A dinâmica migratória do Paraná: o caso da região Sudoeste ao longo do século
XX
Introdução
Ao longo do século XX, o Paraná teve uma dinâmica migratória que o distingue da
maioria dos estados brasileiros, sendo possível identificar, grosso modo, três
períodos distintos de evolução demográfica no Estado, em que o processo
migratório exerceu papel fundamental na configuração e no desenho do
território. Entre 1900 e 1940, o Estado apresentava uma população dispersa e
rarefeita, que estava circunscrita em torno da econômica de subsistência; de
1940 a 1970, ocorreu a expansão acelerada da fronteira agrícola estadual, que
atraiu milhares de trabalhadores e seus familiares de outras partes do país,
acarretando, simultaneamente, a ocupação e apropriação extensivas e intensivas
da região. Ao final desse período, a população paranaense havia mais do que
quintuplicado de tamanho, assumindo uma nova distribuição espacial. No momento
seguinte, entre 1970 e 2000, a inserção do Paraná no processo de modernização
da agricultura, em que o agro se tornou subordinado ao industrial, impôs uma
nova divisão social e territorial do trabalho, promovendo uma rápida e drástica
diminuição populacional das áreas rurais, o que estimulou vigorosamente a
urbanização e provocou a formação de imensas correntes emigratórias que
transpuseram as fronteiras estaduais em busca, entre outros, de trabalho, terra
e melhores oportunidades de vida.
Com isso, o objetivo do presente trabalho é analisar essa dinâmica migratória,
configurada em três períodos espaço-temporais, na mesorregião Sudoeste
paranaense1 (Mapa_1). É importante ressaltar que a escolha da região deve-se ao
processo histórico de forte êxodo rural e às mudanças abruptas na dinâmica
populacional que passou essa região ao longo do século XX. A partir de trabalho
de campo exploratório feito em 2008, com a realização de entrevistas
semiestruturadas, análise bibliográfica, documental e censitária (especialmente
em Censos Demográficos), busca-se compreender como se processou, durante o
século XX, a dinâmica migratória por meio da atração, do reordenamento e da
expulsão de população do/no Sudoeste paranaense. Esses movimentos populacionais
são entendidos no interior dos contextos macroestruturais através das relações
de mediaçãoentre Estado e mercado, por meio dos projetos geopolíticos e da
expansão territorial do capitalismo ' como do capital comercial e monopolista,
da Marcha para Oeste, da modernização da agricultura e da urbanização/
industrialização.
A partir da periodização e/ou empiricização do tempo (SANTOS, 1997; SANTOS;
SILVEIRA, 2006), analisa-se a migração para o Sudoeste paranaense de caboclos
inseridos no contexto da frente de expansão, entre 1900 e 1940, de gaúchos e
catarinenses situados no contexto do projeto geopolítico Marcha para o Oeste,
entre 1940 e 1970, e de "paranaenses" incluídos no contexto da modernização da
agricultura, da urbanização/industrialização que redesenhou a região e
configurou uma mobilidade para além das fronteiras estaduais, entre 1970 e
2000.
A ampliação territorial da frente de expansão: a migração cabocla para o
Sudoeste paranaense ' 1900 a 1940
O Sudoeste do Paraná é uma região singular quanto à sua dinâmica populacional.
Até o final do século XIX e início do XX, a população era pouco numerosa, sendo
que a maior proporção do contingente demográfico residia em áreas rurais e
vinculava-se economicamente às atividades de extração da erva-mate, da madeira
e da pecuária extensiva, além da produção para subsistência.
Por isso, a "primeira" corrente migratória de povoamento e re-ocupação2 para o
Sudoeste paranaense foi a mobilidade de caboclos. A partir de entrevistas
realizadas com filhos e netos de caboclos no município de Francisco Beltrão, em
2008 (MONDARDO, 2009), constatou-se que alguns destes sujeitos vieram de
Palmas, no Paraná, município próximo ao Sudoeste paranaense e que, neste
período, continha uma população relativamente grande (aproximadamente 5 mil
habitantes) para o contexto histórico-geográfico. Também dos Estados do Rio
Grande do Sul e de Santa Catarina vieram muitos desses migrantes. É
interessante ressaltar o modo como vinham ' relembrando como os índios e
bandeirantes percorriam seus itinerários pelo interior do Brasil (BASTIDE,
1976; CÂNDIDO, 1977) ' pois, através de picadas e de fontes de água, os
caboclosse locomoveram em meio à mata, que nesta época era densa, especialmente
no Paraná.
A partir de alguns depoimentos coletados na pesquisa de campo, foi possível
constatar algumas "raízes" dessa migração:
A minha mãe foi criada numa fazenda lá em Palmas. Minha avó morô
tempo na fazenda lá. A minha bisavó era escrava. (...) Eram empregado
da fazenda de gado, de mula, de cavalo. (...) Minha bisavó morreu com
cento e quinze anos. Quando os fazendeiro pegaram ela, era no tempo
que tinha escravo, daí ela ficou lá na fazenda, morou lá até morrer.
Teve os filhos, tudo, nas casas de taipa, tudo de pedra. (...). Era
só escravo. (...) Teve alguns destes que vieram prá... Teve muita
gente que morava na fazenda e que veio pra cá. (...) Os negro ficavam
mais encuralado nos lugar mais escondido, tinha medo, né? Da
população. Aquele tempo era escravo, né? Escravo não poderia ter
contato com outro. (...) Antigamente era assim, o avô sempre contou.
(...). A maioria morreu. Moravam em Marmeleiro, em Palmas, em
[Francisco] Beltrão. A maioria foram embora, né? Quando começaram a
se libertá, a maioria procurava cada vez ir mais longe, né? Mas,
muitos morreram (Ione Simão Lopez).
Meu pai veio de Palmas, veio de lá por picada, chegou primeiro em
Marmeleiro, depois de dois anos veio pará em [Francisco] Beltrão
(...) Minha avó era escrava nas fazenda em Palmas, trabalhava numa
fazenda de gado grande que tinha lá (Amélia Maria Santos).
Veio do Rio Grande do Sul, não lembro o nome do lugar lá. Mas meu pai
veio no início da ocupação pra cá. (...) Era tudo mato, sertão, sabe?
Veio por carrero, picada com cavalo e se instalou por aqui, (...)
aqui mesmo em [Francisco] Beltrão, má naquela época nem era chamado
de Marrecas ainda. Não tinha ninguém quase aqui (Alcides Sestempf).
Foram vindo de Santa Catarina. Vinha pelo meio do mato até chegar
aqui. (...) Diz que chegavam num lugar que tinha água e diziam que
era ali que iam ficar. Foi pelas encostas de rio, quando chegaram
aqui naqueles tempo (Paula Faria).
Meu avô lidava em fazenda de gado no Rio Grande [do Sul], era peão;
aí, diz que ele tinha muita vontade de ter terra, até que resolveu
saí de lá e procurar um lugar que tinha terra; (...) diz que saiu de
lá só com uma mala e um cavalo e veio vindo, aí, chegou aqui pro
Paraná; aqui era só mato e tinha muita terra; se embrenhou pelos
mato, no interior de [município] Dois Vizinhos; má aquela vez isso
aqui era bem diferente; ele contava pra nós que isso só tinha mato e
muita caça (Pedro Mariano Bandeira).
Esses migrantes (tratados genericamente como caboclos) eram, principalmente,
antigos ocupantes do espaço das fazendas, peões, agregados, em sua maioria ex-
escravos, estancieiros e/ou fazendeiros empobrecidos que, excedentes nesses
espaços de latifúndio, deslocaram-se pelas matas em busca de alternativas à
sobrevivência, em busca de recursos, terras, ou, numa perspectiva ampla, à
procura do território para sua reprodução. Em uma sociedade polarizada e com o
trabalho desvalorizado do "nacional", que era como se configurava o Brasil
nesse momento histórico (COSTA, 1982; NAXARA, 1998; KOWARICK, 1994), a
alternativa para estes sujeitos foi a procura por territórios ainda pouco
explorados e, portanto, por terras (ainda) livres da lógica da dominação
capitalista e da "civilização moderna".
Outros estudos realizados sobre esta questão também auxiliam a construir os
lugares de origem dessa mobilidade espacial. A partir de alguns autores que
pesquisaram sobre a temática, sistematizamos os lugares apontados como os de
origem dessa migração para o Sudoeste paranaense, entre 1900 e 1940:
* do Paraná, vieram peões e agregados das fazendas dos municípios de
Palmas, Clevelândia e Guarapuava. A mão de obra empregada nessas
fazendas, que era grande, passou a se tornar escassa. A partir de 1900,
essas fazendas tornaram-se incapazes de absorver o próprio crescimento
vegetativo da população. Parte dessa população, que o sistema
latifundiário não mais comportava, foi ocupar o Sudoeste paranaense
(CORRÊA, 1970a; ABRAMOVAY, 1981; WACHOWICZ, 1987);
* de Santa Catarina, vieram posseiros expulsos e/ou expropriados da Guerra
do Contestado3 (BONETI, 1998; ABRAMOVAY, 1981; WACHOWICZ, 1987). Muitos
foram os caboclos "expulsos das zonas onde se processava a colonização, e
neste caso o melhor exemplo é fornecido pelo Vale do Rio do Peixe na
década de 1910, quando a ferrovia que atravessava o vale colonizou as
terras marginais aos trilhos, já ocupadas por uma população luso-
brasileira" (CORRÊA, 1970a, p. 88);
* do Rio Grande do Sul, vieram "fazendeiros empobrecidos" e agregados, "em
particular das zonas de campo e mata do planalto, de Soledade,
Candelária, Passo Fundo e Palmeiras das Missões"4 (CORRÊA, 1970a, p. 87);
* do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e de Corrientes (Argentina),
vieram "foragidos da Justiça"5 (BONETI, 1998; CORRÊA, 1970a; WACHOWICZ,
1987);
* da Argentina e do Paraguai, vieram exploradores de erva-mate e caçadores
de animais (BONETI, 1998; LAZIER, 1998; WACHOWICZ, 1987).
Corrêa (1970a) caracterizou esse movimento migratório como o de uma "fronteira
em marcha". Compreendemos que essa fronteira reportava-se à expansão
territorial de um modo de vida peculiar, ligado à caça, à pesca e à coleta, mas
que apontava, também, a expansão territorial das relações capitalistas, do
mercado, de uma agricultura extensiva, da criação e comercialização de alguns
animais, especialmente suínos.
Por isso, o caboclo chegava no Sudoeste do Paraná e se fixava em um pedaço de
terra como posseiro. Esse fenômeno se insere no interior de um movimento mais
amplo, o da expansão da "sociedade nacional" sobre o território brasileiro. De
acordo com Wachowicz (1987, p. 69), "O caboclo no sudoeste paranaense fez o
papel histórico de componente dessa frente da frente pioneira. Ele pertencia a
essas camadas não hegemônicas da sociedade".
O deslocamento progressivo das "frentes de expansão" foi um dos modos pelos
quais se deu o processo de reprodução ampliada do capital, isto é, o modo da
sua expansão e expressão territorial, econômica e demográfica. Martins (1982,
p. 75) ressalta que "através do deslocamento de posseiros é que a sociedade
nacional (...) se expande sobre territórios tribais. Essa frente de ocupação
territorial pode ser chamada de frente de expansão". A figura do posseiro, por
isso, é própria desta frente de expansão.
Na frente de expansão as relações socioespaciais fundamentais não são
determinadas pela produção de mercadorias, pois a apropriação das condições de
trabalho, ou seja, da terra não se realiza como empreendimento econômico. O
caráter de produção na frente de expansão é de excedente de produto. Segundo
Martins (1975), o excedente é o artigo que adquire valor de troca porque há
condições para sua comercialização e não porque tenha entrado nas relações de
troca como resultado da divisão do trabalho. Por isso, nessa frente, as
condições de vida dos posseiros e/ou ocupantes são reguladas pelo grau de
fartura e não pelo nível de riqueza.
Nesse sentido, a partir desses fluxos migratórios, a população do Sudoeste
paranaense, que em 1900 era constituída por um pouco mais de 3.000 pessoas
(WACHOWICZ, 1987), aumentou para 6.000 habitantes, em 1920, tendo densidade
demográfica de 0,5 habitante por quilômetro quadrado (CORRÊA, 1970a). Esse
movimento migratório se fazia por meio da predominância dos homens em relação
às mulheres; entretanto, com o decorrer do tempo, a proporção entre os sexos se
apresentou mais equilibrada devido ao predomínio da "imigração familiar": "em
1920 havia 118 homens para 100 mulheres (144 na faixa de 21 a 49 anos),
enquanto em 1940 havia 106 homens para 100 mulheres, num total de 23.000
pessoas" (CORRÊA, 1970a, p. 90).
Os dados também indicam crescimento do número de pessoas na região nesse
período de 40 anos: tendo um pouco mais de 3.000 pessoas em 1900, a população
do Sudoeste paranaense aumentou, sobretudo pela migração, para 23.000
habitantes, em 1940 (caboclos, em sua grande maioria). Ou seja, a migração
cabocla proporcionou o deslocamento de um significativo contingente de pessoas
para esse "território" e, posteriormente, para sua transformação por meio de
usos, apropriações e dominações.
Até a década de 1940, a quase inexistência de meios de comunicação interligando
o Sudoeste ao restante do Estado foi um dos motivos que tornou essa região
desconhecida e pouco povoada. As atividades econômicas, devido à precariedade
com que eram feitas, não atraíam contingentes maiores de população, não
conseguindo dinamizar, do ponto de vista econômico e demográfico, esse espaço.
Mas esse quadro foi alterado no período seguinte, como será analisado a seguir.
A expansão acelerada da fronteira agrícola paranaense: a migração gaúcha e
catarinense para a região Sudoeste ' 1940 a 1970
O período de 1940 a 1970 foi marcado por um movimento migratório intenso e
acelerado de expressivos contingentes de gaúchos e catarinenses para o Paraná,
especialmente para a região Sudoeste. Houve, naquele momento, uma ocupação e
apropriação do território em um impressionante movimento de expansão
territorial pela consolidação da fronteira agrícola sudoestina. Entretanto, em
paralelo ao vertiginoso crescimento da população rural, articulavam-se a
proliferação e a expansão de muitos núcleos urbanos, que nasciam para dar
suporte às atividades agrícolas crescentes.
Segundo Magalhães (2003), o Sudoeste do Paraná foi a terceira frente de
expansão populacional formada, principalmente, por colonos provenientes do Rio
Grande do Sul e de Santa Catarina, voltados à policultura alimentar e à
pecuária suína. O processo de colonização desta região desenhou uma estrutura
fundiária marcada pela presença da pequena propriedade familiar.
Essa mobilidade ocorreu, segundo Souza (1980, p. 61), por dois fatores,
fundamentalmente. Primeiro, por volta de 1940, iniciaram-se no Rio Grande do
Sul, por um lado, um intenso processo de minifundização decorrente do sistema
de subdivisão das terras por herança familiar e, por outro, a ampliação de
grandes propriedades dedicadas à pecuária, gerando um excedente populacional
agrícola em busca de oportunidades de sobrevivência em outras áreas. Esse fluxo
populacional gaúcho, acrescido de agricultores oriundos de Santa Catarina, era
quase totalmente constituído por pessoas de origem italiana, alemã e polonesa
que, na maior parte das vezes, dispunham de algum recurso financeiro (oriundo
da venda da terra nesses estados) e de instrumentos de trabalho para assegurar
a instalação da propriedade no meio rural paranaense.
Essa primeira leva de imigrantes sulistas se instalou, portanto, em grande
medida, em áreas rurais nas regiões Sudoeste e Oeste do Paraná, formando
pequenas propriedades baseadas no trabalho familiar e dirigindo a produção para
lavouras de subsistência, em sua maioria, cereais e criação de suínos (LAZIER,
1998). Todavia, a região Sudoeste continuava se ressentindo da inexistência de
estradas e disponibilidade de infraestrutura urbana. O baixo dinamismo da
região começou a mudar a partir das décadas de 1950 e 1960.
Já o segundo fator de atração populacional foi a criação, em 1943, da Colônia
Agrícola Nacional General Osório ' Cango, no Sudoeste paranaense, que se
configurou, por meio do projeto geopolítico do governo Getúlio Vargas, na
chamada Marcha para Oeste. Esse projeto procurava, entre outros objetivos,
mobilizar significativos contingentes populacionais para "ocupar" os
denominados, política e ideologicamente, "espaços vazios" no território
brasileiro, visando implementar uma agricultura racional e moderna e integrar
espacialmente o corpo geográfico do Brasil (MONDARDO, 2009).
Como considera Lenharo (1986a, p. 10), a Marcha para Oeste, parte integrante do
projeto colonizador e de "nacionalização" das fronteiras brasileiras pelo
Estado Novo (1937-1945), era um programa que envolvia governos estaduais,
políticos regionais, empresas locais e, principalmente, pessoasque se
dispusessem a migrarpara áreas consideradas despovoadas ou semipovoadas. O
projeto pretendia, segundo esse historiador, a "conquista do corpo geográfico
do país" por meio de "uma política de colonização marcada pela intenção da
conquista territorial e da integração espacial do país" (LENHARO, 1986b, p.
13), sendo necessário, para tal objetivo, um forte estímulo à mobilidade
espacial da população (OLIVEIRA, 1999).
Por isso, para Getúlio Vargas (1944, p. 117), o objetivo era "prender o homem
ao solo, o que somente se consegue transmitindo-lhe o direito de domínio [da
terra]. Quem labora e cultiva a terra, nela deposita a sementeira e alicerça a
casa ' abrigo da família ' deve possuí-la como proprietário". Fixar o homem ao
solo foi desse modo um dos grandes estímulos para que muitas pessoas migrassem:
a promessa de tornar os trabalhadores proprietários de terra vinculava-se à
necessidade de motivá-los a migrarempara novas áreas "pouco povoadas" para
"desbravá-las", promovendo, pela expansão e integração territorial, o
"desenvolvimento", sobretudo econômico, do país.
Buscando, portanto, orientar os fluxos migratórios, o projeto Marcha para
Oesteobjetivava criar, acima de tudo, um "'novo' trabalhador rural brasileiro,
ordeiro, produtivo, voltado para o lucro, distante do seu meio natural, da sua
tradição e do seu passado"(LENHARO, 1986a, p. 14, grifo nosso), sendo
necessárias, para isso, a instalação e a localização de Colônias Agrícolas
Nacionais em faixas de terra do Brasil que fazem fronteira com outros países,
pois:
As Colônias Agrícolas Nacionais, a menina dos olhos da política de
colonização do Estado, foram planejadas de modo a se submeterem a uma
administração centralizada e permanecerem subordinadas diretamente ao
Ministério da Agricultura. Estruturadas em pequenas propriedades,
seus lotes deveriam ser distribuídos preferencialmente para
trabalhadores brasileiros sem terras ' um dos recursos pensados para
resolver esse grave problema social. A localização das colônias por
si só explica a finalidade da organização de sua produção (LENHARO,
1986a, p. 47, grifo nosso).
Inserida no projeto político ideológico da Marcha para Oeste ' no Sudoeste do
Paraná, em 1943, pelo Decreto nº 12.417, de 12 de maio ', Getúlio Vargas criava
a Colônia Agrícola Nacional General Osório ' Cango. O decreto de criação da
Cango, em seu art. 1º, estabelecia que:
Fica criada a Colônia Agrícola Nacional General Osório, no Estado do
Paraná, na faixa de 60 quilômetros de fronteira, na região de
Barracão, Santo Antônio, em terras a serem demarcadas pela Divisão de
Terras e Colonização, do Departamento Nacional de Produção Vegetal,
do Ministério da Agricultura.
Parágrafo único. A área a ser demarcada não será inferior a 300.000
hectares (RELATÓRIO DA CANGO, 1942, p. 1).
Apesar de o decreto de criação da Colônia Agrícola referir-se a 1943, a mesma
só começou a atuar efetivamente no Sudoeste paranaense em 1948; primeiro, a
Colônia se instalou provisoriamente no povoado de Pato Branco com um
escritório, para depois começar a abertura da estrada até o lugar onde seria
fixada e construída a sede, na Vila Marrecas, futuro município de Francisco
Beltrão.
Esse projeto colonizador, aliado às condições difíceis de reprodução dos
agricultores no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, atraiu grandes contingentes
de gaúchos e catarinenses para o Paraná (PADIS, 1981). No início dos anos 1950,
segundo Feres (1990), a maior parte das terras da região Sudoeste do estado
havia sido comercializada, tornando-se propriedade privada, mesmo que muitas
ainda sem o título de propriedade, o que aconteceu, posteriormente, na década
de 1960, com a criação do Grupo Executivo de Terras do Paraná ' GETSOP.
Assim, nesse período, deslocavam-se para o Sudoeste paranaense, além de
colonos, profissionais urbanos (médicos, dentistas, açougueiros, farmacêuticos,
comerciantes, professores, operários, entre outros) para trabalhar nas diversas
funções que foram surgindo e/ou necessitando com a formação de aglomerados
urbanos. A migração ocorreu, em grande medida, de colonospara o campo, mas
também contou com trabalhadores urbanos para a formação, num primeiro momento,
de povoados e, posteriormente, de cidades. Nesse sentido, "virão para o
sudoeste paranaense não só agricultores, mas habitantes das cidades gaúchas ' e
de outros pontos do país ' cuja capacitação profissional ia do pequeno
comerciante, prestador de serviços, até os profissionais liberais, de formação
universitária" (PADIS, 1981, p. 172).
Conforme Padis (1981, p. 171), as transformações na estrutura fundiária do Rio
Grande do Sul, que penalizaram as propriedades de tamanho médio, definiram um
processo acelerado de minifundização e, ao mesmo tempo, de reforço das grandes
estâncias, liberando grandes volumes de população que, perfazendo algumas
etapas migratórias, encontrou na farta disponibilidade de terras da região
Sudoeste (mas, nem sempre de fácil acesso, pelas disputas e tensões inerentes
ao processo) a possibilidade de reproduzir sua condição de produtores rurais.
Além da grande oferta, o preço das terras, via de regra, permitia aos novos
colonos a aquisição de propriedades que, na maioria com 10 a 20 hectares,
possuíam, muitas vezes, o dobro ou o triplo do tamanho de suas antigas áreas
nos estados de origem. Apesar disso, a força de trabalho alocada na produção
costumava ser apenas a familiar.
As condições topográficas do Sudoeste, por sua vez, em muito se assemelhavam às
das regiões de origem dos imigrantes, induzindo a reprodução, em terras
paranaenses, de práticas e atividades econômicas que anteriormente desenvolviam
em regiões gaúchas e catarinenses. O relevo do Sudoeste paranaense é bastante
acidentado, marcado pela presença de vales e morros, o que dificultou
sobremaneira a mecanização das lavouras. Assim, condicionadas a um sistema
simples de produção, as famílias se dedicavam à criação de rebanhos suínos e a
lavouras de trigo, milho, arroz, feijão e mandioca.
Hábitos e costumes igualmente foram preservados, porque a origem ítalo-
germânica dos recém-chegados embasava fortes tradições de geração para geração
e essas comunidades mantiveram-se praticamente "isoladas" do restante do estado
até o final dos anos 1960, em função da escassez de meios de comunicação e de
transporte na região. Além disso, por serem, na maioria das vezes, descendentes
de italianos e alemães, mantiveram costumes e práticas culturais pelas coesões
internas dos grupos. O fator de "isolamento" e/ou distâncias, aliás, também
explica, em parte, a prolongada fase de produção quase que exclusivamente para
subsistência dessas unidades agrícolas, situação que perdurou praticamente até
a década de 1960.
A Cango constituiu, nesse sentido, uma ruptura com o período anterior dominado
e apropriado pelos caboclos; iniciou-se uma nova geografia: aquela dos
migrantes gaúchos e catarinenses. O crescimento populacional, por exemplo, da
Vila Marrecas, desde a chegada da Cango, em 1947, até a posterior criação do
município de Francisco Beltrão, em 1951, e seu aumento populacional ocasionado
pela migração até 1956, segundo Rubens Martins (1986), ocorreu na seguinte
proporção: em 1947, eram 467 famílias e 2.529 habitantes; em 1948, 886 famílias
e 4.956 habitantes; em 1949, 1.068 famílias e 6.045 habitantes; em 1950, 1.440
famílias e 7.147 habitantes; e, em 1956, 2.725 famílias e 15.284 habitantes.
Esses dados indicam uma forte ascensão no crescimento populacional do povoado
ao município. O número de famílias, no período 1947-1956, cresceu 583% e o de
habitantes aumentou 604%! Um acréscimo populacional expressivo na medida em que
estes dados se referem, apenas, àqueles/as (migrantes) que estavam cadastrados
"legalmente" na Colônia. Como ressalta Rubens Martins (1986, p. 55):
em 1948 a população oficialmente reconhecida ' não computados os
invasores da gleba, em número supostamente reduzido ' era de 4.956
habitantes, [destes], 886 (17,87%) constituíam os cabeças da família
e 4.070 (82,12%) seus dependentes; 1.245 (25,12%) sabiam ler e
escrever [e] 3.711 (74,87%) eram constituídos de analfabetos e de
crianças em faixa etária ainda distante da escolaridade.
Os passos da re-ocupação no Sudoeste paranaense começaram a ser definidos a
partir das ações governamentais, com a mobilização de um grande contingente
populacional em direção ao longo da fronteira Oeste do Brasil. Este processo
começou a ser implementado a partir de meados de 1940 e apresentou
características próprias, pautadas na fixação definitiva de núcleos coloniais e
urbanos, dando ênfase ao estabelecimento de comunidades (muitas vezes étnicas,
como, por exemplo, descendentes de italianos, alemães e poloneses) organizadas
em vilas e cidades.
Grande parte do contingente de migrantes veio do Rio Grande do Sul, onde a
perda de população foi intensa na década de 1940.
Em 1949 o saldo migratório era desfavorável ao Rio Grande do Sul em
cerca de 155.746 pessoas, [pois] Muitos pequenos proprietários (...)
venderam seus lotes coloniais e se deslocaram em direção ao Sudoeste
do Paraná para reproduzir, nesse Estado, uma economia camponesa
semelhante à gaúcha, [contudo], em terras mais férteis e mais
próximas do Centro do país, conquistando parte do mercado nacional no
momento seguinte (FERES, 1990, p. 499).
A escassez de terras no Rio Grande do Sul fez com que os migrantes reduzissem o
peso demográfico sobre a "área esgotada", vendendo (ou sendo forçados a vender)
suas propriedades e encorajando-se a se reproduzir em outra fronteira: o
Paraná.
Para se ter uma noção quantitativa da intensidade deste fluxo migratório, a
população do Sudoeste do Paraná passou de 76.376 habitantes, em 1950, para
230.379 habitantes, em 1960, com 59% dessa população (119.787 pessoas) na área
rural. A taxa de crescimento populacional no Brasil, nessa mesma época, era de
3,12%, a do Estado do Paraná correspondia a 7,23% e a do Sudoeste era de 12,4%
(FERES, 1990). Segundo Martins (1986b, p. 138), o Paraná experimentou uma taxa
de crescimento anual de sua população de 5,62%, entre 1940 e 1950, 7,22%, de
1950 a 1960, e 5,00%, entre 1960 e 1970. A mobilidade gaúcha e catarinense,
nesse período, tinha como principal lugar de destino o Paraná.
Para Wachowicz (1987), foi em 1954 e 1955 que se iniciou o grande afluxo de
migrantes para o Sudoeste paranaense. O migrante gaúcho acelerou sua
participação, tornando-se majoritário. Entretanto, essa corrente migratória
procedente do Sul do país, formando uma frente pioneira da colonização, não
ficou restrita ao referido recorte espacial. Ela atravessou o Rio Iguaçu e foi
colonizar também as terras do Oeste paranaense. A geógrafa Lysia Bernardes
(2007, p. 155), estudando o avanço das frentes pioneiras no Paraná, considera,
por exemplo, que a população do Sudoeste paranaense é, em sua maior parte,
originária das zonas coloniais do Rio Grande do Sul e também de Santa Catarina,
destacando-se os elementos de origem italiana, que representam cerca de 60% do
total.
Neste contexto, esse fluxo migratóriopara o Sudoeste do Paraná dirigido pelo
Estado foi chamado de frente pioneira. Para Martins (1997, p. 153), a frente
pioneira é mais do que o deslocamento da população sobre territórios novos. Ela
é caracterizada também pela "situação espacial e social que convida ou induz à
modernização, à formulação de novas concepções de vida, à mudança social". Essa
concepção de frente pioneira explicita a criação do espaço novo, da nova
sociabilidade fundada no mercadoe na contratualidade das relações sociais. A
terra torna-se mercadoria e a figura do pioneiro é central nesse movimento.
Para Magalhães (1996, p. 23), a integração e a dinamização do Sudoeste
paranaense tiveram início nos últimos anos da década de 1950, com os primeiros
esforços para implantação de um sistema viário que, conjugado à capacidade
técnica dos produtores e à boa qualidade dos solos, viabilizou e impulsionou a
produção de excedentes para comercialização. Aos poucos, a renda monetária de
parte da população foi se elevando, o mercado se ampliando, o comércio se
expandindo. Novos capitais acorreram à região e as propriedades agrícolas se
formaram, principalmente, em áreas ainda "não ocupadas". Cidades proliferaram
por vários lugares a um ritmo rápido.
Conforme Magalhães (1996, p. 23), o mesmo processo que produziu a acelerada
expansão e a consolidação da fronteira agrícola no Paraná, marcada pela
presença de um grande número de pequenos estabelecimentos e por uma estrutura
de posse da terra relativamente desconcentrada, condicionou o notável
crescimento demográfico estadual, cujo ritmo superou em muito a média nacional
entre 1940 e 1970. Ao final desse período, a população paranaense havia mais do
que quintuplicado em relação ao número de habitantes registrado em 1940. Porém,
essa configuração da dinâmica populacional teve sua ordem alterada a partir da
década de 1970, como será analisado a seguir.
A redistribuição espacial da população paranaense: da modernização da
agricultura às migrações na região Sudoeste ' 1970 a 2000
A partir de meados da década de 1960, ocorreu a implantação de um novo modelo
agrícola nacional de produção, subordinado ao padrão de acumulação capitalista
do setor industrial e, consequentemente, vinculado ao pacote tecnológico que
alterou radicalmente o processo produtivo do Paraná, notadamente as relações de
produção do setor agropecuário. Em poucos anos, uma verdadeira revolução
tecnológica suscitou transformações econômicas e sociais em profundidade no
estado e, por extensão, na região Sudoeste, cujos efeitos se fizeram sentir de
forma contundente sobre a dinâmica de crescimento e de redistribuição espacial
da população. De uma região receptora que absorvia grandes fluxos migratórios,
o Sudoeste ' bem como relativamente todo o estado do Paraná ' passou, em pouco
tempo, a constituir uma região expulsora de população, num processo acentuado e
acelerado de êxodo rural.
Como considera Magalhães (2003), a modernização tecnológica das atividades
agrícolas, ditada sob a hegemonia do processo de acumulação capitalista do
setor industrial brasileiro, introduziu transformações substantivas na
estrutura produtiva da agricultura paranaense e detonou um intenso êxodo rural
em várias regiões do estado. O Paraná, na década de 1970, passou por
transformações na divisão social e territorial do trabalho, com repercussões
profundas sobre a dinâmica populacional. Um dos processos mais evidentes dessas
transformações foi a espetacular reversão da tendência de crescimento
populacional observada nos períodos anteriores.
Por isso, no Paraná, a partir da década de 1970, se processou um novo momentode
transição da dinâmica populacional, com fortes repercussões sobre os movimentos
migratórios. Delineou-se um momento histórico mais rápido e intenso de
transformações espaciais. Foi quando forças econômicas e políticas,
especialmente aquelas ligadas à "modernização conservadora da agricultura"
(GRAZIANO DA SILVA, 2002) e à industrialização/ urbanização (SANTOS; SILVEIRA,
2006), passaram a comandar a produção do território por meio de seus novos
atores, com forte impacto sobre a mobilidade espacial da população.
Conforme Santos e Silveira (2006, p. 49), "os anos 70 são também um marco na
modernização da agricultura, no desenvolvimento do capitalismo agrário, na
expansão das fronteiras agrícolas" e "na intensificação dos movimentos dos
trabalhadores volantes ' os bóias-frias". Da união entre a ciência e a técnica,
difundiram-se e configuraram-se, no território brasileiro, novos e poderosos
recursos da informação com o período da globalização, sob a égide do mercado
global financeiro. O mercado, aliás, devido à fusão da ciência, da técnica e da
informação, tornou-se global(lizado). O território brasileiro, deste modo,
ganhou (desigualmente) novos conteúdos, novas relações, novos usos,
apropriações e dominações graças não apenas às enormes possibilidades da
produção, mas, sobretudo, às novas possibilidades de circulação dos insumos,
dos produtos, do dinheiro, das ideias, das informações e das ordens e, em
grande medida, às possibilidadesde mobilizare imobilizaros homens e mulheres
pelo e no espaço.
Para o Ipardes (1983, p. 5), no "desenvolvimento recente da agricultura do
Sudoeste do Paraná dois fenômenos constituem sua expressão mais concreta: a
modernização e a migração". A modernização da agricultura inscreveu a
implementação de recursos na agricultura ' recursos técnicos de máquinas e
insumos ', que resultaram no aumento de produtividade do trabalho, no produto
padronizado e na melhor previsibilidade da produção, fatores que passaram a
garantir maior rentabilidade agroindustrial. Neste processo, também ocorreu a
transformação da estrutura produtiva, fundiária e da força de trabalho exigida
pelo novo modelo agrícola de "desenvolvimento", o que acarretou, no Sudoeste
paranaense e em Francisco Beltrão, a expulsão de inúmeros agricultores do
campo.
A década de 1970 marcou também a crise territorial com o "fechamento" da
fronteira colonial do Sudoeste paranaense pelo esgotamento das terras que foram
ocupadas pelos migrantes gaúchos e catarinenses, pelo crescimento vegetativo da
população que provocou o fracionamento excessivo das propriedades e pela
valorização das terras. Esse processo migratório, no entanto, já começava a se
delinear desde a década de 1960, como considera Feres (1990, p. 502), pois já
vinha sendo desenhada a consolidação territorial de um modelo produtivo por
meio da "cristalização da fronteira camponesa", isto é, a fronteira agrícola
não conseguia absorver mais população, nem mesmo o seu crescimento populacional
vegetativo. A crise territorialque desencadeou inúmeras transformações, entre
elas a desterritorialização e as migrações, ocorreu "em torno do problema da
propriedade da terra".
Na década de 1950, o Sudoeste recebera cerca de 150.000 colonos (12,1
hab/km2). Em 1960, sua população já alcançava 340.000 habitantes (19
hab/km2). 50% do total das terras já estavam ocupadas, restando ainda
20% como reserva de ampliação. Com um índice de crescimento
demográfico elevado, a região, ao fim da década de 60 atingia seu
ponto de saturação. Isto levará a planificação regional a pleitear
para a década de 70 uma mudança no binômio terra-trabalho, como base
da exploração econômica regional, para uma concepção de
desenvolvimento mais ampla, em que a combinação tecnologiacapital,
deveria receber maior ênfase na intensificação da exploração agrícola
(FERES, 1990, p. 521).
Houve uma mudança gestada desde a década de 1960 no padrão tradicional de
ocupação, devido, principalmente, ao sistema territorial de colonização baseado
na pequena propriedade, implantado pelo Estado Novo, desde os anos 1940.
Conforme considera Feres (1990, p. 525), o que se delineou em todo Sudoeste
paranaense foi o aumento, pelo fracionamento, das pequenas e médias
propriedades. A expansão da pequena propriedade não decorreu a partir do
fracionamento de grandes propriedades, mas sim pelo processo já verificado
anteriormente no Rio Grande do Sul, de subdivisãodas terras das pequenas
propriedades destinadas à exploração familiar, oriundas de herança e situadas
no interior da reprodução de um modo de vida de subsistência vinculado ao
campo. Já no final da década de 1960, pelo aumento do afluxo de colonos, esse
padrão colonial sofreu o mesmo processo de subdivisão das propriedades. Também
entravam em crise, na região Sudoeste, a produção e a organização territorial
baseadas na pequena propriedade familiar, devido à pressão demográfica e à
subdivisão das terras que se agravou mais ainda com as relações oriundas,
sobretudo, da expansão da modernização da agricultura.
O fracionamento foi ainda mais acentuado na década de 1970, em decorrência da
crise territorial provocadapela modernização tecnológica da agricultura. Até
meados da década de 1970, antes da crise promovida pelo aumento da pressão
demográfica sobre o território e da inserção da mecanização, o Sudoeste
paranaense não teve perda tão significativa de população, mas configurava-se o
início de um processo de expropriação e, por extensão, da migração. A década de
1960 pode ser considerada a fase de cristalização das relações oriundas da
migração gaúcha e catarinense na região. A partir de 1970, iniciou-se a fase de
esgotamento das terras para os migrantes gaúchos e catarinenses, devido à
pressão demográfica sobre a terra e à maior integração espacial ao processo
capitalista (global) de produção, com a inserção da modernização na
agricultura, resultando, consequentemente, na mobilidade rural-urbana e rural-
rural da região.
De acordo com o Ipardes (1983, p. 7), no Sudoeste do Paraná, sobretudo "em
princípios de 1975, a base técnica empregada na agricultura é substancialmente
alterada com a modernização do setor agrícola, e a necessidade de mão-de-obra
começa a ser muito menor". Coincidem com este momento histórico vivido pelo
Sudoeste do Paraná ' década de 1970 ' uma ocupação/apropriação territorial
basicamente "concluída" e uma forte prioridade agrícola na política econômica
que vai estimular a difusão da nova forma de produção agrícola, fortalecendo a
integração agroindustrial. Dessa relação surgiu um novo tipo de agricultura,
subordinada diretamente à indústria e ao capital financeiro; em consequência, a
agricultura familiar ' policultura e suinocultura ', na região, foi perdendo
sua "independência" pelas definições externas de padronizaçãodo produto e pelo
aumento no custo para a produção provocado por essas exigências. O resultado
desse processo de modernização refletiu diretamente no aumento da produçãocom
reduçãoda população, o que modificou diretamente a região Sudoeste e a paisagem
rural e urbana beltronense, bem como na transformação territorial de todo o
Sudoeste paranaense e, em amplo sentido, do Paraná. Essas transformações
operadas colocaram em crise a produção territorial organizada em torno das
pequenas propriedades rurais.
Desenvolveu-se, assim, o processo de modernização da agricultura com um novo
padrão socioterritorial de "desenvolvimento", excludente e conservador, com a
implementação da política econômica de incentivos ao cultivo de fumo, milho e
soja e com o fim do "equilíbrio" da pequena propriedade.6 Com a modernização da
agricultura, as cooperativas de produção e consumo exigiram uma tecnificação
mínima, desarticulando a pequena produção familiar. Para Martins e Vanalli
(1994, p. 77), o desenvolvimento tecnológico (uma das características da
modernização da agricultura) obedecia a interesses da indústria na agricultura
viabilizada pelo processo de concentração e centralização de capitais nos
setores industrial, financeiro e cooperativo, que caracterizou a política
econômica do governo militar.
Feres (1990) assinala que, paralelamente a esse avanço de modernização, os
agricultores do Sudoeste paranaense foram obrigados a recorrer à
especializaçãoda produção, tendendo à homogeneizaçãoda região por meio da
produção de monoculturas como a soja, o milho e o fumo. Essa transformação no
padrão produtivo agrícola impôs um novo período socioterritorial, rompendo com
a "unidade da policultura-pecuária, desvinculando a atividade agrícola das
necessidades imediatas do seu próprio contexto e criando um novo tipo de
dependência para o agricultor: sua ligação com a demanda de um mercado
distante, internacional" (FERES, 1990, p. 550). Um dos vetores mais importantes
introduzidos no país, nesse momento, para a consolidação dos vínculos de
dependência entre a agricultura e a indústria veio do pacote tecnológico
conhecido como a "Revolução Verde", que propunha a combinação do uso intensivo
de sementes melhoradas com o uso de máquinas e de inovações químicas (adubos e
agrotóxicos).
Fatores adicionais, porém não menos relevantes, como conjuntura de
preços internacionais de matérias-primas extremamente favorável,
adoção maciça de medidas eficazes de governo destinadas a impulsionar
a modernização ' tais como crédito subsidiado para a aquisição de
máquinas, implementos agrícolas e insumos, investimento em pesquisa
tecnológica e serviços de extensão, preços mínimos, política de
câmbio etc. ' complementaram o cenário em que se desenvolveu o
intenso e rápido processo de modernização tecnológica da agricultura
brasileira (MAGALHÃES, 1996, p. 34).
A estrutura socioterritorial agrícola da região Sudoeste, que vinha de um
processo de rápida expansão produtiva (e demográfica), mas ainda com o
predomínio da utilização da força humana e de instrumentos técnicos
"rudimentares" de trabalho (como foice, machado, plantadeiras manuais, uso da
tração animal nas lavouras, etc.), começou a absorver a nova matriz tecnológica
de produção, acarretando profundas alterações no campo beltronense, sendo que
um dos seus resultados mais imediatos e visíveis foi a desterritorialização e
migração de milhares de pequenos agricultores, o que demonstra o processo
seletivo e excludente acarretado pela expansão/espacialização da modernização
da agricultura. Essa trouxe também consequências sociais negativaspara o
pequeno produtor rural, sendo o êxodo rural uma das mais violentas faces desse
processo.
A modernização do campo gerou, sem dúvida nenhuma, grandes benefícios do ponto
de vista da produção agrícola, mas não resultou em melhores condições de vida
para o homem rural. A permanência desse padrão de crescimento seletivo e
excludente na agricultura paranaense tende a comprometer ainda a sobrevivência
no campo de inúmeros pequenos produtores, agravando o processo de êxodo rural
e, em última instância, colocando em risco os níveis de produção e
abastecimento alimentar urbano (MAGALHÃES, et al., 1984, p. 2006, grifo nosso).
O avanço tecnológico com a aquisição de insumos e máquinas, por exemplo, só foi
acessível para o pequeno agricultor por meio do sistema de créditos. O crédito
envolve o pequeno produtor em um novo circuito da política financeira: os
bancos, que veiculam um dinheiro moderno e impessoal, vindo de fora, de um
mundo urbano na maioria das vezes estranho ao agricultor. Além disso, as
condições de concessão do crédito mudam. O financiamento vinha acompanhado de
um pacote tecnológico, relacionado aos critérios de rentabilidade, por exemplo:
limitação da utilização do crédito a uma determinada cultura (milho, soja,
fumo...); obrigação de aquisição de sementes selecionadas; emprego de insumos
químicos. Enfim, tratava-se de padronização e disciplinarização da produção a
partir de um modelo fortemente controlado. Esses pacotes tecnológicos foram/são
centralizadores e refletem uma mentalidade racional e estranha à do pequeno
produtor e não lhe permitem muitas vezes um diálogo com o financiador, ou seja,
os pacotes tecnológicos foram, sobretudo, impostos aos pequenos agricultores.
No caso do Sudoeste [paranaense], uma sociedade bastante homogênea,
esse efeito é visível. O crédito em vista da modernização criou entre
os camponeses, em primeira instância, duas camadas distintas de
camponeses: os pobres e os abastados. O universo camponês do início
da colonização quebra-se na medida do avanço da modernização
tecnológica. Essa quebra se dá através de uma verdadeira invasão,
vinda de fora representada pelos bancos, pelos fornecedores de
insumos, pelas direções de cooperativas, pelas bolsas de valores. Seu
efeito é um processo de corrosão da antiga unidade interna da frente
camponesa, representado pela diferenciação social criada pela
riquezados mais territorializados e a pobreza dos minifundistas
[desterritorializados] (FERES, 1990, p. 521).
No Sudoeste paranaense, o "progresso" técnico criou, na década de 1970, um
processo de desterritorialização através da formação de um contingente de ex-
proprietários transformados em assalariados, delineando o processo de
expropriação, desenraizamento e migração. De acordo com os dados apresentados
por Feres (1990, p. 522), a partir dos Censos Agropecuários, verificou-se que,
em 1970, no Sudoeste paranaense, havia 2.226 assalariados rurais permanentes e
4.160 assalariados rurais temporários; já em 1975 o aumento era visível, pois
esses trabalhadores correspondiam a, respectivamente, 4.147 e 9.982. Para
Magalhães et al. (1984, p. 2004), a modernização da agricultura se manifestou
com a introdução de novas relações de trabalho, na medida em que esta implicou
a constituição do trabalho rural assalariado e, portanto, o "desaparecimento"
das formas que o antecederam: colonato, parceria e arrendamento. Essas
categorias, aliás, foram as mais vulneráveis dentro do processo, pois se
constituíram basicamente no contingente que migrou da zona rural.
Para Feres (1990), no final da década de 1970, a modernização tecnológica fez
sentir exatamente o seu preço para os pequenos produtores, resultando na
desterritorialização: o pequeno produtor, não podendo enfrentar os custos dos
investimentos, entra na espiral de empobrecimento acelerado, terminando por ser
"expelido" do processo de produção com a perda da terra pelo endividamento e/ou
por não conseguir mais acompanhar o processo de modernização, portanto,
arrasadora, perversa e seletiva. Este processo já se fazia sentir, em 1978, no
Sudoeste paranaense, "quando o Cadastro do INCRA acusava uma queda de 6,5% do
número de estabelecimentos rurais" (FERES, 1990, p. 523).
O saldo mais marcante verifica-se entre a redução da população rural e o
aumentoda população urbana e seu desdobramento, imediato, na migração para
outros estados brasileiros e até mesmo para outros países, como, por exemplo,
Argentina e Paraguai.7 Francisco Beltrão, da década de 1970 em diante, passou
por transformações territoriais intensas em suas estruturas econômicas,
culturais e políticas, com repercussões profundas sobre diversos aspectos da
produção socioterritorial, estando diretamente ligadas à dinâmica populacional.
Um dos resultados mais evidentes e imediatos dessas transformações consistiu na
espetacular reversão da tendência de crescimento populacional rural,
especialmente observada até a década de 1970. Os dados da Tabela_1 mostram essa
inversão da população, de maioria rural para urbana, em Francisco Beltrão,
maior município em número de população do Sudoeste paranaense.
Esse processo de inversão da população, de maioria rural para maioria urbana,
que ocorreu entre 1960 e 2000, no município, pode ser explicado pela crise
instaurada, com a modernização da agricultura, no modo de vida vinculado à
pequena propriedade, pelo esgotamento das terras "devolutas" no Paraná, pelas
políticas do Estado de novas frentes de colonização para Rondônia, Mato Grosso,
Mato Grosso do Sul, Amazonas e o Paraguai e, também, pela migração rural-urbana
para os bairros de Francisco Beltrão e outras cidades do Paraná, Santa Catarina
e São Paulo. Já para o aumento da população urbana em Francisco Beltrão, os
fatores de influência foram a instalação de empresas, como, por exemplo, a
Chapecó na década de 1980 e a Sadia nos 1990, e a influência da construção
civil, que absorveu muita mão de obra oriunda do campo. Nesse processo, muitos
agricultores endividados pela modernização da agricultura migraram do campo
para a cidade, tornando-se assalariados.
Martine (1994, p. 19) assinala que o agricultor, para acompanhar as novas
exigências e necessidades que se faziam presentes naquele momento histórico da
agricultura brasileira, recorreu ao crédito rural para a compra de novos
insumos e maquinários necessários (se não obrigatórios) para o novo padrão
produtivo agrícola e para a submissão, assim, do campo à cidade.8 O agricultor
ficou "preso" aos bancos de financiamento, que na maioria das vezes cobravam
taxas de juros elevadas. Nesta trama, o agricultor se viu endividado e
"forçado" a vender sua terra, pois não conseguiu mais pagar a referente dívida
adquirida, resultando na sua migração.9 Essa inversão do lugar de residência da
população rural no Sudoeste paranaense pode ser observada na Tabela_2.
![](/img/revistas/rbepop/v28n1/a06tab02.jpg)
Neste sentido, tais empréstimos, antes de constituírem uma solução,
apresentaram-se como problema, impedindo até mesmo a permanência (pelo
endividamento) no campo. Sobre essa subordinaçãodo camponês ao financiamento e,
assim, ao endividamento, Martins (1986b, p. 60) assinala que:
Apenas quando o capital subordina o pequeno lavrador, controlando os
mecanismos de financiamento e comercialização, processo muito claro
no Sul e no Sudeste, é que subrepticiamente as condições de
existência do lavrador e sua família, suas necessidades e
possibilidades econômicas e sociais, começam a ser reguladas e
controladas pelo capital, como se o próprio lavrador não fosse o
proprietário da terra, como se fosse um assalariado capitalista.
A expropriação causada pelo endividamento rural desencadeou um fenômeno novo e
surpreendente de migrações do campo e, por extensão, aumento de pessoas morando
na cidade de Francisco Beltrão, como demonstrado na Tabela_1. Essa inversão do
lugar de residência da população foi resultante de desdobramentos gerais da
população no Sudoeste paranaense (Tabela_2) e do próprio desenvolvimento
agrícola que, pela incorporação do processo técnico, definiu ganhos na
produtividade e transformou as relações de trabalho no campo por meio de uma
nova divisão social e territorial do trabalho. Contudo, o que marcou este
processo, em especial, foi a velocidade com que este evento aconteceu: o
Sudoeste do Paraná passou, a partir da década de 1970, da condição de receptor
para a de expulsorde população, sendo que a magnitude da migração e a direção
do seu fluxo marcaram o campo sudoestino.
(...) um dos principais fatores para algumas relações econômicas
[políticas e culturais] em Francisco Beltrão [e no Sudoeste
paranaense] foi a transformação técnica da produção agrícola, que
alterou (reduzindo) a própria composição da mão-de-obra ocupada no
campo, bem como (aumentando) a composição da mão-de-obra utilizada na
economia da cidade, devido a um fluxo de migração, crescente e
contínuo, do campo para a cidade (MONDARDO, 2008, p. 125).
Para entender essa realidade, pode-se citar como exemplo, a partir de dados dos
Censos Agropecuários do IBGE, que Francisco Beltrão, até 1960, tinha apenas
cinco tratores agrícolas usados na agricultura, número que passou para 18, em
1970, para 346, em 1980, e para expressivos 430, em 1995/96! Paralelamente a
este considerável aumento no número de máquinas agrícolas (tratores) utilizadas
na agricultura, principalmente entre 1970 e 1980, houve uma redução do
percentual e do número de habitantes que residiam no campo: em 1970, Francisco
Beltrão possuía 23.394 habitantes vivendo no meio rural, que representavam
63,56% da população do município; em 1980, este número diminuiu para 20.473
habitantes, que equivaliam a 41,99% da população total. Na urbana, ao contrário
do que ocorreu na rural, a população aumentou nesse período, passando de
36,44%, em 1970, para 58,01%, em 1980, apontando rapidamente uma inversão do
lugar de residência do beltronense (e do paranaense em amplo sentido).10
Deve-se ressaltar, ainda, que entre 1991 e 2000 este processo de diminuição
absoluta e relativa da população do campo, com o oposto para a população da
cidade (com o crescimento), continuou a ocorrer, por exemplo, em Francisco
Beltrão. De acordo com os Censos Demográficos do IBGE, nesse período, a
população rural passou de 15.650 para 12.301 habitantes. Assim, o aumento
verificado da população urbana se deu em detrimento da rural. Como considera
Graziano da Silva (2002, p. 62), a mecanização da agricultura diminuiu o tempo
de trabalho a ser despendido na produção agrícola, o que torna "disponível"
grande parte da mão de obra, antes ocupada na agricultura, para ser empregada
em outras atividades produtivas (não-agrícolas), alterando a divisão
territorial e social do trabalho. Singer (1981, p. 22) entende que a migração
do campo para a cidade ocorre, por um lado, devido a transformações nos meios
técnicos de produção na agricultura e, por outro, em razão da atração que a
economia de determinadas cidades pode oferecer quanto à "oferta" de emprego.
Assim, a modernização da agricultura, além de diminuir a população do campo em
razão do endividamento dos agricultores e, posteriormente, da migração para as
cidades, pode não melhorar as condições de vida do trabalhador; pelo contrário,
pode até mesmo agravá-las.
A elevação do nível tecnológico das atividades ruraisparece reunir
todos os fios da meada, e constituir a maneira de atender a todos os
interessesem jogo. (...) A técnica é um meio, e não um fim a que se
destina e dos problemas concretos que com ela se objetiva resolver.
Doutro lado, o progresso tecnológico não significa necessariamente
uma melhoria de condições do trabalhador. E, às vezes, até pelo
contrário, pode agravá-las(PRADO JUNIOR, 1979, p. 27, grifo nosso).
No trabalho de pesquisa pela área rural de Francisco Beltrão, verificamos esse
processo de desterritorialização por meio da expropriação e migração de muitos
pequenos produtores. Pode-se constatar essa realidade "da crise da roça" na
fala de Pedro Miller, agricultor que relatou as transformações que ocorreram no
campo beltronense com a diminuição da população rural, a partir da sua
experiência vivida na comunidade rural onde mora, localizada no interior do
município:
Mas óia, a comunidade aqui da Linha Hobold, antes era mais grande a
um tempo atrás, lá por 70, 80, até 90 tinha bastante gente, era
movimentado. Mas aí começaram a sair, foi diminuindo, hoje tem muito
poca gente. (...) Óia, acho que foi por causa da crise da roça, né?
Tudo foram procurando outro rumo melhor pra viver. (...) Acho que a
crise foi de 78 pra cá, que a crise atacou mesmo, dava muita seca, ou
chovia demais, aí tinha que ter maquinário, sabe? Ou era os produto
que tinham pouco valor, os insumo foram ficando cada vez mais caro,
aí a turma foi saindo pra cidade. (...) Ah! Quem tinha mais dinheiro
ia comprando as terra dos outros. As vezes também trocava colônia por
colônia, fazia brique assim, pra ver se melhorava trocar a terra
(Pedro Miller).
Desencadeou-se no campo beltronense, assim como em praticamente todo Sudoeste
paranaense, o processo de diminuição da população rural através da
implementação de uma nova racionalidade econômica e política com a instauração
de uma nova técnica e tecnologia, uma nova visão de mundo, novos valores, uma
nova cultura ligada a um mundo urbano-industrial, o que acarretou
transformações substanciais na relação do homem com a terra, resultando num
processo seletivo e excludente daqueles pequenos proprietários que conseguiram
se manter na terra (pela precarização) e daqueles agricultores que não
conseguiram (ou até mesmo "optaram" em se transferir para a cidade, como o caso
dos mais jovens atraídos pelo mundo moderno, urbano e industrial na urbe). Foi
constante, durante as entrevistas realizadas com aqueles que permaneceram no
campo, o relato da não permanência dos filhos na propriedade; em sua maioria,
os filhos migraram para a cidade de Francisco Beltrão, para outros municípios
do Sudoeste do Paraná e ainda para outros estados.
Tenho quatro filhos, três já saíram daqui pra cidade. O que saiu
primeiro saiu e foi trabalhá na Sadia. A filha foi pra lá porque
casou, e também pra trabalhá lá. E, o mais novo, foi morá junto com o
primeiro que saiu, ta lá trabalhando e estudando. Só ficou um aqui.
Esse trabalha por dia aqui nos sítio perto (Pedro Miller).
Meus filhos foram pra cidade faz tempo. Aqui na roça, sabe, é só pros
velho agora. Só dá pra gente viver. Eu e meu velho, nós ia para
cidade também, mas, aí conseguimos se aposentar, mas os filhos se
foram tudo. (...) Tenho sete filhos, quatro homem e três mulher; os
homem tão tudo aí na cidade em [Francisco] Beltrão, tão tudo
empregado, já casaram, trabalham em indústria e em mecânica; as
menina, uma casou e não trabalha e as outra trabalha em indústria
também, fazem roupa (Delina Pagnhol).
Hoje as comunidade do interior de [Francisco] Beltrão tem poca gente,
né? Pra tu ver, uma vez tu conseguia fazer até dois, três time de
futebol pra jogar campeonato, hoje, não consegue mais formá um, saiu
muita gente. A maioria tão tudo morando na cidade ou foram pra fora,
até pra outros estado tem muito, né? (...) Pra tu ver, depois que se
instalou a Sadia o povo saiu muito da roça e foi pra cidade; mas lá
ganha poco, né? Só pra viver mesmo. Tenho 5 filhos, todos tão na
cidade, uns tão trabalhando, outros estudam, não tem jeito aqui na
roça, os que ficaram, que tem poca terra como nós, é só os mais
velho, né? (Francisco Vicente Kurt).
Observa-se, pelas entrevistas, que a propriedade rural foi vista, por aqueles
que ainda moram no campo, como o lugar da não possibilidade de reprodução de
seus filhos e, deste modo, de uma família. O campo beltronense foi considerado
o lugar onde a reprodução social para os mais jovens já não era mais possível,
pois, como ressaltou um entrevistado, "não tem jeito aqui na roça, os que
ficaram, que tem poca terra como nós, é só os mais velho". Ou seja, a
modernização da agricultura foi um processo seletivo e excludente na medida em
que impossibilitou muitas pessoas de continuarem no campo, impondo um processo
de "darwinismo social", pois "só os mais fortes sobreviveram" no campo;
diríamos, no entanto, que só os mais abastados e com condição de se
modernizarem sobreviveram e/ou conseguiram se "adaptar" ao novo processo
produtivo e a um novo modo de vida no campo ligado à modernização.
Em seu trabalho, Feres (1990) ressaltou o processo de endividamento através das
contas assumidas e da concentração das propriedades rurais no Sudoeste
paranaense.
Notamos que sobre os menores extratos [de áreas] pairam as maiores
incertezas econômicas, influenciando diretamente na venda maciça de
mini e pequenas propriedades. A política agrícola distorcida, voltada
aos interesses das culturas de larga escala em detrimento das
culturas de subsistência, vem favorecendo para que isso ocorra (...)
Muitos mini e pequenos produtores tiveram que entregar o seu único
meio de produção ' a terra ' para custear despesas assumidas. A
expressiva valorização das terras estimula aos grandes grupos
econômicos e à burguesia urbana e rural à compra de terras, como um
bom negócio. Com isso muitas mini e pequenas propriedades foram
incorporadas às médias e grandes propriedades já existentes(FERES,
1990, p. 555-554, grifo do autor).
De acordo com Kautsky (1986, p. 245), saem do campo primeiramente as pessoas
mais jovens, com idade para enfrentar o mercado de trabalho nas cidades. Isto
pode indicar que a reprodução social destes sujeitos expropriados pode estar
comprometida no campo e na cidade através da expropriação gradativa das suas
condições de vida. O mercado de trabalho da cidade foi e tem sido uma
alternativa "forçada" para a sua sobrevivência, ou ainda para atender aos
sonhos e vontades de vida melhor. Não podemos esquecer, no entanto, que há
também muitos que lutam para continuar no campo, buscando novas terras, novos
lugares para se reproduzir enquanto agricultores, como aqueles do campo
paranaense, que, desterritorializados, migraram para outros estados
brasileiros, sobretudo Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Amazonas e
Bahia, para continuarem sua luta por um pedaço de terra, pelo "seu pedaço",
pois:
Ao mesmo tempo em que aumenta a concentração das terras nas mãos dos
latifundiários, aumenta o número de camponeses em luta pela
recuperação das terras expropriadas. Nem que para isso eles tenham
que continuar seu devir histórico: ter a estrada como caminho. O que
vale dizer: a migração como necessidade da sua reprodução, a luta
pela fração do território distante como alternativa para continuar
camponês. Espaço e tempo unem-se dialeticamente na explicação desse
processo(OLIVEIRA, 1996, p. 26, grifo nosso).
Essa migração no Sudoeste do Paraná "acompanhou" um movimento migratório amplo
da região Sul do Brasil, pois, como ressaltam Camarano e Abramovay (1999, p.
11), entre 1960 e 1980 o êxodo rural brasileiro alcançou um total de 27 milhões
de pessoas. Segundo os autores, a grande novidade esteve na região Sul do país.
Durante os anos 1970, quase metade (45,5%) da população rural que residia na
região Sul, no início da década de 1980, saiu do campo, correspondendo a 29% de
todos os migrantes rurais do país. Nestes dez anos, a população rural do Sul do
Brasil teve uma redução de 2 milhões de habitantes. "Os subsídios, os
incentivos econômicos e o aparato institucional mobilizados para estimular a
adoção de técnicas produtivas e culturas altamente poupadoras de mão-de-obra"
foram, para os autores, "a razão principal de um êxodo tão rápido".
Ainda de acordo com Camarano e Abramovay (1999), é daí que vieram os gaúchos,
os catarinenses e os paranaenses chamados genericamente como "gaúchos" e/ou
sulistas, fundamentais na ocupação da Transamazônica e que "vitalizaram" as
áreas rurais do Norte do país durante os anos 1970 e 1980, transformando-as em
zonas de crescimento agrícola, especialmente, com elevado contingente
migratório de população rural. "O saldo migratório líquido regional do Norte é
positivo neste período e a população rural ganha entre 1960 e 1980 um total de
1,2 milhões de pessoas. Tendo forte predomínio, portanto, da região Sul"
(CAMARANO; ABRAMOVAY, 1999, p. 12). Assim, segundo os autores, no Sul a taxa
negativa de migração foi de quase 40% nos anos 1980, diminuindo na década de
1990 para aproximadamente 30%. A perda populacional rural absoluta nos anos
1980 foi de pouco mais de 1,5 milhão de habitantes, sendo na década de 1990 de
334 mil.11
As transformações territoriais que ocorreram na região, a partir da década de
1970, estiveram inseridas em um conjunto de mutações que foram sendo
delineadas, no Brasil, no interior de um novo projetoagrícola e industrial.12
Conforme considera Swain (1992, p. 31), no Paraná a mecanização veio substituir
a força de trabalhoem grande escala: o êxodo rural tomou grandes dimensões em
direção às cidades, propiciando o surgimento de favelas onde estas jamais
haviam existido. Mas o êxodo rural existe também no sentido rural-rural, o que
quer dizer que a população se deslocou de uma região para outra em busca de
melhores oportunidades para a reprodução enquanto agricultor. Em função de o
emprego de modo geral (principalmente no campo, mas também na cidade) ter
diminuído, surgiu uma nova categoria de trabalhadores agrícolas no Paraná: os
"volantes", que se deslocavam segundo as necessidades de estação agrícola, sem
local fixo de residência nem contrato de trabalho; e também os boias-frias,
trabalhadores agrícolas que moravam na periferia das cidades e trabalhavam por
tarefa. O que se delineou no Paraná, a partir da década de 1970, foi um recuoda
força de trabalho repelida pelas mudanças estruturais da agricultura rumo às
terras de agricultura familiar.
Em Francisco Beltrão, por exemplo, os pequenos produtores estabelecidos em
áreas de até 30 ha foram os mais vulneráveis no processo de modernização. Eles
perderam espaço em número e área de estabelecimento e, principalmente, a força
como segmento social, porque foi reduzida sua importância como produtores pela
retração absoluta e relativa na área de lavoura e no valor de sua produção,
além do desenraizamento de suas práticas, de seu território de referência
cultural, do abrigo, da festa e das relações com os outros e com a "natureza".
Esse processo nos foi relatado pelos entrevistados que viveram essa
expropriação, pois afirmaram que "aqueles que tinham menos terra foram saindo,
não tinham condição de comprar maquinário, de melhorá a roça, foram logo
saindo" (Francisco Vicente Kurt). Assim, "a roça se tornou inviável, né? Pra
quem era pequeno e pobre, a maioria saiu do interior de [Francisco] Beltrão; é
só ver como que cresceu a cidade, a maioria dos meus parentes, dos meus filhos,
dos vizinhos que antes moravam aqui, tão tudo morando pra cidade; foram bem
poucos os que ficaram" (Pedro Miller).
A partir das entrevistas e conversas realizadas, foi possível identificar que,
com a modernização agrícola, o colono do Sudoeste paranaense, incapacitado de
investir nesse novo processo de racionalização da produção através do
incremento tecnológico, viu-se forçado, na maioria das vezes, a optar por uma
ou mais das seguintes "alternativas":
* vender sua propriedade (valorizada pela "escassez" da terra) e aplicar
seu recurso na compra de outra terra, em outra fronteira agrícola, como
no Centro-Oeste ou na Amazônia, onde pudesse reiniciar suas atividades
agrícolas;
* vender sua propriedade e migrar para as cidades, tornando-se assalariado;
* reduzir o peso da pressão demográfica sobre a sua terra, encorajando seus
filhos a buscar terras novas para reproduzirem-se em outra fronteira
agrícola no Centro-Oeste ou na Amazônia;
* reduzir o peso da pressão demográfica sobre a sua terra com a migraçãodos
filhos, tornando-se, estes, assalariados nas cidades.
Segundo o Ipardes (1983, p. 37), na década de 1970, o "Sudoeste do Paraná
possuía a segunda maior população rural do estado do Paraná, com cerca de 11%,
inferior somente à região Oeste do Paraná, com 15%". Embora com uma economia
mais nova em relação a outras regiões do Paraná, como a Norte e Noroeste, na
década de 1970, o Sudoeste paranaense era uma das regiões mais importantes no
setor agrícola do estado, apoiada na pequena produção familiar, com as culturas
de milho e feijão. Nessa mesma década, com "as exigências de adequação da base
agrícola ao tipo de expansão do setor, o Sudoeste do Paraná, mesmo com
restrições ditadas pelo relevo acidentado, absorveu 9,2% do incremento de
tratores, sendo o terceiro maior acréscimo do Estado" (IPARDES, 1983, p. 39).
Magalhães (1996, p. 50) considera, ainda, que "a adoção de adubos químicos e de
defensivos agrícolas disseminou-se por todo o Paraná nesse período [década de
1970], mas de uma forma bem mais acentuada nas áreas integrantes do Norte e do
Oeste/ Sudoeste". Essa inserção da modernização no campo do Sudoeste paranaense
demonstra as profundas transformações territoriais na relação entre o homem e a
terra, que resultaram, imediatamente, na nova divisão territorial do trabalho e
na diminuição da população rural com migração e a desterritorialização.
Na década de 1980, os agricultores que permaneceram no campo enfrentavam
situação ameaçadora com as mudanças nas relações no campo implementadas pela
modernização. A estrutura familiar tradicional da produção havia sido afetada
pelo avanço da modernização rural, que manifestava seu lado problemático,
perverso e desvantajoso para grande parte dos produtores: o desenraizamento da
pequena propriedade. Feres (1990, p. 553) afirma que, na década de 1980,
ocorreu o lado perverso e excludente da modernização da agricultura para os
pequenos agricultores com a concentração das terras. Concomitantemente, no
Sudoeste paranaense, o número de assalariados rurais (temporários e
permanentes) chegava a 12.000. Esse contingente de boias-frias, fenômeno novo
no território, concentrava-se em torno das maiores cidades: Pato Branco,
Francisco Beltrão, Dois Vizinhos, Capanema, Coronel Vivida, Realeza, Barracão e
Ampére.
De acordo com o autor, em 1982, já se registrava a presença de outro fenômeno
novo e crescente no Sudoeste paranaense, resultante do processo de expropriação
da modernização conservadora, com a existência de 38.200 famílias de
agricultores sem terras. Em Francisco Beltrão, na década de 1980, a
concentração das terras era percebida pelo número de vendas de propriedades com
áreas inferiores a 30ha, pois se registrava, no "período de janeiro-1983/ junho
1985, vendas de 6.923 propriedades com áreas inferiores a 30 ha" (FERES, 1990,
p. 553). Para Leão (1991), a agricultura do Sudoeste paranaense, nos anos 1980,
prosseguiu na trajetória dinâmica e moderna da década anterior, incorporando
avanços tecnológicos, aumentando a produtividade, diversificando a produção e
expandindo e consolidando, cada vez mais, médios e grandes produtores
capitalizados. Essa concentração das terras, no entanto, já vinha ocorrendo
desde as décadas de 1960 e 1970, pois Corrêa (1970b) já afirmava ' quando
realizou seus estudos entre 1968/69 em Francisco Beltrão e no Sudoeste
paranaense ' que foram sendo criados novos proprietários grandes e médios, tais
como médicos, dentistas, comerciantes, políticos, donos de agências de
automóveis e empresários.
Essa realidade foi relatada durante as entrevistas, quando moradores da cidade
de Francisco Beltrão afirmaram que as terras que eram suas e/ou dos seus pais
passaram a ser "arrematadas" por pessoas oriundas da cidade.
Olha, a terra que o meu pai tinha, como os filhos começaram a vir pra
cidade, pois não tinha terra e nem serviço pra todo mundo, foi
vendida. (...) Aí, depois que o meu pai faleceu e a minha mãe também,
entrou a terra em inventário, aí sabe, né? Uma familharada que é uma
loucura, aí deu, né? Umas duas quartas de terra pra cada um, aí a
turma vendeu as partizinha; quem comprou foi um médico aí que
arrematou tudo, arrematou umas outras de perto, ali perto também
(Salvador Verdi da Costa).
Na região Sudoeste, desde a década de 1960, existiam, portanto, proprietários
de estabelecimentos rurais que residiam na cidade, desviando, assim, a renda da
produção agropecuária para proprietários que moravam na cidade.13 De acordo com
os Censos Agropecuários do IBGE, em Francisco Beltrão, em 1980, 5,52% dos
estabelecimentos rurais (com 11,89% da área total) pertenciam a pessoas que
residiam na cidade, proporção que se elevou para 10,06% (22,06% da área total),
em 1995/96. Feres (1990) considera que esse processo desencadeou, ainda, uma
pressão vinda de grupos das classes média e alta nas cidades, envolvidos nos
negócios fundiários e agrícolas do território, que estimularam (e/ou forçaram)
as vendas de terras. Dessa relação de poder emergiu um novo ator, um novo tipo
de proprietário rural no Sudoeste: "os mediofundiários, absenteístae
financeiramente poderoso, que absorve em duas modernas empresas ruraisa mão-de-
obra expropriada, especialmente sob a forma de bóia-fria" (FERES, 1990, p.
554).
Com esse processo de desterritorialização pela expropriação com a perda da
terra, Francisco Beltrão e boa parte do Sudoeste paranaense, a partir da década
de 1980, começaram a contar com boias-friasmorando na periferia da cidade. Eram
grupos de diaristas, moradores da periferia urbana, mas trabalhando por dia na
agricultura; concentravam-se em torno dos polos de agricultores abastados,
produtores de soja, trigo e fumo, e sobreviviam de atividades variadas, como
subempregados, no chamado setor informal, durante os períodos de entressafra.
Gradativamente, muitos desses sujeitos passaram a trabalhar informalmente no
carregamento, em aviários, de pintainhos em caminhões na área rural de
Francisco Beltrão e Sudoeste paranaense, para a empresa Sadia.
Com a modernização da agricultura, operaram-se transformações socioterritoriais
profundas e até mesmo "arrasadoras" no campo, pois:
(...) percebia-se que nas áreas de terras planas (por isso mesmo mais
afeitas à mecanização) verificava-se uma tendência acentuada de
vendas de terras a profissionais liberais urbanos, relativamente
capitalizados. (...) Criava-se na região o fenômeno novo do
surgimento das granjas: empresas rurais modernas, voltadas para a
agricultura de exportação ou para a pecuária integrada aos
frigoríficos. Essas granjas, por seu porte e sua capacidade de
absorção de créditos, eram a ponta-de-lança da agricultura
tecnificada e integralmente capitalista, dando sua entrada na região
colonial, provocando a reconcentração fundiária e a reprodução, a
nível local, de relações de produção desvantajosas para os camponeses
em geral (FERES, 1990, p. 559).
Houve transformações na estrutura fundiária e social do campo que implicaram a
saída de grande contingente populacional, o que mudou a relação do homem com a
terra, ou seja, a desterritorialização acarretou a perda da base material de
reprodução econômica e simbólica-identitária de vida para os pequenos
agricultores, que foram colocados em marcha para outros lugares, tanto para o
campo quanto para as cidades.
Segundo Magalhães (1996, p. 33), a inversão da população no campo brasileiro
está associada diretamente ao novociclo do desenvolvimento capitalista no país,
liderado pelo processo de industrializaçãoe urbanização que redesenhou o
território e a estrutura do campo, com implicações econômicas, políticas e
culturais para, sobretudo, os pequenos agricultores. Transformaram-se a
estrutura de produção agropecuária do território paranaense e o modo de vida
vinculado à pequena propriedade familiar em função da implantação, em suas
múltiplas escalas, do ambicioso projeto de modernização tecnológica das
práticas agrícolas. Para Martine (1994, p. 20), a agricultura "passou a ser
incorporada mais estreitamente ao processo de acumulação capitalista industrial
e financeiro encontrando novas formas de realização dentro da agricultura".
Na raiz desse novo modelo socioterritorial, conforme aponta Magalhães (1996),
encontravam-se as exigências do padrão de industrialização brasileiro,
implantado inicialmente nos anos 1950, pelo Plano de Metas, e aprofundado pelos
sucessivos governos militares na década de 1960 em diante. Os diversos pacotes
de políticas econômicas adotados no período convergiam para o reforço do setor
industrial, que passou então a comandar a economia, e introduziam medidas para
estreitar as relações entre o agro e o industrial. A agricultura "passou a ser
incorporada mais estreitamente ao processo de acumulação capitalista. Surgiu o
complexo agroindustrial, com o capital industrial e financeiro encontrando
novas formas de realização dentro da agricultura" (MARTINE; BESKOW, 1987, p.
20). Ademais, não se pode perder de vista que a crescente urbanizaçãodo país
ampliava a necessidade de expansão na agricultura da produção de alimentos,
pela ótica da demanda ou pelo imperativo de preservação do baixo custo de
reprodução da força de trabalhourbana.
As mudanças operadas pela modernização da agricultura, na década de 1970,
apontaram uma substantiva redução de lavouras anteriormente dedicadas às
culturas alimentares tradicionais vinculadas à policultura, como a produção de
feijão, por exemplo, passando para a produção de soja e as pastagens,
atividades que em geral requerem faixas de terras contínuas e maiores. A nova
paisagem rural é resultante da produção da monocultura da soja, da criação do
gado, da avicultura e da pecuária, bem como da diminuição de grande parte da
população de pequenos agricultores.
Em uma matéria apresentada pelo Jornal de Beltrão, foram demonstrados dados do
processo migratório do Sudoeste paranaense, apontando situações como a da
mobilidade do campo para a cidade dos jovens e, por extensão, do
envelhecimentoda população rural, aspectos, aliás, analisados também na escala
do Sul do Brasil por Camarano e Abramovay (1999).
Em 1980 o Sudoeste tinha 521.249 habitantes. Hoje [1990] tem 503.600,
uma diminuição de 17.649 habitantes. O processo migratório no
Sudoeste do Paraná está sendo verificado principalmente no meio
rural, com os jovens filhos de agricultores saindo da propriedade e
se fixando em Pato Branco, Dois Vizinhos e Francisco Beltrão, cidades
consideradas centros comerciais e industriais, e por isso, com maior
oferta de trabalho entre as demais cidades sudoestinas. O trabalho
Diagnóstico sócio-econômico da agricultura familiar do Sudoeste
revelou ainda que, as mulheres são as primeiras a sair do campo,
parecendo que o mercado de trabalho é mais amplo para elas. Outro
dado importante da pesquisa, mostra que está havendo o envelhecimento
do meio rural, isto é, chefes de famílias de agricultores com idade
inferior a 25 anos é de apenas 2% no campo. Dos 25 anos aos 35 anos,
o percentual é de 17%. No entanto, é acima do 55 anos de idade que se
verifica o maior percentual de idade dos chefes de famílias, 21%
(JORNAL DE BELTRÃO, 4/12/1992, p. 3).
Diante das transformações operadas com a expansão da modernização da
agricultura e a concomitante industrialização e urbanização de cidades do
Sudoeste paranaense, especialmente Francisco Beltrão, Dois Vizinhos e Pato
Branco, e de cidades (médias e grandes) de outros estados brasileiros, foi
grande o êxodo rural de jovens, que se tornaram, em grande medida, mão de obra
para a indústria nos centros urbanos. Como assinala Singer (1981, p. 32), "uma
vez iniciada a industrialização de um sítio urbano, ele tende a atrair
populações de áreas geralmente próximas".
Os fluxos migratórios do Sudoeste paranaense, conforme constatado nas
entrevistas, tiveram duas direções: para o campo, através da expansão das
fronteiras agrícolas para o Centro-Oeste e Amazônia; e para a cidade, por meio
da industrialização de Francisco Beltrão, Dois Vizinhos e Pato Branco no
Sudoeste paranaense, para a capital do estado Curitiba e para além das
fronteiras estaduais, como as cidades de São Paulo (SP) e Joinvile (SC),
principalmente.
Em relação aos fluxos migratórios inter-regionais do Paraná, o Sudoeste
paranaense foi uma das regiões que mais expulsou população rural, tendo forte
atração desta migração a Região Metropolitana de Curitiba e o Oeste do Paraná,
polos de desenvolvimento industrial no estado. O Sudoeste paranaense, nesse
sentido, perdeu 7.195 pessoas oriundas do campo para essas regiões, entre 1986
e 1991 (Mapa_2). Já os fluxos de origem e destino rurais direcionaram-se para
as regiões Oeste e Centro-Sul paranaense, tendo uma perda populacional para
essas regiões de 5.758 pessoas, entre 1986 e 1991, oriundas, fundamentalmente,
das pequenas propriedades rurais (Mapa_3).
De acordo com Magalhães (1996, p. 45), na década de 1970, em torno de 2,7
milhões de pessoas deixaram de residir no meio rural paranaense. Deste saldo,
cerca da metade foi absorvida pela área urbana do próprio estado e o restante
dirigiu-se para além das fronteiras estaduais, com destinos rurais e urbanos.
Na década de 1970, muitos paranaenses deslocaram-se para o Estado de São Paulo,
correspondendo, segundo Magalhães (1996), a um total aproximado de 670 mil
pessoas. Somente a Região Metropolitana de São Paulo atraiu 48% desse fluxo
migratório paranaense, seja em decorrência do seu forte poder de atração
enquanto polode grande desenvolvimento industrial, seja como etapa
intermediária de subsequentes deslocamentos com destino a outras áreas
paulistas. Segundo informações obtidas nas entrevistas realizadas em Francisco
Beltrão, muitos beltronenses se deslocaram para a capital paulista para
trabalhar como garçons em restaurantes e/ou como operários em indústrias.
Conforme Kleinke et al. (1999, p. 197), a contínua emigração do Sudoeste
paranaense foi resultado das dificuldades de inserção na modernização agrícola
da pequena produção e, consequentemente, do empobrecimentoda população,
implicando uma forte evasão rural. Entretanto, Francisco Beltrão, maior polo
urbanono Sudoeste paranaense, foi o único município que apresentou troca
favorável entre imigrantes e emigrantes, constituindo um polo atrativo para
imigrantes da sua região, em função da industrialização do município, tendo
como indústria-chave, para tal processo, na década de 1980, a empresa Chapecó
e, nos anos 1990, a Sadia.
Francisco Beltrão configurou, a partir da década de 1980, uma polarização e uma
concentração em função das atividades de frigoríficos que acabaram, a partir de
suas relações, dominando o território do município. Como afirma Perroux (1975,
p. 100), "o crescimento não surge em toda a parte ao mesmo tempo; manifesta-se
com intensidades variáveis, em pontos ou pólos de crescimento; propaga-se,
segundo vias diferentes e com efeitos finais variáveis, no conjunto da
economia". Francisco Beltrão, a partir da instalação de um frigorífico,
conseguiu absorver uma parte considerável do contingente oriundo do campo do
próprio município, bem como de municípios vizinhos, devido ao seu
desenvolvimento econômico e, consequentemente, à sua atração pela oferta de
emprego nas atividades industriais concentradas espacialmente.
Em um curto intervalo de tempo, ocorreu uma ruptura com o período migratório
vigente (nas décadas de 1940 a 1960) em Francisco Beltrão (bem como no Sudoeste
paranaense e no Paraná), que inverteu sua condição de grande absorvedor de
população para espaço expulsor, a partir dos anos 1970, desterritorializando
milhares de pequenos produtores a um ritmo surpreendente. No entanto, como
demonstrado anteriormente, os municípios do Sudoeste paranaense absorveram
população, sendo que Francisco Beltrão foi uma das cidades que mais atraíram
migrantes, em função da atuação das indústrias Chapecó e Sadia. Contudo, a
perda populacional regional verificada no período foi sempre maior do que a
absorvida.
É importante salientar, de acordo com Magalhães (1996, p. 44), que esse
processo de "esvaziamento rural" e o intenso crescimento e proliferação de
áreas urbanas foram fenômenos observáveis em todo o país, na mesma época,
variando magnitudes e taxas, entre as regiões. No período 1970-80, o Brasil
teve um decréscimo absoluto de 2,5 milhões de habitantes do meio rural. O grau
de urbanização, em 1980, já atingia 68%, ao passo que, em 1970, o país tinha
recém-ultrapassado a marca dos 50% de pessoas residentes na zona urbana.
Entretanto, o que imprimiu relevância ao caso do Paraná e, por extensão, a
Francisco Beltrão foi a velocidadee a magnitudedas mudanças populacionais e
socioterritoriais ocorridas. Houve, consequentemente, uma dispersão dos fluxos
e destinos migratórios para regiões, estados e municípios do Sul, Centro-Oeste
e do Norte do Brasil, especialmente.
Por isso, na virada de século, os fluxos populacionais passaram a ser muito
mais regionalizados, indicando que São Paulo e as fronteiras agrícolas das
regiões Centro-Oeste e Norte do país perderam muito de seu poder de atração. Em
contrapartida, unidades da federação como o Paraná passaram a desempenhar um
novo papel no contexto nacional, e a região Sudoeste paranaense, neste novo
contexto, passou a enviar migrantes, por exemplo, com maior intensidade para a
Região Metropolitana de Curitiba, lugar de grande crescimento urbano-
industrial. Também, como constatado (MONDARDO, 2009), muitos migrantes saíram
do Sudoeste paranaense rumo ao norte de Santa Catarina, especialmente, para as
cidades de Joinville e Florianópolis e, até mesmo, para a capital do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre.
Porém, as mudanças não pararam por aí. No final do século, outra reversão de
comportamento foi drástica em relação à diminuição das perdas populacionais no
Paraná, com grande influência das migrações de retorno, tanto com seus efeitos
diretos (filhos de migrantes não naturais que chegam com os pais) quanto
indiretos (filhos que nascem na região, de pais migrantes, ou mesmo pessoas não
naturais que chegam acompanhando naturais que retornam). Muitos migrantes que
haviam saído nas décadas de 1970 e 1980, especialmente para as regiões Centro-
Oeste e Norte do país, retornaram com filhos e/ou familiares oriundos de outras
unidades da federação. Enfim, o ano de 2000 marca uma nova configuração da
dinâmica populacional do Paraná e, consequentemente, da região Sudoeste, que
passa a receber migrantes retornados, seus filhos e/ou parentes oriundos de
outras unidades da federação que haviam anteriormente migrado, além de
direcionar migrantes com maior intensidade para a Região Metropolitana de
Curitiba.
Considerações finais
As migrações internas tiveram uma função preponderante na atração,
redistribuição e expulsão de contingentes populacionais no/do Estado do Paraná
e, especialmente, da região Sudoeste na configuração da dinâmica demográfica ao
longo do século XX. Se, no primeiro período (1900-1940), a mobilidade cabocla
ajudou a ocupar, mesmo que dispersa e rarefeita, a região por meio da
agricultura de subsistência, no segundo (1940-1970), a migração gaúcha e
catarinense funcionou como motor do processo de interiorização e alargamento da
fronteira rural, sendo que, no terceiro período (1970-2000), a migração
"paranaense" reverteu esse processo, redesenhando a distribuição espacial da
população.
Desse modo, os movimentos migratórios paranaenses ao longo do tempo e ao largo
do espaço constituem a face aparente de transformações profundas operadas na
estrutura econômica, política e cultural do estado, por meio da relação entre
capital e Estado, materializada na expansão territorial da frente de expansão,
da frente pioneira, com o projeto político-ideológico Marcha para Oeste do
governo Getúlio Vargas e com a modernização da agricultura vinculada ao
processo de industrialização/urbanização.
A partir do esgotamento do ciclo agroexportador no âmbito estadual, a
reinserção da economia paranaense ao movimento mais amplo de desenvolvimento
nacional, agora sob o comando do capital industrial, gerou profundas e rápidas
alterações na estrutura socioeconômica da região Sudoeste, com repercussões
decisivas sobre as migrações. Se, entre 1940 e 1970, a região assistiu ao
boomde atração de grandes fluxos imigratórios, consolidando a ocupação colonial
por meio da estrutura fundiária calcada na pequena propriedade rural, na década
de 1970 o processo inverteu-se rapidamente, passando a região a expulsar
população rural a um ritmo vertiginoso. A parcela desses fluxos populacionais
que permaneceu acelerou a tendência à urbanização e provocou a concentração
populacional em centros urbanos maiores, como nas cidades de Francisco Beltrão,
Pato Branco e Dois Vizinhos. Já uma grande parcela que não encontrou espaço
para sobrevivência na região conformou fluxos migratórios que atravessaram
fronteiras estaduais, com destino a outras áreas, especialmente rurais.
Assim, as sucessivas transformações na divisão social e territorial do trabalho
mudaram a composição da força de trabalho agrícola na região Sudoeste,
resultando em processos seletivos de atração, reordenamento e expulsão de
população. Nos projetos de expansão territorial do capital e sua contínua
valorização por meio da ampliação da escala de acumulação, as inovações
técnicas com a modernização da agricultura dispersaram força de trabalho
residente no meio rural, criando condições forçadas para a migração de milhares
de agricultores que acabaram se deslocando para outros estados, países, ou até
mesmo assumindo a condição de proletarização nas cidades que proliferam com a
industrialização e urbanização regional.