Partidos fracos na arena eleitoral e partidos fortes na arena legislativa: a
conexão eleitoral no Brasil
INTRODUÇÃO
Para a grande maioria dos autores que analisam o sistema político brasileiro,
nosso sistema eleitoral e os partidos políticos dele decorrentes funcionam como
um verdadeiro obstáculo às iniciativas e preferências do Executivo. Tem sido
freqüentemente defendido que o arcabouço institucional do sistema político
fornece incentivos desfavoráveis à governabilidade democrática. Desse modo, a
principal suposição defendida por esses autores é que o padrão de votação dos
membros do Congresso, assim como o nível de fragmentação e indisciplina de seus
partidos políticos, estão altamente relacionados às regras pelas quais os
legisladores são selecionados pelos cidadãos. Na realidade, essa vertente
analítica considera indisciplina e fragmentação partidária como resultados
diretos das regras eleitorais (Ames, 1995a; 1995b; 2001; Mainwaring, 1999;
Mainwaring e Shugart, 1997; Mainwaring e Scully, 1995; Haggard, 1995; Haggard e
Kaufman, 1992; Lamounier, 1989).
Talvez a origem desse argumento ou a sua interpretação moderna esteja nos
trabalhos de Downs (1957) e Mayhew (1974), os quais enfatizam a importância das
eleições como fator modulador do comportamento dos políticos, a chamada
''conexão eleitoral''. Nos termos de Mayhew (idem), ''two-arena model'', na
qual a primeira arena, a eleitoral, condicionaria o comportamento dos políticos
na segunda arena, a legislativa. A atuação dos partidos políticos na arena
legislativa seria, assim, basicamente, uma conseqüência funcional da
necessidade de se vencer eleições. A inferência direta deste argumento,
portanto, é que as regras eleitorais incentivam os candidatos a desenvolver
relações personalísticas e individuais com suas bases eleitorais, em vez de
mediá-las via partidos políticos, e que isso necessariamente acarreta a
diminuição do impacto dos partidos políticos na arena legislativa. Ou, como é
defendido por Cain et alii(1987), se as ações e serviços orientados para
beneficiar as bases eleitorais têm um papel importante na sobrevivência
política dos políticos, estes tenderão a focalizar suas ações e decisões
políticas essencialmente nos seus redutos eleitorais.
Recentemente, em uma direção oposta, uma série de outros autores (Figueiredo e
Limongi, 1995; 1997; 1999; 2000a; 2000b; 2002; Amorim Neto e Santos, 2001;
Amorim Neto, 2002; Pereira e Mueller, 2000; Meneguello, 1998) tem questionado
esse consenso, baseando-se nos efeitos da centralização decisória no Congresso
e nos poderes de legislar do presidente brasileiro. De uma forma geral, esta
segunda variante explicativa afirma que o comportamento dos parlamentares no
Congresso Nacional não é nada indicativo de fraqueza ou fragmentação do nosso
sistema partidário. Tal posição é amparada em evidências de que os
parlamentares brasileiros têm se comportado de forma consistentemente coesa e
disciplinada de acordo com a indicação dos seus respectivos líderes
partidários. Assim, antes de ser um obstáculo, o Congresso brasileiro tem
favorecido as iniciativas da Presidência da República, que, em última
instância, teria preponderância política e institucional sobre os parlamentares
para fazer valer suas preferências.
Bowler (2000) refere-se a essa abordagem como ''one-arena model'', uma vez que
ela pressupõe serem extremamente fracos os elos entre as arenas eleitoral e
legislativa. Precisamente, a abordagem surgiu como resposta às concepções que
viam a esfera legislativa formada por indivíduos empreendedores e maximizadores
de benefícios eleitorais, destituídos de partidos que restringissem seus
comportamentos. Pode-se atribuir aos trabalhos de Gary Cox (1987) e Cox e
McCubbins (1993) as tentativas mais elaboradas de ''bring the party back in''
para explicar o comportamento legislativo não como motivado pelos benefícios
decorrentes da ''conexão eleitoral'', mas sim orientado pelas restrições das
regras e procedimentos centralizadores presentes na arena legislativa, que
colocam os partidos políticos em vantagem sobre os deputados individualmente.
De acordo com esta perspectiva, os partidos políticos resolveriam problemas de
ação coletiva dentro do Legislativo tanto ao oferecer uma estrutura
institucional para a escolha de políticas como ao garantir comportamentos
cooperativos dos deputados. Um dos desdobramentos dessa abordagem partidária (e
ao mesmo tempo em forte contraste com a primeira abordagem) é que eventuais
alterações ou reformas na arena eleitoral terão pouco ou nenhum impacto no
papel dos partidos no Legislativo, principalmente porque os incentivos para se
manter partidos coesos e disciplinados estariam concentrados não na arena
eleitoral, mas sim na arena legislativa.
Diferentemente das duas abordagens anteriores, o principal argumento deste
artigo é o de que o sistema político brasileiro não deve ser caracterizado nem
como um sistema puramente descentralizado (como defendido pelos autores da
primeira variante explicativa), nem como um sistema puramente centralizado
(como defendido pelos autores da segunda variante). Em outras palavras,
acreditamos que as duas abordagens discutidas acima oferecem uma explicação
parcial e incompleta para o comportamento dos partidos dentro e fora do
Legislativo. Defendemos, alternativamente, que o sistema político brasileiro
condensa essas duas diferentes e antagônicas forças e incentivos
institucionais. De um lado, as regras eleitorais (representação proporcional
com lista aberta), o multipartidarismo e o federalismo agem descentralizando o
sistema político. De outro lado, as regras internas do processo de decisão
dentro do Congresso e os poderes constitucionais do presidente de legislar e de
distribuir recursos políticos e financeiros proporcionam grandes incentivos
para a centralização desse mesmo sistema. Em outras palavras, as regras
eleitorais proporcionam incentivos para os políticos se comportarem
individualmente, fragilizando, assim, os partidos na arena eleitoral, enquanto
as regras internas do Congresso e os poderes presidenciais tornam o
comportamento dos parlamentares extremamente dependente da lealdade aos seus
respectivos partidos, fortalecendo estes últimos dentro do Congresso.
Na verdade, é o resultado da combinação de ambas as restrições ' regras
internas no Congresso e poderes do presidente, de um lado, e regras eleitorais,
de outro ' que definirá os custos relativos do comportamento de voto dos
legisladores, bem como de seus partidos políticos. Portanto, a combinação
dessas duas forças oferece, simultaneamente, incentivos paradoxais tanto para
comportamentos individuais na esfera eleitoral como para comportamentos
partidários dentro do Congresso. Resumindo: se, por um lado, pelas regras de
seleção dos parlamentares, os deputados recebem incentivos para se comportarem
individualmente, por outro lado, em função do funcionamento centralizado do
processo decisório interno da Câmara, os deputados recebem incentivos para se
comportarem de acordo com o líder do partido e, por que não dizer, de acordo
com os interesses do presidente, no caso do presidencialismo de coalizão
majoritário brasileiro atual.
Afirmamos, assim, que mesmo um sistema político com incentivos a comportamentos
tão conflitantes, como é o brasileiro, proporciona equilíbrio1 e estabilidade.
Porém, neste caso, o equilíbrio (ausência de caos) do sistema político é
extremamente dinâmico, podendo variar de um issue para outro. Precisamente, o
equilíbrio dependerá,no fundamental, da capacidade do presidente e dos líderes
dos partidos que formam a coalizão de governo no Congresso de utilizarem
adequadamente o arsenal de instrumentos institucionais à sua disposição, dentre
os quais o de oferecer incentivos ' benefícios políticos e financeiros '
capazes de proporcionar os melhores retornos eleitorais para os parlamentares.
Portanto, a chave para o entendimento da simultaneidade de partidos fracos na
arena eleitoral e partidos fortes no espaço congressual e de governo no sistema
político brasileiro é a combinação, aparentemente contraditória, de incentivos
para o comportamento individual e partidário ao mesmo tempo. Na realidade, o
comportamento partidário (não o comportamento individual, como preconiza o
''two-arena model'') na arena legislativa visa a que os membros desse partido
extraiam benefícios individuais controlados pelos líderes partidários e pelo
Executivo a serem utilizados na esfera eleitoral.
Daí os partidos políticos serem tão importantes e fundamentais na arena
legislativa brasileira. Principalmente a atuação dos líderes partidários, que
concentram poderosas prerrogativas institucionais, tais como nomear e destituir
membros e dirigentes das comissões e relatores de projetos; incluir e retirar
projetos da pauta do Congresso; determinar se a sua tramitação terá caráter de
urgência; orientar o voto de sua bancada no plenário; e, fundamentalmente,
negociar junto ao Executivo as demandas dos parlamentares e membros de sua
bancada. Ou seja, os líderes partidários formam a ponte que liga os
parlamentares individuais e o Executivo, negociando as demandas de ambos.
Portanto, não é racional os parlamentares agirem individualmente no Congresso,
como também não é racional o Executivo negociar ou barganhar individualmente o
voto de cada parlamentar a cada nova medida que introduz. É necessário que os
parlamentares sigam o líder para que este se sinta motivado e comprometido a
agir como intermediário das demandas dos membros do seu partido junto ao
Executivo. É nesse momento que os partidos ' frágeis elos entre os
representantes e os eleitores ' se tornam fortes atores. Fortes sim, mas no
espaço congressual e governamental.
Dada essa forma tão peculiar de funcionamento do sistema político brasileiro,
acreditamos que existe um falso dilema entre as duas correntes acima referidas.
Em linhas gerais, pode-se afirmar que ambas as explicações estão certas e
erradas ao mesmo tempo, pois, ao levarem em conta apenas uma das arenas
políticas (eleitoral ou legislativa), não percebem a complementaridade
existente entre elas. Cada uma dessas abordagens seria, por assim dizer, uma
das faces de uma mesma moeda. Ou seja, os argumentos que fundamentam o modelo
do ''voto pessoal'' e aqueles que embasam o modelo do ''voto partidário'' nem
poderiam ser integralmente transpostos para o caso brasileiro, nem poderiam ser
totalmente descartados.
O artigo está organizado da seguinte forma. A próxima seção discute,
resumidamente, os instrumentos institucionais por meio dos quais o Executivo
faz prevalecer as suas preferências no Congresso, com especial ênfase no
processo de execução orçamentária. Em seguida, propomos um modelo econométrico
multivariado para testar os determinantes do comportamento de voto dos
parlamentares no plenário da Câmara dos Deputados. A quarta seção analisa os
resultados dos testes em relação a cada uma das hipóteses propostas no modelo.
Como decorrência direta destes testes, a quinta seção investiga como
funcionaria a conexão eleitoral no Brasil utilizando-se de um modelo
econométrico que mensura os determinantes do sucesso eleitoral dos deputados
federais que tentaram a reeleição no pleito de 1998. Por fim, a última seção
sintetiza os principais achados dos testes e sugere caminhos institucionais
para o entendimento da coexistência de partidos fracos e fortes no Brasil.
DOMINÂNCIA DO EXECUTIVO NA ARENA LEGISLATIVA
De uma forma bastante esquemática, pode-se dizer que o Executivo faz uso de
três mecanismos institucionais para fazer valer suas preferências na arena
legislativa e, ao mesmo tempo, incentivar o comportamento partidário: primeiro,
os poderes constitucionais do presidente de legislar; segundo, a centralização
do processo decisório pelos líderes dos partidos da coalizão majoritária no
Congresso; e terceiro, a centralização da distribuição de recursos políticos e
financeiros pelo Executivo. Este artigo focalizará a atenção, essencialmente,
neste último mecanismo, uma vez que os dois primeiros já foram largamente
explorados por Figueiredo e Limongi (1999), Pereira e Mueller (2000; 2002) e
Pessanha (2002).
O poder institucional de legislar do Executivo, por um lado, e o sistema
centralizado de tomada de decisão dentro do Congresso, por outro, impõem pautas
restritivas e limitam o papel dos parlamentares dentro do próprio Congresso.
Com todos esses mecanismos institucionais, não é inoportuno inferir que o
Executivo tem dominado em larga escala o processo legislativo no Brasil. À
primeira vista, parece que os poderes que o Executivo concentra fazem do ato de
governar uma tarefa relativamente fácil, ou mesmo que o papel dos parlamentares
no Congresso seja extremamente limitado. Esta conclusão, entretanto, pode ser
precipitada e enganosa. Embora os poderes constitucionais do presidente sejam
muito abrangentes, isso não significa que o Executivo seja forte em todos os
aspectos, ou que ele possa realizar todas as suas preferências sem custos.
Mesmo possuindo esse grande leque de dispositivos institucionais delegados pelo
próprio Legislativo, o Executivo precisa do voto e do apoio do Congresso para
aprovar a legislação ordinária e complementar e, principalmente, as reformas
constitucionais em todas as etapas e procedimentos institucionais dentro do
Congresso, incluindo a apreciação dos projetos pelas comissões e pelo plenário.
Surpreendentemente, o voto partidário tem sido a estratégia preponderante dos
parlamentares brasileiros (Figueiredo e Limongi, 1999), e não o voto pessoal,
como seria esperado em vista da vigência de um sistema eleitoral
descentralizado e de um sistema partidário fragmentado. Defende-se aqui,
portanto, a hipótese de que os legisladores brasileiros têm votado
consistentemente seguindo a indicação dos seus líderes partidários não só
devido aos poderes legislativo e de controlar a agenda do Congresso assegurados
ao presidente, mas também por perceberem que esse comportamento pode
proporcionar acesso a benefícios controlados pelo Executivo, benefícios esses
que têm um forte impacto nas estratégias de sobrevivência política dos
parlamentares na esfera eleitoral. Em outras palavras, o voto partidário é a
forma encontrada pelos parlamentares de sobreviver politicamente em um ambiente
no qual o Executivo desfruta de uma situação institucional privilegiada nas
suas negociações com o Legislativo.
As preferências dos legisladores sofrem, portanto, uma série de influências
dentro do escopo aqui descrito: poderes de legislar do Executivo; intermediação
e distribuição de benefícios a cargo dos líderes partidários; fragmentação
partidária, acompanhada de extrema ligação pessoal entre representante e
eleitor na arena eleitoral, porém com a recomposição do poder partidário da
arena congressual via distribuição de benefícios controlados pelo Executivo e
intermediados pelos líderes da coalizão majoritária. Portanto, para explicar
esse complexo e peculiar sistema político é de fundamental importância analisar
o processo de distribuição de recursos políticos e financeiros pelo Executivo e
suas conseqüências.
Um dos componentes decisivos, embora não o único2, do domínio exercido pelo
Executivo sobre o comportamento dos parlamentares no Congresso é o processo de
execução das emendas individuais dos deputados à Lei Orçamentária Anual ' LOA
aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente da República3. Embora os
deputados tenham o direito constitucional de formular e aprovar emendas ao
Projeto de Lei Orçamentária previamente elaborado pelo Executivo, é este
último, por meio do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, quem de
fato executa esse orçamento. Na sua grande maioria, os parlamentares fazem uso
dessa prerrogativa apresentando emendas individuais com políticas cujo objetivo
é beneficiar os municípios onde obtiveram maior número de votos na eleição
anterior, ou seja, suas bases eleitorais (pork barrel politics), como forma de
maximizar suas futuras chances eleitorais.
Além do mais, o Executivo brasileiro tem sistematicamente se valido da não-
sincronia entre arrecadação efetiva e dispêndios previstos na LOA para
contingenciar a execução orçamentária em relação à disponibilidade de recursos,
ou para solicitar créditos adicionais. Isto significa uma situação por demais
privilegiada para o Executivo nas suas negociações com o Legislativo, uma vez
que esses dispositivos institucionais lhe garantem alto grau de
discricionariedade e flexibilidade na execução do orçamento.
Existem fortes evidências, que serão demonstradas a seguir, de que o Executivo
tem se utilizado do processo de execução das emendas na LOA para recompensar ou
punir os parlamentares de acordo com suas performances. Em outras palavras, é
esperado que os parlamentares que consistentemente votam de forma favorável às
preferências do Executivo tenham maiores probabilidades de ver executadas as
suas emendas. Por outro lado, os parlamentares que consistentemente se
comportam de forma contrária aos interesses do Executivo têm uma probabilidade
menor de ver as suas emendas executadas.
TESTANDO O MODELO DE COMPORTAMENTO LEGISLATIVO
Com o objetivo de testar o comportamento legislativo de cooperar ou não com o
presidente, bem como de estimar se realmente o Executivo tem se utilizado da
execução das emendas dos parlamentares para garantir apoio às suas
preferências, foi realizada uma série de regressões logísticas multivariadas
tendo como variável dependente o voto de cada parlamentar em 327 votações
nominais (166 votações que envolveram propostas de emenda constitucional ' PECs
e 161 ''Outras'' Votações) no plenário da Câmara do Deputados, de 1995 a 1998,
tendo por base a posição do Executivo em cada votação. Antes, porém, de
analisar os resultados desses testes, é necessário esclarecer algumas
pressuposições e os procedimentos aqui utilizados.
De acordo com Luiz Carlos Santos,
''[...] a maior dificuldade que o governo vem enfrentando com o
Congresso não é convencer os parlamentares a votarem favoravelmente
ao Executivo, mas, sim, alcançar o quórum necessário para aprovar a
agenda do Executivo, especialmente nas PECs, quando o governo
necessita de uma maioria qualificada de 3/5 dos votos''4.
O que está implícito nesta passagem é a pressuposição de que os parlamentares
vêm se comportando estrategicamente em relação às preferências do Executivo,
não necessariamente votando contra (o que poderia ser muito custoso para o
parlamentar), mas simplesmente não aparecendo no plenário ou mesmo se abstendo
em uma determinada votação. Dessa forma, é importante que se considere a
posição do governo em cada votação para que o comportamento estratégico do
parlamentar seja levado em conta. Em outras palavras, quando a posição do
governo é ''sim'', há apenas um comportamento favorável ao presidente, que é
''sim'', e três comportamentos contrários à posição do presidente: ''não'',
''ausência'' e ''abstenção''. Entretanto, quando a posição do presidente é
''não'', ocorre exatamente o oposto; ou seja, para votar a favor do presidente,
o parlamentar tem três opções: ''não'', ''abstenção'' e ''ausência'', e,
portanto, apenas um comportamento contra, ''sim'' (ver Quadro_2). Nesta
situação, a responsabilidade de conseguir o quórum é da oposição. Esta premissa
tem conseqüências importantes para o modelo, especialmente para a variável
dependente, pois em vez de quatro opções de voto, a decisão do parlamentar foi
reduzida a duas opções: cooperar ou não cooperar com a posição do presidente5.
Presume-se também que os legisladores são maximizadores de utilidade. Em outras
palavras, suas escolhas de cooperar ou não com o presidente são determinadas
pelos possíveis custos e benefícios advindos desse comportamento em termos de:
recursos políticos junto ao seu partido por ter seguido a orientação do seu
líder; benefícios políticos e financeiros transferidos pelo Executivo como
conseqüência do apoio dado ao presidente; e retornos eleitorais provenientes de
sua base política por corresponder às suas expectativas. Também se presume que
não há hierarquia entre essas opções. De fato, as escolhas dependerão dos
cálculos de cada parlamentar em cada votação e contextos diferenciados. Por
exemplo, se o deputado sistematicamente seguir a indicação do líder partidário,
isto naturalmente pode lhe trazer alguns benefícios políticos importantes, tais
como sua indicação para uma posição de destaque em uma comissão, maior empenho
de seu líder nas negociações de suas demandas junto ao Executivo, maior acesso
a setores do Executivo, ou mesmo ser nomeado ministro ou ter o poder de indicar
alguém de sua confiança para um determinado ministério e assim por diante, e/ou
benefícios financeiros, tais como conseguir um emprego público para seu(a)
sobrinho(a), obter uma dotação orçamentária especial que gere benefícios
diretos para seu eleitorado, conseguir uma permissão pública (concessão) de um
canal de rádio ou TV e assim por diante.
Além de separar as votações em dois grandes blocos (PECs e ''Outras''
Votações), estas também foram agrupadas pelo seu nível de controvérsia/
concordância. Assim, foram formados grupos de votações em torno de 50%, 60%,
70-74%, 75-79%, 80% e 90% de concordância. Esta classificação tornou possível
estimar o impacto das variáveis explicativas tanto nas votações consensuais, em
que 80% a 90% dos parlamentares votaram da mesma forma, como nas votações
polêmicas, em que 50% a 60% dos parlamentares votaram de uma forma e uma outra
parcela considerável de deputados votou de modo diferente.
As seguintes variáveis explicativas fizeram parte do modelo:
(1) a porcentagem média do valor de fato executado, durante os anos de 1995 a
1998, de todas as emendas individuais de cada parlamentar às respectivas leis
orçamentárias (budget). Como foi dito anteriormente, é esperada uma correlação
positiva entre a porcentagem de execução orçamentária e votos favoráveis ao
Executivo;
(2) o total em reais do que foi de fato executado das emendas individuais de
cada parlamentar orientadas para o município onde ele obteve maior número de
votos nas eleições de 1994 (pork). Em outras palavras, quanto de fato cada
parlamentar conseguiu levar, por meio da execução de suas emendas individuais
ao orçamento, à sua principal base eleitoral;
(3) o número total de emendas de cada parlamentar designadas para beneficiar o
município onde o mesmo obteve maior número de votos nas eleições de 1994, mas
não necessariamente executadas (nº emendas). Esta terceira variável tenta,
justamente, capturar o efeito da insatisfação do parlamentar pela possível não
execução de suas emendas em seu comportamento de voto, sendo esperada, assim,
uma correlação negativa entre essas variáveis;
(4) também foi incluído no modelo o número de vezes que cada legislador mudou
de partido político (nº mudanças) em toda a legislatura. Este número varia de
zero, para os deputados que não mudaram de partido, a quatro, para aqueles que
mais vezes trocaram de partido político6. Essa variável pretende estimar até
que ponto o presidente tem mais dificuldades de contar com o apoio dos
parlamentares que mais vezes mudaram de partido político, visto que é
largamente defendido pelo que as constantes mudanças de partido político no
Brasil fragilizam a capacidade do Executivo de contar com o voto desses
parlamentares e, como conseqüência, de aprovar a sua agenda. Dessa forma, é
esperado que o coeficiente dessa variável seja negativo;
(5) além de considerar o número de mudanças de partido, o modelo também levou
em consideração a direção da mudança, tomando por base os partidos que fazem
parte da coalizão do atual governo. Assim, durante o período estudado, 48
parlamentares decidiram migrar para os partidos da coalizão de governo
(entrarcoal), enquanto quinze deputados escolheram o caminho inverso, migrando
para os partidos de oposição (saircoal). Assim, é esperado que os parlamentares
do primeiro grupo apresentem uma maior probabilidade de votar favoravelmente ao
governo, e os do segundo grupo, uma maior probabilidade de votar contra o
governo;
(6) foram incluídas no modelo algumas variáveis que objetivam estimar o efeito
da participação dos parlamentares nos órgãos decisórios e comissões da Câmara
nos seus padrões de voto no plenário da Casa, tomando por base as posições que
os mesmos ocupam na hierarquia decisória da Mesa Diretora da Câmara, Comissões
Permanentes e Comissões Especiais. Assim, a variável Mesa Diretora é uma
variável dummy que indica se o parlamentar ocupou alguma das suas posições
durante o período de 1995 a 1998. De acordo com o regimento interno da Câmara,
as posições na Mesa Diretora são preenchidas seguindo-se o critério de
representatividade proporcional dos partidos políticos dentro da Casa. Como a
coalizão do atual governo detém a maioria das cadeiras, é esperado que os
parlamentares que ocupam estas posições sejam bastante fiéis aos interesses do
Executivo, já que são eles que decidirão quais as questões a serem apreciadas e
quando elas serão ou não votadas. Conseqüentemente, eles apresentam alta
probabilidade de votar de acordo com as preferências do presidente. Raciocínio
semelhante é seguido no que diz respeito aos parlamentares que ocupam os
principais cargos hierárquicos nas comissões permanentes e especiais
(presidente, vice-presidente, relator). Ou seja, é esperado que os legisladores
que ocupam posições de liderança em comissões permanentes e especiais
apresentem maior probabilidade de votar favoravelmente às preferências do
presidente;
(7) como variável de controle foi incluída a distribuição ideológica dos
parlamentares, tomando por base as suas filiações partidárias em 1994. Assim,
temos três variáveis dummy que representam, respectivamente, os parlamentares
pertencentes a partidos localizados à esquerda, no centro e à direita do
espectro ideológico (segundo a classificação de Figueiredo e Limongi, 1999:
78)7. É esperada uma correlação positiva entre parlamentares pertencentes aos
partidos de centro e de direita, que dão sustentação política ao atual
presidente no Congresso, e comportamento de voto favorável aos interesses do
Executivo.
ANÁLISE DOS RESULTADOS DOS TESTES ECONOMÉTRICOS
Os resultados dos testes multivariados (Tabelas_1 e 2)8 confirmaram a grande
maioria das hipóteses do modelo. Entretanto, pode-se notar que o modelo
apresentou maior capacidade explicativa e de predição nas votações que
envolveram PECs, pois nestas votações as variáveis explicativas foram, de uma
maneira geral, mais robustas em termos de significância estatística e o modelo
apresentou capacidade de predição mais elevada (comparar últimas colunas das
Tabelas_1 e 2). Uma possível explicação para este resultado é que, como as PECs
exigem maioria qualificada de 3/5 para serem aprovadas, são nessas votações que
maiores energias são despendidas em termos de mobilização dos parlamentares,
partidos e, principalmente, do Executivo.
Será que pertencer aos partidos políticos que fazem parte da coalizão de
governo importa para a definição do comportamento de voto dos parlamentares no
plenário da Câmara dos Deputados?
De acordo com os testes econométricos, a resposta para esta pergunta é sim.
Como pode ser constatado, os parlamentares que pertencem aos partidos que
formam a coalizão de governo votam consistentemente de modo favorável ao
governo. Este resultado foi robusto tanto nas PECs como nas ''Outras''
Votações, mas principalmente quando a posição do governo foi ''sim'', pois a
variável coalizãofoi estatisticamente significante em todos os seis níveis de
controvérsia das PECs e em cinco das ''Outras'' Votações ' ou seja, quando o
Executivo realmente precisou da sua base de apoio parlamentar no Congresso,
pois são nessas votações que o governo tem a responsabilidade de prover a
maioria.
Por outro lado, quando a posição do governo é ''não'', essa variável perde
parcialmente a capacidade explicativa do comportamento de voto dos
parlamentares. Nessas votações, os deputados da base do governo têm incentivos
para não comparecer ou se abster, comportamentos que diretamente beneficiam as
preferências do presidente, pois é da responsabilidade da oposição providenciar
o número suficiente de votos para aprovar a matéria. Particularmente em relação
às PECs, essa situação apenas aconteceu ou nas votações com alto nível de
controvérsia (50%), ou nas votações com alto nível de consenso (80% e 90%). No
primeiro caso, é possível inferir que a oposição teve sucesso ao atrair alguns
votos da base do governo, imprimindo, assim, algumas derrotas ao presidente em
votações controversas e com possíveis custos políticos e eleitorais (e.g.
reformas da Previdência e administrativa); no segundo caso, entretanto, pode-se
facilmente deduzir que não havia incentivos para que os parlamentares da
coalizão de governo agissem de forma coesa, visto que até uma parcela
considerável da oposição concordava com a posição do governo.
Os parlamentares que mudam de partido político representam um problema para o
presidente?
Um resultado que até certo ponto surpreendeu refere-se à variável número de
mudanças de partido político, que não apresentou sinais inequívocos de como
deve ser interpretada. O primeiro ponto a ser notado é que esta é uma variável
pobre em termos da sua capacidade de explicar o comportamento dos deputados, já
que ela foi estatisticamente significante apenas três vezes nas PECs e quatro
vezes nas ''Outras'' Votações. Na verdade, o teste oferece interpretações
ambíguas. Se, na maioria das PECs, o coeficiente dessa variável foi positivo,
contrariando assim a expectativa de que mudar de partido cria problemas para o
Executivo aprovar a sua agenda, na maioria das ''Outras'' Votações o
coeficiente foi negativo, confirmando a predição do modelo.
É possível então inferir que mudar de partido não criou problemas para o
presidente em votações de reforma constitucional, mas representou uma ameaça
nas votações ordinárias. Contudo, é importante que se tenha cautela com esta
inferência. Além de ser uma variável pobre em ambos os grupos de votações,
quando ela prevê de maneira significativa uma correlação negativa ela o faz nas
chamadas votações consensuais. Ou seja, quando o presidente realmente precisou
dos votos (durante as votações polêmicas) daqueles parlamentares que mais
migraram de partidos ele não se decepcionou. É possível portanto afirmar,
embora com precauções, que a mudança de partido político não cria problemas
para que o Executivo aprove a sua agenda, ao contrário do que prevê o saber
convencional. Este resultado corrobora até certo ponto a proposição de que,
quando o parlamentar decide migrar para outro partido, ele o faz, na sua grande
maioria, para um partido ideologicamente semelhante ao anterior, não vindo
assim a alterar substancialmente o perfil de seu voto (Figueiredo e Limongi,
1999; Melo, 1999).
Resultado mais contundente foi o verificado com relação à direção da migração
partidária, ou seja, com respeito às variáveis que estimam o efeito da decisão
de entrar ou sair dos partidos da coalizão de governo. Essas variáveis
confirmaram integralmente as hipóteses do modelo ao demonstrarem que os 48
deputados que migraram para partidos da coalizão presidencial apresentam
maiores probabilidades de votar a favor das preferências do Executivo, enquanto
os quinze que decidiram sair da coalizão apresentam maior probabilidade de
votar contra o presidente. Dos doze grupos de PECs, a variável entrar coalizão
foi estatisticamente significante e seu coeficiente foi positivo em dez deles,
bem como em nove grupos de ''Outras'' Votações. Ao mesmo tempo, os quinze
deputados que decidiram deixar a coalizão de governo apresentaram um padrão
sólido de não-cooperação com as preferências presidenciais, especialmente nas
PECs. É importante reconhecer que a variável sair coalizão apresentou
resultados mais modestos nas ''Outras'' Votações, pois foi estatisticamente
significante apenas quatro vezes. Entretanto, na maioria das vezes seus
coeficientes foram negativos, principalmente quando a posição do governo era
''sim''. Isto significa que, quando o presidente necessitou do apoio desses
deputados, ele encontrou grandes dificuldades em contar com esse suporte, como
foi previsto no modelo9.
Estes achados sugerem que durante o primeiro mandato de Fernando Henrique
Cardoso o governo conquistou uma consistência política ainda maior, atraindo
deputados mais fiéis às suas preferências, bem como se livrando dos infiéis.
Isto é uma indicação de que a mudança de partido não significa necessariamente
mais dificuldades à governabilidade presidencial, como alguns autores advogam
(Ames, 2001; Samuels 2000, entre outros). De fato, isto dependerá muito mais da
direção da mudança realizada.
Até que ponto os cargos na Mesa Diretora da Câmara e nas Comissões são
estratégicos para o Executivo?
Os testes revelaram que, ao contrário do que o modelo previa, ocupar os
principais postos hierárquicos da Câmara dos Deputados tem um efeito pequeno no
comportamento de voto dos parlamentares no plenário da Casa. A exceção ficou
por conta de ocupar posições na Mesa Diretora da Câmara, que na grande maioria
dos casos apresentou coeficiente positivo, embora tenha sido estatisticamente
significante em apenas seis grupos de PECs e em quatro grupos de ''Outras''
Votações. Este resultado ratificou, contudo não de forma tão categórica, a
hipótese de que é do interesse do Executivo ter deputados de sua confiança na
principal esfera institucional decisória, com poder de definir a agenda do
Congresso, bem como de escolher quantas e quais comissões irão analisar os
projetos de lei. Em outras palavras, existe maior probabilidade de cooperação
com o Executivo por parte dos legisladores que ocupam as posições hierárquicas
da Mesa Diretora da Câmara.
Todavia, no que se refere aos postos das comissões permanentes e especiais,
estes se revelaram variáveis pobres para explicar o voto dos parlamentares,
pois obtiveram uma performance muito fraca nos testes econométricos. A variável
comissões permanentes foi estatisticamente significante somente em dois grupos
(nas PECs com alto nível de controvérsia, 50% e 60%, quando a posição do
governo era ''sim'') e a variável comissões especiais em apenas um grupo de
votação (nas ''Outras'' Votações, quando a posição do governo era ''não'').
Pode-se deduzir, portanto, que o Executivo não está tão preocupado em colocar
deputados fiéis nas posições hierárquicas das comissões, já que os legisladores
que ocupam aquelas posições não manifestaram seu comportamento de votação de
maneira consistente em favor das preferências do presidente.
Esta conclusão, entretanto, parece precipitada, uma vez que em Pereira e
Mueller (2000) foram apresentadas claras evidências dos ganhos informacionais
obtidos pelo plenário da Câmara e pelo Executivo, quando as comissões são
representativas das preferências do plenário. Em outras palavras, o plenário e
o Executivo só teriam incentivos para pedir urgência quando as distâncias entre
as preferências das comissões e do plenário fossem muito grandes ou quando o
custo de espera fosse muito alto. Por outro lado, quando as preferências fossem
similares e/ou o custo de espera fosse baixo, seria do interesse de todos
deixar as comissões analisarem os projetos, pois todos se beneficiariam com as
informações provenientes das comissões. Os autores também demonstraram que há
fortes indícios de que o Executivo age estrategicamente substituindo membros
infiéis por outros mais confiáveis nas comissões, para garantir resultados
consistentes com as suas preferências. Esta suposição foi confirmada pelas
respostas de vários deputados que afirmaram que suas ''escolhas'' de comissões
são negociadas ou mesmo impostas pelos líderes de seus partidos e, muitas
vezes, contrárias às suas preferências. Ou seja, é plausível inferir que, se as
comissões não fossem importantes para o Executivo e para os líderes dos
partidos, eles não se preocupariam em interferir na composição das mesmas.
Esses diferentes resultados podem ainda ser associados a instabilidades da
própria organização das comissões, pois, como é sabido, as comissões no Brasil
apresentam um alto grau de rotatividade na composição de seus membros, não
apenas de uma legislatura para outra, mas mesmo de uma sessão para outra.
Possivelmente, a forma como essas variáveis foram organizadas no teste
econométrico aqui aplicado não permite capturar de maneira apropriada essas
características. Diante do aparente resultado contraditório desses testes, é
preferível então não assumir posições definitivas e sugerir a necessidade da
realização de novas análises, inclusive com testes que comparem diferentes
legislaturas.
Até que ponto a execução seletiva de emendas individuais de parlamentares ao
orçamento incentiva comportamentos cooperativos com o presidente?
Finalmente, com relação às principais variáveis desse modelo, as que pretendem
estimar a influência da distribuição de recursos por parte do Executivo com o
objetivo de estimular comportamentos cooperativos, os testes confirmaram de
forma consistente as hipóteses do modelo. Ou seja, os parlamentares que
conseguiram executar suas emendas individuais, tanto em sua principal base
eleitoral (pork) como em todo o estado (budget), apresentam maior probabilidade
de votar favoravelmente às preferências do Executivo. Estas duas variáveis
foram estatisticamente significantes, na grande maioria das vezes, a 1% do
nível de significância, em dez grupos das PECs e em sete grupos das ''Outras''
Votações, sempre com o coeficiente positivo, confirmando, assim, as hipóteses
do modelo. As únicas vezes em que estas variáveis não apresentaram nível de
significância estatística foram nas votações com alto nível de consenso, 90%
nas PECs e 80% e 90% nas ''Outras'' Votações, ou seja, quando o Executivo não
precisou de uma forte cooperação dos membros de sua base parlamentar, uma vez
que já contava com o apoio da oposição. Com resultados tão incisivos quanto
estes, a inferência de que o Executivo utiliza a execução das emendas
individuais como uma peça importante de negociação com os parlamentares adquire
um grande poder explicativo. Além do mais, os deputados têm respondido a estes
incentivos de forma bastante favorável aos interesses do presidente.
A variável número de emendas, que significa o número total de emendas de cada
parlamentar aprovadas na LOA, mas não executadas pelo presidente, apresentou
desempenho semelhante, confirmando a previsão do modelo. Ou seja, quanto maior
o número de emendas não executadas, menor o suporte às preferências do
Executivo. Entretanto, esta hipótese só foi confirmada de forma consistente nas
votações que envolveram PECs, quando foi estatisticamente significante em oito
grupos (principalmente nas votações polêmicas), sempre com coeficiente
negativo. Nas chamadas ''Outras'' Votações essa variável teve uma performance
mais modesta, pois só apresentou significância estatística em três grupos de
votações. Mesmo assim, o coeficiente foi, na maioria das vezes, negativo, o que
sugere que apenas a aprovação na lei orçamentária das emendas individuais dos
parlamentares não é suficiente para determinar o seu voto favoravelmente ao
governo. É necessário que estas sejam executadas de fato. Ou seja, é preciso
que o Executivo concretamente entregue os recursos para os projetos individuais
dos parlamentares, como indicou o resultado da regressão para as variáveis
budget e pork. Do contrário, os parlamentares expressam sua insatisfação com o
Executivo votando consistentemente contra a posição do presidente.
Os resultados desses testes nos permitem concluir que é grande o poder exercido
diretamente pelo Executivo sobre o comportamento dos parlamentares no Brasil,
principalmente daqueles de sua base parlamentar de apoio. Como os testes também
fortemente confirmam, os deputados que mais votam com o Executivo são os que
pertencem aos partidos de centro e de direita10. Não é coincidência, portanto,
que esses parlamentares pertencentes aos partidos de centro e de direita sejam
justamente os que conseguem ver executadas a maior parte de suas emendas
individuais, inclusive aquelas orientadas para beneficiar diretamente o
município onde obtiveram maior número de votos. Em outras palavras, é
perfeitamente plausível deduzir que o padrão partidário de suporte às
iniciativas do Executivo também é fortemente mediado pela interferência deste
via a distribuição seletiva dos benefícios sob seu controle. Nesse processo, os
líderes dos partidos que dão sustentação ao governo no Congresso têm um papel
fundamental, pois são eles que defendem as demandas dos seus representados
junto ao Executivo.
Por essa razão, não procede a afirmação de Figueiredo e Limongi (2002),
imputada ao nosso trabalho (Pereira e Muller, 2002), de que
''Partidos não desempenham nenhum papel nesta explicação. No máximo
há uma correspondência entre determinados comportamentos e filiação
partidária. O grau de apoio que o presidente obtém de um determinado
parlamentar depende tão-somente da execução de suas emendas. O
presidente não teria por que discriminar este ou aquele parlamentar
com base na sua filiação partidária. O que contaria seria o apoio
dado por cada parlamentar à agenda do presidente em cada uma das
votações nominais'' (Figueiredo e Limongi, 2002:323).
Deixamos claro em várias passagens deste e em outros artigos (Pereira e
Mueller, 2002) a importância dos partidos políticos, principalmente no que se
refere aos procedimentos institucionais do processo decisório de elaboração e
de execução orçamentária. Porém, a mais grave imprecisão da interpretação de
Figueiredo e Limongi à nossa análise das relações entre o Executivo e o
Legislativo no Brasil se dá quando eles afirmam de forma categórica que
''O modelo explicativo proposto por Pereira e Mueller é uma versão de
um argumento mais geral segundo o qual o Legislativo seria capaz de
impor a sua vontade ao Executivo. Na medida em que o Executivo
depende dos votos dos legisladores para aprovar a sua agenda e não
conta com a ameaça de dissolução da legislatura, acaba por ser uma
presa dos interesses especiais e localistas dos congressistas. Apoio
político só seria obtido quando esses interesses fossem atendidos''
(Figueiredo e Limongi, 2002:326).
Por mais inusitado que possa parecer, o nosso principal argumento é justamente
o oposto. Ou seja, demonstramos que o Executivo corre poucos riscos de ter a
sua proposta alterada contra a sua vontade. Mesmo diante da prerrogativa
institucional dos parlamentares de emendar o orçamento e potencialmente
desfigurar a proposta original do Executivo, rejeitamos a idéia de que o
Executivo é enganado, ou seja, refém do Congresso e propomos uma explicação
diferente (Pereira e Mueller, 2002:279). Acreditamos que dada a sua estrutura
institucional atual, o Executivo tem vários instrumentos para garantir o
controle do processo de emendas ao orçamento no Congresso.
''O Executivo não somente detém a prerrogativa exclusiva de
determinar o status quo, [...] mas também de estabelecer as
diretrizes do processo em combinação com a sua coalizão majoritária
que controla a Comissão do Orçamento. E se tudo isso falhar, o
governo pode vetar as emendas, total ou parcialmente. Mas existem
ainda outras salvaguardas no processo de aprovação do orçamento que
impedem que o Congresso modifique a proposta do governo. [...] As
regras determinam que o Congresso só pode influir nos recursos da
rubrica investimentos, que tem respondido por apenas 1% a 2% de todas
as despesas orçamentárias. Isso quer dizer que os parlamentares, na
realidade, têm muito pouca influência no orçamento total. A maior
parte dos itens está não só além do alcance das emendas dos
parlamentares, como a parcela que pode sofrer emendas é rigidamente
controlada pelo Executivo'' (idem:281).
Ao tentarem refutar as evidências por nós apresentadas, Figueiredo e Limongi
recorrem à comparação simples das porcentagens de distribuição anual das
emendas individuais por partido (2002:324 ' Tabela 6), sem se preocupar em
controlar essa distribuição por qualquer outra variável que possa influir na
decisão do governo no que diz respeito à execução orçamentária, ou mesmo sem
utilizar qualquer procedimento estatístico passível de teste, mesmo que fosse
um simples teste de médias para determinar se as porcentagens de execução de
cada partido seriam estatisticamente diferentes (confirmando, assim, a hipótese
alternativa) ou semelhantes (confirmando, assim, a hipótese nula). Talvez por
isso eles concluam, equivocadamente, que
''[...] as taxas de execução para o PT em 1997 são similares às do
PSDB em 1996, sem que as taxas de apoio de ambos ao presidente
mostrem qualquer flutuação significativa. O mesmo deveria se aplicar
às taxas de apoio do PDT que, em 1997, teve taxas de execução maiores
do que as dos partidos da coalizão governamental no ano anterior,
exceção feita ao PFL'' (idem:323-324).
Figueiredo e Limongi cometem esse equívoco por compararem a distribuição da
execução de emendas por partidos em anos distintos, em vez de fazerem uma
comparação dentro do mesmo ano. Se assim o fizessem, poderiam notar que, para
todos os anos investigados por estes autores, nenhum partido de oposição
apresentou sua porcentagem de execução maior do que qualquer partido integrante
da base aliada do governo. Para dar um exemplo utilizando os mesmos casos
usados por Figueiredo e Limongi, o PT sempre apresentou uma porcentagem de
execução menor do que o PSDB (1996: PT = 15,7% e PSDB = 47%; 1997: PT = 44,9% e
PSDB = 72,5%; 1998: PT = 15% e PSDB = 56,1%; 1999: PT = 41,3% e PSDB = 69,5). O
mesmo poderia ser constatado em relação ao PDT, que em nenhum ano apresentou
porcentagem de execução individual superior a qualquer partido da coalizão de
governo naquele mesmo ano.
Mais evidências do uso estratégico da execução das emendas individuais dos
parlamentares por parte do Executivo podem ser observadas na Tabela_3, que
apresenta a execução das emendas individuais agrupadas por partido político
durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999 a 2002). Os
parlamentares que fizeram parte dos cinco partidos da coalizão do presidente
(PFL, PSDB, PMDB, PPB e PTB) receberam, em média, 83,19% do total dos recursos
públicos executados na forma de emendas individuais. Entretanto, esta coalizão
ocupava apenas 73,68% das cadeiras na Câmara dos Deputados. Em outras palavras,
os deputados da coalizão de governo executaram mais emendas individuais que o
tamanho proporcional de sua bancada na Câmara, enquanto os parlamentares dos
partidos de oposição foram sub-recompensados. O exemplo mais marcante deste
fato é a diferença do valor total das emendas executadas entre os parlamentares
do PTB e do PT, maior partido de oposição. Embora o PT ocupasse quase duas
vezes o número de cadeiras (11,3%) ocupadas pelo PTB (6,0%), seus deputados
executaram, em média, menos emendas individuais que os do PTB ' 5,8%
versus7,5%, respectivamente.
Demonstramos, até aqui, que o uso estratégico da liberação das emendas propicia
ao Executivo um ganho de votos favoráveis que mais do que compensa a perda
decorrente da alteração de sua proposta inicial. É por isso que o governo não
somente abre mão de usar os recursos institucionais e as informações de que
dispõe para impedir a modificação do seu projeto de orçamento, como incentiva a
apresentação de emendas ao sistematicamente superestimar o nível das receitas e
despesas esperadas. Não que os congressistas sejam ludibriados por essa
estratégia; eles se dispõem a participar desse jogo com o governo porque vêem
nele um meio por intermédio do qual a maioria dos parlamentares possa assegurar
sua própria sobrevivência política. Os deputados que fazem parte da coalizão se
beneficiam recebendo verbas orçamentárias que, apesar de pequenas em relação à
totalidade do orçamento, são suficientes para lhes garantir êxito eleitoral e
sobrevivência política (Pereira, 2002; Pereira e Rennó, 2001).
A CONEXÃO ELEITORAL NO BRASIL
A principal preocupação deste artigo até o momento foi estimar os fatores
capazes de exercer influência no comportamento de voto dos parlamentares na
Câmara dos Deputados. Foi demonstrado que, em consonância com os poderes do
presidente de legislar e de controlar a agenda do Congresso, os parlamentares,
principalmente os que pertencem aos partidos da coalizão de governo, cooperam
com o presidente, seguindo as orientações de seus líderes partidários como uma
estratégia de acesso a benefícios políticos e financeiros que são controlados
pelo Executivo, benefícios estes que podem ser usados na arena eleitoral com o
objetivo de maximizar suas chances de sobrevivência política. A questão agora é
analisar se existe uma conexão eleitoral no Brasil e como ela funciona.
Para tanto, é preciso ser estimado até que ponto é racional, em termos de
retornos eleitorais, se comportar de acordo com as preferências do Executivo
para ter as demandas atendidas. Em outras palavras, é decisivo saber se esse
comportamento dentro do Congresso produz benefícios que possam ser traduzidos
em votos na arena eleitoral. Até agora, foi possível afirmar que os
legisladores que mais obtiveram sucesso em ver executadas suas emendas
individuais ao orçamento também apresentaram um padrão de comportamento de voto
no plenário da Câmara consistentemente favorável às preferências do Executivo.
Contudo, até que ponto essa estratégia tem provido retornos eleitorais?
Para responder a esta questão, alguns dos determinantes do sucesso da
candidatura à reeleição em 1998 foram testados através de uma regressão
logística, tendo como variável dependente uma variável dicotômica que
diferenciou dois grupos de parlamentares: os que se reelegeram e os que
perderam. Em outras palavras, por meio dessa regressão foi testado se a
estratégia do deputado de permutar apoio presidencial (comportamento
partidário) por pork barrel (execução de emendas individuais no orçamento)
durante os quatro anos da legislatura de fato trouxe retorno eleitoral.
Dos 615 legisladores, incluindo efetivos e suplentes11, 446 (72,52%) decidiram
ser candidatos à reeleição em 1998, 78 (12,68%) decidiram não se candidatar a
nenhum cargo eletivo, 15 (2,43%) parlamentares candidataram-se a deputado
estadual, 7 (1,13%) candidataram-se a senador e 16 (2,60%) concorreram ao
governo dos estados. Dos 446 candidatos à reeleição, 288 (64,57%) foram
reeleitos e 158 (35,42%) não obtiveram sucesso. Pode ser coincidência ou mesmo
muito cedo para conclusões definitivas, mas o pleito de 1998 foi a primeira
eleição legislativa na história da democracia brasileira em que o número de
parlamentares reeleitos (288) ultrapassou o número de novos legisladores (225),
sugerindo uma espécie de recompensa eleitoral por parte dos eleitores.
A variável explicativa-chave desse teste é a quantidade de pork barrel de fato
executada, na forma de emendas individuais dos parlamentares aos orçamentos de
1995 a 1998, orientadas para beneficiar o município onde o parlamentar recebeu
maior número de votos na eleição de 1994. O modelo prevê uma correlação
positiva entre reeleição e pork barrel. Em outras palavras, quanto maior a
quantidade de emendas executadas pelo presidente, maiores as chances de o
parlamentar ser reeleito.
Além da execução de emendas individuais no período, o modelo também levou em
conta a variável número de emendas, que representa o número de emendas
individuais aprovadas no Congresso dirigidas para o município onde o legislador
obteve mais votos, mas não necessariamente executadas pelo governo. Em
princípio, o efeito esperado dessa variável é ambíguo. Por um lado, o eleitor
pode tomar um maior número de emendas como sinal de maior esforço do seu
representante. Neste caso, esperar-se-ia um coeficiente positivo. Por outro
lado, pode existir uma relação negativa entre o número de emendas apresentadas
e não executadas e a probabilidade de reeleição, indicando que não adiantaria
apenas que o parlamentar reivindicasse o crédito (claming credit) por ter
aprovado uma determinada emenda no orçamento para que obtivesse o
reconhecimento da sua base eleitoral e de líderes locais. O que é fundamental é
saber se o parlamentar foi eficiente o bastante para, de fato, levar os
recursos à sua base ao ver executadas as suas demandas pelo Executivo.
Além de pork e do número de emendas aprovadas mas não executadas, foi
adicionada outra importante variável, gastos 98, que representa o total de
recursos financeiros gastos durante a campanha eleitoral de 1998 oficialmente
declarado ao Tribunal Superior Eleitoral. Há uma convicção generalizada de que
quanto maior a quantidade de dinheiro gasto, maiores serão as chances de
eleição dos legisladores. Ao contrário do que se espera no caso americano, em
que os candidatos que mais gastam são os mais vulneráveis e, por isto, com
menores chances de reeleição, os gastos de campanha eleitoral no Brasil devem
apresentar um efeito positivo direto no sucesso eleitoral, uma vez que a
disputa eleitoral em distritos de magnitude superior a um se dá de forma
distinta da que ocorre em sistemas majoritários. No caso brasileiro, a
competitividade intra e interpartidária aumenta os gastos de campanha (Samuels,
2000). Logo, é defendida a hipótese de que candidatos que investem mais têm
maiores retornos eleitorais.
O modelo também pretende avaliar o efeito do comportamento de voto do
parlamentar dentro do Congresso na probabilidade de sua reeleição. Assim, a
variável votar com o presidentesignifica uma proporção de quantas vezes cada
legislador votou de acordo com as preferências do presidente durante a
legislatura 1995-1998. Essa variável funciona como um índice de fidelidade
presidencial. Portanto, é esperado que quanto mais o deputado votar com o
presidente, maior será a probabilidade de reeleição, já que o presidente
desfrutou de uma consistente aprovação popular durante todo o primeiro mandato
e é natural que os parlamentares de sua base procurem explorar eleitoralmente
esse fato.
Mesmo reconhecendo que esse modelo precisa de uma melhor especificação, como a
inclusão de outras variáveis que estimem a performancenacional do parlamentar,
para que se possa entender o complexo conjunto de razões que influenciaram o
processo de reeleição12, é possível dizer que ele demonstra a importância, para
um deputado, de conseguir benefícios para a sua base eleitoral. Além disso, a
regressão apresentou uma alta capacidade preditiva, por volta de 80%.
O resultado-chave desse teste econométrico é que o coeficiente da variável pork
foi positivo e significante (ver Tabela_4), confirmando a hipótese do modelo.
Isso significa que, ceteris paribus, quanto maior o montante de emendas
individuais do legislador realmente executadas pelo presidente, maiores serão
as probabilidades de reeleição do parlamentar. O efeito marginal da variável
pork foi igual a 26%, ou seja, se um deputado com todas as outras variáveis
iguais à média do plenário tivesse todas suas emendas executadas, ele teria 26%
a mais de chance de ser reeleito do que se ele não tivesse nenhuma emenda
executada.
Outro importante resultado do teste foi a determinação da relação entre a
variável número de emendas e a probabilidade de reeleição. O seu coeficiente é
negativo e estatisticamente significante. Este resultado indica que, quanto
maior o número de emendas individuais do legislador aprovadas na LOA, mas não
executadas pelo presidente, menor será a probabilidade de este deputado ser
reeleito. Ou seja, claiming credit apenas não é suficiente para aumentar as
chances de reeleição do parlamentar. O efeito marginal de uma emenda aprovada
mas não executada foi reduzir a probabilidade de reeleição em 14% para um
deputado com as características médias.
Estes dois resultados representam forte evidência de que a estratégia dos
deputados de seguirem as preferências presidenciais e a indicação dos seus
líderes partidários, com a expectativa de obterem acesso a benefícios políticos
e financeiros para serem utilizados na arena eleitoral, proporciona
consistentes retornos eleitorais. Em uma palavra, esta é uma das formas pelas
quais, de fato, funciona a conexão eleitoral no Brasil.
Confirmando a expectativa, a regressão também indica que gastar mais dinheiro
durante a campanha eleitoral conta para a reeleição, dado que esta variável
mostra um coeficiente positivo e significante13. Um aumento dos gastos de
campanha de dez mil reais, para um deputado com características iguais à média
do plenário, aumenta a probabilidade de reeleição em 5%.
Uma surpresa foi o resultado da variável votar com o presidente, pois embora o
seu coeficiente seja positivo, tal variável não foi estatisticamente
significante. Isto indica que não há correlação direta entre o comportamento de
voto do deputado dentro do Congresso e suas chances de ser reeleito, embora o
padrão de voto dos deputados afete indiretamente as chances de reeleição, pois
influencia o montante de pork a que este parlamentar terá acesso. Além disso,
esse resultado sugere que as bases eleitorais dos parlamentares não constrangem
diretamente o comportamento de seus representantes dentro do Congresso. Pode-se
inferir que os eleitores estão muito mais preocupados com a capacidade de seus
representantes de executarem políticas e benefícios localizados, já que eles
recompensam os políticos baseados não no padrão de votação dos seus
legisladores ou na posição defendida por seus partidos políticos, mas
principalmente baseados nas realizações pessoais do seu representante. Isto nos
leva a deduzir que, na arena eleitoral, a grande maioria dos eleitores não se
importa com a performance nacional de seus representantes. Em outras palavras,
o processo de accountability do sistema político brasileiro é basicamente
local.
Portanto, quando os parlamentares estão decidindo como votar no plenário da
Câmara dos Deputados, eles estão menos inclinados a levar em consideração a
posição de suas bases eleitorais, já que segui-las ou não tem poucas
conseqüências para as suas futuras carreiras políticas. O que de fato os
orienta estrategicamente é como conseguir os benefícios mediados pelos líderes
dos seus partidos e controlados pelo Executivo. Esta é a principal razão pela
qual os partidos políticos são tão fortes dentro do Congresso, mas ao mesmo
tempo tão fracos na arena eleitoral. Conseqüentemente, também não há nenhuma
contradição entre contar com os legisladores votando sistematicamente de acordo
com as indicações do líder partidário dentro do Congresso e esperar que eles se
comportem de maneira particular, buscando benefícios localizados na esfera
eleitoral. Muito pelo contrário, estas estratégias se complementam.
CONCLUSÃO
Este artigo procurou responder à questão: é possível a simultaneidade de
partidos políticos fracos na arena eleitoral e partidos fortes dentro do
Congresso? A chave para entender este sistema político aparentemente
contraditório foi levar em conta a presença de incentivos institucionais
paradoxais tanto para o comportamento pessoal como para o comportamento
partidário. Como demonstrado, o comportamento dos parlamentares dentro da
Câmara dos Deputados tem sido fortemente em conformidade com a indicação dos
seus líderes partidários, mesmo diante de todos os incentivos institucionais
para um comportamento pessoal e descentralizado proporcionados pelas regras
eleitorais e pela fragmentação do multipartidarismo brasileiro.
Além do mais, demonstramos que esse padrão partidário de comportamento
parlamentar está estreitamente associado a três elementos institucionais
básicos: aos poderes legislativos assegurados constitucionalmente ao
presidente; à centralização do processo decisório dentro do Câmara; e
principalmente à centralização da distribuição de recursos orçamentários
controlados pelo Executivo, recursos estes utilizados pelos parlamentares nas
suas respectivas arenas eleitorais para maximizar suas chances e estratégias de
sobrevivência política. O Executivo tem usado a distribuição dos recursos para
recompensar legisladores fiéis, aprovando suas demandas locais, e ao mesmo
tempo punir os parlamentares que não seguem suas preferências, negando-lhes com
mais freqüência o acesso a tais recursos.
O grande dilema enfrentado pela maioria dos parlamentares brasileiros é como
conciliar duas pressões aparentemente opostas. Em outras palavras, eles têm de
satisfazer as reivindicações das suas respectivas circunscrições eleitorais
para que tenham condições de sobreviver politicamente, e simultaneamente têm de
seguir a indicação dos seus líderes partidários a fim de ter acesso aos
benefícios políticos e financeiros controlados pelo Executivo e satisfazer,
assim, as demandas locais das suas bases políticas, de modo a obter ''retornos
eleitorais''. É exatamente dessa forma que é completado o ciclo da conexão
eleitoral no Brasil (Pereira, 2002).
Portanto, sustentamos que é perfeitamente possível a coexistência do
comportamento partidário dentro do Congresso e do comportamento pessoal na
esfera eleitoral, principalmente por meio de políticas locais do tipo pork
barrel. Como vimos, o sistema político brasileiro, condensado por um sistema
eleitoral que fragiliza os partidos e regras internas que fortalecem os
partidos, gera o seu próprio equilíbrio.
NOTAS
1. Referimo-nos aqui ao conceito de structure-induced equilibrium utilizado por
Shepsle e Weingast (1981). Para estes autores, as regras e procedimentos
importam porque elas definem a seqüência dos movimentos dos jogadores em uma
dada instituição, gerando, assim, equilíbrio ao delimitar as alternativas de
escolhas disponíveis. Ou seja, ''structure and procedure combine with
preferences to produce outcomes. Equilibrium, if it exists, is affected not
only by the distribution and revelation of agent preferences, but also by the
way the collectively goes about its business. Indeed, the strategic revelation
of agent preferences will depend on this as well'' (Shepsle, 1989).
2. Amorim Neto (2002), por exemplo, demonstrou que a alocação de posições
ministeriais no Brasil é fortemente associada com a disciplina partidária. É
possível também inferir que o Executivo utiliza não apenas a execução
orçamentária, mas também outros recursos não-orçamentários como, por exemplo,
os controlados pelo BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal etc., que
não são passíveis de controle direto pelo Congresso.
3. Pereira e Mueller (2002) elaboraram um modelo espacial em que explicam o uso
estratégico da execução orçamentária por parte do Executivo para fazer valer
suas preferências no Congresso Nacional. Os autores sugerem que, embora o custo
para manter a coalizão de governo disciplinada no Congresso não seja muito
alto, esses recursos são de fundamental importância para a sobrevivência
política dos parlamentares.
4. Entrevista realizada no escritório do ministro para Assuntos Políticos, Luiz
Carlos Santos, em Brasília, em setembro de 1997.
5. Das 166 votações que envolveram a Proposta de Emenda Constitucional ' PEC,
em 92 delas a posição do governo foi ''sim'' e nas 74 restantes foi ''não''. Já
nas 161 votações que não envolveram PECs, em 108 delas o governo defendeu
''sim'' e nas 53 restantes, ''não''.
6. Dos 606 parlamentares da amostra analisada (incluindo titulares e
suplentes), 159 (26,23%) mudaram de partido e 447 (73,76%) permaneceram no
mesmo partido durante a legislatura de 1995 a 1998. Dos 159 deputados que
mudaram sua filiação partidária, 125 mudaram uma vez, 26 mudaram duas vezes,
sete mudaram três vezes e apenas um parlamentar mudou quatro vezes.
7. Como são variáveis dummies, foi deixada de fora da regressão a variável
esquerda (leftout variable), para evitar problemas de multicolinearidade.
8. Por uma questão de espaço, os principais resultados dos testes foram
resumidos nestas duas tabelas. Os testes completos, bem como a base de dados,
estão disponíveis mediante solicitação. É importante dizer que foi também
testada, com diferentes métodos, a presença e severidade de multicolinearidade.
Inicialmente foi usada a técnica de ''simple correlation among regressors'',
para medir o grau de severidade de multicolinearidade entre as variáveis. De
acordo com este teste, se o coeficiente de correlação é maior que 0,8 ou 0,9,
então a multicolinearidade é um problema. Entretanto, não foi encontrado um
único coeficiente maior que 0,9. Em seguida, foi aplicado o teste ''variance
inflation factor''. De acordo com esta técnica, valores maiores que 1,0
implicam que a variável em questão não é ortogonal em relação às demais e,
portanto, que a multicolinearidade está presente. Alguns autores usam o valor
de 5,0 ou mais como uma referência de multicolinearidade severa. Mais uma vez,
nenhuma variável apresentou um valor maior que 5,0.
9. Contudo, é curioso notar que nas votações com alto nível de controvérsia
(50% nas PECs e 50% e 60% nas ''Outras'' Votações), embora os coeficientes
desta variável sejam negativos, eles não foram estatisticamente significantes,
sugerindo que alguns desses parlamentares que abandonaram a coalizão
presidencial continuaram votando com o governo nessas matérias mais polêmicas.
10. A variável centro foi estatisticamente significante em todas as PECs e na
metade das ''Outras'' Votações. Em apenas um grupo de votações, o coeficiente
foi negativo, contrariando a expectativa original do modelo. Contudo, este foi
um grupo de PECs não-polêmicas (90% de concordância). A variável direita, por
sua vez, foi estatisticamente significante em onze grupos das PECs e em seis
das ''Outras'' Votações. Nas únicas vezes em que os seus coeficientes foram
negativos, a variável não foi significante.
11. No Brasil, para cada parlamentar eleito existe um suplente. Alguns desses
suplentes exercem seus mandatos por períodos distintos, uma vez que é muito
comum que deputados titulares ocupem posições na burocracia federal ou
estadual. Como os suplentes tiveram a chance de exercer seu mandato por algum
período de tempo, fazendo uso de todas as prerrogativas de um deputado federal,
eles foram incluídos na amostra que foi testada. Se não incluíssemos estes
deputados suplentes que exerceram mandato, como faz Samuels (2002), estaríamos
arbitrariamente excluindo casos válidos e, portanto, cometendo viés de seleção
(Geddes, 1990).
12. Para uma análise mais complexa acerca dos determinantes da reeleição para a
Câmara dos Deputados em 1998, ver Pereira e Rennó (2001). A conclusão a que
estes autores chegam após utilizarem testes multivariados robustos (Heckman
Sellection Model), com um cuidado especial de controlar por viés de seleção e
por uma série de variáveis que representam dois grupos de estratégias
eleitorais distintas (performancelocal versus nacional), ''é que as duas
dinâmicas exercem influência nas chances de reeleição. Entretanto, diante das
opções e recursos disponibilizados durante seus mandatos, a distribuição de
benefícios locais proporciona muito mais retornos eleitorais do que as
atividades legislativas dentro da Câmara ou as posições de voto assumidas em
relação a uma determinada política. Na realidade, os interesses locais
prevalecem na arena eleitoral porque as demandas locais parecem ter impacto
mais forte no sucesso eleitoral'' (idem:352-353). Dito de outra forma, a
atividade nacional do parlamentar (i.e. ocupar posições hierárquicas nas
comissões ou nos partidos políticos) é principalmente direcionada para as ações
que o habilitam a ter mais acesso a recursos que possam ser utilizados na
esfera local com o objetivo de sua reeleição. Com esta afirmação não estamos
querendo dizer, como sugerem Figueiredo e Limongi (2002:305), que as ''taxas de
reeleição seriam uma função direta da execução das emendas individuais ao
orçamento''. Este processo é muito mais complexo e interconectado.
13. Contudo, este resultado deve ser interpretado com cuidado, pois, como foi
demonstrado por Pereira e Rennó (2001), o grau de dispersão em relação à média
de gasto é enorme tanto em relação aos parlamentares que foram reeleitos como
em relação aos que não foram. Isto significa que muitos parlamentares que
gastaram muito não foram reeleitos e alguns que gastaram bem menos do que a
média o foram. Outro problema é a quantidade de missing values da amostra
fornecida pelo Tribunal Superior Eleitoral, uma vez que a grande maioria dos
parlamentares que declaram os seus gastos de campanha (98%) é justamente os que
foram reeleitos ' apenas 82% dos que perderam informaram os seus gastos ao TSE.