Dilemas da cooperação: conflitos gerados pela política das "Listas Negras" no
Brasil durante a Segunda Guerra Mundial
Introdução
As "Listas Negras" ofereceram, durante a Segunda Guerra, sustentação coercitiva
à expansão e consolidação da hegemonia dos Estados Unidos na América Latina.1
Estruturadas a partir de necessidades impostas pelo conflito bélico e dos
objetivos econômicos e políticos norte-americanos, elas incidiram na economia e
na soberania dos países onde foram aplicadas e permitiram aperfeiçoar métodos
para identificar, bloquear e eliminar empresas controladas por nacionais de
países do Eixo que atuavam no continente ou por seus representantes. Com a
justificativa do combate global ao totalitarismo, a intervenção em firmas
"indesejáveis" e a substituição de sócios e empregados propiciou a abertura de
um amplo espaço de oportunidades a ser repartido entre os Aliados.
Este trabalho identifica os fundamentos e a trajetória dessa política, os
pontos de fricção criados no interior do aparelho de estado norte-americano, os
conflitos gerados na sua implantação no Brasil, tanto com a Grã Bretanha, como
com o governo Vargas, que buscava paliar os efeitos negativos de tais medidas
sobre a economia nacional e, ao mesmo tempo, cooperar no chamado "esforço
bélico" junto aos Estados Unidos, de modo a garantir insumos essenciais para o
desenvolvimento industrial do país.
A operacionalização das "Lista"s: os desafios da ação coletiva
A bem-sucedida coação econômica, praticada pela Grã Bretanha na Primeira Guerra
Mundial através da Statutory List ou SL e da Black List e rediviva em 40, foi
potencializada quando, em 17 de julho de 41, Roosevelt somou-se à estratégia,
ordenando que os secretários de Estado, Tesouro e Comércio, o procurador-geral,
o administrador dos Controles de Exportação e o coordenador de Assuntos
Interamericanos preparassem uma relação de indivíduos e empresas conectados a
pessoas e nações do Eixo, a serem bloqueados em nome dos interesses da defesa
nacional: a Proclaimed List of Blocked Nationals ou PL, popularmente "Lista
Negra".2 Até sua extinção, em julho de 46, a "Lista" e seus arquivos foram
administrados pela World Trade Intelligence, enquanto as embaixadas abrigavam
os comitês interdepartamentais. Pretendia-se debilitar a economia das potências
inimigas, desorganizando as redes de distribuição de seus produtos e cortando o
abastecimento de sua indústria. Para fechar o cerco, proibiram-se as companhias
estadunidenses de negociar com os bloqueados e tê-los como representantes. Se
transgredissem, eram acusadas de violar a ordem de congelamento. Esta exigia,
de nativos e firmas de países inimigos, licença do Tesouro, concedida por
curtos períodos caso afastada qualquer suspeita de favorecimento ao Eixo.
Renová-la demandava relatórios detalhados, podendo ser exigidas demissões e a
reorganização da empresa. Refinava-se o esforço de racionalização da burocracia
norte-americana, cujo dilema era assegurar a eficácia do controle sem
prejudicar os seus nacionais.
A denominação "empresas totalitárias", criada com claro apelo ideológico, foi
aplicada aos estabelecimentos "total ou parcialmente alemães, italianos, russos
ou espanhóis em pessoal, propriedade ou controle, e antiamericanos em simpatia,
ou que se engajam em atividade inimiga dos interesses de alguma ou de todas as
repúblicas americanas".3 Elas se classificavam em: incluídas na PL; sujeitas a
liquidação; submetidas a reorganização e supervisão; e a serem fiscalizadas
pelas autoridades nacionais dado seu menor destaque e risco. Na aquilatação de
quais eram as firmas "de tamanho e importância suficientes para exigir ação
específica por parte das autoridades no Brasil,", existia certa dose de
arbítrio.4 Quando deviam ser reorganizadas e supervisionadas, por meio da
atuação do governo local, este eventualmente era mais severo do que o comitê,
de modo a conservar uma parcela de decisão, útil na hora de proteger interesses
ou indicar compradores "satisfatórios" para empresas desvalorizadas pelo
estigma da PL.
A implantação do bloqueio originou atritos e problemas de coordenação entre
órgãos do Estado norte-americano. A "lei de ferro" das oligarquias
materializava-se à proporção que agências criadas nas circunstâncias da guerra
tentavam ampliar seu espaço político e garantir seu quinhão de poder,
promovendo padrões próprios de seleção. Novas listas desabrocharam e vigoraram
por mais ou menos tempo, num cipoal de denominações e apelidos: a Black List
para pessoas físicas, a Watch List, para censura e eventuais erros de retirada
de uns e captura de outros que, sentindo-se confiantes, viessem a se expor. A
mais duradoura, a Confidential List of Unsatisfactory Consignees (CL, CLUC ou
Grey List), servia de base à concessão de licenças para a exportação e
importação de materiais estratégicos ou escassos. Os que obtinham os
"certificados de preferência" deviam ser bem estabelecidos, confiáveis,
cooperadores com os programas de guerra econômica, não terem como fim explorar
a oferta insuficiente de produtos, e evitar escrupulosamente negociar com
bloqueados.5 Uma das tarefas da CL era prevenir a fundação, por testas-de-
ferro, de empresas para estocar e repassar, aos bloqueados, produtos oriundos
dos Estados Unidos. Suspeitos de fornecimento ou que, por negligência ou
intencionalmente, especulassem com a escassez eram recomendados para a CL e, se
necessário e politicamente viável, transferidos para a PL. As autoridades
norte-americanas reconheciam que o ardil dos indiciados para reaparecer
prontamente nos negócios, sob nova feição, era maior do que a capacidade de seu
sistema para identificá-los e acrescentá-los ao grupo daqueles "cujas operações
foram suficientemente bem estabelecidas".6 Alguns critérios de indicação para a
CL eram propositalmente imprecisos, identificando preventivamente quem se
conectasse a firmas "em relação às quais exista informação adversa de natureza
política, ou de algum relacionamento com firmas da PL, ou suspeitas definidas",
como nacionalidade ou nascimento, simpatias ou relações com instituições e
governos inimigos.7
O Departamento de Estado temia que a CL interferisse no alcance dos fins da PL,
especialmente se ocorrências importantes passassem à sua alçada, ligando o
alarme para que outras agências inventassem novas listas. Conjugar rapidez e
confiabilidade na fiscalização era um dilema que se complicava na medida que
tais iniciativas dificultavam a coordenação e estimulavam atritos entre as
instâncias burocráticas. Por outro lado, o caráter confidencial da CL se
extinguia quando aqueles que tivessem as licenças recusadas se queixassem a
seus governos. Uma profusão de controles velados paralisaria o comércio,
deixando confusas as casas comerciais dos Estados Unidos num momento em que
havia excesso de pedidos domésticos e que o governo dizia-se quase "forçado a
implorar às empresas para manterem negócios essenciais com as repúblicas
americanas".8 Para ser eficaz, a CL tinha que ser "colocada em mãos de ao menos
seis departamentos, todos os agentes alfandegários, todos os Federal Reserve
Banks, todos os grandes bancos que fazem negócios no exterior, todas as missões
diplomáticas e consulados nos países afetados, grandes firmas dos Estados
Unidos nos países afetados, agências e missões governamentais britânicas e
canadenses",9 inviabilizando seu sigilo. A CL poderia tornar-se aceitável e
valiosa "como um controle suplementar, mais do que alternativo, da PL", menos
adequada para vigiar indivíduos.
Quando demandas da guerra econômica levaram a que a CL fosse confiada aos
comitês da PL, uma comissão considerou abolir as licenças a empresas não
bloqueadas, monitorar todas as mercadorias que saíam de portos estadunidenses,
e conceder licenças temporárias para produtos sujeitos a critérios menos
rigorosos ou para quantidades limitadas, abrandando a norma de negá-las
automaticamente aos listados na CL. Havia que frear o incremento das operações
burocráticas e reduzir pontos de obstrução.
Empresas estadunidenses nada interessadas na substituição de representantes ou
na suspensão de seus negócios na região cobravam tolerância, que dependia, em
parte, da extensão de seus interesses. Se fatores políticos assim o
aconselhassem, havia que considerar exceções, mais prementes se o bloqueio
colocasse em risco a economia do país, cabendo ao governo nacional papel ativo
nessa definição. Ainda assim, o controle e a eliminação de negócios era
possível "se a questão fosse discretamente tratada". O comitê incluía e
retirava nomes, investigava, entrevistava, licenciava, verificava publicações
oficiais e na imprensa e correspondências interceptadas, controlava
consignatários e empregados, negociava com funcionários brasileiros e
liquidantes, e preparava relatórios.10 Em decorrência da dimensão do território
brasileiro e das deficiências de transportes e comunicações, o sortimento dos
problemas era vasto, e as soluções úteis em outros episódios. O comitê da PL
ressentia-se com a morosidade e a precariedade na obtenção de dados confiáveis,
mas, por outro lado, era acusado de agir injusta e precipitadamente ao incluir
suspeitos sem ter checado as provas. Para contornar tais contratempos, criou
quatro níveis de confiabilidade dos dados.
As fichas registram sistematicamente os dados das empresas: origem nacional,
mudanças de nome, capital, fundação, ramo de atividade, representados,
importância econômica, referências, percentual de compras no exterior por país,
participação em Câmaras de Comércio e até o idioma preferido em sua
correspondência. Sobre os proprietários, indicam entrada, saída, sucessão e
substituição, nacionalidade, presença e classificação em outras listas e
percentual de capital. Por vezes o conteúdo vago "não se acredita que seja",
"dizem que é" não parece obedecer a qualquer critério que não o mero acúmulo de
informações para futuros usos. A coleta e classificação desses materiais
constituíram bancos de dados de importância fundamental no desenho de
estratégias de expansão industrial e comercial estadunidenses, e eram, com
freqüência, mais sofisticados e completos que os manejados pelo Estado
brasileiro.
Os Estados Unidos visavam a desalojar a Alemanha dos mercados do continente
mas, ao mesmo tempo, manter à distância o aliado e concorrente mais próximo.
Isso colocou em rota de colisão britânicos e norte-americanos, que às vezes se
consultavam na confecção das respectivas listas. Um de seus desacordos referia-
se à negociação com as forças locais. Para reduzir pressões, a embaixada
britânica se eximia do problema, transmitindo "a impressão de que não fora
autorizada nem a discutir nem a determinar casos, e que agia segundo instruções
do Ministry of Economic Warfare".11 No teatro da ação bélica, a Inglaterra
estava em desvantagem para lidar com as repúblicas sul-americanas, dependendo
politicamente dos Estados Unidos, e a redução de seu comércio deixava-as menos
sensíveis à SL. Os britânicos sugeriram aos estadunidenses que adotassem "uma
prática uniforme para lidar com perguntas, vindas seja do governo ou de
indivíduos", com base no princípio de não dar, a ninguém, qualquer explicação
sobre as razões de sua inclusão.12 Isto visava a impedir pressões locais que se
tornariam insuportáveis se cada inserção na SL viesse a ser negociada, e
dificultaria a identificação das estratégias a seguir para evitar o
indiciamento. Paradoxalmente, seu rígido sistema podia alentar práticas de
corrupção, como no episódio de uma pequena companhia, removida da SL mediante o
pagamento de <3.000, e de mais <1.500 por parte de seu principal sócio, mesmo
assim proibido de entrar em seu escritório por seis meses sob pena de multa, a
não ser com permissão do consulado.13 O Ministry of Economic Warfare acabou
propondo, sem rodeios, "acrescentar à SL todos os casos que aparecessem na PL e
qualquer acréscimo subseqüente à PL sem esperar pela completa apresentação da
informação que resultou nesses casos", ainda que o Departamento de Estado e o
comitê da PL não pretendessem adotar política similar.14
Contrariamente a isso, o embaixador norte-americano repetia o clichê de que
pretendia "discutir todos os casos abertamente com as companhias que estavam
sob consideração para inclusão ou com quem estava requerendo ser retirado da
'Lista'". Embora aceitasse cooperação, desaconselhava declarações públicas a
respeito a fim de não piorar a situação do ministro de Relações Exteriores,
premido pelos empresários e "atormentado por firmas na 'Lista' e pelos seus
amigos influentes". No estilo particularista da elite brasileira, "cada pessoa
que é atingida pela PL ou tem amigos nela ataca Aranha".15 Os Estados Unidos
afirmavam ter "objetivos econômicos e militares" a atingir no Brasil, o que
tornava crucial evitar ressentimentos, e dispunha-se a "retirar empresas da PL
de maneira oportunista",16 desde que houvesse garantias de alcance dos fins por
outras vias. A conduta adotada dependia de avaliação do impacto político.
Apesar da imagem de flexíveis e democráticos, nem sempre essa orientação
prevalecia. Sendo já o maior fornecedor de bens para o Brasil, as objeções
oficiais e privadas brasileiras eram muito mais agudas. Mesmo os indiferentes à
SL pressionavam para sair da PL. Pedidos particulares de remoção entupiam os
canais diplomáticos. Gradativamente, os Estados Unidos adquiriam preeminência
no controle, e a Inglaterra era obrigada a retrair-se.
Cabo-de-guerra
A estimativa inicial da PL no Brasil era de 6.000 cópias, com cerca de dez
páginas cada, suplementadas, a cada três semanas, por mais duas. Previa-se que
a relação dos que a receberiam pelo correio viesse em poucos meses a conter
vários milhares de nomes.17 A revisão geral logo se reduziu de quatro a três
meses. Com a prática das interdições, Aranha confirmou seu prognóstico de que,
dentre suas conseqüências lamentáveis, estaria "a tentativa de substituir
firmas genuinamente brasileiras por inglesas ou norte-americanas não-
especializadas". Um exemplo foi a indicação da Wilson & Sons, que nunca
antes se ocupara da exportação de couros, para o lugar de estabelecimentos
gaúchos que estavam no negócio havia mais de cem anos, e que "com ou sem razão
foram incluídos na 'Lista'".18 O embaixador prometeu reconsiderar o caso,
enquanto vaticinava que o ministro continuaria "a fazer comentários
desfavoráveis a respeito da publicação da "Lista" e mais e mais episódios
seriam trazidos à sua atenção pelas partes interessadas".19 A vigilância do
Brasil poderia render-lhe um certo poder de veto, e se os Estados Unidos
pretendiam evitar a acusação de violação do princípio da consulta recíproca,
teriam que contemporizar, pressionando ou persuadindo setores privados ou o
governo, a fim de granjear poder. Um relativo equilíbrio de forças desembocaria
em negociações caso a caso.
Em Belém, a PL incitara os principais comerciantes da cidade, todos com antigas
ligações com os bloqueados, a procurar o cônsul, "ansiosos de se assegurar de
que não seriam incluídos", alguns prometendo cortar inteiramente seus vínculos
comerciais com os indicados.20 "Problemas irritantes" advindos da aplicação da
"Lista" ao comércio local eram previsíveis e os cônsules e recomendavam tato e
critério.21 Processos legais começavam a surgir, como a acusação de crime
contra a economia nacional apresentada ao Tribunal de Segurança Nacional contra
uma empresa norte-americana que se recusara a vender produtos de petróleo a um
bloqueado.22 Hull pediu prudência ao comitê. Seria desafortunado para uma
política que os Estados Unidos pretendiam administrar com firmeza se Aranha
dificultasse futuras ações.23 Contudo, a própria Pan American Airways
discordara da aplicação da PL às suas subsidiárias latino-americanas, alegando
que a recusa a levar passageiros ou cargas causaria a perda de suas franquias e
criaria problemas com os governos locais.24 Pedia sua "exclusão dessa política"
por comezinhas razões econômicas.
O comitê da PL ponderava um leque de fatores, seja para insistir ou recuar
estrategicamente. Uma firma com escritórios no Rio e em Vitória foi penalizada
com a inclusão na PL em agosto de 41 por recusar-se a representar a Automatic
Telephones of Brazil. Alegou ser uma violação de contrato com a Siemens-
Schuckert, da qual importava e com a qual resignou-se a cortar relações
comerciais em dezembro. Em janeiro de 42, pediu à embaixada sua exclusão da
"Lista", assegurando não ter sentimentos antiamericanos. Em março, outra
petição com justificativas e documentos. O cônsul em Vitória sustentou, no
entanto, que os sócios eram pró-Eixo e que os britânicos tampouco viam motivos
para retirá-la da SL. Em maio, a terceira carta, em julho, a quarta. Após um
ano de sua inclusão, o Ministério solicitou, com documentos, sua retirada. A
partir de outubro, um funcionário do Ministério, cujo cunhado era amigo de um
dos sócios, passou a telefonar demandando informações sobre o caso. Em
novembro, as pressões chegaram a ser quase diárias. Mas o cônsul não estava
convencido de qualquer "mudança de atitude", a não ser por motivos econômicos.
Em novembro, um dos proprietários procurou o cônsul e falou de sua posição
humilhante de membro da Lista Negra. Além de economicamente penoso, o processo
era moralmente mortificante e provocava uma avalanche de súplicas, não sendo
sequer vislumbrados os meios de defesa. O comitê se perguntava o que era mais
compensador: recusar à firma a chance de reabilitar seus negócios dado o receio
de que os Estados Unidos parecessem débeis, ou arriscar-se a perder o
indispensável apoio de um governo aliado? Advertiu que o inimigo real não era a
empresa, nem a PL um tapete mágico para eliminar os elementos do Eixo no
Brasil.25 Quando apostou na colaboração de Vargas e aliviou a mão, para os
sócios o desastre já estava consumado.
Nem os esperneios parariam por aí, nem a "Lista" deixaria de engordar. Tudo
indicava que o processo seria penoso. O complexo jogo de forças se prolongaria
por toda a vigência dessa política já que, na conjuntura da guerra, a economia
dos Estados Unidos tendia a robustecer sua presença no Brasil, e a brasileira a
tornar-se mais diversificada e dependente. À medida que surgiam obstáculos, o
Departamento de Estado adotava posições defensivas. Caffery sugerira alertar os
exportadores estadunidenses sobre suas responsabilidades, aliviando o
constrangimento sobre os órgãos oficiais.26 A Aranha, Hull esclareceu que seu
governo não entendia que a PL representasse uma interferência nos assuntos
domésticos das repúblicas americanas, e dispunha-se a considerar as
recomendações brasileiras. Segundo ele, empresas norte-americanas sujeitas à
legislação tinham admitido que suas ligações com interesses inimigos tinham
adquirido a conotação de atividades contrárias à solidariedade interamericana.
Ao embaixador, Hull confessava-se preocupado e procurava inteirar-se dos
aspectos aos quais o ministro fazia objeções.27 De fato, Aranha questionara a
aplicação unilateral da PL durante a neutralidade do Brasil, e via as
restrições como uma intervenção disfarçada na economia dos países neutros, que
teriam a prerrogativa, por princípio, de comerciar com ambos os beligerantes. À
proporção que os argumentos voltaram-se à segurança e ao interesse solidário
pan-americano, viu-se forçado a aceitar as "Listas" como ação preventiva, nos
casos de agressão ou da existência de suspeitas fundamentadas de sua iminente
preparação. Mas por que excetuar desse acordo as medidas "que se referem às
"Listas Negras", que têm repercussões comerciais nos países interessados e que
causam, de ordinário, graves prejuízos a seus nacionais?"28 A seu ver, os
Estados Unidos perpetravam uma ingerência indevida ao exigir às empresas que
exibissem "livros, documentos e outras provas de sua atividade comercial". Em
algum momento, o Brasil haveria de transigir.
Empresas com forte apoio interno constituíam episódios embaraçosos, e a
embaixada tentava evitar desgastes, nem sempre solucionados com sua exclusão da
"Lista". Uma destas, tradicional do ramo óptico, ao ser bloqueada, dispensou
técnicos e deixou de comprar produtos alemães. Ela era "considerada
simpaticamente não somente pelo Foreign Office, mas também por funcionários
amistosos do Banco do Brasil. A embaixada estaria inclinada a fazer concessões,
mais do que a se afastar de elementos influentes no governo brasileiro que
acreditam que nossa atitude em relação à companhia tem sido muito estrita".29
Contudo, a parcialidade resultante de pressões podia ser um precedente,
afastando as autoridades amistosas nas ocorrências não-negociáveis. Portanto,
havia que condescender: "a PL não é dirigida contra firmas ou indivíduos no
Brasil, exceto os que são total ou parcialmente controlados pelo Eixo ou
considerados inimigos do bem-estar do Hemisfério Ocidental. Firmas
predominantemente do Eixo serão mantidas" e, onde existissem interesses
brasileiros, anunciava-se uma revisão "com simpatia para tentar chegar a um
entendimento para sua imediata remoção da PL".30 Mas, apesar de achar
preferível fazer ajustes a permitir que a "Lista" se interpusesse entre os dois
governos, o secretário de Estado temia já estar muito próximo o limite das
concessões.
Houve conflitos entre os cinco órgãos do governo norte-americano e resultados
positivos, como o fim da profusão de listas secretas, que quase paralisou os
empresários, incapazes de articular as informações. A unanimidade a ser
alcançada pelo comitê em cada caso, apoiada em dados ou em motivos, manteria a
autoridade da PL, preveniria listas suplementares e sustentaria padrões
uniformes. Tais considerações sobre legitimidade e lembravam que o Departamento
de Estado não era um agente livre nesse controle, e que procurara assegurar,
"mas não sem luta, a responsabilidade administrativa primária pela preparação
da Lista". Isso dependia "do funcionamento contínuo e harmonioso do mecanismo"
e de sua habilidade em manter firme a política da PL. A autoridade
interdepartamental protegia "contra as pressões políticas que podem ter como
resultado seja emascular a "Lista" seja prejudicar seriamente, em outros
assuntos diplomáticos, a eficácia do Departamento de Estado,"31 o qual,
responsável direto pela implementação da política externa, precisava proteger-
se de crises nas relações interamericanas, que mal arranhariam a reputação de
outros órgãos. Reconhecia-se a necessidade de considerar casos excepcionais,
desde que mantido esse caráter, já que no Brasil era difícil um acordo sereno
sobre acréscimos.
Instrumento da maior importância na definição do mercado, na consolidação de
posições e distribuição de oportunidades de lucros na economia de guerra, a
"Lista" era objeto de uma luta encarniçada. A estratégia de garantir a
autonomia do comitê por meio da referência a um pool de agências e manter
secretos procedimentos consultivos diluía o ônus das deliberações e deixava o
ministério, que efetivamente tinha pouca capacidade de decisão, menos
vulnerável a pedidos de intercessão. O comitê não devia abrir mão de seu poder
sob qualquer circunstância, mas levaria em conta, por razões políticas, pontos
de vista das autoridades brasileiras, a cujo arbítrio não pretendia deixar a
"Lista" por acreditar que só objetariam à inclusão de empresas ou pessoas sem
influência. O governo Vargas, que lutava para controlar intervenções na
economia, incumbia-se das empresas "recuperáveis", enquanto a embaixada cuidava
delas com a "mão do gato". Tal missão podia oferecer migalhas de poder a
setores que, eventualmente, repartiam parte do botim entre os seus
correligionários: ações, cargos ou empresas sob risco de falência por falta de
acesso ao mercado norte-americano. Algumas vezes o comitê teve que capitular,
deixando escapar os peixes maiores. O desenrolar dos processos da Cervejaria
Brahma, da Melhoramentos e da Fábrica Werner mostra esses diferentes cursos.
Dentre os motivos da inclusão da Brahma na PL estava a origem germânica de boa
parte de seus sócios, que teriam "tendências pró-Nazi" ou se declarado pró-
germânicos, ou eram membros do Clube Alemão, "um centro de atividade nazista";
assim como o empréstimo obtido no Banco Alemão Transatlântico para a compra da
Hanseática, e das Cervejarias Morávia e Atlântica.32 As reações repercutiram no
Departamento de Estado, que cobrou um relatório minucioso e indagou da posição
dos britânicos.33 Era um caso para negociação. A retirada dependia da
assinatura do compromisso que submetia os recursos financeiros da Brahma a
rígida supervisão, bloqueava seus negócios com empresas dos países inimigos e o
pagamento de dividendos ou de acionistas nascidos nesses países ou bloqueados,
e a obrigava a demitir empregados perigosos para a segurança do continente.
Dificultava-se sua ação no mercado internacional. Para comprar tampinhas
metálicas e combustível dos Estados Unidos e fazer seguro, necessitava de
licenças, "pendentes da garantia definitiva de que pretende aceitar as
propostas que a embaixada fez", e da demonstração de seu comprometimento.34 A
Brahma não era reputada cooperativa nem um contato comercial desejável. A
existência de centenas de acionistas, muitos dos quais brasileiros, tornava a
negociação complexa. Quando se dava um relativo recuo do comitê, incapaz de
forçá-la a dispensar funcionários, a Brahma, apoiada pelo governo, não cedia. O
comitê montara,
em consulta com o Ministério de Relações Exteriores, um método
satisfatório de controle das atividades da companhia, e vários dos
empregados mais indesejáveis foram demitidos. Desde esse momento, a
embaixada tem seguido o caso da Brahma de perto com o objetivo de
forçar os termos do acordo em que a companhia entrou com a embaixada.
Com a liquidação do Banco Alemão Transatlântico, todo o capital da
Brahma pertencente a este banco ou em depósito na conta de interesses
inimigos foi tomado pelo governo brasileiro.35
O acordo motivado por "boas razões políticas" que permitiu sua exclusão nunca
foi digerido pela embaixada, que continuou a apontar como nazista, entre
outros, seu diretor geral.36 O caso motivou mudanças na política da PL, e
passou-se a determinar em que ocasião se podia negociar, quanto e como ceder de
modo a não provocar constrangimentos ou reduzir o poder dos donos da "Lista". A
circular de 28.1.1942, "um dos pronunciamentos fundamentais do Departamento de
Estado sobre a política da PL", contém procedimentos para lidar com autoridades
nacionais em momentos de forte pressão contrária.37
A Melhoramentos, "a mais importante manufatura e importadora de madeira e de
mercadorias afins do Brasil, e também a maior imprensa, litografia e editora de
livros e encadernação do país",38 também comoveu o governo, que veio em seu
socorro. O cônsul, prevendo repercussões, recomendara-a para a Black List.
Contavam a seu favor dois sacrifícios: importar polpa de madeira canadense
quando a suíça era mais barata e ser fiel ao carvão inglês, concorrente do
alemão. Mas era membro da Câmara Alemã de Comércio; parecia colaborar com
autoridades consulares alemãs; a filha de um dos sócios era enfermeira da Cruz
Vermelha alemã; um de seus grandes acionistas, Alfredo Weiszflog, era
simpatizante dos nazistas; outro, Walter Weiszflog, o diretor técnico e o
gerente eram francamente nazistas; e 54 de suas ações pertenciam ao Banco
Alemão. Para o comitê,
praticamente cada homem de importância na organização é alemão, e o
idioma alemão era universal nas áreas mais altas de sua organização e
funcionários. É claro que o grande número de membros, assistentes e
mesmo o proprietário podem ser nascidos no Brasil, mas seus laços com
a Alemanha são mais fortes, e até o arranjo dos móveis e quadros
montados nas casas particulares eram completamente alemães.39
O interventor do Estado pediu a intercessão de Aranha, lembrando-lhe os 3.500
operários e suas famílias que ficariam desamparados, e que "seu diretor-
presidente é brasileiro nato, e a diretoria é composta de elementos
estrangeiros há muito tempo radicados no Brasil, casados com mulheres
brasileiras e tendo filhos brasileiros",40 o que já os tornava brasileiros o
bastante. A embaixada aceitou os argumentos, conquanto a aprovação de Hull
ainda tardasse.
O terceiro episódio é o de Hilmar Werner, 75 anos, fundador em 1904 da Fábrica
de Tecidos que, bloqueado em 42, propôs passar o controle da empresa ao genro,
"brasileiro de descendência canadense, muito conhecido na embaixada, confiável
e pró-aliado". Este propôs um acordo para evitar o bloqueio da fábrica, dizendo
não ter qualquer contato com o sogro, com cujas simpatias políticas "não só
ele, mas sua esposa está em total desacordo".41 A embaixada fez a proposta
padrão: depósito de lucros numa conta bloqueada, dispensa de empregados
indesejáveis, saída de Werner da companhia, e exclusão da filha "casada com um
alemão (gerente), preso por suspeita de atividades pró-Eixo". O impasse nas
negociações levou a fábrica à PL em junho de 43, e logo à SL. Em menos de cinco
meses, um cidadão politicamente satisfatório, amigo de Aranha e disposto a
adquirir o controle acionário da fábrica procurou o comitê.42 Foi encaminhado
ao Banco do Brasil, onde comprou 7.600 das 10 mil ações e, "devido à
insistência da embaixada", 2 mil adicionais.43 Entre os novos acionistas, um
era concessionário da Loteria Federal, outro ligado a Luiz Aranha, irmão do
ministro e conhecido na embaixada, e o terceiro, amigo do interventor federal
do Rio Janeiro e genro de Vargas. A ingerência levara uma empresa conceituada a
passar, da noite para o dia, às mãos de interventores e de novos proprietários,
não casualmente associados a membros do governo. Com a mesma rapidez, seu
fundador era jogado ao ostracismo. Vendo a questão com o afastamento que o
tempo permite, a qualificação de "inimigos" justificava a prática de todo tipo
de ação contra suspeitos e a transferência de vantagens para os aliados.
Eventualmente reconheceram-se injustiças, como um caso em que o cônsul de
Fortaleza, com base em copiosa informação adversa, havia reportado e confirmado
os vínculos de uma empresa e de seu proprietário com a Alemanha, a cultura
alemã e o partido nazista. Aprovou-se a inclusão. Reverteu-a o embaixador,
convencido de que o proprietário tinha sido vítima de inimigos pessoais na
comunidade comercial.44
A nomeação de interventores do governo às vezes resultava de pedido expresso da
embaixada. Eles podiam sugerir e demitir empregados, agentes e representantes,
controlar a compra e venda de mercadoria, impostos, pagamentos de salários,
bônus, dividendos e contas controladas. Indicados pelo Banco do Brasil, sua
qualificação era geralmente alta, mas o comitê cobrava-lhes eficiência e
firmeza a fim de relaxar seus próprios controles. Havia também situações
paradoxais como a de firmas sob intervenção, excluídas dos negócios privados,
negociarem livremente com os governos estaduais.45 Empresas agraciadas com o
título de "recuperáveis" precisavam cumprir exigências para merecê-lo.
Assinavam compromissos de não se engajar financeira, comercialmente ou com a
publicidade de pessoas e estabelecimentos da PL; não agir em nome daqueles ou
de interesses do Eixo; exonerar empregados indesejáveis e, "a qualquer momento
que for solicitado pela embaixada norte-americana ou legação, entregar o livro
da firma, relatórios, contas e correspondência examinadas por auditores
aceitáveis para a embaixada ou legação, sendo tal exame feito às custas do
abaixo assinado".46 A dureza do controle provocou a resistência de Vargas, a
quem os estadunidenses tratavam de convencer de que a PL era condição sine qua
non para que a economia brasileira importasse insumos, não menos essenciais do
que os materiais estratégicos que o Brasil fornecia, e que se converteriam "em
aviões, tanques, armas e navios" e precisavam ser barateados. Os Estados Unidos
estavam, "conseqüentemente, ativamente engajados não apenas na compra destes
materiais, mas, ao mesmo tempo, em ajudar o Brasil financeira e tecnicamente na
melhora de sua produção e processamento primário. O Brasil está cooperando
maravilhosamente nesse esforço", e os brasileiros "justamente orgulhosos de
cumprir e contribuir para a causa aliada". O que faltava era só um pouco de
entusiasmo para que esses recursos acelerassem a vitória.47
O comitê alegava que os sacrifícios de consumo do povo norte-americano só se
justificariam se houvesse "garantias razoáveis de que os produtos vão somente
para pessoas e firmas conhecidas como amistosas à defesa do hemisfério e a
nossos objetivos". Qualquer tentativa de debilitar a PL devia ser repelida para
evitar que "exportações severamente limitadas estejam disponíveis
indiscriminadamente para nossos amigos e para elementos pró-Eixo". Se Vargas
não aceitasse uma PL poderosa e centralizada, esperava-se contar ao menos com
sua tolerância. Mas em Washington criticava-se o Departamento de Estado e a
embaixada já que, "com exceção do Brasil, todos os países americanos que
romperam relações com os países do Eixo estão cooperando com os Estados Unidos
na PL ou a adotaram",48 e se acusava Vargas de falta de vontade política de
colaborar. A situação escorregadia era indício da luta pelo domínio da "Lista".
Para reforçar as acusações de dúbio comprometimento e de indiferença à sua
política e ideais, os estadunidenses denunciaram órgãos da imprensa que
aceitavam anúncios de pessoas e estabelecimentos bloqueados, e instaram suas
empresas a não anunciar em tais jornais e emissoras de rádio, cortando seu
acesso a suprimentos de papel e de tubos de rádio, "duas armas muito
importantes já em nossas mãos" contra as ofensas.49 Contudo, empresas
bloqueadas provocavam, prometendo continuar a fazer negócios como sempre.50
O comitê cobrava a demissão dos "indesejáveis", proibida pelo direito à
estabilidade ou onerosa devido às indenizações por tempo de trabalho. O impacto
da perda de trabalhadores capacitados e experientes repercutiria na
produtividade. Restava mantê-los ociosos e remunerados. Enquanto se estudavam
alternativas e alterações na lei, crescia o mal-estar com dispensas sumárias
praticadas em São Paulo por empresas estadunidenses. Cerca de duzentos
demitidos em busca de apoio oficial às suas demandas, muitos sem laços com sua
terra natal, conquistavam a simpatia pública e criavam uma contraproducente
agitação antiamericana. O cônsul urgia mudanças, enquanto os empresários
procuravam meios de evitar os custos dessa política.51 Em busca da colaboração
de suas lideranças, de dividir o ônus do controle e reforçar os elos mútuos, a
embaixada convocou-os. Reiterou que se livrassem dos empregados "inimigos",
apesar dos gastos. Para atender à urgência de braços no comitê da "Lista" e no
controle das exportações, funcionários recém-chegados de Washington não seriam
úteis. Buscavam-se "jovens norte-americanos ativos, com experiência local e
conhecimento de português". A sangria seria feita nas empresas, que assim
cooperavam no esforço de guerra, cedendo seus executivos em tempo parcial. Por
fim, solicitava-se qualquer informação sobre suspeitos, mesmo que parecesse
trivial.52
O comitê ansiava pela modificação da legislação que impedia as demissões. Um
decreto-lei autorizou, em agosto de 42, a dispensa sem indenização de oriundos
do Eixo não-naturalizados, mesmo com mais de dez anos de serviço, se
comprovado, por evidências ou pela polícia, serem perigosos à segurança
nacional ou ao funcionamento da empresa. Quando as rescisões de contratos
começaram a ser publicadas, os norte-americanos perceberam que os mais
drasticamente atingidos eram os de sobrenomes alemães.53 Eram empregados de
grandes importadoras e empresas de tecnologia de ponta, cujo capital ou
proprietários tinham vínculos com a Alemanha, nas posições mais altas, de
confiança, ou que exigiam escolaridade: gerentes, pilotos, mecânicos e
técnicos. Embora houvesse assentamentos agrícolas, boa parte dos alemães tinha
ofícios urbanos qualificados.
Acomodando as diferenças
O embaixador no Rio procurava sensibilizar o Departamento de Estado da
necessidade de compensar os esforços realizados pelo governo brasileiro,
argumentando que este acatara um "número extraordinariamente grande de pedidos
que fizemos de privilégios extraordinários relativos à defesa do hemisfério".
Materiais estratégicos em quantidade e "a preços muito mais baixos do que os
exorbitantes pagos então pelo Eixo" eram a contrapartida a se "continuar a
facilitar o embarque de materiais essenciais à indústria brasileira". Contava-
se com cooperação em tarefas como detectar espiões, mas notava-se em Vargas e
em Aranha, amáveis em outros assuntos, um permanente descontentamento em
relação à PL. O sentimento de o país ser tratado como uma banana republic
contribuía para a reação, já que "eles são perfeitamente capazes de cuidar à
sua maneira de seus interesses econômicos e, por outro lado, dos elementos do
Eixo em seu meio. Eles se ressentem do que chamam de nossos métodos
imperialistas".54 A retaliação podia resultar na expulsão do espaço aéreo
brasileiro do Ferry Command que conectava Natal a Dacar pelo caminho mais curto
e seguro no momento. A expectativa do embaixador parecia não ser das melhores,
tanto que prometia para breve uma carta mais construtiva. Num pós-escrito,
acrescenta o desabafo que lhe fizera Aranha, depois de instruir o enviado
brasileiro a Washington: "agora eu acredito que vocês vão nos deixar em paz com
essa questão da PL". Nesse quadro, o FBI, em documento com possíveis
finalidades propagandísticas, considerou o Brasil o "o mais importante país
sul-americano no que diz respeito ao programa de guerra dos Estados Unidos. Ele
não é superado por nenhum outro no mundo em recursos naturais, na maior parte
não explorados".55
Num balanço sobre a "Lista", considera-se que não houve resultados
"satisfatórios" imediatos, mas em pouco mais de um ano exibiam-se estatísticas
animadoras:
foram feitas, aproximadamente, 7.500 histórias e 2.300 fichas de caso
individuais, e estão em uso 106 arquivos gerais de trabalho. A seção
da PL recebe em média cerca de 50 chamadas telefônicas e mantém de 20
a 25 chamadas pessoais por dia [e] continha 265 nomes quando foi
publicada pela primeira vez. Desde então houve 66 exclusões. A lista
total inclui agora aproximadamente 675 nomes.56
Mas a interrupção dos acréscimos, o adiamento de objetivos da PL e mesmo a
exclusão de certas empresas, ocorridos em função da realização da Conferência
do Rio, foram avaliados como um recuo. Autoridades brasileiras tinham imposto a
discussão de ocorrências individuais, colocando em pé de igualdade acusações
com e sem fundamento e, mesmo quando ofereciam cooperação, de fato estavam
"protegendo alguns dos mais poderosos interesses nazis" que, fortalecidos,
resistiam melhor às tentativas subseqüentes. Aranha mantivera na "Lista",
vários meses depois de decidida sua retirada, uma empresa com a qual desejava
lidar "como um instrumento de política interna". Essa flexibilização
desmoralizava a PL, especialmente em casos importantes sobre os quais o público
estava informado. Difundia-se uma impressão de que a embaixada agia
"punitivamente contra ofensores não importantes, mas fazia vista grossa para as
grandes casas comerciais".57 Se elementos significativos do Eixo não fossem
duramente golpeados, a política seria ineficaz "e nos faria parecer ridículos".
Em São Paulo, a PL está sendo ridicularizada e o governo dos Estados
Unidos está perdendo muitos amigos devido às atuais condições. Em
Manaus, um distrito no qual pretendemos investir milhões de dólares,
a organização comercial do Eixo está ao menos tão forte quanto antes
da publicação da PL. Em Santos, o mercado do café desconsiderou
abertamente a PL, mesmo em benefício dos japoneses, e é duvidoso se
teremos força bastante para recuperar o prestígio que perdemos. Em
outras partes do Brasil o resultado não tem sido tão desafortunado
simplesmente porque a "Lista" não os afeta diretamente.58
Talvez em função de frustrações, houve golpes desproporcionais, como o sofrido
pela Cappuccini & Cia., pequena e bem reputada importadora de tintas
composta de marido e mulher italianos, residentes no Brasil há 33 e 24 anos
respectivamente, "bem vistos e competentes, bons pagadores, bons para créditos
moderados", com referências de bancos italianos e alemães e da Câmara de
Comércio Italiana. Em maio de 40, acusada de receber produtos alemães via New
York, entrou para a SL, e em julho para a PL. Desde então não houve outras
evidências. Somente em novembro de 43, a empresa enviou pedidos de exclusão aos
britânicos e aos norte-americanos. Estes consideraram incomuns as razões da
demora: seus profundos sentimentos religiosos, a pequena importância da firma,
a probabilidade de que seu chefe, com a saúde minada, morresse em breve, e
porque não esperava uma rápida solução para o conflito em vista do poder da
frota britânica. No mês seguinte, o comitê da PL considerou enviar, "no devido
momento", recomendação para a retirada da empresa e de seus sócios, já que,
desde a queda de Mussolini, observara mudanças de atitude.59 Contudo, dentre as
novas condições para a exclusão de empresas italianas, uma impedia retirar
"firma ou pessoa italiana que tenha sido predominantemente e ativamente
identificada com a organização fascista local e tenha se engajado em atividades
ou em propaganda políticas destinadas a auxiliar o Eixo", e o proprietário
teria sido vinculado às principais organizações fascistas no Brasil. O comitê
devia avaliar a repercussão, sobre a comunidade local e italianos
antifascistas, da exclusão de firmas ou indivíduos italianos e nacionais pró-
Eixo a fim de não difundir a impressão de relaxamento dos critérios, e
identificar quem se empenhava em demonstrar mudança em suas convicções
políticas e uma recém-assumida fidelidade às Nações Unidas.60 O assunto
Cappuccini se arrastava. Em fevereiro de 44 ainda era discutido, apesar de os
britânicos terem abrandado sua posição.61 Assinados os compromissos, a firma
foi retirada da SL em agosto e, em setembro, da PL. De fato, muito barulho por
nada. Uma empresa economicamente insignificante sofrera uma punição de mais de
três anos da qual as grandes escapavam graças à interferência do governo.
Em 43 o Departamento de Estado julgou que a PL atingira um significativo
sucesso: o Banco do Brasil restringira créditos a nacionais bloqueados e
pretendia usá-la "como parte da administração do controle de exportações"; "uma
organização puramente financeira, sem nenhuma conexão com os Estados Unidos,
três semanas depois de ter sido incluída na PL, estava à beira da bancarrota";
havia mais aceitação nos setores de comércio e finanças; aumentara a eficiência
da inteligência, e "fontes valiosas de informação foram estabelecidas, em
muitos casos dentro do governo. Como resultado, a embaixada era, no momento, a
organização mais bem informada no Brasil sobre questões de inteligência
comercial, sendo regularmente consultada pelas autoridades brasileiras em
questões deste tipo". Comemoravam-se os resultados arrasadores da política de
guerra econômica. Decretos-leis haviam passado empresas importantes a outros
proprietários, acionistas e gerentes.
Na área norte do Rio de Janeiro e em Minas Gerais, interesses
inimigos têm sido virtualmente eliminados, com exceção de uma grande
fábrica de charutos na Bahia e uma pequena fábrica de chocolates em
Vitória. Os interesses inimigos, que anteriormente dominavam a vida
comercial no vale do Amazonas, desde a fronteira boliviana até Belém,
podem ser ditos liquidados. No Ceará, em Pernambuco e na Bahia, os
estabelecimentos comerciais estão quase inteiramente fechados. No sul
do Brasil, onde interesses inimigos são mais concentrados e onde têm
se desenvolvido importantes estabelecimentos industriais, o efeito da
"Lista" tem sido até agora meramente de enfraquecimento de sua
posição e, em alguns casos, de forçar sua transferência a novas
mãos.62
O Departamento de Estado voltou-se ao programa de substituição de técnicos,
informando-se sobre o número necessário, especialidades e salários oferecidos,
já que haveria grande interesse do governo brasileiro em preencher as vagas com
norte-americanos e acelerar os procedimentos de nacionalização.63 As vantagens
em fornecê-los eram a de reduzir o pessoal do Eixo na indústria, a de aumentar
a produtividade, a de baixar custos da produção de medicamentos e materiais
estratégicos, e a de ampliar a entrada no setor produtivo, substituindo
tecnologia e processos moldados em padrões germânicos. Mas o governo brasileiro
não demitiria se não se providenciasse imediatamente pessoal qualificado para
as vagas. Potenciais compradores exigiam as exonerações, apesar do "sacrifício
financeiro, representado pelas indenizações (...) e pelas mais altas
remunerações que, sem dúvida, seriam requeridas pelos substitutos obtidos nos
Estados Unidos",64 mas duvidavam do apoio de Vargas ou dos aliados contra
pleitos de antigos proprietários. Em vista desses impasses, a embaixada sugeriu
a inclusão, "nos tratados de paz ou acordos de armistício com as potências do
Eixo, de cláusulas requerendo ao governo dos países inimigos e seus cidadãos
que expressassem categoricamente" a renúncia a tais ações.
A embaixada desconfiara de liquidantes, administradores do programa de
substituição e protegidos de autoridades; queixara-se da tímida demissão de
suspeitos e de antigas equipes de direção; fora ignorada por apadrinhados de
prestígio. Mas os "registros do inimigo" estavam à sua disposição permitindo-
lhe adquirir "uma penetrante visão sobre o modo pelo qual estas firmas foram
usadas para atividades indesejáveis" e "fizera um exame completo de arquivos e
registros", como os do Banco Alemão, onde cerca de cem empresas tinham feito
empréstimos, tendo sido "em muitos casos, confirmados os pontos de vista da
embaixada a respeito de firmas específicas, ou fornecidas valiosas indicações
para pesquisa adicional". Um relatório com os resultados "deve provar-se
interessante para as autoridades em Washington". O Brasil mostrava "uma
tendência" a responder favoravelmente à embaixada que, exonerada de tarefas
periféricas, aperfeiçoava as de inteligência e investigava conexões entre
informações a fim de traçar um quadro da rede internacional de relações das
empresas mais importantes, consolidando e estendendo o poder econômico e
político estadunidense.
Conclusões
Uma das conseqüências mais duradouras e funcionais do processo desatado pela
implementação da PL foi a racionalização da máquina de Estado norte-americana:
novas agências, emergenciais e permanentes, aparelhamento das representações
diplomáticas, articulação entre o serviço exterior e o de inteligência,
ampliação do papel do Departamento de Estado. Especialistas e equipes mistas
dos setores público e privado colheram e analisaram informações, definiram
objetivos, prazos e meios para implementar, com agilidade, políticas adequadas
às condições locais e, assim, otimizar ações. Volumosos e complexos relatórios
sobre temas econômicos, sociais, culturais e políticos evidenciam o
profissionalismo dos órgãos responsáveis pela política externa.
Conflitos limitaram a margem de manobra, obrigando à renúncia de objetivos e à
partilha de ganhos com aliados locais. No Estado brasileiro, palco também de
profundas transformações, disputou-se o controle do mercado para aproveitar a
instável conjuntura. Em situação desvantajosa, proprietários e empregados
associados a países do Eixo tentaram salvar a própria pele. O resultado foi no
mínimo paradoxal, uma vez que firmou, ao mesmo tempo, a base econômica do
nacionalismo brasileiro e a dependência do país em relação ao capitalismo
norte-americano. O movimento pendular da política do Brasil em relação aos
Estados Unidos foi resultado da difícil tarefa de conjugar, nas circunstâncias
da guerra, autonomia e desenvolvimento, cabendo à figura de Vargas, na
historiografia nacional, encarnar a ambivalência desse processo.
Fontes primárias
Record Group 226, Office of Strategic Services: FBI. 21.3.1942.
Microfilm.
Record Group 59, Central Files 1940-44:WHITE; WARING; PHELPS. 8.2.1943.
Record Group 84:
AMERICAN EMBASSY. 16.12.1942.
ARANHA. 15.8.1941, v. XX.
ARANHA. 21.10.1941, v. XX.
CAFFERY. 25.8.1941, v. XX.
HART. 8.9.1941, v. XXI.
HUBNER II. 31.10.1941, v. XXI.
HULL. 25.10.1941, v. XX.
MCASHAN Jr. 5.11.1942, v. XI.
Record Group 84, Confidential Files:
11-1942, v. IV-EC.
1.4.1942, v. IV-EC.
ACHESON. 25.11.1941, v. II A-EC.
ACHESON. 30.3.1942, v. VI-EC.
AMERICAN EMBASSY. 29.9.1941, v. II A-EC.
ARANHA. 12.12.1941, v. II B-EC.
BRADDOCK. 10.12.1942, v. VI-EC.
BRITISH EMBASSY. 11.8.1941, v. II A-EC.
CAFFERY. 14.4.1942, v. V-EC.
CAFFERY. 17.10.1941, v. II A-EC.
CAFFERY. 24.12.1941, v. II B-EC.
CAFFERY. 26.11.1941, v. II A-EC.
CROSS. 18.2.1943, v. II B-EC.
CROSS. 22.12.1941, v. II B-EC.
CUNNINGHAM. 29.7.1942, v. V-EC.
DEPARTMENT of STATE. 11.4.1942, v. IV-EC.
DEPARTMENT of STATE. 7.12.1942, v. VI-EC.
DEPARTMENT of STATE. 7.2.1941, v. II A-EC.
DEPARTMENT of STATE. 8.10.1941, v. II A-EC.
DONNELLY. 13.11.1942, v. VI-EC.
DONNELLY. 15.12.1942, v. IV-EC.
DONNELLY. 21.11.1941, v. II A-EC.
DONNELLY. 28.11.1941, v. II A-EC.
DONNELLY. 4-1942, v. V-EC.
HULL. 17.12.1941, v. II A-EC.
HULL. 21.12.1941, v. II B-EC.
HULL. 30.12.1941, v. II B-EC.
HULL. 3.10.1941, v. II A-EC.
JFS. 9.12.1941, v. II B-EC.
SIMMONS. 21.11.1942-a, v. IV-EC.
SIMMONS. 21.11.1942-b, v. VI-EC.
SIMMONS. 21.3.1942, v. IV-EC.
SIMMONS. 26.3.1942, v. IV-EC.
Record Group 84, Strictly Confidential Files: Procurement of Strategic
Materials 1943.
WIF, Records of Proclaimed List:
14-12.1943.
16.12.1943.
16.2.1944.
Melhoramentos 1942.
3.5.1941.
5.12.1941.
CAFFERY. 11.11.1942.
CAFFERY. 1.1.1942.
CAFFERY. 1.4.1942.
CAFFERY. 18.12.1942.
CAFFERY. 30.10.1943.
CAFFERY. 5.1.1942.
DONNELLY. 14.3.1943.
DUGGAN. 19.11.1941.
HOOVER, Jr. 7.10.1942.
SIMMONS. 10.1.1944.
SIMMONS. 17.4.1942.
TEWELL. 30.11.1943.
TEWELL. 15.3.1945. In: UNITED STATES. Foreign Relations of the
U. S. 1945. Washington: Government Printing Office, v. IX, p. 650-9.
Documento eletrônico
http://www.ushmm.org/uia-cgi/uia_doc/art/x10-37?hr=null (Disponibilidade: 27/4/
2005).
1. Uma bolsa da FAPEMIG possibilitou a pesquisa de documentos do Departamento
de Estado, da embaixada e consulados no Brasil, de enviados especiais e órgãos
executivos nos National Archives and Records Administration.
2. http://www.ushmm.org/uia-cgi/uia_doc/art/x10-37?hr=null.
3. Department of State 7.2.1941.
4. Tewell 30.11.1943.
5. Department of State 7.12.1942.
6. Caffery 26.11.1941.
7. Department of State 7.12.1942.
8. Donnelly 13.11.1942.
9. Acheson 30.3.1942.
10. American Embassy 16.12.1942.
11. Caffery 1.4.1942.
12. British Embassy 11.8.1941.
13. Simmons 21.3.1942.
14. Acheson 25.11.1941.
15. Caffery 1.1.1942.
16. Simmons 21.3.1942.
17. Donnelly 21.11.1941 e 28.11.1941.
18. Aranha 15.8.1941.
19. Caffery 25.8.1941.
20. Hart 8.9.1941.
21. Hubner II 31.10.1941.
22. American Embassy 29.9.1941.
23. Hull 3.10.1941.
24. Department of State 8.10.1941.
25. Simmons 21.11.1942-a.
26. Caffery 17.10.1941.
27. Hull 25.10.1941, Hull 21.12.1941.
28. Aranha 12.12.1941.
29. Simmons 26.3.1942.
30. 1.4.1942.
31. Acheson 30.3.1942.
32. 3.5.1941.
33. Duggan 19.11.1941; Hull 30.12.1941.
34. Caffery 5.1.1942, 5.12.1941.
35. Procurement 1943.
36. Cross 18.2.1943.
37. Donnelly 14.3.1943.
38. Simmons 17.4.1942.
39. Melhoramentos 1942.
40. Aranha 21.10.1941.
41. Caffery 11.11.1942.
42. Caffery 30.10.1943.
43. Simmons 10.1.1944.
44. Caffery 18.12.1942.
45. Braddock 10.12.1942.
46. Department of State 11.4.1942.
47. McAshan, Jr. 5.11.1942.
48. Donnelly 4.1942.
49. Simmons 21.11.1942-b.
50. Hoover Jr. 7.10.1942.
51. Hull 17.12.1941 e Cross 22.12.1941.
52. JFS 9.12.1941.
53. Donnelly 15.12.1942.
54. Caffery 14.4.1942.
55. FBI 21.3.1942.
56. 11.1942.
57. Cunningham 29.7.1942.
58. Cunningham 29.7.1942.
59. 14.12.1943.
60. 16.12.1943.
61. 16.2.1944.
62. Procurement 1943.
63. White, Waring, Phelps 8.2.1943.
64. Tewell 15.3.1945.