Cenários da liberdade de imprensa e opinião pública em Hegel
Constata-se uma mudança em nível da tecnologia da informação, desencadeando
novos cenários na liberdade de imprensa e na formação da opinião pública. Em
que medida a nova tecnologia da informação associada ao papel da imprensa
incide na formação da opinião pública? Como esses novos cenários da
comunicação, na era da internet, relacionam-se com o fenômeno da opinião
pública? Ou ainda, a impaciência da opinião, regida pela rapidez instantânea
dos fluxos on-line, pode suportar a paciência da mediação da opinião numa
sociedade globalizada? Apresentam-se, inicialmente, os novos cenários da
comunicação, a fim de situar a relevância do problema. Depois, descreve-se o
desenvolvimento histórico da imprensa no Ocidente e, especificamente, no
Brasil, expondo a institucionalização do direito à liberdade de expressão e a
formação da opinião pública, contrapondo-se à censura. Por fim, estuda-se a
teoria da opinião pública hegeliana enquanto fenômeno da contradição:
A liberdade formal, subjetiva, [consistindo em] que os singulares
como tais tenham e externem o seu próprio ajuizar, opinar sobre e
aconselhar os assuntos universais, tem o seu aparecimento nesse
conjunto que se chama opinião pública. O universal em si e por si, o
substancial e verdadeiro está, nela, vinculado com o seu oposto, o
peculiar e o particular do opinar dos muitos; esta existência da
opinião pública é, portanto, a contradição de si mesma aí presente,
o conhecer como aparecimento; a essencialidade imediata tanto quanto
a inessencialidade o é (FD,1 § 316).
A opinião pública é fator importante da liberdade formal subjetiva dos
cidadãos. Os indivíduos têm o direito de formular seu julgamento particular
sobre o universal, como expressão de sua liberdade subjetiva. A opinião pública
não é a verdade política absoluta, mas ela guardará, sempre, a força da
impaciência, para desestabilizar toda fixidez ou passividade histórica dada,
pois o que move o mundo é a contradição,2 e a opinião pública, ela mesma, é uma
contradição, que torna efetiva a paciência do conceito. Neste sentido, trata-se
de um conceito consistente para justificar o objeto de nosso artigo.
Constroem-se, atualmente, os novos cenários para a comunicação tendo, de um
lado, as grandes corporações de mídia televisiva, radiofônica, impressa e on-
line e, de outro, o papel da imprensa independente/alternativa, entendida como
não vinculada a uma empresa privada, pública ou estatal, ou algum grupo
econômico. Configura-se, aos poucos, a constituição da oposição entre a mídia
tradicional e a imprensa independente/alternativa, tendo como suporte material
as novas tecnologias da informação. Podem-se destacar três mudanças principais
neste novo cenário:
a) Imprensa televisiva, radiofônica, impressa e on-line: No entender
de Ivana Bentes Oliveira,3 há uma homogeneidade entre os jornais e as
linhas editoriais na grande imprensa. Há o modelo do jornalismo
tradicional da grande empresa corporativa, que passa a utilizar a
tecnologia como a internet ou outras possibilidades eletrônicas.
Porém, abre-se um novo cenário pluralista, com o sujeito que passa a
ser produtor de mídia, ou seja, passa a produzir informação, análise
e interpretação dos fatos. Este fenômeno articula outro ator
midiático, que se chama mídia independente ou alternativa. Com essa
mudança de contexto tecnológico, e até econômico, com o barateamento
dessas tecnologias, a mídia independente passa a ser viável e
autossustentável, tendo visibilidade para influir na formação e
diversificação da opinião pública, posicionando-se criticamente face
à grande empresa jornalística.
b) Internet: blogs, lista de e-mails e sites independentes ou a
contradição no discurso: A mídia independente transforma, aos poucos,
os veículos de comunicação existentes na internet em meios de forte
capacidade para influenciar a opinião pública. Há a produção de um
contradiscurso, que surge nos blogs,4 nas listas de e-mails, dos
sites, da mídia independente, implementando a contradição na opinião
pública. Difunde-se uma contrainformação com uma rapidez muito
grande, o que seria impossível se não houvesse a internet. Prossegue
Ivana B. Oliveira, essa possibilidade veloz de reação gera uma
disputa midiática, porque o acesso à diversidade é absolutamente
facilitado através de políticas públicas e da democratização cada vez
maior da internet, bem como da multiplicação da informação.
c) Mudança do conceito de jornalismo - imprensa e jornalistas
cidadãos: Há um conhecimento difuso na sociedade que é muito mais
amplo e que a imprensa tradicional, os partidos políticos ou a
academia não conseguem captar, afirma Luís Nassif.5 O jornalismo
tradicional, normalmente, opera assim: o jornalista faz a entrevista;
obtém dez informações; seleciona três, porque não cabem as dez; diz o
que é relevante ou não; se ele quiser, tira do contexto, e, assim,
está elaborada a matéria. Hoje, há uma mudança do conceito de
jornalismo, reitera Nassif, com o advento da internet e dos blogs,
porque há uma desconstrução da atitude onipotente do jornalista.
Agora, o jornalista coloca a informação na internet e, ao mesmo
tempo, obtém a opinião do leitor. Este interage e contradiz ou tem
uma opinião diferente da do jornalista. Então, este muda de opinião,
estabelecendo-se um exercício de democracia e civilidade, gerando uma
reviravolta no mundo da imprensa. No blog, conclui Nassif: "você tem
que ter experiência, bom senso e, quando não conhece direito o tema,
coloca lá e pede para o pessoal opinar".
Esta caracterização dos novos cenários para a comunicação não tem por
finalidade apontar o futuro dos jornais, diante dos problemas publicitários, os
desafios face à internet e as novas tecnologias, etc., pois as novas
tecnologias não são, necessariamente, excludentes, mas podem ser
complementares.6 O problema é que isto implementa uma nova contradição na
formação da opinião pública, tal como esta vinha se determinando até o presente
momento. Por isso, apresentaremos, primeiramente, a constituição da liberdade
de imprensa e o processo de regulamentação em nível ocidental. Depois,
descreveremos a constituição histórica da liberdade de imprensa no Brasil e o
contraste entre as correntes que defendem uma Lei de Imprensa e os que advogam
a ausência de legislação. Assim, pode-se constatar o papel da imprensa como
elemento determinante na formação da opinião pública.
1 Constituição histórica da liberdade de imprensa
1.1 Técnicas de difusão da imprensa e sua função
O conjunto de realidades designadas mediante o conceito de "comunicação
pública" ou "imprensa" inicia com o uso de objetos naturais e artificiais como
suporte material de transmissão de mensagens, passa pela fase pictórica ou de
representação de objetos e de situações cotidianas, através da pintura rupestre
ou de hieróglifos, e continua na fase fonética ou de representação de sons
articulados da linguagem oral, a partir da invenção do alfabeto (na Fenícia,
cerca de 3000 a.C.). Ou seja, ao longo do tempo, as diversas culturas foram
descobrindo novos meios ou suportes materiais para se comunicar, superando os
limites do emprego dos sinais de fumaça, do fogo das tochas ou do som dos
tambores, entre outros, permitindo a conservação no tempo e a circulação no
espaço de dados que constituem eventos na história da humanidade. A invenção ou
difusão da imprensa, em meados do século XV, junto com avanços científicos e
tecnológicos, mais a partir do século XIX, tal como a fotografia (1814), o
telégrafo de Morse (1837), o telefone (1877), o cinema (1895), o rádio (1909),
a película sonora (1927), as ondas curtas (1930), além da televisão a cores, a
frequência modulada, os satélites de telecomunicação, os computadores, a fita
magnetofônica e o cassete, o videoteipe ou fita fonoótica, os videocassetes e
os videodiscos, os celulares, a rede digital, a fibra óptica, os CDs, os DVDs,
os pen-drives, os mp (3, 4, 5), entre outros meios, acabaram diversificando e
sofisticando as possibilidades de comunicação.
A comunicação não é algo que se restringe apenas à transmissão verbal,
explícita e intencional de alguma mensagem. Mas o âmbito de comunicação inclui
todas as formas por meio das quais as pessoas influenciam, de certo modo,
outras pessoas. Tal noção se baseia na premissa de que todas as ações ou
eventos têm aspectos comunicativos, assim que são percebidos por alguém. Ou
seja, sua percepção influencia o conjunto de informações que o indivíduo possui
e, assim, de algum modo, comunica-lhe algo. Ora, as funções básicas,
convencionalmente atribuídas aos muitos meios de comunicação ou de imprensa,
são quatro: informar, divertir, ensinar e persuadir. A primeira diz mais
respeito à difusão de notícias, relatos, comentários, etc., a respeito da
realidade, acompanhada, ou não, de interpretações ou de explicações. A segunda
função atende à procura de distração, de evasão, de divertimento, etc., por
parte do público. A terceira ensinar é realizada de modo indireto ou
direto, intencional ou não, por meio de material visando a formação do
indivíduo ou para ampliar seus conhecimentos, planos, etc. A quarta função visa
persuadir o indivíduo, convencê-lo, por exemplo, a adquirir o produto, a votar
em certo candidato, a se comportar de acordo com as pretensões do anunciante.
Ou seja, tais meios, muitas vezes, foram e ainda são usados para cunhar,
intermediar e reforçar o consenso ou o arremedo da opinião pública, através do
poder da propaganda, a qual é uma tentativa de influenciar a conduta dos
indivíduos, pois, afinal, o escopo do propagandista é o de convencer ou de
direcionar a opinião alheia.7
Na verdade, somente no século XIX, a imprensa começa a adquirir, propriamente,
as características de meio de comunicação dirigido às massas. Com o grande
desenvolvimento da tecnologia, desencadeado pela Revolução Industrial, as
atividades de editoração perdem o feitio artesanal e adotam as técnicas da
industrialização. No contexto da produção em massa, os novos bens, fabricados
pela indústria editorial, principalmente, os jornais e as revistas, têm o custo
barateado, tornando-se produtos de consumo popular. Depois, em função do grande
crescimento do número de habitantes da maior parte dos Estados, também a
imprensa precisou adaptar-se, já que sempre mais pessoas recebiam instrução e,
com isso, sabiam ler e escrever, e podiam, em consequência, querer adquirir os
impressos. Mas o mais importante é que as técnicas industriais transformaram-se
radicalmente com o grande desenvolvimento da mecânica e da máquina a vapor, a
qual foi adaptada à imprensa. Assim, a imprensa escrita acabou convertendo-se,
efetivamente, num autêntico e complexo veículo de comunicação de massas. Tal
processo ainda foi intensificado com o surgimento do rádio, do cinema, da
televisão, da internet, etc., como consequência do progresso científico,
tecnologias que, ao longo dos anos, foram se incorporando na estrutura da
sociedade.8
1.2 Institucionalização da liberdade de imprensa
Antes mesmo da descoberta da tipografia (por Gutemberg, em 1454), sobre quase
todos os escritos já pesava rigorosa regulamentação tanto de origem religiosa
quanto laica. A tipografia, a princípio, é encorajada e favorecida. Mas, com a
sua grande difusão, já no início do século XV, os poderes civis e religiosos
procuraram se unir, a fim de frear as supostas intemperanças dos impressores.9
Assim, quase naturalmente, a imprensa periódica foi, até o fim do século XVIII,
sobretudo na França, submetida a um regime preventivo e arbitrário de censura.
Tal regime comportou, ao mesmo tempo, a obrigação de obter o direito, no mais
das vezes, acompanhado de monopólios, para a edição e a prévia censura de todas
as publicações. Para tanto, não existia regra nenhuma que limitasse o poder
discricionário de conceder ou recusar as autorizações. Ora, as profissões de
impressor, livreiro-editor ou vendedor, a princípio livres, eram sujeitas à
regulamentação corporativa, cada vez mais minuciosa e repressiva, reforçada
pela regulamentação estatal.
Mas, das muitas declarações sobre a liberdade em geral, em especial, sobre a de
imprensa, até Hegel (1770-1831), cabe destacar: a) a "Declaração da
Independência", de 04.07.1776, e a "Constituição Federal" dos Estados Unidos da
América, de 1789, e as emendas de 1791 [Art. XII: "a liberdade de imprensa é um
dos grandes baluartes da liberdade, não podendo ser restringida jamais, a não
ser por governos despóticos"]; e b) a "Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão", na França, de 26.08.1789 [Art. XI: "A livre comunicação das idéias e
das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode,
portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos
abusos desta liberdade nos termos previstos na lei"].10
Além disso, depois de Hegel, na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
aprovada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em
10.12.1948, o artigo XIX também defende que toda pessoa tem direito à liberdade
de opinião e expressão; sendo que tal direito inclui a liberdade de, sem
interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e
ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. Do mesmo modo, na
Convenção Européia de Salvaguarda dos Direitos Humanos e das Liberdades
Fundamentais, de 04.11.1950, o artigo X defende que todo ser humano tem direito
à liberdade de expressão. Tal direito envolve a liberdade de opinião e a de
receber e de comunicar informações e ideias, sem a interferência de autoridades
públicas e sem consideração de fronteiras. Tal artigo não proíbe os Estados de
submeterem as empresas de comunicação a regime de autorização, tudo porque o
exercício da liberdade de expressão, que comporta deveres e responsabilidades,
pode ser sujeito a certas formalidades, condições, restrições ou sanções
previstas em lei, as quais constituem medidas necessárias, numa sociedade
democrática, à segurança nacional, integridade territorial, defesa e manutenção
da ordem pública, prevenção de crimes, proteção da saúde e da moral, proteção
da reputação ou dos direitos de terceiros, e para impedir a divulgação de
informações confidenciais ou garantir a autoridade e imparcialidade do poder
judiciário. Ainda cabe destacar que, em 28.11.1978, na 20ª reunião da
Conferência Geral da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura, celebrada em
Paris, foram declarados os princípios fundamentais relativos à contribuição dos
meios de comunicação de massa para o fortalecimento da paz e da compreensão
internacional, para a promoção dos direitos humanos e a luta contra o racismo,
o apartheid e o incitamento à guerra. São onze artigos, cujo preâmbulo relembra
que a liberdade de informação é um direito humano fundamental e alicerce de
todas as liberdades às quais estão consagradas as Nações Unidas, mas que a
liberdade de informação requer, como elemento indispensável, a vontade e a
capacidade de usar, e de não abusar, de seus privilégios, já que requer a
disciplina básica ou a obrigação moral de pesquisar os fatos e difundir os seus
dados, sem intenção maliciosa.
Em síntese, trata-se da luta contra a difusão de notícias falsas ou deformadas,
que poderiam provocar ou estimular ameaças contra o interesse da paz e do bem-
estar da sociedade. Muitos de tais elementos já se encontram expressos por
Hegel, o qual já destaca, por exemplo, a necessidade de transmitir, pelos
veículos de comunicação, o que, de fato, se passa na realidade e não ter tal
informação sonegada por decisão autoritária do governo ou determinação
arbitrária do editor do veículo.11
1.3 Liberdade de imprensa no Brasil
No Brasil, sabemos que a Imprensa Nacional, órgão criado pelo Decreto de
13.05.1808 (ou seja, há mais de 200 anos), assinado por Dom João VI, instituiu
aqui os parâmetros da Lei de Imprensa portuguesa. Depois da Independência, o
direito positivo brasileiro em matéria de imprensa possui seus dispositivos
divididos entre a Constituição e a Lei de Imprensa. Ora, por decreto de
18.06.1822, nossa imprensa ingressou na legislação ordinária. Mas a primeira
Lei de Imprensa foi a Carta de Lei de 02.10.1823; seguindo-se, depois, a de
20.09.1930. A Lei nº 4.743, de 31.10.1923, regulou nossa imprensa até o advento
da Lei nº 2.183, de 12.11.1953, sem omitir o Decreto nº 24.776, de 15.07.1934,
que remanesceu durante a ditadura militar, alterado pelas leis e normas do
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), criado em 1939. A Lei nº 4.680,
art. 17, de 18.06.1965, regulamentou a profissão do publicitário e agenciador
de propaganda. O art. 17, do Decreto nº 57.690, de 01.02.1966, sobre o
regulamento para a execução da Lei nº 4.680, estabeleceu regras de natureza
ética a respeito do que não é permitido e do que constitui o dever na
comunicação pública.
Ora, na Constituição Imperial de 1824, a "liberdade de comunicação do
pensamento por palavras e escritos e vinculada por meio da imprensa" era
tutelada no art. 179, inciso IV: "Todos podem comunicar os seus pensamentos por
palavras, escritos e publicá-los pela imprensa, sem dependência de censura,
contanto que hajam de responder pelos abusos que cometerem no exercício deste
direito, nos casos e pela forma que a lei determinar". Na Constituição
Republicana de 1891, poucas mudanças: "Em qualquer assunto é livre a
manifestação do pensamento pela imprensa, ou pela tribuna, sem dependência de
censura, respondendo cada um pelos abusos que cometer, nos casos e pela forma
que a lei determinar. Não é permitido o anonimato". A Constituição de 1934, de
inspiração liberal, rezava em seu artigo 113, item 9: "Em qualquer assunto é
livre a manifestação do pensamento, sem dependência de censura, respondendo
cada um pelos abusos que cometer, nos casos e pela forma que a lei determinar.
Não é permitido o anonimato. É assegurado o direito de resposta. A publicação
de livros e periódicos independe de licença do poder público. Não será, porém,
tolerada propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem
pública ou social". A Constituição de 1937, no seu artigo 122, item 15,
dispunha: "Todo cidadão tem o direito de manifestar o seu pensamento,
oralmente, por escrito, impresso ou por imagens, mediante as condições e os
limites prescritos em lei". Porém, em seguida, limita essa disposição liberal
ao afirmar: "A lei pode prescrever: a) com o fim de garantir a paz, a ordem e a
segurança pública, a censura prévia da imprensa, do teatro, do cinematógrafo,
da radiodifusão, facultando à autoridade competente proibir a circulação,
difusão ou a representação". Na Carta de 1946, no seu artigo41, parágrafo 5: "É
livre a manifestação de pensamento, sem que dependa de censura, salvo quanto a
espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um, nos casos e na forma que
a lei preceituar, pelos abusos que cometer. Não é permitido o anonimato. É
assegurado o direito de resposta. A publicação de livros e periódicos não
dependerá de licença do poder público. Não será, porém, tolerada, propaganda de
guerra, de processos violentos para subverter a ordem política e social, ou de
preconceitos de raça ou de classe". A Constituição de 1967, já sob o regime
militar de 1964, afirmava, no seu artigo 150, parágrafo 8: "É livre a
manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica e a prestação
de informação sem sujeição à censura, salvo quanto a espetáculos e diversões
públicas, respondendo cada um nos termos da lei, pelos abusos quecometer. É
assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos
independe de licença da autoridade. Não será, porém, tolerada a propaganda de
guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de raça ou de classe". Esta
Constituição sofreu emendas sucessivas, a partir da Emenda nº 1, de 1969, que
trouxeram pequenas modificações no estilo. A matéria da censura e da liberdade
de opinião ficou assim regulada pelo artigo 153, parágrafo 8, com a seguinte
redação: "É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou
filosófica, bem como a prestação de informação independentemente de censura,
salvo quanto a diversões e espetáculos públicos, respondendo cada um, nos
termos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A
publicação de livros, jornais e periódicos não depende de licença de
autoridade. Não serão, porém, toleradas a propaganda de guerra, de subversão da
ordem ou de preconceitos de religião, de raça ou de classe, e as publicações e
exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes".12
A Constituição Federal vigente, promulgada em 05.10.1988, também trata do
direito à comunicação. Já aparece, no seu título II, capítulo I, artigo 5º, o
que se lê: "IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato; V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além
da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...) IX - é livre a
expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença; X - são invioláveis a intimidade, a
vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (...) XIV -
é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte,
quando necessário ao exercício profissional". Depois, ainda é importante o
capítulo IV, o da comunicação social, em que, do artigo 220 ao 224, é garantido
o direito à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa, proibindo a
censura de natureza política, ideológica e artística, exceto por ocasião do
Estado de sítio. Trata-se de grandes avanços no que tange à liberdade de
imprensa e ao direito de informar e ser informado.
Além disso, o Governo Federal, por meio da Lei nº 9.883, de 07.12.1999,
instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência e, deste modo, criou a Agência
Brasileira de Inteligência (ABIN), fundamentado nas ideias de preservação da
soberania nacional, de defesa do Estado democrático de direito e de defesa da
dignidade da pessoa humana. Sua atividade tem por finalidade a obtenção,
análise e disseminação de conhecimentos, dentro e fora do território nacional,
sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo
decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da
sociedade e do Estado. Seu artigo 3º impõe que o desenvolvimento das suas
atividades dar-se-á com irrestrita observância dos direitos e garantias
individuais, fidelidade às instituições e aos princípios éticos que regem os
interesses e a segurança do Estado. Por sua vez, a Lei nº 10.406, de
10.01.2002, que deu origem ao novo Código Civil Brasileiro, nos artigos 186 e
187, conceitua ato ilícito como sendo uma ação ou omissão voluntária,
negligente ou imprudente, que viola direito e causa dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral. Assim, comete ato ilícito o titular de um direito que, ao
exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Além disso, cabe destacar que a
Secretaria de Estado da Comunicação do Governo Federal, em 06.06.2002, expediu
a Instrução Normativa nº 28, instituindo e definindo a "publicidade de
utilidade pública" como a que tem como objetivo informar, orientar, avisar,
prevenir ou alertar a população ou segmento da população para adotar
comportamentos que lhe tragam benefícios sociais reais, visando melhorar sua
qualidade de vida.
Trata-se de conjunto complexo e interligado de questões que, muitas vezes,
podem entrar em conflito. Sobre isso, são muitos os aspectos que poderiam e, de
certa forma, deveriam ser explicitados; por exemplo, sobre os crimes que podem
ser cometidos através de órgãos de comunicação pública, a saber: a calúnia e a
difamação, a ofensa à memória de pessoa falecida, à pessoa coletiva ou
instituição, entre outros atos tidos como abusos da liberdade de imprensa,
todos envolvendo a colisão entre o direito subjetivo e o objetivo, público e
privado, pessoal e patrimonial, social e individual, setorial e profissional,
civil e político; sem falar da relação entre os segredos de justiça (e os
domínios particular, privado e íntimo da vida das pessoas) e a liberdade de
informação, dos direitos autorais, entre outros tantos, inclusive dos crimes no
âmbito da informática. Ora, uns apregoam o valor absoluto dos direitos da
personalidade, fixando a inviolabilidade dos referidos direitos, face ao
direito de informação. Outros fixam o direito de informação como preferencial
aos demais direitos, na medida em que ele constitui um verdadeiro alicerce da
instituição da opinião pública, o que faria com que prevalecesse aos demais
direitos, nas situações de conflito. Mas uma terceira corrente defende a
ponderação entre o direito de informação e os direitos de personalidade,
verificando se a restrição resultante dessa ponderação está, ou não,
justificada constitucionalmente. Porém, o que transparece é que, a princípio,
não se pode falar em proteção aos direitos da personalidade, da garantia da
intimidade e, ao mesmo tempo, em liberdade sem limites de informação. Sobre
isso, vale ressaltar o que afirma Aníbal Alves:
Daqui ressalta a vocação mediadora da imprensa entre o caos dos fatos
e o mundo inteligível próprio dos humanos. Simultaneamente se realça
o seu papel na formação do pensamento e atitudes dos indivíduos e
conseqüente influência na opinião pública, o que levanta o poder da
imprensa e da sua ligação com os diferentes poderes que tendem a usá-
la em seu proveito. Importa reconhecer, por um lado, que a relação da
imprensa com o poder político e econômico é inevitável e que a forma
de lhe salvaguardar a independência reside no fato de aquelas
relações serem claramente definidas e conhecidas; por outro lado, a
idéia da imprensa como quarto poder só é aceitável enquanto tal poder
corresponder ao poder do seu público, sem o que a "imprensa que a
liberdade criou se torna senhora da liberdade". Por isso mesmo, e
qualquer que seja o estatuto jurídico e formal da imprensa, o seu
funcionamento deveria tender para se tornar a efetiva expressão do
público para o público. Assim realizaria a imprensa a sua função de
mediação social, e tanto mais quanto maior for a capacidade crítica
de informadores e informados.13
O debate sobre a liberdade de imprensa no Brasil coloca-se, atualmente, grosso
modo, na oposição entre a corrente que defende a necessidade de uma nova Lei de
Imprensa, a qual substitua a anterior do período militar, e aquela que propõe
nenhuma legislação específica, ou seja, um laissez-faire na atividade da
imprensa. Vejamos como se articulam estas posições.
1.4 Lei de Imprensa ou ausência de Legislação
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ayres Britto, determinou, em
02.2008, a suspensão, em caráter liminar, de 20 artigos da Lei de Imprensa, de
1967, adotada durante o regime militar, que impunha restrições à atividade
jornalística.
AAssociação Nacional de Jornais (ANJ) entende que o STF poderá decidir, ainda
neste ano, pela manutenção da decisão de Ayres Britto, pois para esta "a lei em
vigor é um símbolo de um Brasil que deve ficar no passado". A ANJ, reunida no
7º Congresso Brasileiro de Jornais (São Paulo, 18-19.08.2008), propôs que a
atividade de imprensa, no Brasil, permaneça livre de controles externos, tendo
em vista que "a todo momento surgem projetos do Legislativo ou do Executivo que
podem conter aspectos perigosamente autoritários". Mas diferente é a posição do
Presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, presente ao evento como representante
do Congresso. Ele defendeu a necessidade de apresentar projetos relativos a uma
nova lei para a atividade de imprensa, uma vez que é "difícil imaginar um setor
da sociedade que não seja subordinado ao ordenamento jurídico da própria
sociedade".14
Há consenso, da parte de advogados, políticos, jornalistas e representantes de
veículos de comunicação de que a atual legislação para a imprensa, feita em
1967, no regime militar, está ultrapassada; no entanto, divergem quando se
trata de encontrar uma solução. Temos duas posições:
a) Necessidade de uma Lei de Imprensa: Uma corrente sustenta que há
necessidade de uma nova lei para regular o trabalho da imprensa. Após
a suspensão, em caráter provisório, de 20 artigos da Lei de Imprensa,
esta corrente defende a necessidade de formular uma legislação
moderna e democrática para a imprensa, a fim de evitar o risco de se
criar um vácuo jurídico. Neste sentido, tramita, na Câmara dos
Deputados, projeto de Lei de Imprensa, tal como foi aprovado pela
Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, em
06.12.1995, o qual propõe regulamentar o funcionamento da imprensa no
Brasil.15
b) Ausência de Legislação sobre a Imprensa: Outra corrente de opinião
defende a ausência total de legislação específica para a área, ou
seja, a simples extinção da Lei de Imprensa, de 1967, sem que nenhuma
legislação seja colocada em seu lugar. Argumenta que toda tentativa
de regular a atividade jornalística acaba criando excessivo controle
sobre o direito à informação, pilar da democracia.
De fato, este dilema sobre a lei da liberdade de imprensa remete a um grande
problema histórico, pois, nas democracias modernas, existe o conflito clássico
entre dois valores fundamentais garantidos constitucionalmente:
a) Primeiramente, o direito à informação: "É assegurado a todos o
acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando
necessário ao exercício profissional" (CF/1988, art. 5º, inc. XIV).
b) Depois, os direitos ligados à personalidade: "São invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material decorrente de
sua violação" (CF/1988, art. 5º, inc. X).
Face a tal contradição, as Constituições resolveram o dilema conferindo
primazia ao primeiro direito, em nome do interesse público: "A manifestação do
pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo
ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta
Constituição" (CF/1988, art. 220). Acrescenta, neste mesmo artigo, §1º:
"Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena
liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicaçãosocial";
e §2º: "É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e
artística".
Mas, como contrapartida, criaram-se mecanismos para reparar excessos cometidos
no livre exercício da imprensa, através dos Códigos Civil e Penal, que avaliam
a atividade jornalística, garantindo a honra, a intimidade e a privacidade das
pessoas.16 Assim, o novo Código Civil, no artigo 20, autoriza a proibição de
escritos, exposição e utilização de imagem se eles atingirem a honra, a boa
fama e a respeitabilidade de alguém.17 Esse artigo, conjugado com o artigo 12,
também do Código Civil, institui uma espécie de censura prévia contra imprensa,
rádio e televisão, além da indenização que couber.18
Constata-se que a liberdade de imprensa tem como pressuposto o desenvolvimento
tecnológico dos meios de comunicação, em que a crescente evolução das técnicas
de imprensa permite que a humanidade passe, cada vez mais, de meios
interpessoais para instrumentos massivos de comunicação. Ora, a conjuntura da
opinião pública surge neste movimento de institucionalização da liberdade de
imprensa, através das Revoluções americana e francesa, em que as várias
Declarações garantem o direito à liberdade de imprensa. Enfim, a Declaração
Universal dos Direitos Humanos afirma, em seus artigos, que a liberdade de
informação é um direito humano fundamental e alicerce de todas as liberdades.
No Brasil, as Constituições, desde a primeira, em 1824, até a última, em 1988,
sempre contemplaram o direito à liberdade de imprensa, procurando incorporar a
expansão deste direito às democracias ocidentais.
Assim, a constituição histórica da liberdade de imprensa reflete o embate entre
liberdade de opinião e censura, em que a opinião pública desenvolve
acontradição que encontra na própria imprensa a função mediadora. É isso que
veremos, a seguir, na experiência e na filosofia hegeliana sobre a liberdade de
imprensa e a opinião pública.
2 Liberdade de imprensa e opinião pública em Hegel
Para apreender bem o conceito hegeliano de liberdade de imprensa ou de
comunicação pública, cabe examiná-lo diante das circunstâncias em que foi
exposto, a fim de evitar as interpretações equivocadas. Ora, por meio da
leitura histórica e crítico-filológica, podemos citar e analisar as
interpretações existentes acerca da filosofia hegeliana, pois há uma disputa
entre o que ele, a princípio, disse e aquilo que dizem que Hegel disse e/ou o
que poderia ter dito. Ou seja, diante das muitas interpretações sobre a
filosofia política de Hegel, que se multiplicam e se entrechocam, ao
reconstituir as circunstâncias históricas em que o texto hegeliano da Filosofia
do Direito foi editado, aliado à análise dos seus elementos crítico-
filológicos, é possível discernir, por exemplo, que, apesar de muitas
similaridades, a definição hegeliana do conceito de Estado é distinta da forma
estatal vigente na Prússia: simplesmente, tal monarquia não era constitucional
e não se encontrava alicerçada sobre o princípio da liberdade, porque vigorava
forte censura, procurando prever e controlar tudo, impedindo, assim, a livre
iniciativa dos seus membros ou a livre atuação política dos cidadãos, tornando-
se, com isso, autoritária.19
2.1 Hegel e a Lei de Imprensa Federal da Convenção de Karlsbad
Historicamente, trata-se do fato de Hegel ter escrito e publicado a Filosofia
do Direito, em 1820, numa época em que a Prússia se encontrava em pleno estado
de censura, dada a recente implementação, em 20.09.1819, das resoluções da
Convenção de Karlsbad, realizada de 06 a 31.08.1819, produto do acordo entre o
então monarca prussiano, Frederico Guilherme III, e o chanceler Metternich. Ou
seja, houve todo um clima político de repressão e vigilância, especialmente nos
meios universitários e na imprensa, em função da vigência de tais resoluções.
Ora, cogita-se que Hegel, nessa época, já tinha pronto para a impressão o texto
da Filosofia do Direito. Porém, o que, de fato, sabemos é que o seu Prefácio
expõe local e data, a saber: "Berlim, 25 de junho de 1820"; ou seja, apenas
nove (09) meses depois do início da vigência das resoluções.
Ora, o objetivo básico das referidas Resoluções de Karlsbad era o de cercear o
movimento liberalista nos Estados alemães, onde a agitação revolucionária,
localizada sobretudo nos círculos intelectuais e universitários, havia
encontrado espaço especialmente nas organizações estudantis, as quais já haviam
provocado agitações em vários Estados da Confederação Germânica. Em resumo,
foram três resoluções, aprovadas mediante decisão da assembleia ministerial: a
[1] Lei Universitária Federal ("Resolução federal provisória sobre as
providências a serem tomadas na consideração da Universidade"), a [2] Lei de
Imprensa Federal ("Determinação provisória sobre a Liberdade de Imprensa") e,
ainda, a [3] Lei de Investigação Federal ("Resolução relativa ao pedido da
autoridade central acerca da investigação para descobrir, nos diferentes
Estados confederados, intrigas revolucionárias").
Na "Lei de Investigação Federal", destaca-se o art. 2:
A finalidade desta Comissão é a investigação e a verificação em
comum, quanto mais escrupulosa e abrangente possível dos atos reais,
da procedência e das variadas ramificações contra a existente
constituição e interior tranqüilidade, tanto em toda Confederação,
quanto em cada um dos Estados confederados, constituídas as
revolucionárias intrigas e as demagógicas associações, das quais os
mais próximos ou distantes indícios já existem, ou se querer intervir
no andar da investigação.
E da "Lei de Imprensa Federal" cabe destacar o § 1:
Enquanto a presente resolução permanecer em vigor, não poderá ser
impresso nenhum escrito, este na forma de periódico diário ou caderno
aparente, igualmente semelhante, não excedendo acima de 20 folhas no
prelo, em nenhum Estado confederado alemão sem conhecimento prévio e
precedente revisão geral pelo serviço público de imprensa local.
Em resumo, tais resoluções intensificaram a austeridade nas Universidades,
limitando a liberdade do pensamento e da ciência, e a censura, restringindo,
ainda mais, a liberdade de comunicação pública existente na época.20
Diante disso, segundo P. Singer, é mais do que necessário esclarecer se o
conceito de Estado de Hegel é ou não meramente uma descrição do Estado
prussiano da época em que ele escreveu. Para Singer: "Não, não é. Há grandes
similaridades, mas há também diferenças significativas. Mencionarei quatro
delas. (...)":
A terceira diferença é que Hegel era, ainda que dentro de limites
muito estritos, um defensor da liberdade de expressão. Para os
padrões atuais, reconhecidamente, ele não parece ser nada liberal
nesta questão, pois excluía dessa liberdade tudo o que viesse a se
caracterizar como difamação, abuso ou "caricatura insolente" do
governo e de seus ministros. Entretanto, não queremos agora julgá-lo
pelos padrões de hoje, e sim comparar suas propostas com o estado de
coisas na Prússia na época em que ele estava escrevendo. Ademais,
como a Filosofia do Direito apareceu apenas dezoito meses depois da
rígida censura imposta pelos decretos de Karlsbad de 1819, Hegel
estava certamente lutando por uma liberdade de expressão maior do que
a que se permitia no momento. (...) Essas diferenças são suficientes
para isentar Hegel da acusação de haver erigido sua filosofia
inteiramente para agradar à monarquia prussiana.21
Em síntese, Hegel lutou por uma liberdade de expressão maior do que a que se
permitia na época da redação e da publicação da Filosofia do Direito. Ou seja,
urge considerar que Hegel exprimiu sua filosofia política numa época em que a
manifestação pública, escrita ou oral, de certas opiniões não era livre e, por
isso, em algumas ocasiões, era até pretexto para perseguições e penalidades.
Além disso, sabemos que Hegel vivenciou a experiência de censura, em 1808,
quando foi editor da Gazeta de Bamberg. Portanto, ele não desfrutou da
liberdade para poder declarar toda e qualquer opinião possível. Mas,
independente de tal não liberdade, Hegel nunca procurou defender que liberdade
de imprensa significava a liberdade para alguém expressar o que bem quisesse.
Porém, com isso, não se segue que Hegel e/ou sua filosofia foi subserviente à
política da época; antes, pelo contrário, a despeito de não poder se expressar
livremente, isso não o impediu de lutar contra a censura, e a favor da
liberdade racional, como o atesta a leitura dos seus textos. Ao analisar o
texto hegeliano, sobretudo do § 319, compreende-se que Hegel, quando da
apresentação do seu conceito de liberdade de imprensa, não busca justificar a
realidade estatal existente na Prússia, mas visa promover a efetivação da
liberdade.
2.2 Experiências com a imprensa e opinião pública
a) Redator-chefe da Gazeta de Bamberg
Hegel, como já afirmamos, trabalhou como diretor da Gazeta de Bamberg, de 1807
a 1808. O jornal era composto de quatro pequenas folhas, de formato in-quarto,
e aparecia todos os dias da semana, impresso de manhã e colocado à venda depois
do meio-dia. Tal Gazeta fornecia, aos cidadãos de Bamberg e ao distrito de
Main, as informações relativas ao Estado bávaro e sobre os acontecimentos
europeus. Bamberg era um lugar importante, pois, na época, residiam aí ainda os
príncipes do Império.
Hegel, enquanto redator, acrescentava às informações um breve comentário,
destinado a orientar o leitor. No momento em que Hegel assumiu as funções de
redator, desenrolavam-se os últimos atos da guerra francoprussiana, com o cerco
de Dantzig e de Kolberg. Ele tinha sido alertado do que poderia acontecer a um
jornalista imprudente nesses tempos de guerra. Por exemplo, o governador
francês tinha suspendido a Gazeta de Erlangen e prendera, por oito dias, o
diretor Stutzman e o censor, pois ousaram difundir, em suas publicações,
conforme acusação, falsas notícias e comentários suscetíveis de perturbar a
ordem pública.
Ora, no outono de 1808, o redator da Gazeta atraiu, involuntariamente, a
atenção do governo. A causa foi um artigo publicado em 19.08 sobre as posições
bávaras, quando se preparava a revolta austríaca. Tal artigo continha certo
número de indicações precisas sobre a disposição das tropas. Essas informações
provinham, literalmente, de uma ordem real, contudo tida como secreta. Hegel
elaborou o artigo, a partir da cópia de uma ordem militar que um dos empregados
de sua gráfica lhe entregara. Isso não escapou a Munique, a qual, através do
Ministério dos Assuntos Estrangeiros, ordenou uma investigação para descobrir a
origem do artigo. Hegel relatou o que sabia. Na segunda metade de dezembro,
nova requisição de informações teve lugar a propósito deste artigo. A Gazeta de
Bamberg respondeu de novo. Não se sabe bem o que aconteceu depois disso. Mas,
em 01.11.1808, um decreto do rei foi promulgado em Munique e dirigido a todos
os comissários gerais do distrito, segundo o qual apenas as informações,
emanadas de fontes oficiais, poderiam ser publicadas. Quanto às outras
notícias, o decreto confiava a responsabilidade de censurá-las às pessoas
designadas pelas autoridades provinciais. Desde então, o Ministério tornou-se
vigilante e Hegel se ressentia da fragilidade de sua posição. No fim deste mês
de novembro, ele assumiu a função de professor de Filosofia em Nürnberg. Isso
lhe evitou ter de enfrentar uma situação que se tornou mais difícil. O destino
do jornal foi decidido rapidamente. Além do último incidente aquele que tinha
conduzido Munique a intervir , a declaração, de 27.01.1809, sob a
responsabilidade dos assuntos franceses em Munique, dizia que tivera, muitas
vezes, queixas do mau espírito de certas Gazetas da Bavária, notadamente
aquelas de Nürnberg e de Bamberg. Ou seja, depois da saída de Hegel, dois
números da Gazeta de Bamberg tinham ainda suscitado a ira de Napoleão. Por
isso, a Gazeta de Bamberg foi suspensa em 07.02.1809. Enquanto esses
acontecimentos se desenrolavam em Bamberg, Hegel já era, depois de três meses,
diretor e professor no liceu real de Nürnberg. Mas, com razão, ele atribuiu a
sua própria direção a censura causadora da suspensão que atingiu seu
sucessor.22
Hegel conhece, portanto, a experiência da censura e da suspensão do jornal onde
trabalhara em Bamberg, e, ao mesmo tempo, sabe da importância da imprensa, como
meio de formação da opinião pública, não obstante seus problemas, suas
garantias e suas ambiguidades.23
b) Imprensa e opinião nos Escritos Políticos
Os Escritos Políticos24 de Hegel são: A Constituição da Alemanha (1800-1802),
[publicação póstuma], Atas da Assembléia dos estados do reino de Würtemberg
(1815-1816) e o artigo A propósito da 'Reformbill' inglesa (1830). Os três
escritos foram redigidos em datas cruciais da história da Europa. Apresentam
uma visão geral do pensamento político de Hegel num período de 30 anos,
permitindo compreender como Hegel viveu a atualidade política, na imediatidade
dos acontecimentos e sob a pressão da opinião pública.
1) Na Constituição da Alemanha, Hegel faz esta dura constatação: "A Alemanha
não é mais um Estado". E, partindo deste olhar, ele vai desenvolver toda sua
análise: as instituições políticas alemãs, herdeiras da Idade Média, eram
ultrapassadas; o funcionamento da justiça imperial era pesado e ineficaz; não
existia mais o exército e nem a polícia para garantir a defesa exterior e a
manutenção da ordem interior. Enfim, o direito constitucional havia se
convertido em direito privado e não havia poder soberano na Alemanha.
Em seu primeiro projeto de introdução da Constituição, Hegel diz que o poder do
universal, enquanto fonte de todo o direito, desapareceu, pois se fragmentou e
passou ao estado de particular. Portanto, o universal não existe mais, enquanto
realidade, mas somente enquanto pensamento. A opinião pública perdeu a
confiança no Estado e decidiu ocupar-se dos negócios particulares. "Não há
quase necessidade de propagar uma consciência mais clara do que a opinião
pública, perdendo confiança, decidiu mais ou menos obscuramente. Portanto,
todos os direitos existentes não têm fundamento, senão nesta relação à
totalidade: mas este fundamento, desaparecido depois de muito tempo, tem
deixado todos (os direitos) se particularizar".25 Por isso, é difícil, para os
homens, de maneira geral, fazer a experiência de conhecer e avaliar a
necessidade de uma Constituição. "Pois entre os acontecimentos e a livre
opinião que é preciso ter, eles introduzem uma multidão de noções e de
intenções e quereriam que isso que acontece lhes seja conforme".26 A liberdade
de opinião leva à obrigação de pensar a necessidade ou o que é do interesse de
todos e não de ficar fechado nas suas ideias, fazendo de tais ideias, fundadas
apenas naquilo que aquela consciência particular pensa, o reino da necessidade.
A opinião é livre, quando é capaz de conceber um sistema regido por um espírito
que ultrapassa os limites dos acontecimentos particulares. "Sobre a base desta
atividade opiniosa, que somente recebe o nome de liberdade, formaram-se
sistemas hierárquicos, segundo o azar e o caráter dos homens, sem referência a
um interesse geral e sem ser verdadeiramente limitado pelo que se chama poder
de Estado; pois esse último era quase inexistente na sua oposição aos
indivíduos".27 No lugar de ser uma opinião livre, segundo Hegel, o que se
constituiu na Alemanha foi uma atividade opiniosa, unicamente em direção aos
interesses particulares, e o Estado nada fez a não ser constatar que o poder
lhe foi tirado.
2) As Atas da Assembléia dos estados do reino de Würtemberg, em 1815 e 1816,
expõem o conflito que afeta o rei Frederico II, de Würtemberg, na assembleia
dos estados de seu reino, a respeito de um projeto de Constituição que se torna
negócio político. Hegel faz a análise, seguindo os trinta e três cadernos das
Atas publicadas pela mesma assembleia depois da segunda sessão. O autor
demonstra vivo interesse por este assunto provincial. Aqui ele se sente em
casa, pois passou sua infância e fez seus estudos secundários em Stuttgart
onde seu pai fora funcionário de finanças do antigo ducado de Würtemberg e
seus estudos universitários em Tübingen. Tal assembleia foi convocada para que
aceitasse ou rejeitasse a Carta constitucional, proposta pelo rei. A assembleia
beneficiou-se da sustentação de grande parte da opinião pública, seja através
da imprensa escrita (entre outros jornais, por exemplo, o Allgemeine Zeitung
consagra artigos a seus debates), seja da parte do povo mesmo, que lhe oferece
"música de noite" para uma de suas últimas sessões. Mas o rei não era popular,
por isso sua Carta foi aceita apenas mais tarde, depois de sua morte em
25.09.1818 após o ultimatum. Hegel não se priva de criticar os parlamentares
e os acusa de ineficácia, de incapacidade, de cegueira, de venalidade. Ele os
censura de alienar o povo, de ser das "classes" (Klassen) dos parasitas, que
bloqueiam a situação política em proveito dos interesses da aristocracia
burguesa e dos privilégios de casta "Meu povo, teus chefes te enganam!".28 E
eis o paradoxo: o parlamento quer defender seus privilégios e o direito
privado, enquanto o rei propõe uma Constituição implicando severas restrições
de seus próprios poderes em benefício do povo ou de seus representantes. "Em
Würtemberg, é o rei que coloca a Constituição no plano do direito racional e os
estados que se lançam na defesa do direito positivo e dos privilégios".29
Esse cenário de princípios e de interesses contraditórios da assembleia é
"portanto de uma importância infinita para a educação política, da qual um povo
e seus chefes têm necessidade, um povo que viveu, até então, na nulidade
política e cuja educação não começou do nada, como um povo ainda ingênuo, mas
que ainda estava preso nas cadeias severas de uma aristocracia opressiva, de
uma Constituição interna organizada para mantê-los, numa carência e numa
confusão conceitual completa, a respeito dos direitos políticos e das
liberdades, ou antes, nas cadeias das palavras".30 Contra isso, Hegel propõe o
começo do combate direto e indireto, uma ação sobre o público, pois a educação
política se faz pelo debate e pela publicidade dada aos debates da assembleia
e, em particular, pela imprensa. Tem-se conhecimento de uma série de artigos
que Hegel fez publicar nos Anais Literários de Heidelberg para influenciar a
opinião pública.
Hegel começa por observar, nas suas análises políticas, que um dos aspectos
importantes para a assembleia é a publicação das Atas e a repercussão observada
no público: "Essas Atas não expõem, na verdade, senão um dos aspectos
principais desta experiência: os trabalhos, que foram acompanhados
publicamente, tiveram lugar na assembléia. Na verdade, o público, sobretudo,
tem-se interessado, espontaneamente por esta parte oficial das atas da
assembléia, aquela que, em todo caso, tem, primeiramente, por característica,
fornecer à história materiais dignos dela".31 E acrescenta que a assembleia
deve fazer conhecer, sem rodeio, sua opinião verdadeira, pois "é para este fim
que existe uma assembléia de estados, não somente para agir, sem debate, mas
ainda para expor ao povo e ao mundo seus debates sobre os interesses do
Estado".32
O papel representado pela opinião pública, na assembleia de Würtemberg, foi,
sem nenhuma dúvida, fortemente sublinhado por Hegel. Tanto em relação à
publicação das Atas quanto à assembleia enquanto tal, pois Hegel repete,
seguidamente, que isso foi um verdadeiro momento de educação política. O
público reagiu à publicação das Atas, inclusive Hegel, inicialmente, publicando
seu longo comentário nos Anais Literários de Heidelberg e, também, de um modo
geral, toda a imprensa. Isso denota um despertar da opinião do povo, que se
torna político, pois quer influenciar nos debates da assembleia, propondo e
criticando seus projetos. O público também toma posição, e isso desencadeia os
debates no nível da mesma assembleia e no interior da sociedade de Würtemberg.
A insistência sobre todo esse processo de discussão pública prova o quanto
Hegel valoriza o papel da opinião que se torna crítica e educa a consciência
política.
3) O último texto político, publicado por Hegel, é o artigo A propósito da
'Reformbill' inglesa, que apareceu, em 26.04.1831, no Allgemeine Preussische
Staatszeitung. Sabe-se que o rei da Prússia censurou a segunda parte do artigo,
pois a julgava muito crítica a respeito da Inglaterra, evitando, desse modo, os
problemas de política estrangeira. Hegel foi sempre interessado pela economia,
pela política e pela vida social inglesa. Por exemplo, desde 1799, ele
comentava os Princípios de economia política, de J. Stewart, e, nos seus cursos
de Iena, de 1804-1805, escolhe ainda a Inglaterra, a fim de estudar as
estruturas da sociedade burguesa. Em 1831, a motivação de Hegel é a vaga
revolucionária que, na época, sacudiu a Europa depois de 1830 Itália,
Polônia, França, Bélgica. Nos dois primeiros países, a revolta fracassou; ao
contrário, nos últimos, ela foi vitoriosa e na Inglaterra a oposição ganhou as
eleições. Em 03.1831, o novo gabinete apresentou projeto de reforma eleitoral.
A Inglaterra foi agitada por muitos anos pela questão da mudança de sistema
eleitoral desusado e injusto. Tal é o objeto da Reformbill. Em 1830, a vida
pública inglesa é ainda dominada por tradições muito antigas; em princípio, o
rei, hereditário e inviolável, comanda o reino; o governo central compreende
duas câmaras a câmara dos Lords ou a câmara alta, composta de senhores
hereditários, e a câmara dos Comuns ou câmara baixa, composta de deputados
eleitos pelo tempo de sete anos. O sistema eleitoral inglês é costumeiro equase
medieval. É por isso que o país sente a necessidade de uma reforma eleitoral,
que vai ser adotada definitivamente em 05.1832.
O artigo de Hegel toma posição em relação a esse projeto de reforma eleitoral.
Segundo Hegel, a opinião pública já havia tomado partido em favor da reforma.
Mesmo assim, ele examina o que a opinião sustentava, pois ela é contraditória:
"Entretanto, mesmo se a opinião pública, na Inglaterra, era quase
universalmente favorável à reforma prevista pelo Bill, quaisquer que sejam a
extensão ou os limites, deveria ser ainda permitido examinar o que esta opinião
exige".33
Ao projeto faltavam fundamento sólido e argumentos verdadeiros. Ao contrário da
Alemanha, onde a opinião pública se formou conforme um processo de mudança
progressivo, na Inglaterra a opinião tomou posição emfavor do projeto de
reforma de modo imediato. É isso que Hegel censura na opinião inglesa: o fato
de se voltar contra o que ela antes tinha sustentado. De toda maneira, isso
corresponde ao próprio conceito da opinião pública, de ser sempre a expressão
da contradição das opiniões da sociedade.
Assim, as análises dos Escritos Políticos demonstram-nos que Hegel está
consciente do papel da opinião pública e de seu poder de influenciar os
negócios públicos. E, nesse sentido, ele participa desse processo de formação
da opinião, através de suas publicações e seus artigos na imprensa escrita.
Constata-se que, para Hegel, a opinião tem, sobretudo, um papel político, quer
seja no debate parlamentar, quer na formação das ideias no interior da
sociedade. Os instrumentos privilegiados de expressão da opinião, na época, são
os debates parlamentares e a imprensa: os jornais, as brochuras, os livros,
etc.34
2.3 Liberdade de imprensa e opinião pública
Hegel define a liberdade como o direito de fazer tudo o que as leis permitem.
Mas ele não compreende a liberdade da imprensa simplesmente como a liberdade de
dizer e de escrever o que se quer. Sustentar isso, diz Hegel, é permanecer no
estado do pensamento grosseiro e inculto, da superficialidade da representação,
e isso seria regressar em direção à opinião subjetivista. "A essência do Estado
moderno consiste na união da universalidade com a total liberdade da
particularidade".35 A liberdade, que une esses dois elementos, ultrapassa o
arbitrário subjetivista e o arbitrário despótico. A liberdade é o pressuposto
essencial da comunicação pública em todos os casos. Por exemplo, se a expressão
de uma opinião é subjetiva e, às vezes, arbitrária é sua essência mesma , a
supressão dessa liberdade não deve acontecer em nenhum caso, pois a liberdade
subjetiva e sua garantia são um direito objetivo no Estado.
O exercício da palavra e o da imprensa formam a comunicação pública.É o espaço
imediato onde se exprime a opinião pública e, ao mesmo tempo, é assim que se
forma a opinião. Neste sentido, a comunicação pública é a forma de "satisfação
desta viva tendência de dizer e de ter dito sua opinião". O Estado moderno
propicia aos seus cidadãos a satisfação deste impulso da opinião, isto é, cada
indivíduo sabe que é reconhecido na sua liberdade de opinar, sabe que é membro
ativo da comunidade, sabe que é conhecido e reconhecido comotal por todos os
outros e pelo Estado na comunicação pública. É por isso que essa liberdade e
essa satisfação, enquanto reconhecimento, são o fim da comunicação pública e a
razão de sua garantia.
Em princípio, Hegel é partidário da liberdade da comunicação pública. Para que
isso se realize, põe duas garantias. A garantia direta se exerce através dos
dispositivos legais ou ordens, que podem ser utilizados, antes, como prevenção,
ou, depois, como punição. Outros veem, nas disposições legais ou ordens, uma
censura prévia, embora Hegel não utilize esta palavra. Nós sabemos que essa
passagem é uma das mais delicadas, pois é aqui que Hegel exige a abolição da
censura, à qual seu livro era ainda submetido, para poder dizer livremente e
não somente de um modo técnico o que tem a dizer, isso que diriam mais tarde,
provavelmente, seus alunos.36 É verdade que o governo tem razão de intervir
logo que a liberdade de expressão ultrapassa certos limites. Mas a supressão
pura e simples da imprensa conduz sempre à revolta do cidadão, e isso é
contrário à natureza mesma da liberdade de expressão. A garantia direta da
comunicação pública deve sempre levar em conta o fato de que a expressão livre
da opinião é, em si, um direito objetivo no Estado.
As garantias indiretas são como uma espécie de autorregulação da comunicação
livre, fundada sobre a sabedoria da Constituição, a estabilidade do governo e a
publicidade dos debates das assembleias dos estados. Hegel diz, mais uma vez,
que a publicidade dos debates das assembleias, quando são levados com
competência logo que se trata de um verdadeiro debate sobre os interesses do
Estado , deixa poucas coisas de importância a acrescentar. Os debates das
assembleias esclarecem a opinião pública, exprimem todas as potencialidades e
seus interesses sobre os assuntos públicos. O bom senso da opinião pública
vox populi, vox Dei faz parte das garantias indiretas, pois esse bom senso
sabe discernir sabiamente a verdadeira comunicação pública da falsa, de tal
modo que esta aqui é recebida com indiferença e desprezo, quando o discurso ou
a conversa é fraco ou detestável.
Hegel constata o fenômeno da ambiguidade na comunicação pública: "Aliás, é da
natureza mesma da coisa que, em nenhuma parte, o formalismo se mantém com tanta
obstinação e de modo assim tão insensato quanto nesta matéria. Pois o objeto
a imprensa é constituído pelo que aí tem de mais passageiro, de mais
particular, de mais contingente na opinião, com a infinita diversidade do
conteúdo e dos modos de o exprimir".37 A ambiguidade da comunicação pública
reside no formalismo e no conteúdo da opinião, pois eles são indeterminados. A
arte e a sutilidade na expressão são gerais e indeterminadas nelas mesmas. Esta
indeterminação inclui uma forma dissimulada e ela está ligada a consequências
imprevisíveis, pois a opinião é ignorada se resulta em qualquer coisa distinta
do que foi realmente expresso. Ora, "o caráter indeterminado do conteúdo e da
forma impede as leis de atingirem, nesse domínio, esta precisão que se exige de
uma lei e faz do julgamento pronunciado uma decisão inteiramente subjetiva,
pois o delito, a injustiça, o dano causado tomam aqui uma figura
particularmente subjetiva".38 O dano atinge o pensamento, a opinião, a vontade
de outro como uma realidade efetiva. Como a liberdade dos outros é atingida, é
a estes que cabe decidir se a expressão ofensiva do pensamento é realmente um
ato e não uma simples opinião.
Outra ambiguidade vem do que se extrai do argumento da simples subjetividade do
conteúdo e da forma da opinião. A lei é ambígua, sua imprecisão permite estilos
e formulações particulares do pensamento, que desnaturam a lei ou fazem passar
as decisões da justiça para os julgamentos puramente subjetivos. Quando a
expressão é considerada como causa de dano, é sempre possível sustentar que não
se trata de um ato, mas somente de uma opinião, de um pensamento ou, ainda, de
um modo de dizer. A argumentação que se funda sobre a subjetividade do conteúdo
e da forma da opinião pode exigir, de uma parte, a impunidade para essas
palavras ou esses pensamentos, pois se diz que eles são insignificantes e sem
importância, pois não são mais que uma simples opinião. De outra parte, a
argumentação subjetivista pode exigir o respeito de toda opinião pessoal, pois
ela é uma propriedade espiritual e, enquanto tal, a expressão e o uso do
direito de propriedade.
A comunicação pública comporta o elemento subjetivo que, dado o caráter
indeterminado de suas atividades, possui, na sua expressão, um caráter
substancial, mas que age sobre o terreno subjetivo. "O caráter indeterminado
das atividades, que resulta das modalidades de sua expressão, não suprime seu
caráter substancial e não tem por conseqüência senão o terreno subjetivo sobre
o qual elas têm sido completadas [e] determina, igualmente, a natureza da
reação".39 As ofensas feitas à honra dos indivíduos, a calúnia, a difamação, a
falta de consideração a respeito do governo, da autoridade de seus funcionários
e, em particular, a respeito do príncipe, o fato de transformar as leis em
ridicularização ou incitar à revolta são, para Hegel, todos exemplos de crimes
ou delitos da comunicação pública, que mostram seu elemento substancial. Como o
caráter substancial da comunicação da opinião não tem por consequência a não
ser o terreno subjetivo é esse o terreno subjetivo sobre o qual se coloca o
delito que ocasiona o seu aspecto subjetivo, sua contingência , ele determina,
igualmente, a natureza da reação. Pode ser sancionado o aspecto subjetivo
por uma simples medida de polícia, destinada a impedir o delito ou por uma pena
propriamente dita. De toda maneira, permanece sempre o formalismo, que faz
parte da comunicação pública. A fronteira entre o elemento subjetivo e o
elemento substancial o delito objetivo é sempre fluida, por causa do
caráter subjetivo dos delitos de opinião. Não se chega a qualificá-los
objetivamente, e toda condenação guarda um caráter de apreciação subjetiva.
Nas ciências autênticas não há ambiguidades, pois elas não se situam sobre o
terreno das opiniões subjetivas ou na categoria que constitui a opinião
pública. "As ciências, ao contrário, quando são verdadeiras, não sesituam sobre
o terreno das opiniões e do ponto de vista subjetivo. É por isso que não entram
na categoria do que constitui a opinião pública".40 Não se pode limitar a
liberdade das ciências, contrariamente àquela da imprensa e da opinião pública;
elas não podem mais ser submetidas ao controle do governo ou a qualquer
disposição jurídica, pois não estão sobre o mesmo plano que as opiniões
subjetivas e seu modo de exposição não consiste na arte de torneamentos
verbais, de alusões, de subentendidos (meias-palavras ou encobrimentos), mas
numa expressão sem equívoco, precisa e clara de seu conteúdo, com significado e
sentido determinado, exato e evidente.
Porém, a imprensa pode comportar a injustiça. Segundo Hegel, a expressão
injusta pode ser permitida ou tolerada, em razão do desprezo em que ela cai; e
a parte da expressão injusta, que fica sob a ação da lei, pode ser imputada a
esta sorte de Nêmesis uma das divindades primordiais gregas, personificando a
indignação, a vingança dos deuses contra o excesso.
Hegel conclui esta análise da liberdade da comunicação pública, seja pela
imprensa, seja pela palavra, seja pela ciência, dizendo que seus efeitos
próprios e os perigos que eles apresentam para os indivíduos, a sociedade e o
Estado dependem da natureza do terreno. Mas o que ele entende pela expressão
"natureza do terreno"? Ele mesmo faz referência ao § 218, da Filosofia do
Direito, para dar o sentido. No parágrafo, Hegel trata do problema do crime e
de seus efeitos sobre a sociedade civil-burguesa. Conclui que, na medida em que
o poder da sociedade se tornou seguro, a importância exterior da
violaçãodiminui e isso conduz à maior clemência exterior quanto à pena. É
impossível à sociedade deixar o crime impune, pois isso seria então posto como
direito, mas, como a sociedade se torna mais e mais segura de si mesma, o crime
torna-se mais e mais, em relação a ela, qualquer coisa de singular, de isolado
e de instável. Enfim, diz que um Código Penal é relativo essencialmente ao seu
tempo e ao estado correspondente da sociedade civil. Do mesmo modo, os efeitos
próprios e os perigos que a comunicação pública apresenta para os indivíduos, a
sociedade e o Estado dependem da "natureza do terreno", isto é, do poder da
sociedade, da sua evolução. Assim, Hegel conclui que as disposições acerca dos
crimes e de suas respectivas punições dependem de cada nação e de seu estágio
na busca da ideia de liberdade. Do mesmo modo, em relação à opinião pública e
às suas externações e respectivas punições, tudo depende da "natureza do
terreno", da natureza da sociedade civil, de seu desenvolvimento e de sua
capacidade de debater publicamente.41
3 Liberdade de imprensa e opinião: a força da contradição
Partimos do pressuposto hegeliano de que a opinião pública é uma contradição
que necessita passar por várias mediações, a fim de instaurar cenários de uma
democracia que garante a liberdade de imprensa cidadã. A opinião caracteriza-se
pela impaciência, querendo, imediatamente, a realização da vontade da pessoa. A
opinião não suporta a lentidão da paciência das mediações do conceito e o longo
processo de efetivação de suas determinações históricas. Isso porque a opinião
exerce papel capital no cenário sociopolítico, enquanto ela contém em si a
força da contradição e a reserva da indignação moral e ética, que faz mudar
toda situação que não corresponde à ideia de liberdade. Em nível do "direito
abstrato", a impaciência da opinião busca realizar seu direito privado e
defender seus interesses particulares, porém, em nível da liberdade pública, a
impaciência do opinar torna-se portadora dos interesses universais.
Os cenários da liberdade de imprensa e da opinião pública, apresentados ao
longo do estudo, descrevem esta dialética entre a impaciência da opinião e a
paciência da mediação. Na breve história da formação da liberdade de imprensa,
constata-se que, à medida que crescem as mudanças técnicas da comunicação,
também se estabelece a regulamentação da imprensa. De fato, o fenômeno da
constituição da liberdade de imprensa acontece ao mesmo tempo que se constitui
a formação da opinião pública enquanto contradição. O fenômeno da opinião
pública é contraditório, porque contém em si, ao mesmo tempo, a universalidade
dos princípios constitucionais, do Direito e da Ética, junto com a
singularidade dos direitos e interesses dos cidadãos e da expressão de sua
subjetividade. Ora, esta contradição encontra a sua solução através da mediação
da liberdade da própria imprensa dentro de um quadro de legalidade democrática.
Esta é a força da contradição: Efetivar a mediação da tensão dialética entre os
polos opostos do universal e do singular na liberdade da imprensa, garantindo o
direito de todo cidadão expressar publicamente a sua opinião. Esta é teoria da
opinião pública hegeliana: a liberdade de imprensa e o parlamento, enquanto
espaço político, são esferas privilegiadas da mediação do fenômeno
contraditório da opinião pública.
O cenário da sociedade atual caracteriza-se pela cultura de massas e pela
cultura do espetáculo, em que todos querem ser protagonistas, mostrar o que
sabem fazer e expressar a sua opinião. Temos o MySpace, o YouTube, os blogs,
lista de e-mails e sites independentes, etc. Todos querem se expressar, todos
são atores e/ou espectadores e querem participar da sociedade. Isto pressupõe a
liberdade de imprensa e a opinião pública enquanto fenômeno contraditório. Por
isso, retorna o problema: Partindo do pressuposto da liberdade de imprensa,
como garantir que a sociedade resolva a contradição da opinião pública?
A resposta a este problema dá-se, primeiramente, por aqueles que defendem a
necessidade de uma Lei de Imprensa, argumentando o seguinte: a) É preciso
restaurar a hierarquia constitucional: juízes não podem praticar atos de
censura prévia, ainda que seja no intuito de defender os valores da
personalidade; b) Sem Lei de Imprensa, só grandes empresas têm boas condições
de proteger-se da má aplicação da lei comum, levando processos até as mais
altas instâncias do Judiciário. Enquanto os veículos menores e as iniciativas
individuais são mais expostos ao jogo bruto do poder e às decisões abusivas de
magistrados; c) Garantir o devido amparo legal à efervescente "imprensa
cidadã", que dissemina blogs pela internet inovações que merecem ter proteção
especial da Lei de Imprensa quando revestirem caráter jornalístico; d) O
interesse público de conhecer a verdade, de ter acesso à diversidade de
opiniões e de questionar o poder precisa da proteção de nova Lei de Imprensa.42
Em segundo lugar, os que defendem a ausência absoluta de Lei de Imprensa
inspiram-se no direito anglo-americano que não editou lei reguladora da
imprensa, porque a tradição daqueles povos supre, pelos costumes e pelas
aplicações extensivas, a ausência de marcos regulatórios específicos. A partir
dessa tradição, afirmam que não há necessidade de lei especial para
regulamentar a liberdade de imprensa.
Diante desta oposição de posições, sabe-se que o fenômeno da contradição da
opinião pública necessita da liberdade de imprensa, incluindo os novos cenários
da comunicação, sabendo-se que tanto a legislação ou a ausência dela implica
espaços de mediação, enquanto garantia de validade e legitimidade das
democracias das sociedades ocidentais.