A religião como fundamento da reflexão filosófica e como meio de ação política
nas Leis de Platão
De uma maneira geral, pode-se dizer que a teologia é o estudo das questões
relativas ao divino, estudo fundado na tradição e nos textos sagrados. A esse
propósito, pode-se distinguir entre teologia especulativa e teologia positiva.
A teologia especulativa é a sistematização racional dos dados fornecidos pela
teologia positiva, a qual, na Grécia Antiga, onde a religião não estava fundada
em nenhum texto sagrado e não dependia de nenhum clero permanente, confunde-se
justamente com o conhecimento da tradição. Ora, em um contexto como o nosso de
hoje, quando se usa o termo teologia, pensa-se na teologia especulativa. É
nesse sentido, em todo caso, que se tende a interpretar o procedimento de
Platão no décimo livro das Leis. Eu gostaria de mostrar aqui que, no décimo
livro, Platão inaugura uma nova maneira de falar da divindade, mas a
contragosto e dirigindo-se a uma minoria de indivíduos, apesar de esse novo
tipo de discurso sobre os deuses ser destinado a fundar o governo da sociedade
em seu conjunto.
Theología ou muthología
Encontramos em Platão uma única aparição do termo theología, e essa aparição é
ainda por cima discutível.
SÓCRATES
Adimanto, no presente momento nem eu nem você somos poetas (poietaí), mas
fundadores (oikistaí) de cidades. Ora, a fundadores de cidade convém conhecer
as formas (túpous) em que é preciso que os poetas fabriquem mitos (muthologeîn)
e, quando estes os fabricarem, [fundadores de cidade] não devem conceder [que
os poetas os fabriquem] não segundo essas formas mas decerto eles não devem
fabricar mitos.
ADIMANTO
Tu dizes corretamente. Mas isso mesmo: quais seriam as formas a usar quando se
fala de deuses (perì theologías) [ou quando se fabricam mitos (perì
muthologías)]? (Resp. III 378e 4-379a 5)**.
Os manuscritos trazem theologías, mas o manuscrito T, uma cópia excelente do
séc. XI e feita a partir do manuscrito A, o Parisinus 1807, ele mesmo copiado
no final do séc. IX, traz a correção muthologías. Eu tenderia a aceitar tal
correção, considerando o fato de que theologías é um hápax e que muthologías
retoma o muthologeîn que se encontra acima, associado a túpous. De todo modo,
ainda que não se aceite a correção, é preciso admitir que nessa passagem
theologías é sinônimo de muthologías e que não corresponde de modo algum ao que
encontramos em uma parte do décimo livro das Leis.
Para o Platão da República, o mito é o discurso pelo qual é comunicada toda
informação sobre o passado longínquo que diz respeito aos deuses, aos demônios,
aos habitantes do Hades, aos heróis e aos homens. Essa informação é conservada
na memória de uma dada coletividade e transmitida oralmente de uma geração a
outra, quer esse dicurso tenha sido elaborado por um técnico da comunicação
coletiva do memorável (como o poeta) quer não.
De um extremo ao outro desse processo de comunicação, intervém a imitação. Esta
está destinada a estabelecer uma fusão emocional que, manifestando-se na
ocasião da fabricação e da interpretação do mito, faz intervir tanto a palavra
quanto o gesto. Essa fusão dispõe aqueles que são seus destinatários a
determinar ou modificar o próprio comportamento, físico e principalmente moral,
em função do modelo que assim lhes é proposto.
Platão apresenta essa fusão emocional como o efeito de um encantamento1 , que
desempenha na alma o papel de um remédio2 , de uma fascinação3 ou simplesmente
de uma persuasão4 , suscitados pelo prazer que a comunicação do mito
proporciona à parte mais baixa da alma (a epithumía), a que deseja comida e
bebida, a que é sede do apetite sexual5 . Compreende-se, então, que os
primeiros destinatários dos mitos são as crianças6 . A infância e a juventude
constituem, para Platão, a parte selvagem da existência humana7 , dado que,
nessa idade, é a parte apetitiva que domina na alma8 . E como o termo paidiá,
brincadeira', deriva do termo paîs, criança', o mito vê-se muito naturalmente
considerado por Platão como um brincadeira9 .
As relações ambíguas do lógos com o mûthos.
Platão quer colocar o lógos no lugar do mûthos, mas deve levar em consideração
o segundo para dar um fundamento ao primeiro e garantir sua eficácia.
A oposição mûthos / lógos pode ser interpretada não somente como a oposição
discurso não verificável / discurso verificável, mas também como a oposição
discurso narrativo (ou relato) / discurso argumentativo. Enquanto a primeira
oposição está fundada em um critério externo a relação do discurso com o
referente ao qual ele supostamente remete, o segundo depende de um critério
interno a organização de seu desenvolvimento. Há que notar que essa última
oposição tem sentido apenas em um contexto filosófico, visto que a história,
assim como o mito, deriva do relato.
Um relato narra acontecimentos como estes supostamente se produziram, sem
propor explicação alguma: o encadeamento entre suas partes também é
contingente, pelo menos em superfície, pois, especialmente desde V. Propp10 ,
várias tentativas foram feitas para destacar uma lógica do relato. De resto, o
único objetivo de um relato, pelo menos aparentemente, é o de conseguir, por
meio de quem o fabrica e/ou conta, fazer que o destinatário do relato modifique
seu comportamento.
Em compensação, o discurso argumentativo segue uma ordem racional seja qual
for a definição da racionalidade acolhida. O encadeamento de suas partes dá-se,
com base no modelo das matemáticas, segundo regras que têm por objetivo tornar
necessária sua conclusão. E é um acordo racional acerca dessa conclusão o que é
buscado por quem faz tal discurso.
No entanto, Platão não renuncia aos mitos tradicionais a que alude em sua
obra11 . Ele adapta mitos tradicionais e chega até mesmo a criar novos mitos em
função das circunstâncias. E isso essencialmente por duas razões.
Por um lado, porque não se pode falar senão em termos míticos de um certo tipo
de referentes, ou seja, de tudo o que diz respeito à alma e ao passado
longínquo, e que, por isso, permanece inacessível tanto aos sentidos quanto à
inteligência. A idéia de que a alma teve uma existência separada do corpo,
durante a qual ela adquiriu um dado conhecimento que ela deve relembrar em suas
existências ulteriores, está explicitamente relacionada com tradições
religiosas no Ménon, no Fédon e no Banquete. A idéia segundo a qual seu
comportamento anterior é objeto de uma retribuição está bem afirmada em vários
mitos escatológicos. Enfim, a idéia segundo a qual ela se encarna em diversos
corpos de seres humanos ou de animais está desenvolvida no Fedro e no Timeu.
Ademais, tudo o que diz respeito ao inteligível está associado ao mito por meio
dessas crenças sobre a alma. E é assim também no que diz respeito à fabricação
do mundo sensível, como se pode constatar no Timeu. Por conseguinte, a
mitologia constitui um terreno em que vários temas filosóficos afundam suas
próprias raízes: é um reservatório de axiomas e de premissas.
A eficácia do mito em ética e em política
Platão reconhece, de resto, a eficácia do mito no âmbito da ética e da
política, para a maioria dos que não são filósofos e nos quais predomina a
parte desiderativa (epithumía) da alma. Na República, o mito da autoctonia,
igualmente evocado nas Leis, e o dos metais servem a convencer os habitantes de
que a cidade é una e indivisível, ainda que formada por grupos distintos. E
nasLeis o mito desempenha um papel considerável no âmbito da legislação.
No livro IV das Leis (719c-724a)12 Platão interroga-se, com efeito, sobre a
prática do legislador. Ele compara-o ao poeta e ao médico. Diferentemente do
poeta, que não hesita em desenvolver sobre o mesmo assunto discursos que se
contradizem13 , o legislador é obrigado a fazer um discurso que não seja
contraditório. Não obstante, mesmo se, sobre um mesmo e único assunto, ele faz
um único discurso, ele não deve necessariamente limitar-se a fazer um discurso
que seja simples.
Para ilustrar seu propósito, Platão evoca dois médicos14 cujos comportamentos
diferem radicalmente. O primeiro não dá a seus doentes explicação alguma sobre
o mal que os atinge e lhes prescreve brutalmente uma receita antes de deixá-los
por um outro paciente. Já o segundo, ele informa-se junto ao doente e ao seu
círculo e se concede o tempo de persuadir seu paciente do caráter fundamentado
de suas prescrições15 . Do mesmo modo, o discurso do legislador pode ser
simples ou duplo. Se for simples, é curto e se compõe apenas de dois elementos:
a prescrição da lei e a formulação das penas a que está sujeito quem não se
submeter à lei. Ele é longo quando for duplo, e antepõe à prescrição da lei uma
declaração que procura colocar a persuasão no lugar do medo do castigo,
encontrado por quem não se conformar à lei. Desse modo, é a pesuasão que deve
logo obter a obediência à lei.
Como lembra a passagem que segue, Platão tem consciência de inovar em matéria
legislativa em relação aos códigos de leis gregos que chegaram até nós16 , onde
aparecem apenas o enunciado da lei e o inventário das penas infligidas em caso
de contravenção.
Em relação a isso [i.e. a essa distinção], parece que, dentre os legisladores,
nenhum já tenha pensado que, mesmo sendo permitido servir-se de dois
[instrumentos] para legislar, persuasão e violência (peithoî kaì bía(i))17 , na
medida em que, de resto, é possível [servir-se] disso para a massa cuja
educação deixa a desejar (epì tòn ápeiron piadeías ókhlon)18 , servem-se
apensas de um deles. Não legislam, com efeito, combinando a obrigação à
persuasão (peithoî kerannúntes anágken), mas [servindo-se] apenas da força pura
(akrátoi tê(i) bía(i)) (Leg. IV 722b-c).
Para servir-se de persuasão, o texto da lei deve ser precedido por um preâmbulo
(prooímion)19 que deve, antes de tudo, desempenhar o papel de uma exortação.
Por meio de um jogo de palavras, Platão, com efeito, assimila a exortação
(paramuthía ou paramuthíon)20 ao mito que precede a lei (ho prò toû nómou
mûthos)21 . Nas Leis os preâmbulos são de três tipos. O primeiro grupo faz um
uso sistemático das categorias retóricas do elogio e da reprovação, que
recorrem a opiniões e a comportamentos normalmente partilhados pela maioria dos
homens. O segundo grupo encontra sua principal reserva nos mitos. O terceiro
implica a demonstração e é representado por um único caso: o livro X das Leis,
que trata do ateísmo.
Por que demonstrar a existência da divindade?
Como ver o livro X, que propõe uma demonstração da existência da divindade?
Nenhuma legislação tem sentido se a ação humana não se desenvolve em um
contexto social, político e, até mesmo e principalmente, cósmico, dotado de uma
certa permanência e regularidade, que somente a divindade pode garantir. Disso
se segue, para Platão, que impiedade e o não respeito da lei equivalem-se. A
piedade favorece a obediência às leis, enquanto a impiedade questiona o próprio
fundamento de toda lesgislação:
Nunca ninguém que ache, em conformidade com as leis, que os deuses existem
cometeu voluntariamente um ato ímpio ou proferiu um discurso contra a lei. Mas
[quem o faz fá-lo] decerto sob a ação de alguma destas três coisas: ou isso
mesmo que eu disse, isto é, não achando [que os deuses existam] ou, o segundo,
[achando] que, mesmo existindo, [os deuses] não se preocupam com os homens; ou,
terceiro, [achando] que [os deuses] são facilmente apaziguados e são seduzidos
por meio de sacrifícios e preces (Leg. X 885b).
Aqui está a razão pela qual, no entender do Platão das Leis, uma lei contra o
ateísmo (907d-909d) deve necessariamente ser precedida por um preâmbulo, que
contém quatro partes:
a) a primeira expõe as causas e as conseqüências do ateísmo e da impiedade
(885b-890b);
b) a segunda demonstra que os deuses existem (890b-899d);
c) a terceira explica que eles não se desinteressam das coisas humanas (899d-
905d);
d) a quarta adverte contra a crença segundo a qual podemos dobrá-los com preces
e sacrifícios (905d-907d).
Platão parece pensar que a primeira demonstração concernente à existência dos
deuses apresenta uma eficácia real, maior, em todo caso, que a concernente aos
dois últimos casos de impiedade (888c-d).
Como fazer para trazer de volta para o bom caminho aqueles que acham ou que a
divindade não existe ou que, se ela existe, não se ocupa das coisas humanas ou
que ela se deixa dobrar ao sabor de nossas intervenções?
O ateísmo
No que diz respeito à existência dos deuses, Platão desenvolve uma demonstração
(apódeixis 887a, 893b; epídeixis 892c, 899d) que introduz argumentos (lógois
887a). Trata-se não de uma escolha, e sim de uma necessidade, que se pode
explicar muito facilmente. É preciso apresentar tal demonstração para aquele
pequeno número de pessoas jovens nas quais a tradição não teve efeito e as
quais não ficaram nem persuadidas pelos mitos nem impressionadas pelos ritos. É
o que emerge claramente da seguinte passagem, particularmente interessante para
um historiador da religião:
O ESTRANGEIRO DE ATENAS
Vamos lá. Como, sem cólera22 , se pode dizer, a propósito dos deuses, que eles
existem? Pois é certamente forçoso suportar com dificuldade e [887d] odiar
aqueles que foram e são hoje23 responsáveis por essas nossas demonstrações24 ,
por não terem sido persuadidos pelos mitos25 que ouviram desde pequenos, quando
ainda eram amamentados26 , da boca das amas e das mães27 , ouvindo-os como que
em encantamentos28 por coisas pronunciadas tanto com seriedade29 quanto por
brincadeira e em preces que acompanham os sacrifícios, e vendo serem
representados espetáculos, deles tirados30 , de pessoas que sacrificam31
[espetáculos] que um jovem vê e ouve com o maior prazer32 e [vendo] seus
genitores empenharem-se, com a maior seriedade, em favor deles mesmos e dos
seus, dirigindo-se com preces e súplicas a deuses, [887e] como se existissem o
mais possível; enfim, vendo e ouvindo falar de genuflexões e prosternações, ao
nascer e ao pôr do sol e da lua, por parte de todos os Gregos e de todos os
bárbaros estando em todo tipo de desaventuras e na prosperidade, não achando
que [o sol e a lua] não sejam deuses, mas que o sejam o mais possível33 , e não
deixando de modo algum suspeitar que não sejam deuses. A quantos desprezando
todos estes sem sequer uma única razão suficiente, como diriam todos os que têm
um pouco de inteligência hoje nos obrigam [888a] a demonstrar as coisas que
demonstramos, como se poderia, ao admoestá-los, ensinar acerca dos deuses, em
primeiro lugar, que eles existem? Mas há que ousar, pois decerto não é preciso
que enlouqueçamos, uns por uma voracidade de prazer, outros por ficarem em
cólera com tais pessoas. Seja dirigido, então, um tal discurso preliminar34 sem
cólera àqueles assim corrompidos no pensamento, e falemos placidamente,
apagando a cólera, como se conversássemos com um deles (Leg. 887d-888a).
Este texto é particularmente rico porque evoca não só os mitos mas também os
ritos, porque fala não só das divindades do pántheon mas também desses deuses
visíveis que são os astros e porque menciona não só os Gregos mas também os
bárbaros. E mais. Ele considera possível que a religião tradicional se mostre
deficiente para garantir em todos a crença na existência dos deuses. Ora, essa
não crença é capaz de acarretar duas conseqüências: a cólera naqueles que
admitem a existência dos deuses, nomeadamente os legisladores, e uma busca
desenfreada de prazer naqueles que se recusam a crer.
Daí vem a necessidade de uma lei muito severa contra o ateísmo (908e-909d).
Esta está precedida por um longo preâmbulo cujo objetivo é suprir as
deficiências da tradição religiosa, incapaz de estabelecer a existência dos
deuses. De fato, o conteúdo desse preâmbulo deve corresponder aos cursos dados
por um ou mais de um membro do Conselho Noturno (nukterinòs súllogos) aos
jovens condenados por impiedade e presos na casa da volta à razão
(sophronistérion). Lembrar esse contexto de transmissão lança uma luz
completamente diferente sobre o livro X das Leis.
As causas do ateísmo
Antes de apresentar duas provas (889b-c) em favor da existência dos deuses, uma
prova cosmológica (893c-896e) e uma prova teleológica (896e-897b), Platão
começa interrogando-se sobre as fontes do ateísmo. Trata-se, segundo ele, de
autores antigos que escreviam em versos e de autores modernos que escrevem em
prosa.
Os antigos que escreviam em versos são evidentemente os poetas, considerados
como os fabricantes de mitos35 , atacados por Platão nos livros II e III da
República:
Uns, os mais antigos36 , dizem como nasceu a natureza37 primeira em relação ao
céu38 e a todo o resto, mas, indo não muito adiante do princípio39 , contam o
nascimento dos deuses40 e como, uma vez nascidos, se relacionaram uns com os
outros41 . Não é fácil atribuir a [esses autores], que são antigos, as coisas
que cabem aos que ouviram, ou seja, se, em relação a uma coisa ou outra, estão
certas ou não42 . Mas, por respeito e pelas honras devidos aos genitores43 , eu
certamente nunca diria, ao elogiá-los, que [esses relatos] são proveitosos, nem
que disseram realmente tudo. Mas deixemos essas velharias e despeçamo-nos
delas, e falemos, antes, do modo que aprouver aos deuses (Leg. X 886c-d).
Essa passagem reconhece a importância dos poetas, como fabricantes de mitos, em
matéria de religião. Mas esse reconhecimento, que equivale a admitir que o
procedimento filosófico está arraigado no mito, é crítico, já que os poetas nem
sempre dizem bem o que se deve dizer. Não se pode dizer que Platão aqui seja
menos radical em sua crítica da poesia do que quanto tenha sido na República,
ainda que mostre, em relação aos mitos, um certo pudor, que ele justifica pelo
respeito devido aos que nos engendraram; a expressão é ambígua, pois pode
tratar-se dos deuses, que são nossos genitores longínquos, ou de nossos pais,
que são nossos genitores próximos. Eu estaria mais propenso para essa segunda
hipótese, embora a primeira também deva ser levada em consideração. Recusar
brutalmente os mitos a que nossos pais davam crédito, é, de uma maneira ou de
outra, questionar a sua autoridade. No entanto, não mais do que na República,
nas Leis Platão tampouco aceita que os poetas privem os deuses destas duas
características: a bondade e a perfeição. A idéia é sempre a mesma. Podemos
servir-nos dos mitos, mas desde que eles sejam conformes a uma certa
representação da divindade, da qual os filósofos são fiadores.
Mas há outros promotores do ateísmo: são os sábios modernos, que escrevem em
prosa. Há que reconhecer neles tanto os que investigam sobre a natureza, os
fisiólogos44 , quanto os sofistas que retomaram um certo número de doutrinas
daqueles.
Todavia, sejam denunciadas as coisas que nos dizem os modernos e sábios pelos
males de que são responsáveis. Os discursos de tais pessoas produzem o
seguinte: quando, com efeito, dermos provas de que são deuses meus e seus,
apresentando essas próprias coisas o sol, a lua, os astros e a terra como se
fossem deuses e coisas divinas, podem dizer, persuadidos por esses sábios, que
são terra e pedras e não são absolutamente capazes de se preocupar com as
coisas humanas, sendo elas mais ou menos bem espalhadas por aí com discursos
para serem algo de crível (Leg. X 886d-e).
Esses modernos que são sábios destruíram a crença natural na existência dos
deuses que os mitos, bem ou mal, haviam enraizado no coração de todos os
cidadãos.
O axioma em que o ateísmo desses sábios mergulha as próprias raízes consiste
nestas poucas palavras: Parece, dizem, que natureza e acaso produzam as coisas
maiores e mais belas, enquanto a técnica produz as menores.
Esta, tomando da natureza a geração de todos os grandes e primeiros produtos,
plasma e fabrica todos os pequenos, os que todos chamamos artificiais (Leg. X
889a). Isso implica que a realidade em seu conjunto resulta exclusivamente ou
da ação da natureza assimilada ao acaso, ou da técnica, logo da convenção (Leg.
X 886d-e, 889b-c).
Desse axioma decorrem dois tipos de conseqüências: umas interessam a física, as
outras, a ética45 . É preciso admitir, com efeito, que os deuses e os valores
são sub-produtos da arte, a qual, por sua vez, é um produto da natureza.
Estes dizem que são primeiramente os deuses a ser por técnica, ou seja, não por
natureza, mas por certas leis; que eles são uns aqui outros lá, conforme que
[os homens] de cada [lugar], ao estabelecer as leis, tenham concordado entre
si; e que as coisas belas por natureza são decerto diversas das que o são por
lei. [Dizem que] tampouco as coisas justas são tais totalmente por natureza,
mas que [os homens] passam a vida toda disputando entre si [sobre elas] e
mudando-as continuamente. E, mesmo que as mudem, cada uma delas é ainda
dominante, visto que são engendradas por técnica e pelas leis, e não decerto
por alguma natureza (Leg. X 889e-890a).
A técnica (tékhne), que é o último produto da natureza (phúsis) e do acaso
(túkhe), encontra-se aqui, no que diz respeito aos deuses e aos valores,
assimilada à lei. Tal concepção cria a possibilidade de um conflito entre a
natureza e a lei, que se encontra do lado da técnica, pois certos valores são
atribuídos à natureza e outros, à lei. No entanto, enquanto a natureza é a
mesma em toda parte, as leis que resultam da técnica diferem conforme as
legislações. Por conseguinte, os valores são convencionais e, assim, mutáveis,
já que, tendo eles uma origem, terão um fim. O legislador e os dirigentes da
cidade não podem pretender possuir uma arte verdadeira, de origem divina. Como,
então, os cidadãos poderiam sentir-se obrigados por essas leis? Nesse contexto,
todo projeto de legislação fundado no reconhecimento de valores indiscutíveis
e, por conseguinte, universais deve ser abandonado logo de saída.
As provas da existência da divindade
Para evitar esse desastre, Platão deve provar que a divindade não é questão de
convenção. Para tal, ele desenvolve uma prova de que o movimento ordenado do
mundo é obra de uma alma dotada de razão.
Tudo o que se move é posto em movimento por um outro ser. Ora, é preciso que
haja um ser que possa pôr em movimento a si mesmo sem ter sido posto em
movimento por um outro, sob pena de proceder ao infinito. Esse ser é
precisamente a alma, princípio auto-motor de todo movimento. Enquanto os ateus
acreditam que a causa do movimento se encontre nos quatro elementos, Platão
julga que ela resida na alma. Assim, demonstrando a anterioridade da alma em
relação ao corpo, estabelecemos que a alma é justamente a causa primeira
buscada, pelo menos no universo.
Mas esse primeiro argumento não é suficiente. A alma não é, com efeito, o
princípio supremo a que Platão visa, quando ele pensa na divindade. A alma é
neutra e, por conseguinte, ela pode ser boa ou má, conforme as circunstâncias,
enquanto a divindade deve por definição (cf. Resp. II e III) ser boa em todas
as circunstâncias. Desse modo, é preciso determinar qual faculdade garantirá,
de maneira permanente, a bondade à alma. Essa faculdade é o intelecto (noûs)
que, na ordem da natureza, a do mundo visível, se manifesta pela harmonia que
ela instaura e mantém. É por isso que, após uma importante transição (896e-
897b), um outro argumento é desenvolvido, o argumento teleológico (897b-
899b).
Lembremos uma vez mais a questão posta no início. O céu e tudo o que ele contém
são governados pela alma melhor ou pelo seu contrário? Para responder a tal
pergunta, Platão mostrou primeiro que os movimentos dos corpos celestes eram da
mesma natureza que os do intelecto, que é, ele mesmo, divino. Em seguida, ele
explicou que os movimentos do céu e os do intelecto eram ambos comparáveis aos
de uma esfera arredondada em volta, a figura mais perfeita a seus olhos, e que
eles descreviam rotações circulares. Pode-se concluir, então, que a alma que
provê para que o céu se mova circularmente, de maneira sempre idêntica e
ordenada (899c), é a melhor.
Aqui está um inventário das teses que aparecem nessa argumentação, seguindo a
ordem de apresentação:
a alma anima todas as coisas;
logo os corpos celestes são necessariamente animados por uma alma;
a alma pode unir-se ao intelecto, que é divino;
os movimentos do intelecto são circulares;
os movimentos dos astros são circulares, logo divinos.
A simples observação dos astros deveria, nessas condições, ser suficiente para
convencer de que os movimentos do céu e os do intelecto são idênticos e que,
por conseguinte, é a alma melhor que cuida de tudo. Não obstante, a coisa é
mais complicada. A observação do céu revela, com efeito, que os movimentos de
certos astros parecem ser não regulares e sim errantes. Ora, somente o recurso
à astronomia matemática pode mostrar que esses astros, até então considerados
errantes, movem-se circularmente ou racionalmente, o que dá no mesmo.
O contexto da prova
Essa demonstração deve ser feita aos ateus em uma prisão que fica nos próprios
lugares em que se reúne o Conselho Noturno (nukterinòs súllogos). Não se sabe
onde fisicamente se encontra o lugar onde se reúne o Conselho Noturno. Mas se
conhece seu nome. Trata-se da Casa da Volta à Razão (sophronistérion)46 , uma
das três prisões que a cidade possui. Essa prisão47 é reservada aos ateus que
se acredita serem recuperáveis. Dentre as três espécies de ateus evocadas acima
os que não admitem a existência dos deuses, os que julgam que eles não se
ocupam das coisas humanas e os que acreditam que eles podem ser influenciados
Platão distingue dois grupos: os que têm um caráter naturalmente justo (Leg.
X 908b) e os que demonstram incontinência em relação tanto aos prazeres quanto
às dores (Leg. X 908c). Os segundos são irrecuperáveis e devem ser executados,
enquanto os primeiros devem ser submetidos a admoestação (nouthétesis) e à
prisão (desmós) (Leg. X 908e). E Platão continua do seguinte modo:
Uma vez feitas essas distinções desse modo, que o juiz (ho dikastés) competente
mande, em virtude da lei (nómo(i)), os que se tornaram assim sob o efeito da
falta de inteligência (hup' anoías) sem maldade de temperamento ou caráter
(áneu kákes orgés te kaì éthous) à Casa da Volta à Razão (sophronistérion)
por um período não inferior a cinco anos e que durante esse tempo nenhum
cidadão se encontre com eles, exceto os integrantes do Conselho Noturno
(nukterinòs súllogos), que os encontrarão para uma admoestação (epì
nouthetései) e para a salvação da alma (kaì tê(i) tês psukhês sotería(i)). Uma
vez completado o tempo de prisão, se algum deles parecer ter voltado à razão
(sophroneîn), que conviva com as pessoas razoáveis (metà tôn sophronôn), se
não, e caso sofra de novo tal condenação, que seja punido com a morte (Leg. X
909a).
Segundo as informações dadas no livro X das Leis, uma das tarefas do Conselho
Noturno é a de combater a impiedade sob todas as suas formas e garantir a
salvação da alma dos cidadãos. Em ambos os casos, a preocupação do Conselho
Noturno tem por objeto a alma, a do ser humano, que deve ser preservada do
ateísmo, e até mesmo a do universo, que deve ser compreendida e descrita graças
ao estudo da astronomia.
A utilidade dessa prova
O recurso à astronomia pode parecer insólito a um contemporâneo, mas apresenta
várias vantagens aos olhos de Platão. Enquanto os mitos evocados em um certo
número de preâmbulos mencionam divindades tradicionais invisíveis, que não se
manifestam senão em circunstâncias particulares, a observação do movimento dos
corpos celestes é possível quase todos os dias por todos os homens. Ao cidadão
das Leis basta, então, levantar a cabeça para se convencer da existência dos
deuses e para ser persuadido de que o mundo não está abandonado ao acaso e que
o estabelecimento de leis permite, na sociedade, o advento de uma ordem que
reproduz a que se manifesta no universo e principalmente no céu.
Relacionando a ética e a política com a cosmologia, Platão não dá mostra de
modernidade. Max Weber, que analisa a modernidade em termos de racionalização,
julga que essa racionalização, que diz respeito aos problemas técnicos, tem por
primeiro efeito a dissociação das diferentes esferas de pensamento e de
atividade, que se tornam autônomas umas em relação às outras, na medida em que
elas obedecem a um conjunto de regras e de procedimentos próprios, sendo a
Administração o exemplo mais flagrante disso em nossas sociedades. A tal
propósito, pode ser interessante notar que, nas Leis, os membros do Conselho
Noturno definem os objetivos da cidade e controlam sua ação sem apoiar-se em
uma Administração. A eles basta contemplar o universo para saber a que ater-se
e o que fazer. É esse saber que, em última análise, justifica sua função de
dirigentes.
Mas o que o pensamento de Platão apresenta de insólito a nossos olhos
inversamente destaca, ao mesmo tempo, a originalidade e, assim, o caráter
arbitrário que marcam a orientação geral dos sistemas éticos e políticos de que
hoje em dia continuamos a ser, de um modo ou de outro, tributários.
Texto recebido em abril e aprovado em maio de 2003.
Tradução de Cláudio William Veloso
* Directeur de recherches, CNRS, França.
** Todos os textos de Platão citados no presente artigo foram traduzidos
diretamente do grego, mas levando em conta a interpretação do autor e com o seu
aval [N.d.T.].
1 Leg. X 903a 7- b 3; Phaed. 114d 1-7; cf. 77d 5-78a 2.
2 Charm. 156d 3-157c 6.
3 Euthyd. 289e 1-290a 4.
4 Resp. III 415c 7; X 621c 1; Phaedr. 265b 8; Leg. VII 804e 5; X 887d 2; XI
913c 1-2; 927c 7-8.
5 Tim. 70d 7-e 5.
6 Resp. II 377b 6-7; Pol. 268e 4-5.
und der Naturwissenschaften 53, 1969, p. 1-14. A asscociação da medicina à
legislação volta com freqüência em Platão, desde a famosa passagem do Górgias
(464b-465e) ou ainda da República (III 405a-410b).
7 Leg. VIII 808c 7-809a 6.
8 Tim. 43a 6-44d 2.
9 Phaedr. 276e 1-3.
10 Vladmir Propp, Morphologie du conte [1928], seguido por Les Transformations
des contes merveilleux [1925] com, em anexo L'étude structurale et typologique
du conte [1969], par E. Mélétinski, traductions de Marguerite Derrida, Tzvetan
Todorov e Claude Kahn, Point' 12, Paris, Le Seuil 1978. Cf. também as
investigações de Claude Brémond em Logique du récit, Paris, Le Seuil 1978.
11 Para uma lista, cf. Anexo 3 de meu livro: Platon, les mots et les mythes
[1982], 19942 p. 186-197. O fato de que Platão se limite a
aludir a todas essas personagens prova a importância do mito em sua época.
Quando um relato é realmente conhecido de todos, toda elaboração é supérflua.
12 Encontramos uma alusão clara a essa passagem no décimo livro das Leis
(890c).
13 Essa é, aliás, a razão pela qual, como lembra Platão (Leg. IV 719b-c), o
legislador não deve deixar ao poeta o direito de compor o que este quiser.
14 Platão parece aí referir-se a uma prática real. Na época clássica, os
médicos eram assistidos por auxiliares, ajudantes (huperétai), aos quais ele dá
o nome de médicos' também. A tal propósito, cf. F. Kudlien, Die Sklaven in der
griechischen Medizin der klassichen und hellenistischen Zeit, Wiesbaden (F.
Steiner) 1968, cap. 3; R. Joly, Eclaves et médicins dans la Grèce, Sudhoffs
Archiv für Geschichte der Medizin
15 Sobre esse assunto, cf. Jacques Jouanna, Le médicin, modèle du législateur
dans les Lois de Platon, Ktèma 3, 1978, p. 77-92.
16 Tome-se como exemplo o código das leis de Gortina que é anterior ao séc. V:
The law code of Gortyn, ed. with an introduction, translation and commentary by
Ronald F. Willets, Berlin (de Gruyter) 1967. Há uma tradução francesa e um
comentário desse código de leis em Nomina: recueil d'inscriptions politiques et
juridiques de l'archaïsme grec, par Henri van Effenterre et Françoise Ruzé,
École Française de Rome 188, Rome 1994-1995, 2 volumes.
17 Trata-se de um tema que remonta a Hesíodo.
18 Esta frase constitui um problema. A primeira dificuldade está na relação
implicada pelo kath' hóson. A tradução que proponho aqui, e que vai na mesma
direção da de L. Robin e de É. des Places, relaciona o inciso com peithoî kaì
bía(i). Seguindo nisso E. B. England, Tr. Saunders parece relacioná-lo somente
com a persuasão: compulsion and persuasion (subject to the limitations imposed
by the uneducated masses). Mas, para chegar a tal, ele não respeita a ordem
das palavras. A segunda dificuldade está na expressão epì tòn ápeiron paideías
ókhlon. Como entender esse pedaço de frase, em se tratando da cidade dos
Magnetos, onde a educação é obrigatória para todos os cidadãos? São possíveis
duas respostas. A expressão epì tòn ápeiron paideías ókhlon indica ou que os
preâmbulos dirigem-se aos cidadãos que não receberam educação superior
(reservada, ao que parece, ao Colégio Noturno), ou que eles dirigem-se ao
conjunto da população que compreende estrangeiros residentes e escravos,
levando em conta, aliás, mulheres e crianças. Em ambos os casos, essa expressão
constitui um golpe fatal para uma posição como a defendida nomeadamente por
Chr. Bobonich e A. Laks.
19 Como observa Jean-Marie Bertrand (Formes du discours politique dans la cité
des Magnètes platoniciens, Dike 1, 1998, p. 133, n. 82), 36 das 46 aparições
desse termo encontram-se nas Leis: IV 722d 4, 7, e 2, 7, 723a 3, b 1, 5, c 2,
4, e 2, 6; V 734e 2, 4; VI 772e 4; IX 854a 3, c 6, 8, 870d 4, e 5, 880a 8; X
887a 3, c 1, 907d 1, 4; XI 916d 4, 923c 3, 925e 8, 930e 5, 932a 6. Sobre o
sentido da palavra prooímion, ler M. Costantini e J. Lallot, Le prooímion est-
il un proème?, em Le texte et ses représentations, Études de littérature
ancienne 3, Paris, PENS, 1987, p. 13-27. Segundo os autores, o primeiro valor
(desse termo) é o de hino preliminar' sendo o referente por excelência o hino
a uma divindade (cf. os Hinos Homéricos), recitado prò oímes, ou seja, antes
dos poemas épicos, nos concursos de rapsodo. Daí derivam, por metáfora, tanto o
uso no sentido amplo de prelúdio' (de poema) quanto o, mais especializado, de
preâmbulo' (de lei) ou de exórdio' (de discurso).
20 Nas Leis encontramos as seguintes aparições de paramuthía: IV 720a 1; de
paramuthíon: Leg. I 632e 5; IV 704d 8, 705a 8; VI 773e 5; IX 880a 7; X 885b 3;
XI 923c 2; de paramuthéomai: II 666a2; IX 854a 6; XI 928a 1; XII 944b 3. Há que
observar também uma ocorrência do adjetivo verbal paramuthetéon em X 899d 6 e
do advérbio derivado aparamuthétos em V 731d 3. Para mais dados, cf. Luc
Brisson, Platon, les mots et les mythes [1982], 19942, p. 195.
21 Leg. XI 927c.
22 O termo thumô(i) refere-se ao próthumos que está na frase anterior.
23 Os manuscritos trazem nun oun; nun ou é uma correção proposta por Estienne
(Stephanus).
24 Dou um sentido forte a lógos em função do contexto e especialmente em
virtude do que vem imediatamente depois.
25 Platão usa com muita freqüência o verbo peitheîn para descrever a ação
exercida na alma pelo mito: Resp. III 415c; X 621c; Phaedr. 265b; Leg. VII
804e; X 887d; XI 913c, 927c. De fato, a persuasão dirige-se às espécies mais
baixas da alma, o desejo (epithumía) e a agressividade (thumós), e não ao
intelecto (noûs).
26 Os destinatários privilegiados do mito são as crianças: Resp. II 377a, c;
Pol. 268e; Soph. 242c; Tim. 23b; Leg. VIII 840c. Em Resp. II 377a precisa-se
que se trata de crianças que ainda não vão ao ginásio.
27 As pessoas que contam os mitos de maneira não institucional são as mulheres
que se ocupam das crianças, às quais os mitos são destinadas prioritariamente:
a mãe (Resp. II 377c, 381e), a ama (Resp. II 377c), a velha (Gorg. 527a; Resp.
I 350e), ou seja, a avó.
28 Esta passagem deve ser relacionada com Leg.II 659e. O encantamento é stricto
sensu uma fórmula ritual pronunciada quando de uma cerimônia, que se trate de
um sacrifício ou de um rito mistérico, e que supostamente possui um poder
oculto, mas real. A ação exercida na alma pela comunicação de um mito está às
vezes associada à fascinação mágica (kélesis) e ao encantamento (epo(i)dé)
(Leg. II 659e, 903a-b; Phaed. 114d, 77d-78a; Euthd. 289e).
29 A associação da brincadeira com a seriedade é freqüente quando Platão fala
do mito: Leg. I 647d; II 659e; V 732d; VII 759d, 796d, 798b, 803c, d; XII 942a;
Phlb. 30e; Resp. X 602b; Soph. 237b; Symp. 197e.
30 É esse o sentido que dou a kaì ópseis horôntes hepoménas autoîs. Dou a ópsis
o sentido de representação (espetáculo) e considero que autoîs substitui
muthoîs.
31 Provavelmente, as partes do ritual que ilustram de um certo modo um episódio
mítico. Poder-se-ia pensar também nas tragédias que ilustram mitos e que são
precedidas por sacrifícios no qual tomam parte os vários participantes.
32 O prazer explica a eficácia do mito que, como eu disse, se dirige às
espécies mais baixas da alma, cf. Tim. 26b-c; Phdo 110b; Prot. 320b-c.
33 A frase encontra-se mais acima.
34 Um equivalente de paramuthíon, logo de prooímion.
35 L. Brisson, Platon, les mots et les mythes [1982], 19942, terceiro capítulo.
36 Ou seja, os poetas.
37 Acredito que se trate do Kháos, evocado na Teogonia de Hesíodo (v. 117) e
mencionado no Banquete (178b). A Terra é mencionada ao mesmo tempo que o Kháos.
38 A Terra faz aparecer o Céu e de seus amplexos excessivos vem toda uma série
de outras criaturas, entre as quais Cronos e Rea.
39 Em grego, arkhé.
40 Nomeadamente Cronos e Rea e depois, na geração seguinte, Zeus e Hera.
41 De modo muito violento, cf. Resp. II 377c s.
42 Uma observação que lembra Soph. 243a.
43 Cf. Resp. 378a.
44 Aqueles que, depois de Diels e Kranz, nós chamamos Pré-socráticos.
45 Para uma descrição completa, cf. Wauthier de Mahieu, La doctrine des athées
dans le Xe livre des Lois, Revue Belge de Philologie et d'Histoire 41, 1963,
p. 5-24; 42, 1964, p. 16-47. Ver também Luc Brisson, Le même
et l'autre dans la structure ontologique du Timée de Platon [1974], 19983, p.
504-508.
46 Esse termo é usado apenas duas vezes por Platão, e precisamente nessa
passagem. O termo associa dois diferentes sufixos: um em 'tér , que indica um
nome de ação, e o outro, no neutro, -ion, que indica um lugar. O termo
sophronistér é o nome que os Tebanos deram à pedra (Pausânias IX 11, 2) que
Atená lançou sobre Héracles, o qual queria matar Amfítrion. Essa pedra que fez
Héracles por um momento cair em inconsciência reconduziu-o à razão, ao impedir
que cometesse o assassinato que ele estava para cometer. Pode-se também
aproximar o termo sophronistér de sophronistés, que designa, segundo
Aristóteles, subalternos do Cosmeta: eles são eleitos, um por cada tribo, não
pelo Areópago, mas por uma assembléia de pais de família (Ath. resp. XLII 2;
mencionado em Ax. 367a; cf. também Resp. 471a)
47 Observe-se que esse tipo de estabelecimento é muito diferente da prisão
(desmotérion) que, em Atenas, era um lugar em que ficava guardado alguém à
espera do pagamento de uma multa a que fora condenado ou à espera da própria
execução, como foi o caso de Sócrates. Sobre o assunto, cf. S. C. Todd, The
shape of Athenian law, Oxford (Clarendon Press) 1993, p. 139-140.