Equidade na Educação Superior no Brasil: Uma Análise Multinomial das Políticas
Públicas de Acesso
INTRODUÇÃO
O estudante típico do ensino superior no Brasil é mulher, branca, estuda em uma
instituição de ensino superior (IES) privada, no período noturno, em curso de
bacharelado de Ciências Sociais Aplicadas; tem renda familiar de até 10
salários mínimos, trabalha e não recebe qualquer benefício público para
financiar sua educação (Inep,_2014a; Inep,_2014b).
A educação superior, ao longo de sua história, teve predominância das IES
privadas (Moehlecke,_2004). Enquanto gratuitas, IES públicas têm vantagens
competitivas na atração dos alunos. Assim, ao longo da história, observou-se a
constituição de uma elite de maior renda e com resultados de qualidade de
educação percebidos como superiores na rede pública (Cunha,_2004). Essa
elitização refletia processos de desigualdade socioeconômica presentes também
em outras esferas da sociedade, inclusive na formação educacional precedente ao
ensino superior.
Ao fim dos anos 1990 o ensino público começou a sofrer influência das políticas
de ação afirmativa. Em 2012 essa política teve forte expansão, dada a lei que
define que 50% das vagas das IES federais devem ser destinadas a alunos
cotistas (Presidência,_2012). Porém, o sistema público abrange não mais que 25%
da oferta de vagas. Para discutir a equidade de acesso ao ensino superior no
Brasil é essencial considerar os mecanismos de acesso de forma integrada,
considerando tanto políticas para IES públicas como privadas.
O objetivo deste artigo é analisar o acesso ao ensino superior no Brasil a
partir de critérios de justiça distributiva, mais especificamente, da abordagem
de igualdade de oportunidades. Contribuições particulares deste trabalho estão
justamente no embasamento da abordagem de igualdade de oportunidades e no
enfoque integrado. Não se trata de fazer uma avaliação aprofundada de cada uma
das políticas em suas diversas implicações e problemáticas, a saber, o Programa
Universidade para Todos (ProUni), o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e
as cotas, mas de observar se elas seguem critérios coerentes entre si e aderem
aos princípios de igualdade de oportunidades como um todo. Essas políticas têm
em comum o fato de destinarem-se a grupos específicos da sociedade. Diversos
trabalhos avaliam tais políticas isoladamente: Baroni_(2010), Pereira_(2013) e
Duenhas_(2013) para públicas; Saraiva_e_Nunes_(2011), Andrade_(2007), Aprile_e
Barone_(2009) eGemaque_e_Chaves_(2010) para privadas. Finalmente, a avaliação
empírica por modelos econométricos agrega elementos importantes, que subsidiam
e corroboram as posições defendidas neste trabalho.
Teorias de justiça distributiva discutem “como a sociedade ou um grupo deve
alocar seus recursos ou produtos escassos entre os indivíduos, os quais têm
necessidades e demandas concorrentes entre si” (Roemer,_1996:1; tradução
livre). É um contexto mais amplo no qual se inserem as questões relacionadas à
igualdade de oportunidades. Diversas teorias de justiça distributiva propõem
soluções distintas para o problema da equidade, mas, para analisar casos
concretos, é necessário optar e se aprofundar em uma delas. Esta escolha não
significa que as demais teorias sejam menos relevantes. A escolha de princípios
norteadores da política é um exercício normativo, que deve ser expressão dos
valores de uma determinada sociedade. O pesquisador contribui para o debate
público oferecendo interpretações desses princípios teóricos para a aplicação
prática.
O conceito de igualdade de oportunidades sugere que características não
controláveis pelos indivíduos, como sua procedência familiar, sua carga
genética etc. não sejam determinantes para definir posições na sociedade.
Deveriam contar apenas variáveis que os indivíduos controlam, como esforço,
preferências etc. Assim, as políticas públicas têm o papel de compensar os
indivíduos por suas desvantagens relacionadas às características não
controláveis (Cohen,_1989; Bénabou,_2000; Roemer,_2000, 2012).
Buscaram-se evidências empíricas sobre características das desigualdades.
Utilizou-se um modelo logit multinomial para identificar como variáveis de
condição (renda, cor, escolaridade dos pais etc.) e esforço (horas de estudo,
trabalho, atividades acadêmicas) influenciam a probabilidade de os alunos
receberem os incentivos providos pelas políticas de cotas, FIES e o ProUni.
Utilizaram-se os microdados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes
(Enade) para ingressantes entre 2008 e 2010.
As estimativas têm um limite por serem realizadas a partir de amostra censurada
dos alunos demandantes de ensino superior, pois não estão disponíveis dados
representativos dos processos seletivos para estes anos. Além disso, há viés de
seleção amostral, uma vez que não há informações sobre indivíduos que gostariam
de acessar o ensino superior e nem tentaram ou daqueles que poderiam acessar,
mas não tiveram interesse. Assim, espera-se que haja subestimação das
disparidades de oportunidade, pois é possível observar apenas aqueles que
efetivamente acessaram o ensino superior.
Os resultados econométricos refletem o arcabouço institucional e socioeconômico
do período analisado, isto é, 2008 a 2010. Assim, apontam incoerências no
direcionamento das políticas de equidade de acesso ao ensino superior do
período. Por exemplo, alunos das IES públicas sem cotas apresentaram condições
socioeconômicas superiores às de quase todos os demais grupos avaliados e
recebem educação gratuita, enquanto alunos em condições piores, como os do
ProUni, não têm educação gratuita na média (quando consideradas bolsas
parciais). Outro resultado é que a política de cotas no período privilegia mais
o critério de cor que o de renda, quando comparado com o ProUni. Esse resultado
poderá ser influenciado pela nova lei de cotas, que dá prioridade ao critério
“Ensino Médio público”, seguido de renda e raça.
Ainda sobre os resultados, uma característica relevante de todas as categorias
é o trabalho. Seria importante determinar quão essencial o trabalho é para a
permanência no ensino superior, mas a base de dados não permite realizar tais
assertivas. Seria possível observar, por exemplo, se alunos de renda média das
privadas sem qualquer benefício teriam desvantagem econômica frente aos alunos
das públicas sem cotas e as compensam com o trabalho.
Os resultados empíricos apontam que as políticas segmentadas para instituições
públicas e privadas, como estabelecidas no período analisado, são inadequadas
para produzir incentivos equânimes à entrada no ensino superior. De modo geral,
questiona-se o fato de as políticas apresentarem critérios distintos para
focalização dos subsídios. A política de cotas encontra legitimidade sob o
conceito de igualdade de oportunidades, mas é a que mais restrições impõe aos
alunos e restringe-se ao ensino público. O FIES, apesar de estar disponível
para boa parte dos demandantes do ensino superior e seu recente
aperfeiçoamento, permanece como opção de política de maior custo aos alunos. O
ProUni tem como principal debilidade a incapacidade de expandir-se na mesma
proporção que a demanda, pois está restrito às desonerações fiscais geradas com
a concessão de bolsas.
O artigo está dividido em cinco seções, além desta Introdução. Primeiro
apresenta-se a discussão sobre justiça distributiva de forma geral e o conceito
de igualdade de oportunidades. Na sequência, busca-se uma interpretação
aplicada destes conceitos para o contexto do ensino superior. A terceira traz
uma descrição do sistema de ensino superior no Brasil e das políticas de
equidade de acesso: cotas, FIES e ProUni. A seção seguinte contempla a análise
econométrica e seus resultados. Por fim, discutem-se direcionamentos de
política pública para ampliar a igualdade de oportunidades no acesso ao ensino
superior no Brasil.
TEORIAS DE JUSTIÇA DISTRIBUTIVA E O CONCEITO DE IGUALDADE DE OPORTUNIDADES
Discussões sobre justiça são tão antigas quanto a filosofia. A cada época, as
problemáticas são diferentes, ligadas aos desafios do próprio contexto
histórico.Maffetone_e_Veca_(2005) apontam o fim do século XVIII como o momento
em que o interesse dos teóricos da justiça desloca-se da boa ordem política e
do propósito das instituições para o âmbito das interações e das relações de
conflito e cooperação social. Então, “a questão social (...) tem como êxito
paradigmático a interpretação da justiça como justiça distributiva” (idem:227).
Os autores apontam a teoria rawlsiana como um marco, a partir do qual houve um
grande florescimento de teses sobre justiça distributiva.
O contexto em que este artigo se apresenta é pós-Rawls, cuja principal
preocupação foi criar uma teoria de contraponto à teoria utilitarista. O ponto
fundamental da teoria utilitarista para as questões de equidade é que o valor é
atribuído pelos indivíduos de acordo com suas preferências e medido segundo sua
utilidade. O bem deve ser alocado àquele que atribui maior utilidade marginal a
ele, independente do grau de essencialidade do bem (Sen, 2009). Rawls
preocupou-se em produzir uma teoria mais objetiva, que permitisse dar maior
peso às necessidades básicas das pessoas, sobretudo as mais desprovidas da
sociedade.
Na teoria rawlsiana o objetivo da sociedade é maximizar o bem-estar daqueles
que estão nas piores condições, um critério conhecido por max-min(Rawls,_1971;
Roemer,_2012). Rawls foi relativamente preciso ao indicar que tipo de elementos
deveriam contar para o bem-estar e propõe que se pense em termos de bens
sociais primários: liberdade, oportunidades, renda e riqueza, e as bases para o
autorrespeito (Ralws,_1971).
Uma linha de pensamento próxima a de Rawls propõe o Commodity Egalitarianism,
onde importa que todos tenham o suficiente para sobreviver de algumas
determinadas commodities (Tobin,_1970). O importante não é a riqueza relativa,
mas a absoluta. Existe um padrão mínimo de recursos que uma pessoa deve acessar
para viver e, caso outros se tornem muito ricos, isto não seria um problema.
Autores como Nozick e Sen enfatizam não somente recursos, mas o processo em que
estes são adquiridos. Argumentam que neste processo as pessoas devam ter sua
liberdade de escolha garantida (Sen,_2009).
Outra crítica importante à teoria rawlsiana de Sen_(2009) diz respeito à
factibilidade da sua proposta. O autor aponta que Rawls propõe um padrão ideal
de justiça, que é forjado a partir de uma visão única (contratualista) da
sociedade. Sen propõe que, ao invés de preestabelecer uma visão de justiça
ideal, que prescinde de consensos na sociedade, que as situações concretas
sejam avaliadas dentro daquilo que a realidade permite em termos de
transformação, prevenindo injustiças severas evidentes.
O pragmatismo de Sen mostra-se pertinente frente ao objetivo de julgar política
pública. Poder-se-ia defender que não adiantaria investir em equidade no ensino
superior, se a desigualdade está presente em fases anteriores da vida do
educando, como de fato evidenciam OECD_(2008) e Dill_e_Gonçalves_(2012). Para
Sen, existe sempre a possibilidade de criar arranjos mais eficientes e
eficazes.
Nos interessa perceber elementos comuns às diversas teorias, que permitam uma
interpretação e aplicação ao problema mencionado. De maneira geral, as
diferentes teorias de justiça distributiva oferecem diferentes respostas às
questões “O que um indivíduo merece?” ou “A que um indivíduo tem direito?”.
Lados extremos seriam: cada um está sozinho na competição pela vida que almeja
e, então, fatores genéticos e herança poderiam ser primordiais na distribuição
dos recursos. Num outro extremo haveria uma igualdade absoluta: tudo dividido
igualmente entre todos, independentemente de quaisquer características
individuais. Obviamente estes são exemplos hipotéticos, e as teorias são muito
mais profundas do que isso (Arrow,_Bowles_e_Durlauf,_2000).
O conceito de igualdade de oportunidades é um dos temas recorrentes às diversas
teorias de justiça. Normalmente, não sintetiza toda uma teoria, mas é uma parte
importante dela. Segundo Mithaug_(1996), a ideia de igualdade de oportunidades
enfatiza a responsabilidade da sociedade em garantir que os recursos
necessários à autodeterminação sejam igualmente distribuídos entre os
indivíduos. Para o autor, estabelecer boas regras de liberdade não é suficiente
para garantir um ambiente em que todos sejam capazes de maximizar suas
experiências de autodeterminação, sobretudo, aqueles sujeitos a armadilhas de
pobreza e marginalização. A falta de meios pode ser a causa da incapacidade de
certos indivíduos em alcançar posições almejadas na sociedade e usufruir
plenamente dos seus direitos de liberdade.
Teóricos desse tipo de igualitarismo buscam identificar e separar as
circunstâncias que dependem apenas do comportamento dos indivíduos e aquelas
que dependem de elementos fortuitos dependentes da sociedade e do contexto em
que se encontram (Anderson,_1999). Existem dois tipos de características a
serem consideradas na avaliação da igualdade de oportunidades, conforme Bénabou
(2000): características herdadas pelos indivíduos sobre as quais eles não têm
controle, e as que estão no controle dos indivíduos e que eles podem
desenvolver. Por exemplo, no primeiro caso estão a carga genética e o padrão
socioeconômico dos pais. No segundo, estão o esforço, as preferências e as
decisões. Para fins práticos, a partir de agora, todas as características não
controláveis serão chamadas “condições” e todas as controláveis serão
“esforço”.
Para Roemer_(2000) há duas concepções prevalentes sobre igualdade de
oportunidades, e uma não substitui a outra. A primeira significa “aplainar o
terreno” para que os indivíduos possam competir, isto é, durante um período da
formação dos indivíduos, as diferenças que gerem desvantagens de competição no
futuro, por se relacionarem com condições não controláveis por eles (sexo, cor,
nível socioeconômico dos pais, origem geográfica, entre outros), devem ser
reduzidas. Assim, a partir de determinado momento, com igualdade de
oportunidades estabelecidas, a sociedade não deve mais se preocupar em
compensar as desigualdades e, então, os indivíduos passarão a competir por
posições beneficiando-se apenas dos próprios esforços.
Num modelo simples, estes dois elementos são independentes entre si, mas
obviamente existem situações em que isto não é verdade. Por exemplo, pais com
grau de escolaridade maior podem ser mais exigentes quanto ao nível de esforço
dos seus filhos. Por uma limitação metodológica, para o exercício econométrico
será utilizada a versão simplificada do modelo, na qual não há interação.
A segunda concepção de igualdade de oportunidades é conhecida
pornondiscrimination principle,e implica que indivíduos elegíveis para
determinadas posições deveriam ser aqueles que possuem os atributos necessários
para exercê-las. Por exemplo, para estar na posição de médico é necessário ter
estudado medicina – este é o critério de inclusão nessa função,
independentemente de suas condições. De outra forma, implica que diferenças
existentes entre indivíduos, que são irrelevantes face ao cumprimento destas
funções, não deveriam ser critério discriminatório, como por exemplo: sexo ou
cor não deve ser critério para seleção de professores, mas a diplomação;
parentesco não deve ser critério para que alguém assuma um cargo público, mas
seu conhecimento sobre as funções do cargo (Roemer,_2000).
Seguindo Cohen na busca pela igualdade de oportunidades existe um espaço para a
política pública, que é “compensar somente por aqueles déficits de bem-estar
que não são de alguma maneira derivados das escolhas do indivíduo. Devemos
substituir igualdade de bem-estar por igualdade de oportunidades por bem-estar”
(1989:914; tradução livre). Apesar de claro no sentido, definir na prática
quais sejam esses déficits é uma tarefa extremamente difícil.
Uma dificuldade já mencionada é analisar características individuais
resultantes da interação entre condição e esforço. Outra dificuldade diz
respeito ao timingda política. Para Roemer_(2000), em todas as visões do
conceito existe o preceito de que em algum momento o indivíduo se torna o único
responsável pelas suas conquistas ou fracassos, diante de suas necessidades ou
aspirações. O que não é claro e passa a ser importante para a definição de
políticas públicas é a definição deste ponto no tempo, que ele chama de “portão
de partida”: “As diferentes visões de igualdade de oportunidades podem ser
categorizadas de acordo com onde se coloca o ‘portão de partida’, o qual marca
o ponto onde cada indivíduo está por si só” (Roemer,_2000:18; tradução livre).
Como veremos adiante, esta questão não é clara no Brasil para o caso dos
investimentos públicos em educação.
Este artigo limita-se a discutir as políticas públicas de compensação. Outro
foco seria a responsabilidade dos indivíduos sobre suas conquistas, conforme
Fleurbaey_(2008). O autor apresenta princípios de recompensa sensíveis às
responsabilidades individuais. Neste estudo, adota-se a posição de que o
mercado é o responsável por organizar as recompensas dos indivíduos, a partir
do momento em que as políticas de compensação cessam.
EDUCAÇÃO SUPERIOR E IGUALDADE DE OPORTUNIDADES
A influência do pensamento rawlsiano e das teorias de justiça distributiva é
cada vez mais evidente e orientadora das políticas públicas. Um documento da
OECD (Organisation for Economic Co-operation and Development) de diretrizes
para a educação expressa a equidade na educação de maneira fiel à linha teórica
aqui apresentada:
A equidade em educação tem duas dimensões. A primeira é fairness, a qual
implica que circunstâncias sociais e pessoais – por exemplo, gênero,status
socioeconômico ou origem étnica – não devem ser um obstáculo para se alcançar o
potencial educacional. A segunda é inclusão, que implica garantir um padrão
educacional mínimo para todos (OECD,_2007:73; tradução livre).
Em outro documento, que trata especificamente do ensino superior, a OECD_(2008)
define que, além de preocupar-se com o acesso, pressupõe que políticas de
equidade no ensino superior devem lidar com os efeitos de desigualdades
educacionais passadas e promover oportunidades iguais no mercado de trabalho.
Neste artigo propõe-se discutir apenas a equidade de acesso, o que exclui
avaliar a qualidade da educação e como isso se reflete no mercado de trabalho.
Há argumentos contra estabelecer o mercado de trabalho como portão. Por
exemplo, o fato de a escolaridade média de países desenvolvidos ser de 11,5
anos sugere ser possível alcançar altos níveis de produtividade ou bem-estar
social sem que o ensino superior seja uma característica prevalente (UNDP,
2014). Além disso, o custo do ensino superior é alto e não é consenso que os
ganhos sociais compensem o investimento público; se a maior parte do ganho for
privado, ou seja, apropriado apenas pelos indivíduos, então também os
investimentos em ensino superiordeveriam ser privados (Holsinger_e_Jacob,_2008;
Barr,_2004).
O exercício proposto neste artigo sugere que o ensino superior não seja
considerado obrigatório, tal como a educação básica, mas que o governo deva dar
a todos que queiram a chance de acessá-lo.
Segundo Roemer_(2000 e 2012), as oportunidades são avaliadas a partir de uma
função de utilidade: U(C,e,j ), dado que “C” representa as condições de cada
indivíduo, “e” é seu esforço e “j ” é a política de intervenção do policy
maker; “U” é a função que denota bem-estar no sentido econômico, que pode ser
renda, expectativa de vida ou o potencial de ganho. A variável j deverá
compensar o indivíduo por alguma condição em C que lhe impeça melhorar U, a
despeito do seu nível de esforço.
Como mencionam Nunes_(2011) e Holsinger_e_Jacob_(2008), existem diversos
elementos do processo de educação que podem compor C, ou seja, características
que impedem que os indivíduos tenham condições de competição semelhantes. De
forma objetiva, o policy maker tem diante de si ao menos duas questões: “Quais
condições em C são importantes para a política j?” e “Qual é o público-alvo da
política?”.
Tentar conhecer todas as condições de cada indivíduo seria um exercício
extremamente caro e provavelmente não se chegaria a uma resposta definitiva. Em
geral, a literatura identifica certas categorias como importantes, como:
escolaridade dos pais, nível socioeconômico (renda), migração, cor, sexo,
proveniência (lugares longínquos) e presença de deficiências físicas ou
cognitivas (OECD,_2007). No exercício econométrico realizado neste artigo
apenas as variáveis migração e proveniência não foram consideradas, por falta
de informação no primeiro caso e pela dificuldade de estabelecer o grau de
isolamento dos mais de 5 mil municípios do país.
Para a definição do público-alvo, o desenho da política poderia optar por uma
única variável de referência, como cor ou a renda domiciliar per capitaou criar
um índice multidimensional, em que outras condições, como sexo e deficiência,
informassem quais pessoas estão em piores condições. É ad doc o limite que
separa “pobres” e “ricos”.
EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: ANÁLISE DESCRITIVA
No sistema de ensino superior brasileiro convivem um setor público e outro
privado. Nas IES públicas os alunos são completamente financiados pela
sociedade, pois a educação é gratuita1. A ocupação por elites das vagas em IES
públicas, conforme aponta Cunha_(2004), na verdade reflete a formação de grupos
de elite e as desigualdades socioeconômicas e educacionais como um todo. Desde
a educação básica, grupos socioeconômicos diferentes ocupam espaços diferentes,
recebendo investimentos e incentivos em proporções que mantêm ou acentuam
diferenças de condições herdadas, impactando na qualidade da educação e na
permanência dos alunos na escola (Andrade_e_Dachs,_2007; Gonçalves_e_França,
2008; Barreto,_Codes_e_Duarte,_2012; Almeida,_2014). Nesse contexto, o ensino
superior é a ponta da cadeia, onde provavelmente alguns prejuízos são
irrecuperáveis (Heckman_e_Mosso,_2014).
No final dos anos 1990, universidades públicas começaram a implementar, de
forma independente e autônoma, políticas de ação afirmativa (Moehlecke,_2004).
Estas experiências geraram importante debate na sociedade, culminando em 2012
com aprovação de lei que define que 50% das vagas das IES federais sejam
destinadas a alunos provenientes de escolas públicas, de baixa renda e minorias
raciais (Presidência,_2012).
A rede privada, por sua vez, impõe aos alunos um outro tipo de barreira, a
socioeconômica, pois existe pagamento de mensalidade. Ao fim dos anos 1990 o
Estado criou o Programa de Financiamento Estudantil (FIES), atualmente Fundo de
Financiamento Estudantil, e um programa de bolsas, o Universidade para Todos
(ProUni) veio em seguida, com o objetivo de ampliar o acesso a este sistema.
Em função do alcance do processo de discussão pública das leis de cotas, existe
grande quantidade de artigos focando equidade de acesso para o alunado das IES
públicas. Não existe discussão proporcional relativa às políticas voltadas às
IES privadas2, quando esta rede absorve a maior parte da demanda por ensino
superior no país. Em 2012 havia 7,06 milhões de matrículas ativas no ensino
superior, sendo 73% na rede privada. Historicamente, sempre houve predominância
do setor privado tanto em quantidade de instituições como de alunos (Inep,
2014a).
Em 2007 o governo federal lançou o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação
e Expansão das Universidades Federais (Reuni). O Reuni objetivava o aumento das
vagas de ingresso e a redução das taxas de evasão nos cursos presenciais de
graduação nas IES públicas federais (Brasil,_2007). De fato, o Reuni foi um
marco para o ensino superior na rede pública, o qual gerou um acréscimo de 85%
das vagas entre 2008 e 2012, quando no ensino privado o incremento foi de
aproximadamente 60% (Inep,_2014b).
Do ponto de vista de equidade ao acesso, o Reuni teve como principal virtude a
ampliação das vagas no interior do país, onde a população é menos beneficiada
pelos investimentos federais em ensino superior. No entanto, o Reuni
diferencia-se das políticas de cotas, do FIES e do ProUni por não direcionar os
benefícios a grupos específicos da sociedade, considerados em desvantagem. De
fato, parece chamar mais atenção as mudanças que o Reuni gerou sobre a gestão
universitária e sobre a expansão da rede federal de ensino (Araújo_e_Pinheiro,
2010; MEC,_2009) do que sua influência sobre a equidade no acesso ao ensino
superior3. Baptista_et_al._(2013) avaliaram que, no geral, o programa foi
positivo para melhorar as universidades federais, mas no período analisado
havia poucos estudos em profundidade sobre o Reuni, não sendo possível
determinar uma posição clara sobre o sucesso do programa, haja vista seus
objetivos, de modo que justificasse sua eventual continuidade.
O Gráfico_1 evidencia a expansão das IES privadas após 1998. Ao contrário das
públicas, onde as vagas ofertadas são praticamente todas preenchidas, nas IES
privadas há sobra de vagas em grande proporção: 54% em 2012; nas públicas, o
nível de ocupação de média no ingresso é de 90%. Se todas as vagas oferecidas
no ensino superior fossem ocupadas, haveria um excesso de demanda de
aproximadamente 30%4, mas pela ineficiência na ocupação de vagas, apenas 59%
são preenchidas, ampliando o excesso de demanda para quase 60%.
Gráfico 1 IES Públicas e Privadas: Vagas Oferecidas, Inscritos em Processo
Seletivo e Ingressos (1980-2011)
O descasamento entre o número de ingressantes no ensino superior com a
quantidade de vagas oferecidas e a demanda por meio de processo seletivo
poderia ter explicações diversas. Há ao menos quatro explicações para esta
ineficiência: (a) os candidatos não apresentam um mínimo de proficiência
demandado nos processos seletivos, então a qualidade do ensino médio seria a
principal preocupação5; (b) haveria uma assimetria de informações pelo lado da
oferta, que levasse as IES privadas a ofertarem vagas em excesso para cursos em
que não há demanda6; (c) há grande quantidade de alunos prestando vários
processos seletivos ao mesmo tempo; (d) os alunos passam no processo de
seleção, mas não têm condições de assumir a vaga por falta de recursos
financeiros. Estas situações podem acontecer ao mesmo tempo e é de particular
interesse deste artigo discutir o último caso.
Os dados apresentados no Gráfico_2 mostram a distribuição da renda em termos de
salários mínimos para os anos do ciclo de avaliação do Enade7 de 2008 a 2010.
No ano de 2008, o questionário socioeconômico que os alunos respondiam
contemplava faixas de renda diferentes dos demais anos. Por isso, grande parte
dos alunos encontra-se na classificação de 3 a 10 salários, que é, na verdade,
um intervalo muito grande, incluindo em uma mesma categoria indivíduos muito
diferentes. Nos demais anos observa-se mais claramente um padrão: as IES
públicas dão mais oportunidades que as privadas, e isto pode ser reflexo das
políticas de ação afirmativa já em vigor. No entanto, nas públicas também estão
mais presentes as classes mais ricas. A representação da renda como condição
deve ser relativizada nestes gráficos, pois considera também a renda do
trabalho do aluno (Inep,_2014a).
[/img/revistas/dados/v58n3//0011-5258-dados-58-3-0791-gf02.jpg]
Gráfico 2 Distribuição de Renda Domiciliar dos Alunos, por IES, em Salários
Mínimos Enade 2008-2010
O trabalho é uma característica do aluno médio, mas se observa que os alunos
das IES privadas despendem mais horas de trabalho que os das públicas. A
proporção de alunos que trabalham mais de 40 horas na semana em IES privadas é
em média 80% superior à proporção dos que trabalham em públicas nos anos
avaliados. O trabalho, enquanto oportuniza experiências de vida e aprendizagem
ao aluno, é positivo; no entanto, pode representar um aspecto negativo quando
for uma necessidade imposta ao aluno, como único meio de financiar sua
educação. Apesar de implicar o complemento da renda, as horas de trabalho
diminuem o tempo disponível para atividades acadêmicas e podem impactar
negativamente sobre a qualidade do ensino (Inep,_2014a). De fato, uma análise
de regressão simples indica correlação negativa entre notas do Enade e horas
trabalhadas.
Políticas de compensação das condições socioeconômicas para aumentar a equidade
de acesso ao ensino superior são relativamente recentes e ainda alcançam uma
parte diminuta de alunos. Na Tabela_1contabiliza-se a quantidade de alunos que
em 2012 se beneficiavam com algum tipo de financiamento estudantil ou bolsa,
cujas fontes financiadoras são desde as próprias IES privadas, como governos
estaduais, municipais, até instituições estrangeiras. 13,6% dos alunos recebiam
benefício estatal tipo bolsa ou financiamento. As cotas em IES públicas
alcançavam mais 2,8% dos alunos, resultando em 16,4% do alunado que recebia
algum apoio estatal para cursar o ensino superior. As IES privadas ofereceram
incentivos (bolsas, financiamentos e cotas) a 11% do alunado total.
Tabela 1 Resumo dos Microdados do Censo da Educação Superior
Benefícios de AcessoEspecial* Pública Privada Total % % %
Total Privada Pública
Total de matrículas 122.459 1.775.359 5.160.266 7.058.084 100,0 100,0 100,0
ativas
ProUni integral 4.795 2 282.518 287.315 4,1 5,5 0,0
ProUni parcial 181 – 116.989 117.170 1,7 2,3 0,0
Outra bolsa pública 16.865 7.333 58.016 82.214 1,2 1,1 0,4
Outra bolsa IES 10.887 1.427 719.172 731.486 10,4 13,9 0,1
Outra bolsa 9.579 287 99.188 109.054 1,5 1,9 0,0
FIES 6.150 1.523 434.000 441.673 6,3 8,4 0,1
Outro financiamento 413 1.845 22.232 24.490 0,3 0,4 0,1
público
Outro financiamento 430 39 35.251 35.720 0,5 0,7 0,0
IES
Outro financiamento 73 104 17.880 18.057 0,3 0,3 0,0
Cota etnia 48 52.392 416 52.856 0,7 0,01 3,0
Cota deficiência 4 751 32 787 0,0 0,00 0,0
Cota EM público 118 123.192 2.217 125.527 1,8 0,04 6,9
Cota renda – 7.341 2.057 9.398 0,1 0,04 0,4
Cota outros – 14.172 6.599 20.771 0,3 0,13 0,8
Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Inep_(2014a). * Em geral,
instituições “Especiais” são de natureza administrativa pública, porém não
existe gratuidade para os alunos.
Uma questão relevante é se esses subsídios, incluindo a gratuidade nas IES
públicas para quem não é cotista, seguem algum critério que torne as políticas
coerentes entre si e com princípios de justiça.
SUBSÍDIOS PÚBLICOS E EQUIDADE DE ACESSO NA ENTRADA NO ENSINO SUPERIOR
Existem quatro grandes grupos que recebem subsídios públicos para acessar o
ensino superior. Alunos em IES públicas são beneficiados, quando gratuitas;
dividindo-se entre cotistas e não cotistas. Outros dois grupos são os
beneficiários do ProUni e do FIES nas IES privadas8. Na Tabela_1 é possível
observar que, além de 1,77 milhão de alunos em IES públicas, nas privadas cerca
de 830 mil recebiam subsídios públicos por meio dos programas mencionados
(Inep,_2014a). A questão que se propõe analisar é se essas diferentes formas de
subsídio são coerentes entre si e seguem critérios que gerem igualdade de
oportunidades.
Alunos de IES públicas não cotistas, em geral, são alunos com alto desempenho
acadêmico; são alunos que se beneficiaram de condições superiores nas fases
precedentes do ensino, o que lhes permite vantagens de competição pelas vagas
nas públicas (Inep,_2014a). O subsídio destinado a pessoas em condições
superiores não está de acordo com as proposições do conceito de igualdade de
oportunidades.
A política de cotas, em princípio, está de acordo com a teoria de igualdade de
oportunidades, pois focaliza grupos sociais considerados em desvantagem.
Existem diversos trabalhos, tais como Pereira_(2013), que discutem os impactos
das cotas sobre a qualidade ou até mesmo sua legitimidade. Não é nosso objetivo
aqui tratar desses temas. Além disso, dada a Lei no 12.711 de 2012, justifica-
se um estudo específico para avaliar as mudanças sobre o perfil socioeconômico
dos alunos das IES federais e as potenciais implicações sobre sua qualidade9.
Para os fins deste artigo é importante mencionar que, antes da referida lei,
cada IES tinha um conjunto de critérios diferente para direcionar as vagas,
dando diferentes pesos às condições econômicas, raça, proveniência do Ensino
Médio etc. A nova lei unificou a regra em âmbito federal e propôs um novo
direcionamento da política, pelo qual o critério “Ensino Médio público” tornou-
se o principal, seguido de renda e cor. Uma questão que se pode levantar é que
a política de cotas não propõe uma gradualidade de subsídios, havendo
gratuidade plena se o aluno for contemplado pela política.
O FIES, criado em 1999, oferece uma taxa de juros subsidiada a famílias com
renda mensal de até 20 salários mínimos10. Desde 2005 o FIES também financia
alunos do ProUni que recebem bolsas parciais. Em 2009 o FIES passou por uma
grande reformulação, tornando-se um programa muito diferente do anterior no seu
modus operandie suas regras de contratação. Essa grande mudança ocorreu
justamente no período avaliado no exercício empírico, no entanto, o método ou o
período da coleta não parecem suficientes para produzir resultados que
representem a atual realidade do FIES. Dessa forma, o que se pode melhor
apresentar é uma retrospectiva do FIES.
A Controladoria Geral da União (2014) e o Tribunal_de_Contas_da_União_(2009)
apontaram dificuldades de gestão ao longo da história do FIES. O programa
apresentou resultados pouco expressivos na maior parte da sua existência, tendo
celebrado cerca de 530 mil contratos em seus primeiros dez anos. O FIES era de
difícil acesso para as pessoas em piores condições de vida, porque exigia
fiador em todos os contratos e não possibilitava 100% de financiamento. Além
disso, havia falta de transparência, eficiência e rigor no cumprimento das
regras. Pesava o alto nível de inadimplência e a instabilidade financeira que
isto gerava para as instituições financiadoras solidárias no risco do crédito.
Em 2009, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) recebeu a
gestão do FIES. Dentre outras ações, criou mecanismo para financiamento sem
fiador de até 100% do custo11. Segundo o FNDE_(2014), 2012 e 2013 foram anos
excepcionais, com 556 mil novos contratos apenas em 2013, totalizando 1,16
milhão de contratos ativos.
Enquanto a renda é o principal indicador para direcionar o subsídio do FIES,
pode-se dizer que atualmente seu desenho está de acordo com os critérios de
equidade propostos. No entanto, a política também favorece alunos que escolhem
determinados cursos, considerados estratégicos ou prioritários. Esse critério
não se justifica pela concepção de equidade sugerida, mas pode ser compreendido
a partir de outras proposições do papel da política pública, como a de investir
em áreas nas quais os benefícios privados são baixos, mas os sociais são altos.
Conforme a Tabela_1, em 2012 o FIES não era a forma mais importante de
compensação demandada pelos alunos da rede privada, mas é possível que o ritmo
de crescimento recente se mantenha e o programa alcance proporções
majoritárias. No que diz respeito às formas de subsídio público, o FIES é
provavelmente a que oferece menor dificuldade de acesso, mas ainda é a mais
custosa, comparando com as possibilidades de educação gratuita.
Em 2004 nasceu o ProUni, que beneficia os melhores alunos dos processos
seletivos com bolsas integrais, quando possuem renda familiar per capita de até
um salário mínimo e meio, e bolsas parciais para renda per capitade até três
salários mínimos. O programa tem se tornado cada vez mais popular, com o número
de inscritos permanentemente crescente, superando a quantidade de ingressos no
ano de 2011. No ano do lançamento, 422,5 mil alunos interessaram-se pelo ProUni
e quase 1,5 milhão em 2013. Porém, a proporção de bolsas ofertadas em relação
aos ingressos não cresceu na mesma proporção que a demanda: o total de bolsas
concedidas em 2005 foi de 8% dos ingressos, e permaneceu em cerca de 10% entre
2008 e 2012 (últimos dados disponíveis). Do total de bolsas ofertadas, a
participação das bolsas parciais foi em média de 42% do total. Em termos
absolutos, foram 164,3 mil bolsas integrais e 87,9 mil parciais em 2013. No
primeiro ano do programa o total de bolsas ofertadas foi de 112,2 mil (ProUni,
2014;Inep,_2014b).
O ProUni, apesar de ter ampliado a equidade de acesso ao ensino superior, não
está exatamente alinhado com a ideia de igualdade de oportunidades, pois
combina critérios de esforço com condição. Não é possível afirmar que estes
alunos não teriam outras oportunidades de acesso sem a política, dado que são
alunos com alto desempenho escolar. No entanto, a maior crítica que se pode
fazer ao ProUni diz respeito ao seu desenho: não é possível uma expansão ad
infinitumdas bolsas, porque elas são concedidas em proporção ao montante de
desoneração fiscal possível para cada IES.
Com relação à coerência entre os programas, pode-se apontar o fato de que as
cotas usam, em geral, três características como condição – ensino médio
público, renda e raça –, enquanto o ProUni não traz o critério de raça e o FIES
tem apenas o critério de renda. O critério esforço é necessário, em alguma
medida, para as cotas e essencial para o ProUni. Esses critérios diferentes são
compreensíveis dados os contextos históricos em que cada política foi criada,
mas o policy makerpoderá no futuro pensar em uma única política de destinação
dos subsídios públicos, guiada por um único critério (que pode ser
multidimensional).
AVALIAÇÃO DA EQUIDADE DAS OPORTUNIDADES DE ACESSO AO ENSINO SUPERIOR POR UM
MODELO LOGIT MULTINOMIAL
Para testar e verificar empiricamente a relevância de variáveis de condição e
esforço sobre as possibilidades de acesso ao ensino superior, realizou-se um
exercício econométrico, a partir de um modelo logit multinomial. Este modelo
tem como uma de suas principais características o fato de a variável dependente
ser uma variável categórica. No caso do modelo aqui apresentado, há seis
categorias distintas, que representam as escolhas dos indivíduos: IES pública
sem cotas (categoria-base), IES pública com cotas, IES privada sem benefícios,
IES privada com ProUni, IES privada com FIES e IES privada com outros
benefícios. São essas as categorias consideradas na variável dependente.
O estimador do modelo mostra a probabilidade de o indivíduo pertencer à
categoriai,comparando com sua chance de pertencer à categoria de base. Conforme
Cameron_e_Trivedi_(2005:500), o estimador da probabilidade é
[/img/revistas/dados/v58n3//0011-5258-dados-58-3-0791-e1.jpg]
Uma restrição deste modelo é supor que a razão de probabilidades entre escolher
entre duas alternativas de um conjunto de alternativas A é independente dos
atributos ou da existência de outras alternativas (ibidem). Esta suposição é
bastante forte para o caso que se está avaliando, pois implica dizer que os
alunos não têm ordem de preferência em relação às alternativas propostas no
modelo. No entanto, na medida em que o custo de estudar varia para cada
categoria, seria possível considerar um modelo de preferências ordenadas.
Entretanto, não é tão simples identificar esta ordem de preferência, uma vez
que alguns indivíduos têm acesso a todas as categorias e outros não (por
exemplo, alunos de alta renda não têm acesso a cotas ou ProUni). Assim, optou-
se por manter o modelo não ordenado como uma abordagem exploratória, ainda que
seja uma forma restrita de representar o problema.
Interessa observar se as variáveis de condição apontam desvantagens para grupos
de alunos cujos custos educacionais sejam mais altos. Por exemplo, alunos de
IES públicas têm custo zero e alunos das privadas sem benefícios arcam com as
mensalidades. Se os alunos das privadas estiverem em condições piores que os
das públicas, então isso indica uma desigualdade de oportunidades.
Na Tabela_2 estão descritas as variáveis explicativas. Foram utilizados os
microdados do Enade de 2008 a 2010 somente para os ingressantes. É necessário
considerar os três anos, porque em cada um deles são avaliados conjuntos
distintos de cursos, concluindo um ciclo a cada três anos. Como os dados do
último ciclo ainda não estão disponíveis, optou-se por utilizar o ciclo
anterior. É importante considerar que até 2008 o Enade era amostral e tornou-se
censitário a partir de 2009 (IBGE,_2014).
Tabela 2 Variáveis Explicativas do Modelo Logit Multinomial
Variáveis de Condição Nome da Descrição
Variável
Renda renda1, Renda domiciliar em termos de salários mínimos. Para o ano de 2008: renda1 = 3
renda2, renda3 a 10 salários mínimos (sm); renda2 = 10 a 20 sm; renda3 = 20 a 30 sm; renda4 =
e renda4 mais de 30 sm. Para os anos de 2009 e 2010: renda1 = 3 a 6 sm; renda2 = 6 a 10
sm; renda3 = 10 a 30 sm; renda4 = mais de 30 sm. A categoria-base é sempre
renda até 3 sm
Número de pessoas no nfam
domicílio
Pessoa com deficiência defic Pessoa com 1 ou mais tipos de deficiência
Sexo sexo_hom 1=homens, 0=mulheres
Cor negro_índio e Categoria-base: brancos e amarelos
pardo
Escolaridade dos pais escpai e
escmae
Ensino médio em escola med_priv 1=médio privado, 0=médio público
privada
Variáveis de Esforço Nome da Descrição
(escolha) Variável
Estado civil solteiro 1=solteiro, 0=outros
Horas de estudo estuda4a12h e Categoria-base = estuda de 0 a 4 horas na semana
estuda_mais12h
Participação em atividades ativ_acad 1=participa, 0=não participa Participação em ao menos uma atividade como
acadêmicas iniciação científica, extensão, monitoria etc.
Trabalho trab_ate20, Horas semanais trabalhadas Categoria-base: não trabalha
trab20a40,
trab_mais40
Fonte: Elaboração dos autores.
Conforme os microdados, em 2008 realizariam a prova mais de 825 mil alunos,
enquanto em 2009 seria 1,1 milhão, e 650.450 em 2010. Porém, somente 166.556
dos ingressantes responderam ao questionário socioeconômico em 2008; 325.923 em
2009 e 163.701 em 2010, totalizando 656.180 alunos ingressantes. O número final
de observações foi de 581.881, pois o software (Stata) descarta indivíduos que
não apresentem dados para todas as variáveis do modelo (missings).
Uma limitação da variável renda é que ela inclui a renda do trabalho do aluno,
tornando difícil separar condição e esforço. Outra crítica relevante é que se
observam apenas indivíduos que de fato acessam o ensino superior. Isto gera
restrições na avaliação das oportunidades de acesso e possivelmente os
resultados apresentados estão subestimados. Esta subestimação se dá porque não
se observam os indivíduos que tentaram acessar e não conseguiram (censura) e
também porque não observamos aqueles que nem tentaram e gostariam de acessar,
tampouco aqueles que poderiam acessar, mas não desejam. Estes últimos dois
casos implicam viés de seleção amostral.
Os resultados apresentados na Tabela_3 mostram a razão de probabilidade (odds
ratio), ou seja, a mudança proporcional que ocorre na probabilidade na
categoria em questão, em relação à categoria-base, quando a variável exógena
muda em uma unidade (Cameron_e_Trivedi,_2005). A categoria “privada com outros
benefícios” foi omitida, porque não é objeto de interesse e serviu como
controle.
Tabela 3 Resultados da Análise de Regressão do Modelo Logit Multinomial: Razão
de Probabilidade (odds ratio). Categoria-base: Alunos das IES Públicas Não
Cotistas
Variáveis Pública Cotas Privada Sem Benefícios ProUni FIES
==================== ======================== ====================== =======================
2010 2009 2008 2010 2009 2008 2010 2009 2008 2010 2009 2008
renda1† 0,87 0,88 0,74 1,39 1,24 1,34 0,70 0,64 0,80 1,35 0,98*** 1,00***
renda2† 0,69 0,74 0,54 1,63 1,34 1,61 0,28 0,20 0,30 1,43 0,70 1,26***
renda3† 0,60 0,61 0,47 2,25 1,48 1,91 0,12 0,04 0,50 1,67 0,34 0,93***
renda4† 0,70 0,48 0,42 4,56 2,48 2,85 0,00 0,05 0,45 1,40 0,16 0,70***
nfam 1,08 1,03 1,03* 1,07 1,06 1,03 1,11 1,12 1,05 1,00*** 1,09 0,95**
homem 0,83 0,94 1,02*** 0,64 0,76 0,85 0,82 0,90 1,23 0,80 0,80 1,60
negro_índio 1,60 2,02 1,87 1,05*** 0,94* 0,72 0,89** 1,42 1,28 0,90** 1,29 1,07***
pardo 1,24 1,08 1,37 0,90 0,80 0,65 0,91 1,08 0,87 0,90 1,07 0,69
defic 2,90 2,55 1,33*** 2,69 1,82 0,19 4,01 1,73 0,10 1,77*** 1,47*** 0,24**
escpai 0,99 0,98 0,97 0,99 1,00*** 1,00*** 0,97 0,99 0,99*** 0,99 0,98 0,97
escmae 0,97 0,97 0,98 0,98 0,97 0,98 0,98 0,96 0,97 1,02 0,99*** 0,96
med_priv 0,18 0,17 0,39 0,58 0,67 0,82 0,10 0,10 0,21 0,60 0,65 1,06***
solteiro 0,64 1,09* 1,35 0,51 0,66 0,69 0,82 0,93 1,24 0,70 0,76 1,07***
trab_ate20 1,42 1,01*** 1,00*** 1,96 1,28 1,62 1,36 0,69 1,05*** 1,23 1,02*** 1,03***
trab20a40 2,64 1,08** 0,94*** 3,63 1,80 2,24 2,72 1,29 1,44 2,50 1,44 1,27*
trab_mais40 3,28 0,99*** 0,90*** 4,82 2,28 3,25 3,79 1,50 1,87 2,77 1,53 2,00
estuda4a12 0,87 1,03*** 0,96*** 0,62 0,62 0,63 0,92* 1,00*** 0,94*** 0,84 0,73 0,61
estuda_mais12 0,89 1,03*** 0,94*** 0,42 0,38 0,39 0,72 0,78 0,84* 0,92* 0,48 0,35
ativ_acad 1,24 1,08 1,19 1,32 1,32 1,81 1,18 1,02*** 1,63 1,40 1,42 2,13
_cons 2,17 0,55 0,28 3,78 8,02 1,63 0,34 2,13 0,23 0,25 0,28 0,06
Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Inep (2014a). Obs.: Níveis de
significância (*) 5%; (**) 10%; (***) superior a 10%. Os demais são
significantes a 1%. (†) Ver Tabela 2.
Na Tabela_3, considera-se que valores abaixo de 1 indicam maior chance de
pertencer à categoria-base; valores acima de 1 indicam maior chance de
pertencer à categoria de comparação. Por exemplo, considere-se a variável
“escmae” na primeira coluna: um ano a mais de escolaridade da mãe está
associado a uma redução de 3% (1-0,97) na probabilidade de o indivíduo ser
cotista em uma IES pública, diante de sua chance de ser não cotista. Em outras
palavras, filhos de mães com melhor nível de escolaridade têm mais chances de
serem não cotistas.
O conjunto de variáveis exógenas contempla não somente variáveis contínuas,
como escmae, mas variáveis categóricas, o que demanda mais cuidado na
interpretação. Tome-se “homem” na primeira coluna da Tabela_3. Esta variável
está em comparação com “mulher”, além de referir-se à categoria-base (não
cotista em IES pública). Assim, o homem tem 17% a menos de chance (1-0,83) que
a mulher de ser cotista a ser não cotista.
No caso de renda, a base são indivíduos com renda familiar até 3 salários
mínimos. Tomando a primeira coluna da Tabela_3, cotistas de renda1 (entre 3 e 6
salários mínimos) tinham 13% (1-0,87) a menos de chance de que alunos com renda
até 3 salários de serem cotistas, frente a serem não cotistas. O modelo não
mostra qual a probabilidade do indivíduo da categoria zero da variável renda,
porém importante é notar que, conforme aumenta a renda, a probabilidade de o
indivíduo ser cotista (frente a ser não cotista) cai – e esse é o fato mais
importante para esta análise.
A análise empírica traz diversas informações interessantes sobre os
ingressantes do ensino superior, no entanto, optou-se em discutir apenas
aquelas com potencial de impactar sobre o atual desenho da política pública.
Busca-se observar se há desvantagem de competição, haja vista os custos de
estudar.
Bolsistas integrais do ProUni têm educação gratuita, como não cotistas em
públicas. No entanto, quase metade dos alunos do ProUni recebe bolsas parciais.
Portanto, para os resultados apresentados, alunos no ProUni não têm educação
gratuita, na média. Desta forma, dadas as condições piores desses alunos, ainda
que trabalhassem mais, a política não era equitativa considerando que alunos em
melhores condições têm ensino gratuito nas IES públicas.
O FIES é um programa de difícil análise. Em 2009 as variáveis de renda
apontavam para desvantagem desse grupo comparando ao da categoria-base, mas
esse resultado é oposto em 2010. As outras variáveis de condição também mostram
ambiguidades. Talvez esta mudança de perfil seja reflexo das mudanças
institucionais ocorridas no programa em 2009, mas é necessário estudo com
metodologia apropriada para buscar essa causalidade. De todo modo, em 2010,
quando parece que a renda dos alunos do FIES é superior à da categoria-base,
também é maior o diferencial em termos de pessoas que trabalham. Os resultados
mostram que não houve no período uma definição clara do público-alvo do
programa, o que justifica reformas sobre o desenho da política na sua
focalização e objetivos.
Alunos que acessaram o ensino superior por meio de cotas no período tinham
condições piores que os não cotistas, indicando boa focalização da política. No
entanto, pode indicar desigualdade de condições o fato de que cotistas
trabalhavam mais que não cotistas. Uma pergunta importante é o quanto o
trabalho é essencial para a permanência desses alunos no ensino superior.
A comparação entre públicas sem cotas e privadas sem benefícios mostra que a
renda dos alunos das privadas era superior, porém em outras variáveis de
condição eram piores: são alunos que tiveram menos acesso ao ensino médio
privado e com pais com nível de escolaridade mais baixo. No quesito esforço,
apesar de gastarem menos horas estudando na semana, atuam mais academicamente.
É marcante a diferença na variável de tempo dedicado ao trabalho.
Definitivamente, prejudica a análise o fato de ser impossível separar da
variável renda os ganhos do trabalho dos alunos. A mesma pergunta se aplica com
relação ao papel da renda do trabalho sobre a permanência desses alunos no
ensino superior.
É possível fazer outras comparações, dividindo o resultado de uma coluna por
outra na mesma linha. Há evidência de inadequação da política quando comparados
cotistas e prounistas. Como a política de cotas aceita mais alunos de maior
renda que o ProUni, então prounistas têm renda pior, apesar de trabalharem mais
(em 2009 e 2010); prounistas também tiveram menos chances de cursar ensino
médio privado. Como discutido, alunos do ProUni não têm, em média, educação
gratuita, como os cotistas. Os resultados mostram que as cotas favoreceram
indivíduos cujas causas de inequidade estejam mais associadas à cor. Esta
constatação é importante, pois implica dizer que naquele período houve um peso
maior da cor para recebimento de benefícios públicos do que as condições
econômicas (e demais variáveis de condição). Isto não parece ser o
direcionamento da política atual de cotas (nas IES federais, ao menos), que
destina mais vagas pelo critério de renda que pelo critério de cor. Um índice
multidimensional, com pesos claramente estabelecidos, e que fosse aplicado a
todos os alunos (uma única “régua”), seria uma estratégia mais transparente de
determinação dos benefícios a que cada um teria direito, dados os custos de
estudar.
POSSIBILIDADES DE REFORMA PARA UM SISTEMA EDUCACIONAL MAIS EQUITATIVO
As seções anteriores mostraram evidências de injustiça distributiva no acesso
ao ensino superior no Brasil, pelo conceito de igualdade de oportunidades.
Alunos com condições piores têm custos maiores de educação em algumas
circunstâncias. O objetivo desta seção é discutir direcionamentos para a
política pública, sem pretender que sejam solução única e conclusiva.
A OECD_(2008) propõe os seguintes direcionamentos de política pública: avaliar
a extensão e as origens dos problemas de equidade, fortalecer a integração
entre o planejamento dos sistemas secundário e terciário, considerar políticas
de ação afirmativa para grupos particulares, cujas desvantagens educacionais
estejam bem identificadas, incrementar o suporte para alunos provenientes de
piores situações socioeconômicas.
No Brasil, diversos estudos empíricos diagnosticam determinantes das
desigualdades educacionais nas diversas etapas de formação, e alguns (em menor
quantidade) focam o problema da transmissão das desigualdades no decorrer do
processo educacional, comoRibeiro_(2011). Como apontam esses estudos, discutir
políticas de equidade apenas no ensino superior é insuficiente; é
imprescindível um olhar compreensivo do processo educacional.
Precede a discussão de equidade aquela sobre a quantidade de vagas. Evidenciou-
se que a ampliação das vagas é um direcionamento de política, dado o excesso de
demanda. No entanto, sem melhorar a eficiência no uso das vagas já disponíveis,
torna-se absurdo pensar somente em ampliação.
Ainda que faltem vagas, é possível tornar o processo de ingresso mais
equitativo. O conceito de igualdade de oportunidades sugere que haja subsídios
públicos para os indivíduos em desvantagem de condições. Assim, por exemplo, a
gratuidade ou bolsas estariam acessíveis a todos os alunos até uma determinada
condição de vida, considerada inferior, segundo um indicador escolhido (pode
ser renda ou algum indicador multidimensional). Gradualmente o apoio se reduz,
conforme melhoram as condições dos indivíduos.
A interpretação sugerida de igualdade de oportunidades para o ensino superior
não é contra a gratuidade, em princípio, mas é um constrassenso as IES públicas
aceitarem alunos de alta renda que não pagam mensalidades, bem como alunos
pobres nas privadas que pagam. Duenhas_(2013) debate a questão da gratuidade na
rede pública e sugere, entre outras coisas, o compartilhamento dos custos entre
a esfera pública e a privada.
Argumentos contra a gratuidade no ensino superior apontam que boa parte da
renda futura gerada é apropriada somente pelos indivíduos e não por toda a
sociedade. Então, não faria sentido toda a sociedade financiar por um ganho que
é majoritariamente privado (Barr,_2004). A diferença, então, da proposta
anterior, é que, ao invés de oferecer ensino gratuito, todos os alunos que
solicitassem seriam financiados pelo governo, que cobraria taxas de juros
crescentes com a renda; a gratuidade seria exceção (a critério de cada IES).
Num sistema em que o custo de acessar uma vaga, seja na rede pública, seja na
privada, corresponde à condição do aluno, é possível vislumbrar um novo tipo de
competição emergindo no ensino superior no Brasil: pela qualidade. É natural
que sejam percebidos graus distintos de qualidade entre uma IES e outra, pelos
atributos do seu corpo docente, pela infraestrutura que oferece, pela sua
inserção na comunidade científica etc. A gratuidade do ensino público, no
sistema de incentivos atual, distorce esse mecanismo de competição dos alunos
pelas melhores IES (ou das IES pelos melhores alunos). Sem a restrição
econômica, o processo de competição teria outra configuração.
As discussões de política de equidade, como Holsinger_e_Jacob_(2008), iriam no
sentido de avaliar quais sistemas de financiamento são mais ou menos
inclusivos. A literatura neste sentido é relativamente ampla, uma vez que é
tema bastante recorrente na maioria dos países europeus e nos EUA, onde
normalmente a educação não é gratuita, ainda que pública em diversos casos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste artigo foi discutir políticas de equidade de acesso ao ensino
superior no Brasil, mais especificamente cotas, ProUni e FIES. A partir de
análise empírica, o propósito era verificar se havia coerência dessas políticas
entre si, ou seja, se elas propõem regras iguais de acesso para pessoas em
iguais condições e se estas regras estão de acordo com as proposições dos
princípios de igualdade de oportunidades.
A existência de programas como o ProUni, o FIES e as ações afirmativas nas IES
públicas são avanços na direção de um sistema mais equitativo. No entanto,
estas políticas atendem a um universo reduzido dos alunos matriculados no
ensino superior, cerca de 17% em 2012 (Inep,_2014a), e põem em dúvida o quanto
possam impactar na redução da desigualdade de oportunidades no acesso ao ensino
superior. Isso porque o volume de subsídios não é designado a partir de um
conhecimento das demandas pelo ensino superior e das condições de acesso dos
indivíduos.
A construção das políticas de equidade do ensino superior não foi articulada de
forma integrada, resultando inadequações, ineficiências e ambiguidades diante
de um propósito de gerar maior justiça distributiva. A análise empírica
evidenciou que, ainda que acessem as políticas mencionadas, alunos arcam com
custos desproporcionais às suas condições. É importante mencionar que há
limitações da base que implicam viés de estimativa.
Programas como o ProUni, o FIES e as cotas trazem maior diversidade
socioeconômica ao ambiente acadêmico, mas propõem critérios diferentes entre si
para focalizar os grupos beneficiários da política. Comparando com alunos não
cotistas em IES públicas, parte desses alunos está em desvantagem de condição e
não tem educação gratuita. Além disso, existem subsídios associados a
características de esforço, o que é questionável em princípio pelo conceito de
igualdade de oportunidades apresentado.
A questão do trabalho deve ser melhor investigada, pois talvez seja condição
essencial para manutenção dos alunos nas instituições pagas, inclusive para
alunos que não são elegíveis para nenhuma política de acesso. A orientação
básica da política, segundo o conceito de igualdade de oportunidades, é que é
necessário tornar os custos do ensino superior correspondentes às condições dos
alunos: aqueles em piores condições deveriam receber mais benefícios públicos.
Assim, a concorrência por uma vaga seria definida pelo esforço e não por outras
características, sobre as quais os indivíduos não têm controle.
A existência da gratuidade nas IES públicas é uma questão importante no Brasil,
que não está em contradição com o conceito de equidade proposto, em princípio.
Mas há argumentos contra esta política, a partir de trabalhos empíricos, que
mostram que o retorno social deste investimento é menor que o retorno privado.
Consequentemente, os custos devem ser majoritariamente privados e não sociais.
Não é defensável sob a teoria a gratuidade para pessoas em melhores condições
socioeconômicas e o alto custo para aqueles em desvantagem.
Numa situação ideal, não haveria restrição de vagas no ensino superior. Porém,
faltam vagas e, então, os alunos precisam contar não somente com as políticas
compensatórias, mas com o próprio esforço. Se o custo de uma vaga, independente
da IES, fosse correspondente às condições dos alunos, possivelmente se
ampliaria o processo competitivo entre as IES em busca de melhor qualidade. No
modelo atual, esse processo segue influenciado pelos diferenciais de custos
entre IES públicas e privadas, privilegiando as primeiras.
A ampliação das políticas de acesso deverá implicar no Brasil o aprofundamento
das discussões sobre o financiamento do ensino superior como um todo; sobre
como integrar melhor as etapas de formação, para que as desigualdades se
reduzam a cada fase; sobre os critérios e princípios que representem a visão da
sociedade de justiça distributiva etc. Existe no mundo grande diversidade de
arranjos de políticas educacionais, já amplamente discutidos academicamente, os
quais poderão oportunamente servir como ponto de apoio para o debate nacional.