Participação arriscada: manifestações e tumultos em regimes ditatoriais
APRESENTAÇÃO
A participação está no centro da democracia, mas, em regimes autoritários,
encontra-se no centro da mudança política e, infelizmente, do risco. Embora
seja óbvio que os níveis de participação são muito mais baixos em regimes
ditatoriais do que em democracias, é importante investigar o que leva as
pessoas a protestar contra o regime mesmo sendo essa atividade estritamente
proibida e altamente perigosa, dada sua importância na configuração do futuro
sistema político e de suas condições atuais.
Apesar de as ditaduras serem caracterizadas sobretudo por uma quase total
concentração de poder1, o exercício desse poder não é inteiramente ilimitado,
como afirmam muitos autores2. O governante em exercício tem de enfrentar alguma
limitação imposta por certo nível de lealdade necessária para que permaneça no
cargo. Como dizem Rose e Mishler (2002:1), "um tanto de apoio popular é
necessário para que o regime sobreviva - seja ele democrático ou não". Nesse
sentido, o nível de protesto existente em um regime dado pode indicar
indiretamente o nível de apoio que ele tem na realidade e pode então ajudar o
ditador a resolver o que Wintrobe (1998) chama de "dilema do ditador", ou seja,
o problema de informação sobre o nível de apoio que possui.
A participação é custosa, não importa onde ocorra, ainda que obviamente o seja
mais em ditaduras, na medida em que os direitos políticos são severamente
limitados ou simplesmente não existem. Mesmo nesse contexto, as pessoas vão às
ruas e demandam, por vezes violentamente, melhores condições econômicas ou um
regime mais democrático. Assim, qual é o cálculo por trás da decisão que
envolve tantos riscos? Quais são as principais variáveis na explicação dos
diferentes níveis de protesto em países governados por líderes autoritários?
Neste artigo, é proposto um modelo geral para dar conta dos protestos violento
e não-violento em regimes autoritários3. Assim, vários fatores são considerados
e testados, ou seja, não é analisada apenas a relação repressão/protesto (para
a qual existe uma literatura considerável, embora não focada em ditaduras), mas
também as condições econômicas, as trincheiras institucionais estabelecidas
pelo regime, a relação entre atividades não-violentas e violentas, a
temporalidade, a difusão e os fatores estruturais.
Para responder a essas questões gerais, este texto está dividido da seguinte
forma: na primeira seção, são apresentados os principais debates teóricos, bem
como as diferentes hipóteses, dividindo os fatores causais em seis grupos
principais: instituições; fatores estruturais; condições econômicas; repressão;
efeitos temporais e de substituição (entre atividades violentas e não-
violentas); e, finalmente, difusão política. A seção seguinte descreve
brevemente as variáveis dependentes e independentes utilizadas nas análises
empíricas posteriores e sua fonte. Apresentados os dados, na terceira seção,
são relatados os principais resultados, bem como os métodos utilizados para
obtê-los, mostrando quais são os principais fatores na determinação dos níveis
de protesto em regimes não-democráticos. A última seção resume as principais
descobertas derivadas da análise quantitativa.
TEORIA E HIPÓTESES
Neste artigo, trato de manifestações contra o regime e de tumultos, pois
constituem as formas mais importantes de participação envolvendo,
respectivamente, não-violência e violência4. Para dar conta dessas duas
atividades, o estudo se concentra nos grupos de determinantes listados
anteriormente.
Instituições em Ditaduras
Embora concentrem todo o poder, ditadores não estão totalmente seguros em seus
cargos. Posições de privilégio podem gerar inveja, ódio ou dissimulação; assim,
em geral os ditadores têm de lidar com ameaças advindas da própria família, dos
membros da elite ou da sociedade. Segundo Gandhi e Przeworski (2006; 2007), os
ditadores criam partidos e legislaturas para mobilizar a cooperação e cooptar a
oposição5. Por meio dessas instituições, dirigentes autoritários dão à oposição
certo acesso ao processo de tomada de decisões, ao mesmo tempo que distribuem
favores e privilégios. De fato, para os regimes comunistas de partido único,
Schnytzer e uterič afirmam que "o número de membros do Partido Comunista
pode ser usado como indicador de estabilidade política. Entrando no partido, as
pessoas contribuem para a estabilidade do regime de partido único e, desse
modo, apóiam efetivamente a liderança autoritária" (1998:119).
Todos os estudos sobre dissensão e protesto têm negligenciado sistematicamente
essa variável institucional importantíssima e, por conseguinte, o papel que
tanto a cooptação quanto a organização da oposição podem desempenhar na
determinação de sua capacidade de mobilização. A habilidade que os ditadores
têm de prolongar sua permanência no poder por meios outros que não a repressão
é, assim, amplamente subestimada, limitando nossa compreensão do assunto.
Quais são, então, os efeitos esperados dessas instituições nos níveis de
protesto? De fato, há duas opções muito diferentes. A primeira hipótese seria,
à primeira vista, a mais intuitiva, ou seja, se as instituições efetivamente
cooptam a oposição, canalizam as demandas dos cidadãos e ampliam o controle do
regime sobre a população, o número de manifestações e tumultos será reduzido
porque mais benefícios são obtidos pela colaboração com o regime. Nas palavras
de Gandhi e Przeworski, "a oposição legalizada se torna a oposição domesticada"
(2007:1283).
Alternativamente, a hipótese da "tolerância" prediz o resultado oposto, ou
seja, onde essas instituições tiverem sido criadas o nível de protesto será
mais alto, dado que a força da oposição já é grande. Nesse caso, incluir a
oposição na estrutura do regime implicaria duas questões. Primeiramente, quando
algum nível de pluralidade é permitido (ainda que pelas razões mencionadas
anteriormente), supõe-se que o nível de tolerância do regime também aumente e
que, em conseqüência, cresçam os níveis permitidos de protesto. Em segundo
lugar, quando a oposição é integrada às instituições ou é permitido que ela
crie seus próprios partidos, sua capacidade de organização ou seus recursos
aumentam consideravelmente, facilitando o desenvolvimento da participação e das
atividades de protesto. De acordo com a abordagem da mobilização de recursos e
partindo da suposição de que ações do movimento são racionais, o conflito
existente levará a agrupamentos sociais se tiverem lugar mudanças de recursos,
de organização de grupo e de oportunidades para a ação coletiva (Jenkins,
1983). Além disso, segundo essa abordagem,
a urbanização, juntamente com o crescimento do capitalismo
industrial, os meios de comunicação de massa e a construção de
estados modernos, em geral contribuiu para uma mudança de ações
reativas, baseadas na comunidade, a ações proativas de associações de
larga escala dedicadas a propósitos especiais (Auvinen, 1997:180).
Repressão e Coerção
A literatura que estuda a relação entre repressão e protesto é abundante. O
núcleo da questão é que "a repressão pelos regimes tanto pode agravar quanto
atenuar a dissensão por parte dos grupos de oposição" (Lichbach, 1987:266).
Alguns autores propuseram diferentes formas para essa relação, bem como para os
diversos efeitos que essa ligação pode ter sobre a relação entre atividades
violentas e não-violentas. Esse ponto será discutido mais extensamente a
seguir.
Os regimes em geral respondem aos que os desafiam de forma implacável, na
expectativa de minimizar a extensão dos desafios futuros (Tilly, 1978). Gurr
observou que "a ameaça ou a severidade da violência coercitiva usadas pelo
regime aumentam a ira dos dissidentes, intensificando assim sua oposição até um
limiar de violência governamental além do qual a ira cede ao medo" (1970:238).
Importante contribuição a esse respeito é a de Gupta, Singh e Sprague (1993),
os primeiros a incluir e a considerar o regime político uma importante variável
interveniente nessa relação. Esses autores argumentam que a repressão fomenta
atividades de protesto em democracias, mas as dissuade em maior ou menor medida
em não-democracias, em que, portanto, a relação pode ser representada como uma
curva em U invertido. Alternativamente, sem distinguir entre tipos de regime,
Davis (1999) também afirma que uma relação de curva em U invertido pode ser
traçada entre coerção e violência política6. Tal descoberta, porém, não se
sustenta, se considerarmos outras contribuições (ver Moore, 1998). Francisco
(1995), por exemplo, descobre em seu estudo de três casos7 que a hipótese do U
invertido tem menos suporte do que a alternativa de sua "reação", que afirma
que os dissidentes reagem com força à coerção extremamente dura.
De qualquer modo, há dois problemas que exigem esclarecimento nesse debate. O
primeiro tem a ver com a especificação da variável dependente, que em alguns
estudos é o protesto não-violento, em outros é simplesmente a violência
política ou ainda são ambos. Em minha opinião, essas variáveis devem ser
estudadas em conjunto, como defendem outros autores (Lichbach e Gurr, 1981;
Lichbach, 1987; Moore, 1998). Ambos os tipos de atividade política não parecem
independentes e podem ter alguma relação de complementaridade/substituição que
deve ser analisada.
O segundo problema se refere às diferentes variáveis utilizadas como
indicadores de repressão. Faz-se necessário distinguir entre regimes e
repressão. Embora seja verdade que diferentes regimes tenham diferentes níveis
médios de repressão, há também grande variabilidade nos níveis de repressão que
podem ser encontrados nos mesmos tipos de regime. Por exemplo, enquanto Gupta,
Singh e Sprague (1993) usam diferentes variáveis para os dois tipos de regime,
Davis (1999) usa o índice de Gastil de direitos políticos. Uma vez feita a
distinção entre regimes, é necessária alguma medida de repressão8. Neste
artigo, o foco são os regimes autoritários, evitando-se, portanto, esse
problema.
Temporalidade e Relação Violência/Não-Violência
Um protesto do passado exerce influência sobre um protesto atual? Atividades
não-violentas se tornam violentas? Ou ocorre exatamente o contrário? Essas são
as principais questões a serem resolvidas no que tange à temporalidade e às
relações violência/não-violência que permitiriam traçar um esquema simples
sobre como o protesto se transforma, se expande e diminui.
Como mencionado anteriormente, a participação em regimes ditatoriais é custosa
e, por isso mesmo, pode dar forma à sua própria evolução e a seus padrões.
Nesse contexto de participação arriscada, tomar a decisão de participar de
protestos pode não ser fácil (há mais custos potenciais), mas, uma vez que o
processo tem início, "os apáticos se tornam politizados, os reformistas se
radicalizam e os revolucionários dobram seus esforços" (Lichbach e Gurr, 1981:
8). Assim, o processo pode se tornar autogerador e um tanto persistente ao
longo do tempo. Gurr e Duvall (1973) descobriram que tanto a extensão quanto a
intensidade do conflito passado tinham efeitos positivos indiretos sobre o
conflito futuro, embora operando através de tradições. Entretanto, isso se
refere a relações de longo prazo que não nos interessam aqui9. De fato,
Lichbach e Gurr (1981) testaram o argumento da persistência simples e não
encontraram evidência em apoio de uma tendência geral em direção a tradições
persistentes de protesto. Isso nos leva de volta ao ponto explicado
anteriormente: em ditaduras, não esperamos processos de protesto/conflito
persistentes ao longo do tempo, mas sim processos autogeradores no curto prazo,
ou seja, ondas de protesto de curto prazo e dependentes do tempo.
No que diz respeito à distinção entre atividades não-violentas e violentas e à
relação entre ambas, o ambiente ditatorial em análise pode outra vez nos ajudar
a definir a ligação concreta e a hipótese. A principal proposição de Lichbach
(1987) era de que um aumento na repressão governamental à dissensão não-
violenta poderia diminuir a não-violência, mas aumentar as atividades violentas
da oposição e vice-versa. Assim, segundo o autor, o protesto não-violento e o
violento tendem a ser substitutos. Moore (1998) fornece evidência empírica, que
tende a apoiar a teoria de Lichbach, usando testes seqüenciais de dados sobre
eventos. Entretanto, em um regime autoritário, essa substituição não pode ser
considerada direta e bidirecional. O protesto violento reprimido, ou
simplesmente ineficaz, é mais difícil de ser transformado em não-violência e de
ter continuidade como tal, pois isso não é permitido pelas "autoridades". A
substituição oposta é mais provável. Se há uma manifestação não-violenta e o
regime usa "porretes" (o que certamente ocorre), ou se há chance real de
alcançar um objetivo concreto, a violência se torna a única alternativa e a
manifestação provavelmente resulta em tumulto.
Condições Econômicas e Sociais
A falta de bem-estar material tem sido uma das principais causas do protesto e
da revolução em todo o mundo. Tullock (1974) afirma que a participação em tais
eventos é determinada pela expectativa de ganho ou de perda pessoais. Da mesma
forma, segundo Boix (2004:1), "a violência política ocorre quando os ganhos
líquidos esperados de seu emprego excedem os ganhos líquidos de aceitar o
status quo por parte de alguns atores políticos". Portanto, o protesto envolve
custos que podem ser classificados em duas categorias diferentes: 1) custos que
derivam de medidas coercitivas ou repressivas por parte do Estado; 2) custos de
oportunidade que derivam de dedicar tempo e outros recursos ao protesto (ou
seja, produzir ou trabalhar) em vez de adquirir bens econômicos (Grossman,
1991).
Façamos um resumo desses custos e benefícios em termos formais simples.
Suponhamos que há dois grupos ou classes principais em uma sociedade: a
participação dos ricos na população éθ; portanto, (1-θ) é o tamanho da
população pobre, em que (1-θ) >θ(pois o tamanho da população foi normalizado à
unidade). A renda total da classe pobre é yp e a da classe rica é yr; em termos
de rendas pessoais, yr > yp. A renda total da sociedade é Y. O regime é uma
ditadura comandada pelos ricos, de modo que eles escolhem uma alíquota de
impostoτe, conseqüentemente, o nível de redistribuição. A fração da renda do
país não afetada pelo caos, pela destruição e pela instabilidade que a mudança
de regime pode gerar é (1-λ). Finalmente, p é a probabilidade de uma mudança de
regime por levante popular.
Os pobres têm duas opções: obedecer ao regime autoritário ou ir às ruas e
reclamar bens públicos ou um regime democrático10. Suponhamos que os pobres
atinjam seus objetivos e o regime seja derrubado; então sua utilidade linear
seria , ou seja, a riqueza restante nessa
sociedade seria distribuída entre os pobres de tal forma que cada um receberia
(por simplicidade notacional) uma parte igual menos o custo pessoal de ter
tomado parte nas atividades de protesto (c). Em contrapartida, se os protestos
fracassarem, cada pobre receberá apenas<formula/> ,
ou seja, a parte restante de sua renda menos o custo de ter participado. Não
ter participado de qualquer protesto (qualquer que tenha sido sua forma) produz
o seguinte resultado: yp(1-
τ)+τ
ya, ou seja, a renda pós-impostos mais uma parte que é distribuída igualmente a
partir de gastos governamentais11. Portanto, supõe-se que, depois de uma onda
de protesto ou mesmo de uma revolução, o regime suprima a parte redistributiva
e imponha uma alíquota de imposto mínima.
Um indivíduo tomará parte em um protesto se, e somente se, a utilidade esperada
deste for maior do que a de não participar de qualquer mobilização, ou seja,
se:
Podemos derivar nossas hipóteses em relação às variáveis econômicas a partir
dessa simples colocação, atentos a qual será o lado da expressão alterado.
As teorias da desorganização social prediziam que o crescimento rápido do
Produto Interno Bruto - PIB ou da população geraria protesto e violência
política em função do deslocamento social e da mudança estrutural (Huntington,
1968; Olson, 1963). Minha predição é exatamente o oposto, pelo menos em relação
ao crescimento econômico (Muller e Weede, 1990). Altos níveis de crescimento
econômico implicam um aumento na renda disponível no curto prazo, de tal forma
que yp aumenta e o lado direito da expressão principal cresce mais rapidamente
do que o lado esquerdo. Portanto, o crescimento econômico reduziria o dissenso.
O nível de redistribuição pelo governo também é importante no modelo. O lado
direito da expressão inclui o gasto redistributivo do governo como parte da
renda total do indivíduo (τya); conseqüentemente, quanto mais alto o nível de
redistribuição, mais baixo o nível do protesto, pois a opção de não participar
se torna mais atraente.
Finalmente, também temos de considerar os efeitos do nível de desenvolvimento,
captado pelo PIB per capita, sobre o cálculo da decisão. O desenvolvimento
econômico carrega muitas mudanças estruturais e sociais que podem provocar o
dissenso: aumenta o nível de complexidade social, envolve mais industrialização
e urbanização; portanto, mais conflitos distributivos e assim por diante.
Seguindo nossa simples situação formal, a implicação direta que deveríamos
extrair daí seria que um nível mais alto de desenvolvimento implicaria um Y
maior; logo, um "bolo" maior para distribuir entre os pobres depois da mudança
de regime. Esperaríamos assim uma relação positiva entre PIB per capita e
protesto político; porém, essa é apenas a primeira parte da hipótese. Afirmamos
que, quando ocorre alguma mudança radical, há sempre algum custo (λno modelo)
no nível da riqueza total na sociedade. Esse custo é uma função positiva do
nível de desenvolvimento, de modo queλ=λ(Y), em que
e assim, em níveis mais altos do PIB per capita, tal custo aumenta. A
hipótese é de que há um determinado limiar a partir do qual esse custo se torna
tão alto que não protestar constitui a melhor estratégia, uma vez que os
riscos, ao voltar-se contra o regime, são demasiados. Espera-se, portanto, uma
relação de curva em U invertido entre PIB per capita e protesto.
Argumento complementar consideraria o efeito da desigualdade sobre o protesto.
Segundo a teoria da privação relativa, o dissenso e a violência política
resultam da frustração social que aparece quando os resultados experimentados
pelos indivíduos são inferiores àqueles que eles esperariam receber ou sentem
que mereceriam (Gurr, 1970; Feierabend, Feierabend e Gurr, 1972; Davis, 1999).
A desigualdade seria o exemplo mais claro. Em níveis muito baixos de
desenvolvimento, quando as economias são em sua maioria agrárias, os níveis de
desigualdade e o protesto permanecem baixos. Ao começar o processo de
industrialização, a desigualdade aumenta, assim como os conflitos sobre a
distribuição. Outra vez, em níveis muito altos de desenvolvimento, a
desigualdade, ainda que existente, é mitigada pelo Estado. Esse argumento
reforça nossa relação predita em forma de U invertido entre o desenvolvimento
econômico e o dissenso12.
O caso especial dos Estados rentistas, presentes sobretudo no Oriente Médio e
na África, deve também ser considerado como variável de controle. Nesses casos,
a abundância de recursos naturais e, conseqüentemente, os enormes fluxos de
receita não-provenientes de impostos permitem cobrar tributos da população em
níveis muito baixos, distribuir rendas e, como resultado, reduzir o conflito
político (Karl, 1997; Smith, 2004). Independentemente disso, a teoria do Estado
rentista produz duas outras linhas com conseqüências preditas opostas sobre o
dissenso. A primeira desenvolve a proposição de que tal abundância de recursos
exploráveis fomenta Estados predadores, maiores conflitos distributivos e,
então, a militarização da política13. A segunda relaciona rendas maiores ao
comportamento de busca de mais rendas e à corrupção. Como diz Okruhlik (1999:
297), "a riqueza gerada pelas receitas do petróleo é um catalisador para a
oposição ao Estado, mais do que uma ferramenta para aplacar o dissenso, por
duas razões. Ela é distribuída de maneira desigual [...] e dá aos opositores
potenciais os recursos necessários para a mobilização contra os regimes".
Por essas razões, espera-se que esses Estados (exportadores de petróleo e de
minérios) sofram mais protestos e violência política14.
Fatores Estruturais
Essa abordagem salienta o papel que certas estruturas subjacentes aos países
individuais desempenham na determinação dos níveis de protesto e/ou de
violência. Em regimes autoritários, dois fatores principais devem ser
considerados: o conflito étnico e a herança de instituições prévias.
A teoria da dominância étnica afirma que os controles político e econômico de
um grupo hegemônico podem provocar o protesto de grupos menores excluídos. Como
se pode facilmente perceber, isso é inteiramente compatível com uma possível
sub-hipótese derivada da abordagem da privação relativa mencionada
anteriormente.
Há muitos casos em que uma minoria étnica domina outro grupo étnico maior (por
exemplo, o apartheid sul-africano). Espera-se que esse segundo grupo seja mais
afeito ao protesto e à rebelião dada sua população mais numerosa. Por outro
lado, também se tem afirmado que a etnicidade pode ajudar a resolver problemas
de ação coletiva na medida em que reduz os custos de informação e facilita a
coordenação dos grupos; assim, nas mesmas circunstâncias, a maior homogeneidade
étnica tornaria mais prováveis a organização e o êxito do protesto.
Em relação à natureza do regime anterior, durante períodos democráticos, a
sociedade civil pode se organizar e participar livremente. Se essa democracia
for derrubada, muitos grupos e organizações de outrora tentarão dar
continuidade a suas atividades, ainda que clandestinamente. Afinal, certa
cultura democrática foi criada, e imaginamos que não seja fácil apagá-la.
Alternativamente, envolvimento em alguma guerra (qualquer que seja seu tipo)
também é capaz de aumentar o protesto. O esforço de guerra pode enfraquecer a
coerção do regime, ao passo que a instabilidade política pode fazer com que a
oposição perceba a existência de um contexto favorável para a mudança de regime
(acima de tudo se for uma guerra civil ou interna), aumentando, portanto, o
valor de p na expressão mostrada anteriormente.
Difusão Política
É possível que surjam protestos internos em países por causa da difusão desses
processos pelos países. Ondas de protesto que ocorrem em sociedades próximas
podem servir como inspiração ou exemplo de como agir em circunstâncias
semelhantes, de tal forma que os movimentos sociais podem ser entendidos "como
conjuntos inter-relacionados de processos de difusão" (Oliver e Myers, 1998:2).
Ou simplesmente precedentes internacionais podem servir para ampliar o âmbito
de potenciais ações empreendidas que não tenham sido consideradas anteriormente
por possíveis ativistas diante das mesmas condições econômicas ou políticas15.
Um exemplo claro é o da Europa Oriental, em 1989, que levou à disseminação de
protestos pró-democracia em muitos países. Bratton e Van de Walle (1997) também
mostram que, no continente africano, o protesto era mais freqüente em países
com maior número de vizinhos contíguos: "Essa medida supõe que, quanto mais
fronteiras internacionais tinha um país, tanto mais sua população seria
suscetível a efeitos políticos de manifestação" (ibidem:137). Assim, os
tumultos que levaram à derrota da Frente de Libertação Nacional, na Argélia,
tiveram grande influência em outros países islâmicos. As demandas por
democracia na Costa do Marfim constituíram um bom exemplo para as mobilizações
posteriores no Mali, organizadas pelo Committee for Democratic Initiative
[Comitê pela Iniciativa Democrática] e pela Alliance for Democracy [Aliança
pela Democracia] (Bratton e Van de Walle, 1997).
DADOS E VARIÁVEIS
Países e Períodos
O conjunto de dados comparativos em séries temporais, utilizado para testar as
diferentes hipóteses, cobre o período de 1950 a 1990 e foi coletado a partir de
Banks (1996), do World Development Indicators, do Banco Mundial (The World
Bank, 2000), e sobretudo da base de dados ACLP16.
Os países incluídos na análise são: África do Sul, Angola, Argélia, Benin,
Botsuana, Burkina Faso, Burundi, Cabo Verde, Camarões, Chade, Comoros, Congo,
Costa do Marfim, Djibouti, Egito, Etiópia, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-
Bissau, Lesoto, Libéria, Madagascar, Malaui, Mali, Marrocos, Mauritânia,
Moçambique, Niger, Nigéria, Quênia, República Centro-Africana, Ruanda, Senegal,
Seicheles, Serra Leoa, Somália, Sudão, Suazilândia, Tanzânia, Togo, Tunísia,
Uganda, Zaire, Zâmbia, Zimbábue, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras,
México, Nicarágua, Panamá, República Dominicana, Argentina, Brasil, Chile,
Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai, Venezuela, Bangladesh,
China, Coréia do Sul, Filipinas, Iêmen, Indonésia, Irã, Iraque, Jordânia, Laos,
Malásia, Mongólia, Mianmar, Nepal, Paquistão, Cingapura, Síria, Sri Lanka,
Tailândia, Taiwan, Alemanha Oriental, Bulgária, Espanha, Grécia, Hungria,
Iugoslávia, Polônia, Portugal, Romênia, Tchecoslováquia, Turquia, União
Soviética, Fidji e Samoa Ocidental. A amostra pode variar por falta de
informações.
Variáveis Dependentes
As duas variáveis dependentes utilizadas neste artigo são: 1) o número de
manifestações, definidas como reuniões públicas pacíficas de pelo menos cem
pessoas para o fim específico de exibir ou dar voz à sua oposição a políticas
ou à autoridade do governo, excluídas as manifestações de clara natureza
antiestrangeira; 2) o número de tumultos, ou seja, manifestações violentas ou
embates entre mais de cem cidadãos envolvendo o uso de força física. Ambas as
variáveis foram compiladas a partir de Banks (1996).
Variáveis Independentes
As principais variáveis independentes incluídas na análise empírica buscam
capturar todos os aspectos esboçados no referencial teórico anterior e são as
seguintes:
- Crescimento econômico: medido pela taxa anual de crescimento da
renda per capita. Seguindo o simples modelo descrito, espera-se uma
relação negativa entre crescimento e protesto.
- PIB real per capita e seu quadrado, para testar a relação de curva
em U invertido.
- Repressão: medida pelo número de expurgos, ou seja, quaisquer
eliminações por prisão ou execução de oposição política dentro dos
quadros do regime ou da oposição. Para testar a relação não-linear, o
quadrado do número de expurgos também será incluído. O número de
assassinatos ou de tentativas de assassinato de altos funcionários ou
políticos do governo será considerado para testar se a atmosfera de
instabilidade gerada aumenta o número de atividades de protesto. Para
aferir o nível de repressão por parte do governo, também se utilizou
o índice de liberdade política (bem como o quadrado do índice, para
captar a não-linearidade potencial do efeito) da Freedom House.
- O número médio de manifestações e tumultos por ano em cada região,
a fim de testar a existência de algum tipo de difusão dessas
atividades de participação.
- População urbana como porcentagem da população total, para testar
as abordagens da mobilização de recursos.
- Composição étnica: porcentagem do maior grupo étnico no total da
população.
- Democracia prévia: variável dummy codificada como 1 se o país tiver
sido uma democracia em qualquer momento antes de sua entrada na
amostra; do contrário, 0.
- Dispêndio governamental: participação real do governo como
porcentagem do PIB (em preços internacionais de 1985). É utilizada
como indicador indireto do nível de redistribuição existente no país.
Compilada a partir das Penn World Tables.
- Instituições ditatoriais: classificação das ditaduras por
instituições: 1) ditadura plenamente institucionalizada, com
legislatura e vários partidos; 2) ditadura semi-institucionalizada,
com legislatura ou partido único, ou ambos; 3) ditadura não-
institucionalizada, sem legislatura nem partidos. A categoria de
referência é a primeira.
- País exportador de petróleo: variável dummy codificada como 1 se a
proporção média das exportações de petróleo sobre o total em 1990-
1993 tiver excedido 50%; do contrário, 0. Essa variável é incluída
para testar a validez do modelo do Estado rentista.
- País exportador de minérios: variável dummy codificada como 1 se a
proporção média da exportação de minérios sobre o total em qualquer
ano para o qual o país tenha dados tiver excedido 50%; do contrário,
0. Também incluída para testar o modelo do Estado rentista.
- Guerra: variável dummy codificada como 1 se tiver havido guerra de
qualquer tipo (internacional ou civil); do contrário, 0.
- Região: variável dummy. A categoria de referência é "América Latina
ou Caribe".
MODELOS E RESULTADOS: ANÁLISE COMPARATIVA DE SÉRIES TEMPORAIS
Protestos Violento e Não-Violento em Regimes Ditatoriais
Não deve surpreender que tenha havido mais tumultos e manifestações contra o
regime em democracias do que em ditaduras. De 1950 a 1995, as democracias
tiveram uma média de 0,76 manifestação e 0,87 tumulto por ano, enquanto as
ditaduras tiveram, respectivamente, 0,49 e 0,50.
O foco deste artigo está nas formas de participação política (violenta e não-
violenta) que têm lugar em regimes autoritários. Uma distinção comum feita
entre sistemas autoritários atenta para o tipo de chefe de Estado efetivo. Na
Tabela_1, são apresentadas as principais estatísticas descritivas para o
período inteiro das duas variáveis dependentes para diferentes tipos de
ditador.
Regimes militares enfrentam níveis mais altos dos dois tipos de protesto do que
os regimes monárquicos e civis. Os regimes militares têm maior dificuldade em
serem aceitos pelos cidadãos, pois lhes falta praticamente qualquer tipo de
legitimidade, uma vez que derrubaram o regime previamente existente por um
golpe de Estado e passaram a se basear na repressão e na violência. Já os
monarcas se baseiam na tradição e em sistemas sociais fechados. Na categoria de
ditaduras civis, encontramos uma grande variedade de dirigentes em função dos
diferentes tipos de chefe de Estado, que podem incluir, como presidentes
"eternos" - indivíduos que alguma vez venceram uma eleição -, chefes do partido
governante, líderes personalistas e assim por diante.
Observando diferentes períodos, o maior número de manifestações se concentra
durante os anos 1950 e, sobretudo, durante os anos 1980 (0,67 e 0,74 em média,
respectivamente). Os anos 1950 compreenderam uma década em que se realizaram
muitos dos processos de independência de colônias em diversas regiões, algumas
das quais levaram ao estabelecimento de ditaduras e à instabilidade pós-
colonial (Gana, Malásia e Cingapura em 1957; Guiné em 1958; Marrocos, Sudão e
Tunísia em 1956, e assim por diante). Foi no final dos anos 1980 que aconteceu
o colapso da antiga União Soviética e começaram as transições dos antigos
países comunistas. O Gráfico_1 mostra as médias anuais de ambos os tipos de
protesto político.
O número de tumultos durante essas décadas permaneceu mais ou menos constante;
apenas na década de 1960, ele aumenta um pouco, dada a quantidade de processos
de independência que ocorreram também nesse período (Argélia, Botsuana,
Camarões, Quênia, Gâmbia), alguns dos quais particularmente violentos e
seguidos de instabilidade política crônica.
Ditaduras experimentam longos períodos de paz e de calmaria social. Entretanto,
quando ocorrem episódios de protesto, estes em geral acionam mudanças nas
preferências das pessoas que levam a períodos de grande instabilidade (Kuran,
1995). Por exemplo, a China teve 32 tumultos em 1967 e o Zaire 17 durante os
anos 1960; a África do Sul teve 26 manifestações contra o regime em 1985 e a
Tchecoslováquia 19 no famoso levante de 1969.
Manifestações Contra o Regime
Dada a natureza comparativa em séries temporais dos dados aqui utilizados, a
estimativa dos "modelos de manifestação" foi feita usando os erros-padrão
corrigidos do painel de Beck e Katz (1995), incluindo dummies para controlar os
efeitos regionais. O modelo de base também inclui a variável dependente com um
ano de defasagem para testar se o protesto tenderia a ser um processo
autogerador de curto prazo. A Tabela_2 mostra os resultados dos modelos de
regressão com especificações ligeiramente diferentes para checar a robustez das
estimativas.
Os resultados empíricos confirmam amplamente as principais hipóteses expostas
na primeira seção, ou pelo menos ajudam a decidir entre duas delas. O efeito
das variáveis econômicas é aquele previsto pelo modelo na subseção Condições
Econômicas e Sociais (p. 724) em todos os casos e modelos analisados: o
crescimento econômico reduz o nível de curto prazo do protesto ao aumentar a
renda disponível pelo povo e, assim, seu bem-estar no regime corrente; ao mesmo
tempo, aumenta os custos de oportunidade da participação em tais atividades17.
Recusa-se, então, a teoria da desorganização social, que predizia precisamente
o efeito oposto. O dispêndio governamental, tomado como indicador indireto do
nível de redistribuição, também mostra o sinal predito e é altamente
significativo, provando que aumentar o bem-estar do povo por meio do Estado
também reduz o dissenso. Finalmente, a relação de curva em U invertido entre o
nível de desenvolvimento e o número de manifestações também foi confirmada,
como mostra o coeficiente negativo e significativo do quadrado do PIB per
capita. Isso apóia o modelo apresentado e também a descrição mais geral
relacionada às teorias da privação relativa, ou seja, aquela que relaciona o
desenvolvimento à desigualdade e esta ao protesto18.
Sobre a relação entre repressão e dissenso, as estimativas confirmam os
resultados obtidos por Gupta, Singh e Sprague (1993): em regimes autoritários,
não há uma relação não-linear de curva em U invertido entre coerção e dissenso
(nesse caso, manifestações). "Repressão" foi medida usando duas diferentes
variáveis, "expurgos" e "índice de liberdade política" (evidentemente, só para
ditaduras), e ambas dão o mesmo resultado sem alterar consideravelmente os
coeficientes das demais variáveis no modelo, como pode ser facilmente checado.
O número de assassinatos políticos também foi incluído nos modelos, em uma
tentativa de avaliar o nível de instabilidade do regime. O assassinato de um
alto funcionário ou político do governo pode ser um indicativo para o povo de
que o regime está vulnerável e, assim, alterar o cálculo de sua capacidade
repressiva19. De qualquer modo, o coeficiente, embora positivo, como predito,
só é significativo em três dos cinco modelos, de modo que sua importância é
apenas moderada.
A variável que captura a difusão política do protesto é positiva e altamente
significativa em todas as especificações. A média de protestos foi calculada
para cada região, uma vez que se supõe que, quanto mais próximos os países, é
mais provável que seus efeitos possam se estender às outras sociedades por duas
razões principais: 1) a proximidade facilita os fluxos de informação e,
portanto, o conhecimento sobre o que está acontecendo em outros países; 2)
países na mesma região têm a possibilidade de compartilhar condições econômicas
e políticas semelhantes, que podem alimentar o dissenso político. O coeficiente
dessa variável é sempre maior do que 0,68.
É claro que, nominalmente, instituições democráticas fazem diferença mesmo em
ditaduras, em que são de fato criadas para realizar funções muito diferentes
das realizadas nas democracias. Como observado anteriormente, regimes
autoritários procuram cooptar a oposição integrando-a ao ambiente
institucional, de modo que agrados e privilégios possam ser distribuídos e
concessões políticas oferecidas (Gandhi e Przeworski, 2006). Os resultados,
porém, parecem bem estranhos. A categoria com o nível mais baixo de protestos é
a ditadura semi-institucionalizada e, em seguida, a não-institucionalizada
(ambos os coeficientes são significativos)20. Isso pareceria confirmar a
hipótese da tolerância, mas não completamente. O que de fato observamos é uma
espécie de relação curvilinear entre o grau de institucionalização do regime e
a mobilização popular. Tanto regimes com apenas uma instituição quanto aqueles
sem nenhuma apresentam níveis de protesto significativamente mais baixos do que
regimes com legislaturas multipartidárias. Regimes autoritários, com sistemas
de partido único ou com uma legislatura, aparecem como a configuração
institucional mais estável21. Demandas podem ser expressas, preferências
reveladas e acordos políticos alcançados por meio de legislaturas22. Em regimes
de partido único, "um único partido é um instrumento através do qual o regime
pode penetrar e controlar a sociedade" (Gandhi e Przeworski, 2007:1283). Além
disso, amplos setores da população podem ser integrados ao que Kasza (1995)
chama de "organizações de massa administradas", que são "organizações formais
estruturadas e gerenciadas pelo aparato dirigente do Estado para dar forma à
ação social de massa com o propósito de implementar políticas públicas"
(ibidem:218). Essas organizações ampliam o controle do Estado de muitas
maneiras diferentes, nomeadamente, segundo Kasza (1995): dependência material,
consumo de tempo, organização do apoio, escritórios e honrarias, e
administração local autodirigida. Em contrapartida, autocracias plenamente
institucionalizadas apresentam os mais altos níveis de mobilização da oposição.
Nesse caso, a permissão de um nível limitado de autonomia organizacional por
autoridades do regime dá aos membros da oposição mais espaço para organizar e
coordenar grupos previamente latentes e clandestinos. Paralelamente a isso,
segundo a teoria da mobilização de recursos, a possibilidade de organizar
aumenta os recursos da oposição e, como resultado, seu nível de mobilização.
Por outro lado, o nível de urbanização não tem poder sobre o número de
manifestações, embora seu efeito possa ser capturado pelo PIB per capita.
Fatores estruturais são indiscutivelmente importantes e seguem o padrão
descrito na seção Teoria e Hipóteses. As três variáveis que os capturam são
significativas e têm os sinais esperados. Ter sido uma democracia e, portanto,
ter herdado uma cultura democrática torna o protesto mais viável e abundante
depois de estabelecida a ditadura por 0,3-0,4 ponto.
No que tange ao tempo de guerra, a atmosfera de instabilidade provocada pode
fazer com que a oposição perceba que a derrubada do regime ficou mais próxima,
de tal modo que ela decida aumentar o nível de protesto e, assim, de pressão
sobre a elite dirigente para mudar o regime político. Finalmente, quanto mais
numeroso é o principal grupo étnico, mais manifestações encontramos (ver a
subseção Fatores Estruturais, p. 728).
A respeito dos modelos de Estado rentista, os resultados confirmam, pelo menos
parcialmente, as afirmações básicas. A dummy do petróleo não é significativa
sob qualquer especificação da equação, enquanto a dummy da exportação de
minérios o é. Países exportadores de minérios (e autoritários), situados
sobretudo na África, são muito instáveis em função das lutas constantes pelo
controle do Estado e das rendas externas que provêm dos recursos minerais.
Comportamento predatório generalizado e corrupção aumentam o descontentamento
entre os cidadãos e, por conseguinte, o protesto político. Ditaduras
exportadoras de petróleo podem gerar níveis mais altos de obediência em função
das alíquotas de imposto menores e de seu PIB per capita muito mais elevado. Em
contrapartida, os efeitos econômicos e políticos de recursos saqueáveis
(crescimento lento, corrupção e personalismo), como exportações minerais, criam
um campo fértil para o conflito fundado no descontentamento.
Finalmente, a variável dependente defasada é positiva e altamente significativa
(os coeficientes são sempre maiores do que 0,44), o que confirma a idéia de
protesto como um processo autogerador de curto prazo, de modo que o nível do
protesto passado influencia seu nível atual (a relação de longo prazo foi
testada negativamente por Lichbach e Gurr, 1981)23.
Protesto Violento: Tumultos em Regimes Autoritários
Em Temporalidade e Relação Violência/Não-Violência (p. 723), foi suposto que a
relação de substituição entre protesto não-violento e violento não podia ser
bidirecional. Minha hipótese é, então, que os dois tipos de atividade caminham
juntos, ou seja, estão positivamente relacionados, mas apenas em uma direção.
Resumindo: o protesto não-violento será um dos principais determinantes do
nível de protesto violento naquele período, medido pelo número de tumultos. A
Tabela_3 mostra os coeficientes estimados dos dois tipos de modelo.
O Modelo 1 foi estimado usando a mesma especificação utilizada nos modelos para
as manifestações, ou seja, os erros-padrão corrigidos por painéis com dummies
para regiões24. Os resultados são muito semelhantes àqueles obtidos nos modelos
para manifestações. Assim, pareceria que os dois tipos de atividade (violenta e
não-violenta) derivam dos mesmos fatores explicativos, mas isso é apenas
parcialmente verdadeiro. A maioria dessas variáveis está por trás das
atividades violentas, mas apenas porque determinam o protesto não-violento, que
é também o principal determinante dos tumultos. Comparemos, por exemplo, o R2
dos dois tipos de protesto: o R2 dos modelos de manifestação é quase o dobro do
R2 das regressões de tumulto; portanto, algo está faltando nesse modelo. Se
ambas as variáveis dependentes fossem causadas absolutamente pelos mesmos
fatores, esperaríamos um poder explicativo mais parecido das co-variantes do
lado direito.
No Modelo 2, a variável "média regional de tumultos" por ano foi incluída para
testar a presença da difusão, como foi feito no caso das manifestações. O
coeficiente de 0,656 é significativo e positivo, como esperado. Outra vez, o
que está ocorrendo em outros países dentro da região parece ter influência
importante também sobre o protesto doméstico violento.
O número de manifestações foi incluído como variável independente no Modelo 3
(e também nos Modelos 4 e 5). A despeito da alta correlação contemporânea, as
principais variáveis continuam significativas e o coeficiente do número de
manifestações é positivo e significativo. Um aumento de um ponto no número de
manifestações aumenta 0,54 ponto no número de tumultos, controladas as demais
variáveis. O efeito do mecanismo de difusão política é ainda forte (β= 0,468).
O nível de desenvolvimento não se revela significativo, embora a população
urbana (como porcentagem da população total) o seja.
O Modelo 4 mostra os resultados de uma estimação de efeitos aleatórios de
Mínimos Quadrados em Dois Estágios - MQ2E utilizando variáveis instrumentadas.
O Modelo 5 apresenta a mesma especificação, mas usando os MQ2E dentro do
estimador, ou seja, efeitos fixos25. Neles, a variável independente
"manifestações" é instrumentada por sua defasagem e, como é usual, pelas
restantes variáveis independentes incluídas nos modelos explicativos de
tumultos.
Os modelos de MQ2E confirmam a hipótese sublinhada no início desta seção,
contradizendo os resultados de Moore (1998), que apoiavam a proposição de
substituição bidirecional de Lichbach (1987). "Manifestações" são um dos
principais determinantes de tumultos no período corrente, mais ainda do que a
variável dependente defasada. O coeficiente da variável "manifestações" é de
aproximadamente 0,26, enquanto o da defasada é de aproximadamente 0,1 (tendo em
mente que ambas são medidas da mesma forma, de modo que os coeficientes são
comparáveis). O que esse resultado nos diz é que os tumultos não são altamente
autogeradores, mas derivam acima de tudo do protesto não-violento26. Note-se
que a relevância explicativa de algumas das variáveis desaparece e que o R2
geral mais do que dobra.
No modelo de efeitos aleatórios (Modelo 3), em que as variáveis invariantes no
tempo não são excluídas, as variáveis independentes que mantêm sua significação
são: repressão (captada por expurgos); crescimento econômico; participação do
governo; as instituições ditatoriais (semi-institucionalizada e não-
institucionalizada); e o nível de desenvolvimento (PIB per capita).
O crescimento econômico aparece como o grande fator preventivo do protesto e da
violência na medida em que tanto aumenta a renda quanto faz subirem os custos
de oportunidade de tomar parte em qualquer atividade de protesto. Ao contrário,
o nível de desenvolvimento não faz diferença na explicação dos episódios
violentos no modelo de efeitos fixos e seu coeficiente encolhe no de efeitos
aleatórios.
Surpreendentemente, a curva em U invertido para a variável repressão vale para
tumultos; portanto, a repressão não é apenas relevante para explicar
manifestações, mas também para determinar os níveis de violência que podem
ocorrer uma vez iniciada a dissensão. Por outro lado, o padrão encontrado para
as instituições nos modelos das manifestações também se faz presente aqui, ou
seja, as ditaduras que experimentam os níveis mais baixos de conflito são
aquelas semi-institucionalizadas, enquanto aquelas plenamente
institucionalizadas (com múltiplos partidos no Legislativo) apresentam os
níveis mais elevados de atividades participativas. O governo também pode
desempenhar outro papel ativo e direto na moderação da violência, aumentando o
nível de redistribuição, como mostra claramente o coeficiente, negativo e
significativo, da participação governamental, de -0,010. Finalmente, a
instabilidade e a fraqueza do regime, provocadas pela guerra, aumentam o número
de protestos violentos, mas não são significativas.
Os modelos de efeitos fixos produzem resultados que são ligeiramente diferentes
daqueles que obtivemos do modelo de efeitos aleatórios; além disso, como foi
dito, têm a desvantagem de excluir as variáveis independentes invariantes no
tempo. A maior divergência entre os dois modelos é que, no de efeitos fixos,
uma das variáveis para as instituições ditatoriais não é significativa, assim
como o nível de desenvolvimento. Os demais coeficientes, que já eram
significativos, têm os mesmos sinais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A participação é uma característica-chave em regimes democráticos, pois o povo
tem o direito de protestar e de expressar sua opinião. No entanto, regimes não-
democráticos ainda dominam grande parcela da população do mundo que, em
conseqüência, não pode viver e se expressar de maneira inteiramente livre. De
qualquer modo, pessoas que vivem nesses regimes protestam, algumas vezes
pacificamente, outras violentamente. Este artigo tratou de explicitar sob que
condições as pessoas participam em regimes autoritários, descrevendo modelos
explicativos tanto para protesto violento quanto para não-violento.
A fim de testar as teorias e hipóteses em relação ao dissenso popular, um
grande número de dados comparativos em séries temporais foi montado, contendo
mais de cem países e 120 regimes autoritários para o período entre 1950 e 1990.
Os resultados dos modelos de regressão confirmam as hipóteses principais. O
simples modelo econômico desenvolvido na seção intitulada Condições Econômicas
e Sociais (p. 724) foi amplamente confirmado. O crescimento econômico reduz
tanto o protesto não-violento quanto o violento, aumentando os custos de
oportunidade dessas atividades e a renda disponível do povo, em uma relação de
curva em U invertido entre o número de manifestações e o PIB per capita (ou
seja, o desenvolvimento econômico), que apóia tanto as proposições dos modelos
quanto a versão mais simples da teoria da privação relativa. Esta afirma que,
como a desigualdade é maior nos países de médio desenvolvimento cuja
participação do setor industrial é o principal componente do PIB, é nesses
países que os conflitos distribucionais surgem com maior probabilidade e, com
eles, o dissenso e o protesto popular. Finalmente, o papel redistributivo do
Estado é também importante para a redução do conflito. A redistribuição foi
medida pela participação real do governo como porcentagem do PIB e seu
coeficiente é negativo, o que reduz o dissenso, e altamente significativo tanto
nos modelos de protesto violento quanto nos não-violentos. Por outro lado,
teorias da desorganização social foram totalmente rejeitadas depois da análise
empírica.
Instituições ditatoriais são criadas para cooptar, mas, ao mesmo tempo, como
permitem que a oposição se organize, o conflito e o dissenso podem se alastrar.
As ditaduras mais eficazes são as semi-institucionalizadas, ou seja, aquelas
com apenas um partido e/ou uma legislatura; nesse caso, o papel encapsulador
dessas trincheiras pseudodemocráticas é desempenhado de modo eficaz. Em regimes
plenamente institucionalizados, à medida que a tolerância aumenta e a força e
os recursos organizacionais da oposição são superiores, o número de atividades
de participação é significativamente mais alto do que nas outras duas
categorias.
Sobre a relação repressão/dissenso, os resultados apóiam as conclusões
alcançadas por Gupta, Singh e Sprague (1993) de que há uma relação de curva em
U invertido entre essas duas variáveis em regimes autoritários. Essa conclusão
vale tanto para ações não-violentas quanto violentas. Além disso, tanto as
manifestações quanto os tumultos são processos autogeradores cujos níveis
atuais dependem dos níveis passados, mas essa relação é mais forte no caso das
manifestações. A razão é que o número atual de tumultos é determinado sobretudo
pelos níveis atuais de manifestações, ou seja, há uma forte relação positiva
entre eles.
O que acontece em outros países da mesma região geográfica é também um
importante determinante dos níveis de protesto. Parece haver algum tipo de
efeito contágio, ou bola de neve, pelo menos no âmbito regional. O número médio
de manifestações e tumultos por ano dentro de uma região tem um efeito
importante e positivo sobre o nível de protesto em um dado país.
Os assim chamados efeitos estruturais também se provaram importantes na
determinação dos níveis de protesto. Ter sido uma democracia aumenta o número
de manifestações. Ser uma ditadura exportadora de minérios também aumenta o
dissenso; ao contrário, a dummy de exportação de petróleo não é significativa.
Finalmente, períodos de guerra são também períodos de protesto e tumultos. Além
de enfraquecer a capacidade de controle do Estado (uma vez que grande parte dos
recursos é necessária para a luta), a guerra pode tornar a mudança de regime
aparentemente mais provável e, com isso, fomentar as atividades de
participação.
NOTAS
1. Em algumas delas é somente uma pessoa que controla todo o poder, por
exemplo, o caudilho, o Führer, o Duce, o rei, e assim por diante; em outras,
porém, o poder é compartilhado por um pequeno grupo de pessoas, por exemplo,
Juntas Militares, Politburos, Conselhos de Salvação Nacional etc.
2. Sobre os limites probabilísticos ao poder e à atividade predatória dos
ditadores, ver, por exemplo, Acemoglu e Robinson (2005), Findlay (1990),
Grossman e Noh (1994) e Robinson (2000).
3. Neste artigo, não será feita a distinção entre os conceitos de ditadura,
"regime autoritário" e "regime autocrático", considerando, então, que todos
eles se referem ao mesmo conceito: regimes não-democráticos.
4. Os dados e variáveis dependentes serão descritos a seguir.
5. Ver também Bertocchi e Spagat (2001) para um modelo formal de cooptação e
para uma aplicação ao caso das privatizações pós-comunistas.
6. Ver também Muller e Weede (1990).
7. Os casos de que extraiu seus dados de séries temporais são: a República
Democrática Alemã, a Tchecoslováquia e a Intifada Palestina. Para um belo
estudo da Europa Oriental em 1989, ver Karklins e Petersen (1993).
8. Aqui utilizo a codificação de regimes realizada por Przeworski et alii
(2000) tomando apenas aqueles codificados como "ditaduras" em seu conjunto de
dados.
9. Para um uso mais recente das relações de curto e longo prazos entre
repressão e dissensão no caso da Revolução Iraniana, ver Rasler (1996). Usando
modelos Poisson de regressão, ele mostra que a repressão tinha um efeito
negativo de curto prazo e um efeito positivo de longo prazo sobre os níveis
totais de protesto por meio da influência da repressão sobre a difusão
espacial.
10. Isso implicaria impor uma alíquota de imposto mais alta (digamos,
τ') e, portanto, mais redistribuição do que no governo autoritário ou em um
Estado pós-revolucionário, em que os recursos são distribuídos entre os pobres.
Ver Boix (2003) para um modelo da teoria dos jogos completo e abrangente sobre
as conseqüências distribucionais de regimes políticos e transições para a
democracia.
11. É fácil ver que <formula/>, e que ya é a renda
média.
12. Os únicos dados que temos sobre desigualdade (medida usando um índice de
Gini) em um formato de séries temporais comparadas são os de Deininger e Squire
(1996), mas seu grau de confiabilidade é controverso. Por isso, o PIB per
capita será utilizado como melhor indicador indireto.
13. Ver, entre outros, Collier e Hoeffler (2002) e Humphreys (2005).
14. Para uma avaliação crítica da teoria do Estado rentista, ver DiJohn (2002).
15. Sobre difusão e comunicação, ver, por exemplo, Myers (2000).
16. Base de dados desenvolvida por Przeworski et alii (2000).
17. Embora não apresentada aqui, a variável "crescimento da população" foi
também incluída em alguns dos modelos a fim de testar a validez da teoria da
desorganização social. Os coeficientes obtidos não foram significativos em
nenhum desses modelos e, levando em consideração o sinal negativo da variável
"crescimento econômico", a teoria da desorganização social não é suportada pela
grande base de dados nem pelas análises empíricas. Uma variável dummy para a
ocorrência de qualquer tipo de eleição foi também incluída para testar se
poderia gerar protesto contra os resultados (sempre favorável para o autocrata
em exercício), mas não foi significativa, nem com defasagem.
18. Davis (1999) trata de testar mais amplamente essas teorias incluindo, de um
lado, interações entre os níveis educacionais, o índice de direitos políticos e
o nível de desenvolvimento; de outro, entre o nível de desenvolvimento e o
índice de direitos políticos. Nenhum deles é estatisticamente significativo em
sua análise. Sua hipótese é a de que a privação e, depois, o conflito
apareceriam sobretudo "quando uma população que é relativamente rica e bem-
educada é confrontada com um sistema político repressivo e autocrático"
(ibidem:13).
19. Isso implicaria um aumento de p (probabilidade de mudança) na especificação
básica.
20. Lembre-se de que a categoria de referência é a ditadura plenamente
institucionalizada.
21. Ver, por exemplo, Brooker (1995) para alguns estudos concretos de Estados
de partido único.
22. Em sua análise do Soviete Supremo, Vanneman afirma que, no âmbito
legislativo, o sistema de subcomissões recentemente criado se tornou "um meio
eficaz de combinar amostragem de opinião pública com amostragem de
especialização" (1977:162).
23. O modelo foi também computado incluindo mais defasagens, mas não foram
significativas.
24. Não apresentei os coeficientes para essas dummies na tabela. As duas
regiões que são estatisticamente significativas são a África e o sul da Ásia.
25. Esse tipo de estimativa exclui variáveis invariantes no tempo. Portanto,
"grupo étnico" e "país exportador de minério" não foram computados.
26. Modelo alternativo foi também testado usando MQ2E, em que "manifestações"
era a variável dependente e "tumultos" uma das independentes (instrumentada).
Os resultados mostraram que "tumultos" não tinham influência sobre
"manifestações", confirmando a direção causal proposta neste texto.