A diplomacia cultural no Mercosul
Introdução
A cultura ingressou na agenda do Mercosul ao final dos anos 90. Foi somente
então que ela passou a ser objeto de discussões no Bloco, mas de forma mais
retórica do que prática. A cultura, ainda na atualidade, é considerada algo
supérfluo e de valor apenas simbólico. Ela não é valorizada nem como um
instrumento de aproximação das sociedades nem como facilitadora do avanço da
integração regional. A inexistência de uma diplomacia cultural no Bloco, e nos
países que o integram, é um indicador da ausência de atividades de promoção
cultural voltadas ao conhecimento dos patrimônios culturais e dos "hábitos do
coração" (NUN, 2007) de suas populações.
En la mayoría de los esquemas subregionales de integración, la
dimensión cultural, aunque ella esté formalmente presente, se halla
lejos de ocupar un lugar destacado en las agendas de negociación de
los gobiernos, y las políticas culturales han jerarquizado
tradicionalmente sólo algunas expresiones artísticas o folklóricas
(muestras de artes visuales, festivales de artes escénicas,
circulación de artistas o convenios para la preservación del
patrimonio histórico) mientras han dejado casi siempre de lado las
manifestaciones relacionadas con los medios de comunicación y las
industrias culturales, es decir, con aquellos campos de la cultura
que más han contribuido a la intercomunicación y al conocimiento de
los diversos imaginarios colectivos (GETINO, 2005).
A importância dos interesses comerciais na agenda das negociações e a
centralidade dos atores governamentais nas relações entre os países, deixou num
segundo plano temas e atores não diretamente ligados ao mundo dos negócios e da
política externa dos países. Questões de grande relevância para a escolha do
melhor caminho para avançar na integração regional ' a política, a cultura, a
educação e as relações sócio-laborais ' têm recebido pouca ou nenhuma atenção
das diplomacias governamentais.
Entre os países têm predominado relações culturais espontâneas,
predominantemente de natureza turística, não havendo exemplos de relações de
política cultural. Como se vê,
As primeiras são fruto de contatos individuais com uma cultura
estrangeira, por meio de viagens turísticas, cursos de línguas,
livros, cinema, programas de radio ou de televisão.... As segundas
são fruto de um esforço sistemático e amplo do Estado em se dotar de
organismos públicos ou semi-públicos de propaganda intelectual.
(DUROSELLE apud LESSA, 2002)
O patrimônio cultural dos países, pouco conhecido pelos demais, não tem sido
utilizado para construir pontes entre seus povos, relações de confiança e
estimular o diálogo. Os cidadãos conhecem superficialmente as culturas de seus
próprios países e desconhecem, quase totalmente, os patrimônios histórico,
material e intangível de seus vizinhos. A reduzida informação que possuem tem
como fontes principais o turismo, as raras matérias publicadas na grande
imprensa ou transmitidas pela TV ou o futebol, paixão nacional nos quatro
países.
Por outro lado, raras são as academias diplomáticas que propiciam aos futuros
representantes no exterior uma formação cultural, suficientemente aprofundada
sobre a cultura de seu próprio país. Os futuros diplomatas conhecem
superficialmente as manifestações culturais artísticas de seu próprio pais,
suas diferenças regionais, seu folclore e as diversas formas de religiosidade,
suas indústrias culturais e os sistemas educacionais e de ciência e tecnologia.
Em conseqüência, a imagem de seu país que ele divulgará no exterior relaciona-
se, apenas, ao folclore, às belezas naturais ou algumas manifestações populares
como o Carnaval ou o futebol, do Brasil; o tango, na Argentina; as Cataratas e
as Missões Guaraníticas, no Paraguai, e Punta del Este, no Uruguai.
Os Estados-membros ao não possuírem uma diplomacia cultural, complementar à
atividade diplomática tradicional, revelam a prevalência no Mercosul de
estratégias inspiradas pelo hard power e a sub-valorização do soft power.
Poucos são os que percebem que, com o avanço dos processos de globalização
econômica e tecnológica, as relações internacionais passaram a depender, cada
vez mais intensamente, da cultura, do soft power, do que do poder econômico ou
da força das armas. A liderança política dos países transformou-se numa
concorrência para atingir a atração, a legitimidade e a credibilidade
internacional (RABADÁN; ONOFRIO, s/d).
Diferentemente do que ocorre em países como a França, a Itália, a Alemanha, a
Espanha e o México, que desenvolvem projetos para divulgar seus ricos
patrimônios culturais e sua ampla gama de expressões culturais, por meio de uma
política exterior integral e integradora (BARTRA, 2004), nos países do Mercosul
a cultura não é considerada um fator coadjuvante da política externa dos
países.
Como explicar que países com ricos patrimônios culturais ' como a Argentina, o
Brasil, o Paraguai e o Uruguai ' não os utilizem como instrumentos de política
exterior e de defesa dos interesses nacionais?
As explicações, evidentemente, não se limitam a uma só.
Contrariamente, são muitas: desde nossa particular idiossincrasia que
nos impulsiona a considerar o cultural como algo frívolo ou
supérfluo, até a mentalidade pragmática que impera nas últimas
décadas que privilegiam exclusivamente o fator econômico, passando
pela limitação dos estilos diplomáticos dos países que motivam nossa
admiração ou, em termos mais pueris, o simples desejo de imitação
(BARTRA, 2004).
A diplomacia cultural no mundo
A diplomacia cultura que alguns países possuem é uma prova de sua importância
na construção da imagem pais. Desde o início do século XX, pela França, a
Alemanha, a Itália, a Espanha, a Polônia, a Inglaterra e os Estados Unidos. A
França, pioneira nesse campo, inaugurou sua política cultural externa em 1909,
quando o ministério de Negócios Estrangeiros da França criou a Oficina de
Escolas e Obras francesas no estrangeiro para coordenar sua ação cultural no
exterior. Na atualidade, a Direção Geral de Cooperação Internacional e
Desenvolvimento (DGCID) coordena a ação dos ministérios interessados e as
inciativas de outros agentes públicos e privados. Recorre a grandes operadores
(Asociação Francesa de Ação Artística, Aliança Francesa, Radio França
Internacional, Edufrance) e apoia-se em extensa rede de serviços de cooperação,
de establecimentos culturais e de institutos de pesquisa (Ministère des
Affaires Étrangères, 2007).
A Espanha desenvolve uma diplomacia cultural ágil e creativa, focada na criação
de uma nova imagem do país. Com a entrada da Espanha na Comunidade Européia, em
1992, organizaram-se inúmeros eventos projetaram uma imagem moderna, organizada
e dinâmica do país. Os estereotipos do passado, ainda, seguem influenciando a
imagem do país, mas as instituições públicas ' sobre as quais recai a
responsabilidade da projeção exterior cultural ou econômica do pais ' empenham-
se em criar uma nova Imagem Espanha. Por meio do Instituto Cervantes, da
Fundação Carolina, da Sociedad Estatal para a Ação Cultural Exterior, a imagem
do país vai aproximando-se, gradualmente, da nova realidade de sua economia, da
democracia contruida, do nível social e cultural de sua população.
A Polônia, de recente ingresso na União Européia desenvolve uma diplomacia
cultural ativa. Em 2000, criou o Instituto Adam Mickiewicz, por iniciativa dos
Ministérios de Cultura e de Assuntos Exteriores, para suprir de conteúdos a
ação cultural das missões diplomáticas e os Institutos de Polônia no exterior.
O instituto é uma instituição cultural governamental cujo objetivo é difundir a
cultura polonesa ao redor do mundo e cooperar com os projetos culturais de
outros países.
Em 1934, a Inglaterra criou o British Council, peça mestra da difusão da
cultura britânica. Ele tinha como objetivo promover um amplo conhecimento do
Reino Unido por meio da cooperação cultural, educativa e técnica. Na
atualidade, o British orienta suas ações, principalmente, para o Oriente Médio,
onde as relações culturais podem significar uma importante contribuição para a
prosperidade e segurança do Reino Unido.
Os Estados Unidos, em 1940, criaram a Oficina do Coordenador de Assuntos Inter-
Americanos (OCIAA), sob a responsabilidade de Nelson Rockfeller e orientada
diretamente à América Latina. Para alcançar seus objetivos, a OCIAA contava com
as divisões de comunicações, relações culturais, saúde e comercial/financeira.
Cada uma dessas divisões subdividia-se em seções: rádio, cinema, imprensa;
arte, música, literatura; problemas sanitários; exportação, transporte e
finanças.
A Fundação Ford, a Fundação Fulbright, a Fundação Carnegie e muitas outras,
também, são exemplos da forma como a política exterior cultural dos Estados
Unidos utilizou a cultura para que sua atuação nos campos político e econômico
não parecesse coercitiva.
Além desses países, nos últimos anos, muitos outros adotaram estratégia
semelhante. Com a importância adquirida pelos meios de comunicação na criação e
transmissão de imagens, muitos países vêem implementando estratégias
diplomáticas para atrair a atenção internacional sobre suas riquezas e
potencialidades culturais, econômicas e naturais. Na construção dessa imagem
tem uma importância decisiva o patrimônio cultural do país, além de suas
riquezas naturais, o dinamismo de sua economia e seu desenvolvimento
tecnológico. O prestigio cultural de um país é um componente básico do soft
power cuja importância é fundamental para a construção de uma imagem
internacional favorável aos interesses nacionais.
A cultura no Mercosul
As atividades culturais mais importantes e com maior regularidade no Mercosul,
têm resultado, principalmente, de iniciativas de novos atores internacionais
como artistas, intelectuais, professores e pesquisadores universitários, alguns
empresários e ONGs. Elas têm dado origem a inúmeras redes de pesquisadores,
artistas, esportistas; delas, também, têm resultado a realização de exposições,
à criação de programas de cooperação, de mobilidade de docentes e de alunos em
universidades da região. Em grande parte, tais iniciativas tem tido sua origem
em relações pessoais e, raramente, de políticas culturais externas dos países.
A Reunião de Ministros da Cultura do Mercosul, criada em 1995, tem tido um
papel de pouco destaque. Sua atuação tem-se restringido à assinatura de atos
protocolares, a discursos, marcados pela retórica ou à realização de reuniões
para discutir temas relativos à circulação de bens e serviços culturais, a
questões tarifárias.
No Mercosul, em seus mais de dez anos de existência, o tema cultural
tem tido um tratamento bastante limitado, embora tenha havido algum
desenvolvimento, em particular no que se refere à facilitação da
circulação de bens culturais e à criação de vínculos e intercâmbios
de expressões culturais provenientes dos países membros. (PODESTÁ,
2004).
A cultura, apesar das declarações dos diplomatas e de outros representantes dos
governos nacionais, não tem ocupado um lugar de destaque na política exterior
dos países, em geral, e do Bloco, em particular. Ela, ainda, não é considerada
um pilar da política exterior ' como afirmava Willy Brand, ministro dos
Negócios Estrangeiros da República Federal da Alemanha que, em 1966, criou o
termo diplomacia cultural. Ele introduziu a temática da diplomacia cultural no
campo das relações internacionais, considerando-a o terceiro pilar da política
externa das nações, juntamente com a política e a comercial. Às temáticas
culturais, ele atribuía um papel de grande importância para a aproximação entre
as nações e o relacionamento entre os estados nacionais.
No Mercosul, as questões culturais têm merecido pouca atenção do Ministério de
Relações Exteriores. Sua iniciativa, em geral, é tímida e pouco articulada, e a
cultura não é utilizada para o desenvolvimento de estratégia voltada à
divulgação internacional da imagem-país. O conhecimento da riqueza de suas
literatura, a musica, tradições, festas, cinema, sua produção científica
permanece restrito a grupos de especialistas.
O desconhecimento da realidade sócio-cultural dos países vizinhos é profundo.
Os preconceitos, as visões e opiniões parciais, quando não distorcidas, de
alguns países em relação aos outros, dificultam, quando não inibem, o
surgimento de relações de confiança e de projetos de cooperação. Observações e
leituras superficiais ou apressadas, distorções de origem ideológica e posturas
etnocêntricas criaram, no decorrer dos anos, imagens dos países e de suas
culturas folclorizadas e pouco fieis a suas origens históricas.
Até a atualidade, nenhum dos países fundadores do Mercosul desenvolveu ações
que pudessem ser classificadas expressões de uma diplomacia cultural. Não há um
real interesse na construção de afinidades entre os países, desde a compreensão
de suas necessidades, de suas culturas, das características de suas populações
e da comunicação de perspectivas nacionais, corrigindo preconceitos e
pesquisando campos nos quais possam haver interesses comuns (LEONARD, 2002).
Nas relações entre os países predomina uma diplomacia tradicional, típica do
realismo que tem norteado suas políticas externas e concentrado suas atividades
no campo das relações entre os governos. "Por sua própria natureza, o realismo
tem metas de curto alcance e é reativo. Limita rigidamente os fatores que devem
ser levados em consideração ou dos quais se deve tirar vantagem. Os benefícios
que seus proponentes apontam somente podem-se realizar no curto prazo"
(RIORDAN, 2005).
A diplomacia cultural, instrumento da diplomacia pública de muitos países
desenvolvidos e, também, de alguns emergentes ' Coréia e a China ' ainda não
chegaram aos países do Mercosul. A diplomacia pública, que se preocupa com a
imagem internacional do país e procura estabelecer relações de confiança como
os países, trabalha com metas de longo prazo e busca estabelecer relações de
cooperação entre os países, mais do que entre os Estados, não tem muitos
seguidores na região.
A falta de uma diplomacia cultural nos países do Mercosul, articulada com a
diplomacia tradicional ' denominada "diplomacia do silêncio" e típica dos
estados westfalianos, preocupados com o equilíbrio do poder e com a defesa dos
interesse nacionais (RIORDAN, 2005) ' é um dos principais obstáculos para a
construção de uma "sociedade civil" no Mercosul.
La diplomacia cultural es um recurso privilegiado en la construcción
de imagen, prestigio y confianza que requieren los países, además de
constribuir al diálogo intercultural y al acercamiento entre los
pueblos. Es también una actvidad de las relaciones exteriores cada
vez más explícitamente articulada con objetivos comerciales,
económicos y de desarrollo, pudiendo contribuir a ellos tanto em
forma directa como indirectamente. (PODESTÁ, 2004, p. 51).
A diplomacia cultural "promove ou divulga a cultura, programas culturais,
instituições culturais ou científicas, idéias ou autores de um país" (LESSA,
2001, p. 17), sendo sua principal motivação a utilização do capital cultural do
país em beneficio de suas relações externas. Ela pode não ter como principal
objetivo promover o país ou suas relações externas (como no caso de
intercâmbios acadêmicos), mas criar uma imagem ou marca do país. A diplomacia
cultural não visa atingir resultados culturais, econômicos ou políticos de
curto prazo, nem o retorno aos investimentos realizados. Seu grande desafio é
construir imagens positivas e atraentes dos países ou dos blocos regionais, que
articulem de forma consistente e moderna seus capitais culturais e os projetos
de desenvolvimento e de cooperação.
O universo da diplomacia cultural é de grande amplitude e riqueza, estando
diretamente relacionado ao capital cultural dos países. Entretanto, um rico
passado histórico ou um desenvolvimento cultural recente não são suficientes
como ponto de partida de uma política cultural exterior. É necessário, também,
que os países sejam capazes de utilizar esse capital em beneficio de sua imagem
e prestigio (PODESTÁ, 2004). Somente políticas culturais externas, com forte
apoio dos Estados, com objetivos claros e com operadores culturais
qualificados, podem colocar os capitais culturais nacionais a serviço das
relações com o exterior.
O intercâmbio de pessoas; a promoção da arte e dos artistas; o ensino de língua
(veículo de valores); a distribuição integrada de material de divulgação; o
apoio a projetos de cooperação intelectual e técnica e a integração e a
mutualidade na programação (RIBEIRO, 1989) são alguns dos meios por meio dos
quais pode desenvolver-se uma diplomacia cultural. Para tanto, todavia, é
necessário que eles sejam articulados em projetos de longo prazo, que contém
com financiamento publico e privado e sejam administrados por profissionais da
área de cultura.
Na Argentina e no Brasil há um exemplo de diplomacia cultural, que pode servir
de modelo a outros países do Mercosul. Desde 1996, o Instituto do Serviço
Exterior da Nação da Argentina (ISEN) e o Instituto Rio Branco do ministério de
Relações Exteriores do Brasil, vêm intensificando o intercâmbio de alunos e de
professores de ambas instituições. Em dezembro de 2002, foi firmado um Acordo
entre os dois países com o objetivo de: "a) fortalecer a cooperação entre as
chancelarias de ambos países, por meio de programas de intercâmbio de
informação e de publicações entre as respectivas academias; b) enriquecer o
conhecimento mútuo por meio da criação de cátedras para este fim" (MRE-DAI,
2002). Segundo os depoimentos feitos por alunos que participaram do
intercâmbio, ele tem propiciado experiências de grande relevância para sua
carreira diplomática. Além de propiciar o estreitamento de relações com
diplomatas do outro pais, as viagens que realizam com os colegas do país que os
recebe oferecem a oportunidade ímpar de conhecer com mais profundidade as
realidades sócio-culturais das diversas regiões dos países.
Para que os países do Mercosul desenvolvessem autênticas diplomacias culturais
seria necessário, antes de tudo, que eles acreditassem no poder da cultura como
instrumento privilegiado para conquistar as mentes e o coração das pessoas. É
com seu auxílio que seria viável criar e aprofundar o diálogo e a confiança
entre as nações que integram o Mercosul. Alejandro Grimson em livro
recentemente lançado ' Pasiones Nacionales ' Política y cultura en Brasil y en
Argentina ' afirma:
Para avanzar en proyectos de bloques regionales sólidos y
sustentables resulta necesario desarrollar y potenciar el
conocimiento mutuo entre las sociedades y culturas que interactúan.
Las desconfianzas, los malos entendidos, las situaciones de
incomunicación pueden surgir no solo de intereses divetgentes, sino
de dificuldades reales en encontrar los modos de comprender
alternativas de convergencia (GRIMSON, 2007).
Ações institucionais no campo cultural no Mercosul
A tese defendida por alguns intelectuais integracionistas de que à cultura
deveria caber um papel importante na consolidação do Mercado Comum do Sul
(Mercosul) teve um aparecimento tardio na agenda diplomática. No Tratado de
Assunção (1991) não se fez referência a ela, nem à educação, ao desenvolvimento
cientifico e tecnológico ou às indústrias culturais. Nele predominaram os
objetivos de natureza comercial e sua principal meta foi a constituição, no
menor prazo possível, de um mercado comum.
Recém em 1992 foi criada a Reunião Especializada em Cultura (Resolução de 34/
92, do Grupo Mercado Comum) com a função de " promover a difusão da cultura dos
Estados Partes, estimulando o conhecimento mútuo dos valores e das tradições
culturais de cada Estado Parte, bem como os empreendimentos conjuntos e as
atividades regionais no campo da cultura." Três anos após, em agosto de 1995,
em Assunção, foi criada a Reunião de Ministros e Responsáveis de Cultura, como
foro negociador, em substituição à Reunião Especializada em Cultura.
Somente em março de 1995 na Reunião de Buenos Aires fez-se, pela primeira vez,
referência ao "Mercosul Cultural" e nos documentos oficiais mencionou-se a
dimensão cultural do processo de integração (ESCOBAR, 2006). A abordagem da à
cultura, entretanto, não teve o propósito de desenvolver ações que propiciassem
a construção de uma identidade coletiva regional nem foi objeto de alguma
acordo acordos comercial. Nem as diplomacias nacionais nem outros
representantes governamentais no Bloco reconheceram alguma relevância ao papel
da cultura no futuro do Bloco.
Com a criação da Reunião de Ministros da Cultura procurou-se dar maior destaque
às questões culturais, mas, na prática, elas permaneceram à margem das
negociações. O Conselho do Mercado Comum, através da Decisão 2/95, decidiu
"criar a Reunião de Ministros da Cultura ou funcionários de hierarquia
equivalente, a qual terá como função promover a difusão e o conhecimento dos
valores e tradições culturais dos Estados ' Partes do Mercosul, assim como a
apresentação a este Conselho de propostas de cooperação e coordenação no campo
da cultura". Mas, poucas ações foram implementadas. A Reunião de Ministros, de
caráter formal, não tem estimulado discussões sobre a política cultural do
Bloco para estimular o desenvolvimento de atividades culturais envolvendo
atores ligados ao campo da cultura dos países do Bloco. Como lembra Fernandez,
A criação de um espaço institucionalizado para a cultura dentro do
Mercosul, estimulou o estudo dos pesquisadores e instituições
acadêmicas e culturais relativas à incidência econômica da atividade
cultural e das políticas públicas nas industriais culturais dos
países membros. Os resultados de tais pesquisas não sempre foram
devidamente aproveitados. (FERNÁNDEZ, 2007)
A criação da Reunião de Ministros da Cultura, inicialmente, despertou certo
otimismo entre os atores culturais nacionais que supuseram que os temas
culturais passariam a integrar a agenda do Bloco. As comissões técnicas que a
integram ' de patrimônio (conhecimento, proteção, conservação e valorização do
patrimônio cultural, em especial, ao Projeto Missões); indústrias culturais
(empreendimentos conjuntos nos meios de comunicação de massa), redes de
informação (criação de condições para o estabelecimento de um sistema de
informação cultural regional) e capacitação (formação de profissionais), até a
atualidade, têm tido poucos resultados. Seu trabalho tem-se concentrado no
campo da legislação.
O otimismo inicial teve vida curta. A desilusão e o desencanto ocuparam seu
lugar. Nos dois primeiros anos de funcionamento (1995-1996), a Reunião de
Ministros da Cultura limitou-se a propor algumas ações, de natureza genérica,
para a consolidação do Mercosul Cultural. As ações aprovadas, incentivadas ou
recomendadas foram: aprovar a realização de dois cursos de capacitação, um
organizado pelo Brasil, sobre Projetos Culturais para o Mercosul, a ser
oferecido no mês de maio de 1996, em Brasília, e o segundo, por iniciativa da
Argentina, organizado pela OEI (Organização dos Estados Interamericanos), sobre
gestão e administração cultural do Mercosul, a ser realizado em Buenos Aires,
em junho de 1996. (Ata de Canela, Parágrafo Quarto); aprovar a criação de um
Centro de Documentação Musical do Mercosul em Montevidéu, por iniciativa da
delegação uruguaia. (Ata de Canela, Parágrafo Sexto).
Em 1996 foi criado o Parlamento Cultural do Mercosul (Parcum), integrante da
sub-comissão parlamentar conjunta, para dotar de una estrutura institucional e
apoio legislativo ao Mercosul Cultural. O objetivo principal do órgão era
compatibilizar as legislações culturais dos países visando a harmonização
normativa que favorecesse:
la libre circulación de bienes y servicios culturales; la protección
y difusión del patrimonio cultural; la defensa y gestión de derechos
de propiedad intelectual; la promoción y consolidación de las
industrias culturales y la implicación de los medios de comunicación
para la difusión cultural del MERCOSUR. (PARLAMENTO CULTURAL DO
MERCOSUL, 1996).
Nesse mesmo ano, na reunião do Conselho Mercado Comum, em Fortaleza, os
presidentes aprovaram a criação do selo "Mercosul Cultural" e assinaram o
"Protocolo de Integração Cultural do Mercosul". Nessa ocasião, eles reafirmaram
que o processo de integração deveria transcender o plano comercial e promover a
criação de espaços culturais, priorizando a co-produção de ações culturais, de
ações culturais que expressassem as tradições históricas, os valores comuns e
as diversidades dos países ' membros do Mercosul.
Las acciones culturales contemplarán, entre otras iniciativas, el
intercambio de artistas, escritores, investigadores, grupos
artísticos e integrantes de entidades públicas o privadas vinculadas
a los diferentes sectores de la cutura. Favorecerán producciones de
cine, video, televisión, radio y multimedia, bajo el régimen de
coproducción y codistribución, abarcando todas las manifestaciones
culturales. Promoverán la formación común de recursos humanos
involucrados en la acción cultural. Promoverán la investigación de
temas históricos y culturales comunes, incluyendo aspectos
contemporáneos de la vida cultural de sus pueblos, de modo que los
resultados de las investigaciones puedan servir como aporte para la
definición de iniciativas culturales conjuntas. Impulsarán la
cooperación entre sus respectivos archivos históricos, bibliotecas,
museos e instituciones responsables de la preservación del patrimonio
cultural, con el fin de armonizar los criterios relativos a la
clasificación, catalogación y preservación, con el objeto de crear un
registro del patrimonio histórico y cultural de los Estados Partes
del Mercosur. Recomiendan la utilización de un Banco de Datos común
informatizado, confeccionado en el ámbito del Sistema de Información
Cultural de América Latina y del Caribe (SICLAC), que contenga
calendarios de actividades culturales diversas y un relevamiento de
los recursos humanos e infraestructuras disponibles en todos los
Estados Parte. (GETINO, 2005).
Na IV Reunião de Ministros de Cultura (junho de 1997) foi decidida: a
realização de um Inventário do Patrimônio Histórico e Artístico; que cada
Estado-parte solicitasse à Unesco a extensão da declaração de Patrimônio da
Humanidade aos Povos Guarani e a apresentação de projetos de interesse comum à
Unesco na busca de parcerias. Essas decisões não foram seguidas da formulação
de projetos voltados a desenvolver ações que tornassem concretas as propostas
dos ministros.
A única referência à necessidade de criar órgãos responsáveis pela definição e
execução de políticas culturais transnacionais (ESCOBAR, 2006), consta na Ata
2/97. Nesta oportunidade os ministros declararam a necessidade de "definir as
instâncias administrativas necessárias para a implementação em cada país do
"Selo Mercosul Cultural" e "criar, a nível das autoridades responsáveis do
Patrimônio dos Estados Parte, uma instancia para estabelecer uma normativa que
permita declarar bens tangíveis ou intangíveis como "Patrimônio Cultural do
Mercosul". No período posterior, desenvolveram-se ações destinadas a
transformar em práticas concretas as recomendações feitas pelos ministros da
Cultura
A partir da VI Reunião (1998), predominou o abstracionismo e o tratamento
genérico das questões culturais. Não se avançou na criação de instâncias de
circulação cultural e nem no incentivo ao estabelecimento de parcerias com
organismos internacionais, como a Unesco. Em vez de formular novas proposições,
a RMC limitou-se a ratificar, reiterar, reafirmar, ressaltare destacar a
importância dos Estados-membros apoiarem projetos na área cultural.
Predominaram a retórica e as declarações de boas intenções, mas, na prática,
pouco ocorreu de novo. Não houve da parte dos países a formulação de projetos
no campo cultural regional, permanecendo cada um deles concentrados em temas
relativos às culturas nacionais.
Os temas culturais não têm sido para os negociadores nem uma necessidade
interna do processo de integração referida à construção de uma identidade
coletiva nem matéria de acordos comerciais e legais entre os sócios e destes
com terceiros (PODESTÁ, 2004). Os interesses comerciais têm prevalecido sobre
as questões culturais, políticas e sociais, relegadas a um plano secundário e
seu tratamento postergado para um futuro incerto.
Em dezembro de 2003, um novo órgão foi criado pelo Grupo Mercado Comum na área
cultural: a Reunião Especializada de Autoridades Cinematográficas e
Audiovisuais do Mercosul (Recam). Ela tinha a
finalidad de analizar, desarrollar e implementar mecanismos
destinados a promover la complementación e integración de dichas
industrias en la región, la armonización de políticas públicas del
sector, la promoción de la libre circulación de bienes y servicios
cinematográficos en la región y la armonización de los aspectos
legislativos (Recam ' MERCOSUR/GMC/RES. Nº 49/03).
Os resultados, mais uma vez, foram decepcionantes. Nenhuma das iniciativas
previstas pelos idealizadores da RECAM deu origem a projetos elaborados para
atingir os objetivos propostos.
A maior parte dos acordos constantes das Atas da Reuniões dos Ministros de
Cultura foi implementada. Nelas há mais declarações de interesses do que
propostas de projetos regionais destinados a regulamentar e propiciar o
intercâmbio, a circulação e a produção cultural na região (PALLINI, 2001). Como
informa Canclini,
É um exercício decepcionante voltar a ler os discursos e documentos
das cimeiras regionais e confrontá-los, anos mais tarde,com as
estatísticas das realizações e dos fracassos dos programas de
modernização e de democratização educacional,a televisão ibero-
americana, a cooperação científica e técnica, o ' mercado comum do
conhecimento', a 'livre circulação de estudantes, cientistas e de
bens culturais', 'deter o êxodo profissional', 'vincular a educação
com os processos sócio-econômicos' (CANCLINI, 2007).
O papel de atores não-governamentais no campo da cultura
Se é verdade que nenhum dos países do Mercosul desenvolve uma diplomacia
cultural destinada a aumentar o conhecimento entre eles e o diálogos entre seus
cidadãos, atores não- governamentais têm desenvolvido projetos culturais que
têm tido um impacto significativo no estreitamento das relações com os países
vizinhos.Exemplos disso são a Associação de Universidade do Grupo Montevidéu, a
Rede de Mercocidades, a Bienal do Mercosul, o projeto DocTV Iberoamérica, Porto
Alegre em Cena, Porto Alegre em Buenos Aires, a Feira do Livro em Porto Alegre
e outros eventos de menor magnitude.
Essas iniciativas tem resultado mais do apoio de intelectuais, artistas e
empresários do que dos ministérios de Cultura e de Relações Exteriores. Pessoas
dos quatro países, que possuíam vínculos profissionais ou de amizade com
colegas da região, são os principais responsáveis por tais ações que,
lentamente, estão dando origem a um espaço cultural do Mercosul.
A Rede Cultural do Mercosul criada para divulgar informações sobre ações
conjuntas desenvolvidas pelos países do Bloco na área cultural, bem como as
atividades culturais nacionais, registra, ainda, um reduzido numero de
iniciativas,não dispondo de bancos de dados sobre os patrimônios material,
intangível e natural dos países que integram o Bloco.
A Rede Mercocidades integrada por 176 cidades (2007) foi criada em Assunção, em
1995. Em sua fundação estiveram presentes os representantes das capitais
Assunção, Montevidéu, Brasília, Rio de Janeiro, Buenos Aires e Santiago do
Chile. A rede visava possibilitar a participação do poder público municipal nas
discussões de políticas e projetos de integração regional. Na Carta de Porto
Alegre, do mesmo ano, reafirmava-se a importância da Rede de Mercocidades para
a integração dos municípios ao processo de implantação do Mercado Comum.
Com relação à cultura, o Estatuto das Mercocidades definiu os seguintes
objetivos que, até a atualidade, permanecem no nível das boas intenções à
espera de iniciativas e de responsáveis por sua execução. Segundo a Declaração
de Assunção,
Crear mecanismos de comunicación en redes entre las ciudades a fin de
facilitar el intercambio de experiencias e informaciones y facilitar
el acceso de los ciudadanos a los centros municipales de
investigación, desarrollo tecnológico y cultura. (III). Desarrollar y
potenciar actividades comunes e integradas vinculadas a la cultura,
la recreación, el deporte y el turismo. (IX). A través de Unidades
Temáticas de representación integrada efectuar el inventario del
patrimonio cultural e histórico de las ciudades del Mercosur
necesarios para adoptar medidas comunes que garanticen su
preservación y difusión. (X). Propugnar y concientizar sobre la
participación ciudadana que conduzca a ejercitar activamente los
derechos en el ámbito político, económico, social y cultural. (XVII)
(Declaración de Asunción, 1995)
A Bienal do Mercosul1, um dos mais efetivos e exitosos projetos culturais, é o
resultado da iniciativa e do empenho de atores privados e públicos preocupados
em promover o intercâmbio de obras e de artistas latino-americanos. A Bienal
realiza-se em Porto Alegre, desde 1997, por iniciativa da Fundação Bienal de
Artes Visuais do Mercosul, instituição de direito privado sem fins lucrativos.
O financiamento é feito, principalmente, por empresas (89%), e com recursos
públicos federal, estadual e municipal.
A Bienal, segundo seus idealizadores e realizadores, é um "exercício" de
integração cultural independente dos governos, que ocupa um espaço vazio
deixado pelo Mercosul: o da cultura. Na avaliação de Escobar (2006), a Bienal é
um caso paradigmático da viabilidade de desenvolver ações que envolvam os
governos nacionais, estaduais e municipais, artistas, empresas, etc.
A Associação de Universidades do Grupo Montevidéu ' AUGM2, fundada em
Montevidéu em 1991 por reitores de universidades públicas dos quatro países
integrantes do Bloco, teve o propósito de formar uma rede de instituições de
nível superior públicas, autogeridas ou autônomas para promover,
fundamentalmente, intercâmbios de docentes, pesquisadores e alunos. Tal
mobilidade foi considerada por seus idealizadores de grande importância para o
desenvolvimento de um projeto educacional voltado à integração. Na atualidade,
fazem parte do Grupo vinte universidades brasileiras, uruguaias, argentinas,
paraguaias e chilenas3.
A AUGM constitui-se em uma universidade virtual, um local no qual os espaços
acadêmicos e os recursos de cada uma das instituições formadoras são ampliados
e multiplicados pela formação de uma rede de pesquisadores, estudantes,
recursos materiais e conhecimentos. Atualmente, ele oferece três programas com
vistas a facilitar o intercâmbio de pessoas e de idéias e a divulgar as
produções científicas nacionais. Os programas são: Programa de Escala
Estudantil, Programa de Escala Docente e Jornada de Jovens Pesquisadores.
O Programa DocTv Iberoamérica4 patrocina a produção e viabiliza a circulação de
documentários dos países no mercado regional por meio do Fundo DocTv5 Ibero-
americano e da Rede DocTv6 Ibero-americana, coordenada pela secretaria
executiva da Cinematografia Ibero-americana (órgão vinculado ao ministério da
Cultura do Brasil através da secretaria do Audiovisual).
O programa foi uma iniciativa da Conferência do Organismo Máximo do Convênio de
Integração Cinematográfica Ibero-americana, acordo multilateral, firmado em
1998 entre os países ibero-americanos, em Caracas. Nesse mesmo ano, foi
assinado o Acordo para a Criação do Mercado Comum Cinematográfico Latino-
Americano, do qual foram signatários esses países e tem propiciado a difusão de
obras cinematográficas de sua autoria. O Fundo Ibero-americano de ajuda
IBERMEDIA foi criado em novembro de 1997 por decisão Cimeira Ibero-americana
dos Chefes de Estado e de Governo realizada na Ilha Margarita, Venezuela. Com
sua criação visava-se desenvolver um programa de estímulo: à co-produção de
filmes para cinema e televisão em países ibero-amaricanos; à montagem de
projetos cinematográficos; à distribuição e promoção de filmes no mercado
regional e à formação de recursos humanos para a indústria audiovisual.
(PROGRAMA IBERMEDIA, 2007)
Um último exemplo importante dada a sua relevância na abertura dos campos
culturais argentino e brasileiro à circulação de atores, produtos culturais e
idéias é o Porto Alegre Em Cena, criado em 1994. Desde seu lançamento, marcado
pelo ineditismo e a ousadia de sua programação, ele vem dando uma inestimável
contribuição às artes cênicas gaúchas e portenhas. Convidando grupos
importantes do teatro, música e dança, não só do Brasil, mas do exterior, o
festival é hoje ponto de referência cultural e artística no Mercosul e fora
dele.
O Porto Alegre em Buenos Aires, inaugurado em 1997, resultou da iniciativa da
Prefeitura de Porto Alegre e da Municipalidade de Buenos Aires. A idéia não era
nova, o projeto inserido no processo de consolidação do Mercosul, também, tinha
a intenção de contribuir para a o estreitamento dos vínculos entre grupos
teatrais brasileiros e argentinos no "Porto Alegre em Cena". Sua
particularidade é participação de atores e produtores dos campos artístico e
cultural de ambas cidades, o que tem dado origem ao estreitamento das relações
de cooperação portenho-porto-alegrenses na área cultural.
Os exemplos, sucintamente descritos, evidenciam que as relações culturais no
Mercado Comum do Sul estão sendo criadas por atores não-governamentais, como
artistas, jornalistas, universitários e empresários que, por iniciativa própria
e sem contar com recursos públicos lançam-se na aventura de "inventar uma
cultura para o Mercosul". Escobar estatui que
En efecto, desde casi enseguida después de firmado el Tratado de
Asunción em marzo de 1991, instituciones no gubernamentales de
diferentes características, asi como artistas e intelectuales,
comezaron a organizar, usando el membrete del Mercosur, tareas
puntuales de intercambio cultural: exposiciones de arte, festivales y
encuentros, debates, seminários y publicaciones. Aunque realizadas al
margen de un programa comun que los vertebra en objetivos
coordinados, estos quehaceres dispersos fueron entretejiendo redes e
instalando circuitos que ocupaban el espacio semivacío asignado a la
cultura y lo llenaban de ecos y de espesores.Superpuestas aquellas
reticulas e interconectados estos circuitos, ambos generan entramados
que podrian sostener el peso de los proyectos oficiales y de
enlazarlos con las expectativas civiles. (ESCOBAR, 2006)
Conclusões
Da análise do lugar ocupado pelas questões culturais na agenda de negociações
do Mercosul resultam algumas conclusões. A primeira, é que a posição
subordinada dos departamentos ou direções de assuntos culturais no organograma
dos ministérios de Relações Exteriores dos países revela a reduzida importância
atribuída à cultura na política externa dos países. As atividades culturais
identificadas em alguns casos, como no Brasil, à diplomacia cultural limitam-se
a exposições, feiras, congressos ou outros eventos culturais eventuais ou de
curto prazo. Os países não possuem políticas culturais externas direcionadas
aos países do Bloco, nem no âmbito dos ministérios da Cultura nem no de
Relações Exteriores, como ocorre em países como a França, a Espanha e outros,
anteriormente citados. Para que haja uma efetiva diplomacia cultural ela deve
enquadrar-se
... nas ações diplomáticas de longo prazo, porque o êxito depende da
capacidade de escutar os outros, do reconhecimento do valor de outras
culturas, de mostrar um sincero desejo de aprender e de aplicar
programas que realmente facilitem a comunicação eqüitativa em ambas
as direções (LA PORTE, 2006).
Em segundo lugar, no Mercosul, a cultura tem sido pouco valorizada e utilizada
para o estabelecimento de pontes e relações de confiança entre países que, até
recentemente, pouco conheciam-se. Os países não tem procurado promover no
exterior seus valores e idéias e conhecer os "hábitos do coração" da população
do país hospedeiro. A promoção das idéias e dos valores nacionais, ou da imagem
do país no exterior, certamente, não podem ser de responsabilidade somente do
Estado ou de um ente não-estatal. As mudanças culturais em desenvolvimento
estão levando a diplomacia abrir-se ao mundo acadêmico, aos meios de
comunicação e ao público em geral (RIORDAN, 2005), dando origem ao que alguns
especialistas classificam Nova Diplomacia Pública.
Em terceiro lugar, para que a diplomacia cultural dos países do Mercosul, no
futuro, crie imagens favoráveis dos respectivos países e aumente a confiança
entre eles ela deverá aumentar a comunicação entre suas populações.. Como
destacou Karl Deutch, os intercâmbios freqüentes, em termos de comercio,
turistas, estudantes, etc. favorecem a confiança. A comunicação é fundamental
para a confiança, pois, a predizibilidade é o componente essencial dela, que
somente pode gerar-se em interações continuadas e simétricas (NOYA, 2007)
Em quarto lugar, o conhecimento da história, da cultura e da economia dos
países com os quais pretende-se estabelecer relações de confiança e de
cooperação é essencial. Para tanto, é fundamental estimular estudos e pesquisa
nas universidades, centros de pesquisa e instituições regionais que ainda não
deram a devida importância a tais temáticas.
A diplomacia cultural exige a constituição de equipes integradas por experts
com formação acadêmica de alto nível em temas culturais. Além dos diplomatas
necessitarem ampliar seus conhecimentos sobre a cultura de seu próprio país,
eles devem contar com assessores que conheçam as características culturais dos
países com os quais se pretenda estreitar relações de confiança. O intercâmbio
comercial, a cooperação econômica e os projetos de integração necessitam dela
para avançar na direção desejada.
A ausência dos temas culturais no Mercosul explica-se pela resistência dos
setores burocráticos em compreender que toda política cultural, seja ela
exterior ou não, é uma política pública (PODESTÁ, 2004). A cultura tem que
fazer parte da agenda dos países não apenas como enunciado em um documento, mas
como proposta prática, capaz de retroalimentação e de aperfeiçoamento.
O primeiro passo a ser dado para a criação de uma diplomacia cultural no
Mercosul é o reconhecimento, por seus Estados-membros, que a falta do terceiro
pilar da integração, que é a cultura, é um grande obstáculo para o avanço do
processo de integração. A diplomacia "discursiva" sobre a cultura deve dar
lugar a uma diplomacia cultural que utilize a cultura como fator de integração.