_Corrêa,_Herreros_e_Monte_(2009)estudaram a persistência do
desempenho positivo de 60 fundos brasileiros em 2001 e 2002, através do
índice Modigliani e Modigliani (M2), e concluíram que só há persistência
para períodos anuais.
Três estudos apresentaram metodologias alternativas, com resultados um pouco
mais pessimistas do que os anteriores:
* Melo_e_Macedo_(2011) analisaram o desempenho de fundos multimercados
macro no Brasil, de 2005 a 2010, através da análise de seletividade e da
análise envoltória de dados, e somente um fundo apresentou retornos
extremos;
* Milani,_Ceretta,_Barba_e_Casarin_(2010)mediram a influência dos momentos
superiores na avaliação de desempenho de 201 fundos de 2007 a 2009; os
autores argumentam que a inclusão de momentos superiores aos tradicionais
primeiro e segundo momentos usados no CAPM podem aumentar o poder de
avaliação do modelo, com a captura dos efeitos de assimetria e curtose.
Os resultados apontam que a inclusão de momentos superiores não
apresentou muita relevância;
* Milani_e_Ceretta_(2013) estudaram o efeito tamanho nos fundos de
investimento brasileiros e chegaram à conclusão de que fundos com maior
patrimônio líquido apresentam melhor desempenho.
4. METODOLOGIA
Foram selecionados na base de dados Economática todos os fundos mútuos de ações
ativos brasileiros abertos por pelo menos dois anos, de 2000 a 2013, com
patrimônio líquido de mais de R$ 5 milhões. Esse limite de tamanho é
estabelecido para reduzir o viés de incubação, pois é comum que as gestoras de
fundos façam o lançamento de novos fundos periodicamente, mas apenas aqueles
com retornos atrativos são mantidos; o valor mínimo de R$ 5 milhões alivia esse
viés, pois dificilmente esses fundos novos alcançarão esse patrimônio. De
acordo com esses critérios, foram selecionados 992 fundos de investimento em
ações.
Para calcular o alfa dos fundos, a cada fundo foi aplicada uma regressão de
mínimos quadrados ordinários (MQO) utilizando o modelo de quatro fatores de
Fama_e_French_(1993) e Carhart_(1997) reproduzido a seguir:
em que: Rit é o retorno do fundo i no mês t; Rft é o retorno livre de risco no
mês t, como proxy para o retorno livre de risco foi utilizada a taxa do
certificado de depósito interbancário (CDI); Rmt é o retorno de mercado no mês
t, como proxy para o retorno de mercado foi utilizado o índice Ibovespa; SMBt é
a diferença entre o retorno no mês t das 50% menores ações (em termos de valor
de mercado) e das 50% maiores ações; HMLt é a diferença entre o retorno das 30%
ações com maior índice book-to-market e as 30% com menor índice; e MOMt diz
respeito ao efeito momento, que é calculado de acordo com a diferença entre as
30% ações com melhor desempenho no último ano e as 30% ações com menor
desempenho no mesmo período.
Neste estudo, pressupõe-se validade do modelo de quatro fatores de Fama_e
French_(1993) e Carhart_(1997) no mercado brasileiro.
Em vez de analisar diretamente os alfas estimados dos fundos por meio da
regressão de quatro fatores, foi utilizada a estatística t dos alfas, como
indicado em Fama_e_French_(2010), para controle por diferenças de precisão
causadas por diferenças na variância residual e também por diferenças no número
de fundos considerados em cada período em que a simulação foi gerada.
Para identificar o efeito da sorte no retorno dos fundos, foram montados dez
mil fundos simulados, construídos a partir dos retornos dos fundos reais, com
seus alfas zerados. Para zerar o alfa dos fundos, basta subtrai-lo de seus
retornos mensais; esse procedimento é realizado com o objetivo de identificar
qual seria a proporção de retornos anormais a partir de um universo em
equilíbrio sem retornos anormais persistentes. O procedimento para a construção
dos fundos simulados é o seguinte: para cada período de cada um dos dez mil
fundos simulados, um sorteio aleatório de retornos é realizado. Os retornos que
participam desse sorteio são aqueles dos fundos reais para aquele mesmo
período, com seu alfa zerado. Isso significa que um fundo simulado pode ser
construído artificialmente de retornos obtidos de diferentes fundos reais em
cada um de seus períodos. Como foi considerado um período de 13 anos neste
estudo, e os retornos utilizados são retornos mensais, para cada um dos dez mil
fundos simulados foram realizados 156 sorteios aleatórios de retornos, um para
cada mês da amostra.
Para cada um dos dez mil fundos simulados, também foi realizada a regressão MQO
com o modelo de quatro fatores e registrada a estatística t do alfa. Em
seguida, procedeu-se à comparação das distribuições acumuladas dos t de alfa e,
caso elas fossem similares, haveria evidências de que os desempenhos anormais
positivos dos fundos fossem produto da sorte de seus gestores, já que em uma
amostra grande é esperado que parte das observações fique acima da média.
Além da comparação da estatística t de alfa dos fundos de ações ativos reais
com os fundos simulados, os fundos reais foram classificados em dois grupos
diferentes de acordo com seu patrimônio líquido: os fundos com os 30% maiores
patrimônios líquidos foram classificados como fundos grandes; e os fundos com
os 30% menores patrimônios líquidos, como fundos pequenos. Ambos os grupos
também sofreram uma comparação de suas distribuições das estatísticas t dos
alfas com a distribuição dos fundos simulados para que fosse possível observar
se o tamanho do fundo tem alguma relação com a existência de sorte ou
habilidade por parte de seus gestores.
O uso da simulação nessa análise traz muitos benefícios. Como é realizada por
meio da utilização de todos os retornos em determinado período, a simulação
capta a correlação dos retornos entre todos os fundos em determinado mês e isso
se reflete na distribuição da estatística t dos alfas estimados pela regressão
de quatro fatores; dessa forma, qualquer heterocedasticidade correlacionada dos
retornos explanatórios e distúrbios de um modelo de benchmark é capturada.
Entretanto, qualquer efeito de autocorrelação entre os retornos de um mesmo
fundo é perdido concluiu Fama_(1965), porém, que esse problema gera um efeito
mínimo.
Vale notar que estabelecer alfa zero nos retornos líquidos utilizados para a
simulação sugere a premissa de um mundo em que os gestores têm habilidade
suficiente para gerar retornos esperados que cobrem todos os seus custos e
despesas.
5. RESULTADOS
O objetivo da análise é inferir sobre a distribuição de alfas dos fundos de
investimento em ações ativas no Brasil, por meio de sua comparação com a
distribuição de alfas dos fundos simulados. Os fundos simulados são construídos
por sorteios aleatórios com reposição de retornos que têm as mesmas
propriedades dos retornos dos fundos reais, mas com o alfa de cada fundo
zerado. Para zerar o alfa dos fundos, o alfa estimado de cada fundo é subtraído
de todos os seus retornos mensais. Para estimar os alfas são realizadas
regressões MQO do modelo de quatro fatores para cada fundo, usando retornos
mensais líquidos de 2000 a 2013.
Os resultados mostram que a proporção de fundos reais com retornos anormais
positivos é maior do que a de fundos simulados, o que significa que existem
evidências de habilidade por parte de alguns gestores de fundos de gerar
retornos anormais positivos para os investidores, mesmo após o pagamento de
custos e despesas. Isso pode ser observado na Figura_1, em que a parte positiva
da curva de distribuição acumulada das estatísticas t de alfa dos fundos reais
está localizada à direita da distribuição dos fundos simulados, evidenciando
seu desempenho superior. A parte negativa da curva dos fundos reais está à
esquerda da curva dos fundos simulados, ou seja, alguns fundos têm seu retorno
esperado diminuído pelo esforço de gestão de seus administradores. Como o alfa
agregado dos fundos ativos é próximo de zero, segundo o conceito de equilíbrio
contábil, para que existam fundos com alfa positivo, é necessário que haja
fundos com alfa negativo.
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Figura 1 Função Densidade Cumulativa dos Fundos Reais Versus Fundos Simulados
Os resultados são positivos, porém modestos. Se assumir-se que os alfas
estimados dos fundos reais seguem uma distribuição normal de média zero, então
o desvio padrão dos alfas dos fundos ativos de ações brasileiros no período
analisado é 0,83%, isso significa que apenas 16% dos fundos analisados obtêm
retorno anormal líquido superior a 0,83% ao ano, ou 0,07% ao mês. E apenas 2,3%
dos fundos analisados conseguem obter retorno anormal líquido maior do que
1,65% ao ano, ou 0,14% ao mês.
Quando se observam os fundos classificados de acordo com o tamanho de seu
patrimônio líquido, é possível notar na Figura_2 que os fundos considerados
grandes, com os 30% maiores patrimônios líquidos da amostra, apresentam uma
proporção ainda maior de retornos anormais positivos, o que leva a concluir que
esses fundos concentram gestores com maior habilidade para gerar retornos
anormais positivos.
[/img/revistas/rausp/v50n2//0080-2107-rausp-50-02-0196-gf02.jpg]
Figura 2 Função Densidade Cumulativa dos Fundos Grandes e Pequenos Versus
Fundos Simulados
Assumindo que a distribuição de alfas dos fundos grandes também segue uma
distribuição normal, a média desses alfas é 0,3% maior do que a dos fundos
simulados, o que significa que os fundos grandes geram em média 0,3% a mais de
retorno anormal (em excesso) por ano do que seria gerado pela sorte. Já nos
fundos pequenos, com os 30% menores patrimônios líquidos, não há evidências de
habilidade por parte de seus gestores, a média do alfa de seus retornos é
negativa, o que leva à conclusão de que, na média, os esforços de gestão desses
fundos geram retornos anormais negativos; entretanto, o desvio padrão também é
maior, de 1,2% ao ano, ou seja, uma pequena parte desses fundos (2,3%) consegue
obter retorno anormal líquido maior do que 2,2% ao ano, ou 0,18% ao mês, o que
evidencia habilidade dos gestores em uma pequena parte dos fundos pequenos.
Ao se compararem os valores da estatística t dos alfas estimados dos fundos
reais com os simulados em alguns percentis selecionados da distribuição
acumulada, conforme apresentado na Tabela_1, é possível observar, por exemplo,
que no percentil de 5%, que acumula os 5% piores retornos anormais das
amostras, os fundos simulados apresentam uma estatística t de alfa de -1,21 ao
ano; no entanto, os fundos reais apresentam um resultado pior, um t de alfa -
2,03, 68% menor do que o esperado pela sorte, ou seja, nesse caso os esforços
de gestão pioram o retorno esperado. Esse resultado está de acordo com as
expectativas já que, como a indústria de fundos é bastante próxima da carteira
de mercado e os fundos passivos agregados possuem alfa zero por definição (são
fundos que procuram replicar e não superar índices de mercado), os fundos
ativos agregados também possuem alfa zero. Logo, se alguns fundos conseguem
persistentemente bater o mercado e atingir retornos anormais positivos, isso se
dá à custa de outros fundos ativos que apresentam retornos anormais negativos.
Tabela 1 Proporção de Fundos Simulados, Reais, Grandes e Pequenos para Cada
Percentil
Percentil Simulados Reais Grandes Pequenos
1% -1,83 -4,14 -2,02 -5,53
2% -1,59 -3,39 -1,33 -4,24
3% -1,41 -2,54 -1,10 -3,53
4% -1,30 -2,25 -0,99 -3,25
5% -1,21 -2,03 -0,90 -2,96
10% -0,86 -1,27 -0,33 -2,09
20% -0,42 -0,52 0,13 -1,12
30% -0,12 -0,12 0,43 -0,64
40% 0,13 0,12 0,71 -0,26
50% 0,37 0,39 1,12 -0,05
60% 0,61 0,70 1,51 0,12
70% 0,86 1,18 2,02 0,36
80% 1,15 1,72 2,51 0,67
90% 1,56 2,47 3,12 1,35
95% 1,90 2,95 3,65 1,83
96% 1,99 3,08 3,70 1,97
97% 2,10 3,23 3,79 2,41
98% 2,26 3,55 4,23 2,46
99% 2,48 3,80 4,37 2,81
Se for observado o percentil de 95% na Tabela 1, que acumula os 95% piores
fundos das amostras, os fundos simulados apresentam uma estatística t de alfa
de 1,90, já os fundos reais apresentam uma t de alfa de 2,95, 55% superior à
dos fundos simulados, que estimam a estatística t de alfa que seria esperada
apenas pelo fator sorte. Em outras palavras, há fortes evidências da existência
de habilidade por parte dos gestores de alguns fundos ativos em gerar retornos
anormais positivos de forma persistente.
Se incluir-se o tamanho dos fundos reais nessa análise, é possível notar que os
fundos grandes, com os 30% maiores patrimônios líquidos da amostra, no
percentil observado acima de 5%, apresentam uma estatística t de alfa de -0,90
versus -1,21 dos fundos simulados. Isso significa que, mesmo entre os piores
fundos grandes, há habilidade por parte dos gestores para superar os retornos
anormais que seriam esperados pelo fator sorte. Ao observar-se o percentil de
95%, também mencionado anteriormente, a estatística t do alfa dos fundos
grandes é de 3,65, quase o dobro do que seria esperado pela sorte, evidenciando
habilidade por parte dos gestores desses fundos em obter retornos anormais
positivos persistentemente.
Já os fundos pequenos, com os 30% menores patrimônios líquidos da amostra,
apresentam resultados menos positivos. Na Tabela_1, é possível observar que no
percentil de 5% o t de alfa dos fundos pequenos é de -2,96 versus os -1,21 dos
fundos simulados, ou seja, uma vez e meia pior do que seria esperado por sorte.
Nesse caso, há evidências de que os esforços de gestão de alguns fundos de
ações ativos pequenos reduzem seu retorno esperado. No percentil de 95%, o t de
alfa dos fundos pequenos é de 1,83 versus os 1,90 dos fundos simulados, apenas
4% abaixo do que seria esperado por sorte. O grupo de fundos pequenos apresenta
um desvio padrão dos alfas estimados muito maior do que o dos fundos grandes, o
que demonstra maior diversidade de resultados. Existem alguns poucos fundos
pequenos com alguma habilidade para gerar retornos anormais positivos se
observar-se o percentil de 97%. Nesse caso, o t de alfa dos fundos pequenos é
de 2,41 contra 2,10 dos fundos simulados, e isso significa que 3% dos fundos
pequenos são capazes de gerar retornos anormais positivos acima do que seria
esperado pela sorte, ou seja, existe habilidade em um número bem pequeno de
fundos pequenos, mas o retorno adicional gerado por esses fundos é bastante
modesto.
Fama_e_French_(2010) apresentaram resultados diferentes, lá não foi
identificada habilidade por parte dos gestores, os poucos que apresentam
habilidade nos retornos brutos eliminam essa vantagem após custos e despesas,
ou seja, os próprios gestores habilidosos retêm os frutos de seus retornos
anormais por meio da remuneração do próprio esforço de gestão, as taxas de
administração. Portanto, no que diz respeito a retornos líquidos, que chegam
efetivamente ao bolso dos investidores, a expressiva maioria dos fundos ativos
gera alfa negativo. Uma das possíveis razões para explicar a diferença entre os
resultados brasileiros e os norte-americanos deve ser o fato de o nosso mercado
ser menos eficiente. No que diz respeito ao tamanho dos fundos, esse melhor
desempenho relativo dos fundos grandes pode ser explicado, entre outras coisas,
por ganhos de escala nos custos e despesas e maior capacidade de obter e
analisar informação, possibilitada pela maior disponibilidade de recursos
financeiros e humanos qualificados.
6. CONCLUSÃO
Enquanto os métodos para avaliação de desempenho dos fundos de investimento
avançam quase tanto quanto a própria indústria em todo o mundo, no Brasil os
estudos não são tão numerosos e os métodos mais comumente utilizados são os
mais tradicionais.
Além da escassez de pesquisas e da pouca variedade de metodologias, os
resultados são diversos. Alguns encontram resultados negativos e não são
capazes de identificar fundos com retornos acima da média de mercado, mas é
possível observar uma abrangência maior para os resultados positivos, que
apresentam evidências de habilidade superior por parte dos gestores dos fundos
em bater o mercado. Entretanto, mesmo os resultados positivos encontram em
geral um número pequeno de fundos com desempenho superior, em linha com as
evidências apresentadas pelos estudos internacionais de maior prestígio.
Neste estudo, mostra-se que há evidências de habilidade por parte dos gestores
de alguns fundos de investimento em ações na obtenção de retornos positivos
anormais, pela utilização de uma metodologia mais robusta desenvolvida por Fama
e_French_(2010). Por meio da realização de dez mil simulações de fundos de
investimento de ações brasileiros no período de 2000 a 2013, é possível estimar
a distribuição da estatística t dos alfas que seria esperada pela sorte. Com
relação a essa estatística, compararam-se os fundos de ações brasileiros reais
no mesmo período para observar se seu desempenho pode ser atribuído à sorte ou
se há habilidade por parte dos gestores na escolha e na negociação de ações.
A proporção de fundos de investimento em ações com desempenho superior é maior
do que a esperada por sorte, o que leva a crer que exista habilidade por parte
dos gestores em produzir retornos positivos anormais acima do que seria
esperado pelos fatores que compõem o modelo de quatro fatores de Fama_e_French_
(1993) e Carhart_(1997), em todo o período de 2000 a 2013. Os resultados
apresentados por Fama_e_French_(2010) com essa mesma metodologia nos Estados
Unidos não identificaram habilidade por parte dos gestores, o que os leva a
concluir pela eficiência do mercado. Os resultados no Brasil indicam haver um
fator diferente de mera sorte, o que sugere que esse mercado seja menos
eficiente, com a possibilidade de obtenção de retornos anormais persistentes.
Ao se considerar o tamanho dos fundos no que diz respeito a seu patrimônio
líquido, os fundos com os 30% menores patrimônios líquidos apresentam resultado
inferior ao dos fundos simulados, o que leva a crer que os esforços de gestão
dos fundos ativos pequenos reduzem seu retorno esperado. Já os fundos com os
30% maiores patrimônios líquidos apresentam resultados bastante superiores ao
que seria esperado por sorte. Essa constatação contraria a expectativa de que
fundos maiores teriam pior desempenho relativo por serem limitados a ativos de
elevada liquidez e mais travados pela estruturação interna.
Esse melhor desempenho relativo dos fundos grandes pode ser explicado, entre
outros fatores, por ganhos de escala decorrentes da melhor diluição de custos
operacionais em relação ao patrimônio líquido. Outra explicação possível é a
maior capacidade de obter e analisar informação, possibilitada pela maior
disponibilidade de recursos financeiros e humanos qualificados.
Como em Fama_e_French_(2010), uma limitação do estudo é a perda do efeito de
eventual autocorrelação quando da constituição das carteiras simuladas por
sorteios independentes, mas a literatura sugere que esse é um problema menor
(Fama & French,_2005).
A geração de fundos simulados também elimina o efeito da variação dos betas dos
fundos no tempo. Esse efeito pode ser tratado em futuros estudos que incluam um
coeficiente de market timing.
Outra sugestão para estudos futuros é realizar a análise com retornos brutos,
obtidos por estimativa de custos e taxas de administração e desempenho.
Entretanto, o uso de retornos brutos de qualquer forma tende a reforçar as
principais conclusões aqui encontradas.