Força versus representação: o legado de Nietzsche na filosofia de Gilles
Deleuze
Pensamento e conhecimento
Sabe-se que um dos temas mais importantes na démarche filosófica de Gilles
Deleuze é pensar uma filosofia da diferença por ela própria, o que implica, de
antemão, uma crítica ao pensamento representacional. Esta questão encontra-se
profundamente articulada à problemática do conhecimento, visto que, da
perspectiva do filósofo francês, um pensamento da representação e um pensamento
da diferença implicam formas distintas de conhecer, na medida em que exigem do
pensamento, ou das forças que o constituem, modos distintos de avaliação dos
diversos fenômenos, como veremos mais adiante.
Em contrapartida, é fácil constatar que Friedrich Nietzsche é, sem sombra de
dúvidas, um dos principais intercessores de Deleuze em seu percurso. Além de
ter dedicado dois de seus livros ao pensador alemão ' "Nietzsche e a filosofia"
(1976) e "Nietzsche" (2007) ', são inúmeros os textos em que Nietzsche se
apresenta como um dos seus principais interlocutores. Sem dúvida isto se deve
ao fato de que dois dos principais alvos de Nietzsche ao longo de sua obra são
justamente o modo de conhecer predominante na cultura do Ocidente '
marcadamente representacional ' e a dialética hegeliana ' considerada por
Deleuze como uns dos principais expoentes desse modelo da representação ou
pensamento representacional1 ', apesar da sua incorporação do tempo e das
transformações da natureza.
Neste sentido, podemos nos perguntar de que modo as ideias de Nietzsche são
importantes a Deleuze em sua crítica à representação. Assim, neste artigo,
objetivamos expor um dos vetores que consideramos dos principais: a importância
do conceito de força na realização de uma filosofia da diferença.
O conceito de força e o pensar enquanto força atribuidora de sentido
Talvez seja impossível falar da filosofia nietzschiana sem mencionar o conceito
de força. Em "Nietzsche e a filosofia", segundo livro publicado por Deleuze, o
filósofo francês nos mostra como este conceito possui uma importância capital
na obra do filósofo alemão, articulando-se com outros importantes conceitos,
como os de sentido e valor, conceitos importantíssimos na concepção do
conhecimento ou da qualidade deste, e na direção das condutas dos homens. A
junção desses conceitos, segundo Deleuze, permitirá a Nietzsche desenvolver
aquilo que seria o traço original de sua obra: o seu projeto de conceber o
conhecimento, ou sua busca, como valor e, consequentemente, a crítica ao
conhecimento enquanto crítica ao valor, e a crítica dos valores a partir da
crítica à qualidade da força que os cria e que sustenta essa démarche.
A cultura ocidental se fez e ainda se faz pelo querer ou desejo de encontrar ou
constituir para si conhecimentos, mas não qualquer conhecimento. Buscam-se
conhecimentos que sejam verdadeiros, e nesta caminhada uma das principais
questões, senão a principal, diz respeito às concepções que o sujeito cria para
si ao obter ou constituir seus conhecimentos. As buscas e seus resultados
sempre foram colocados em termos de adequação, descoberta ou desvelamento de
algo que seria a realidade. Já no que diz respeito ao sujeito, as ideias sempre
foram pensadas em termos de cópias ou representações de algo ou de alguém.
Nietzsche, por seu lado, no interior desta problemática, vem introduzir os
conceitos de sentido e valor, ambos relacionados aos conceitos de corpo e força
como elementos que não devem ser menosprezados nesta busca do conhecimento,
mas, ao contrário, devem ser privilegiados.
Mas como Nietzsche pensa esta questão? Pensar o conceito de força para
Nietzsche é, na verdade, pensar em forças. Uma força, segundo o pensador
alemão, se define pelo complexo de relações que ela mantém com outras forças, e
é justamente dessa interação entre diferentes forças que os mais variados
corpos são produzidos. Dito de outro modo, um corpo ou um objeto nada mais é do
que a expressão ou produto de um determinado conjunto de forças em um dado
momento.
Não há objeto (fenômeno) que já não seja possuído, visto que, nele
mesmo, ele é, não uma aparência, mas o aparecimento de uma força.
Toda força está, portanto, numa relação essencial com uma outra
força. O ser da força é o plural; seria rigorosamente absurdo pensar
a força no singular. Uma força é dominação, mas é também o objeto
sobre o qual uma dominação se exerce. (Deleuze, 1976, p. 5)
Neste sentido, podemos afirmar que não só o fenômeno ' objeto ' é força, mas
também que o conhecedor, isto é, o sujeito de conhecimento, é um corpo, e como
tal, produto ele também de forças. Isto significa dizer que não somente o
objeto (enquanto fenômeno), como também o sujeito (enquanto corpo pensante) são
antes de tudo um conjunto de forças. É exatamente este caráter criador e plural
da força em Nietzsche que fará esse conceito adquirir tamanha importância na
filosofia de Deleuze. Afinal, afirmar uma pluralidade de forças na constituição
de um dado fenômeno ' seja ele objeto ou sujeito ' é, por conseguinte, afirmar
a pluralidade do próprio fenômeno. Desse modo, um "mesmo" fenômeno pode
apresentar diversos sentidos, dependendo das forças que estejam nele presentes
bem como daquelas que se apropriam dele no momento. Aqui já vemos se desenhar a
nítida correlação entre os conceitos de força e de sentido: na determinação do
sentido de alguma coisa importa a determinação ou qualidade das forças que
estão prevalecendo ou sobressaindo-se neste processo de determinação.
Este modo de entender a produção de sentido de algo ou alguém nos apresenta, em
verdade, a importância de outra característica fundamental da filosofia
nietzschiana do conhecimento: a interpretação. Ora, se um fenômeno e sujeito
são forças, a determinação do sentido de um fenômeno não está separada das
forças que entram em contato com o fenômeno, produzindo-lhe um sentido, isto é,
dando-lhe uma interpretação. E esta é produzida pelas forças que compõem o
corpo do sujeito da interpretação. Este privilegiará uma ou algumas das forças
que compõem o fenômeno, em função das forças que compõem ele próprio. Este
caráter interpretativo do corpo-pensamento-força em Nietzsche é, com certeza,
uma das ideias que maior impacto provocou no percurso filosófico de Deleuze. No
entanto, ela não é uma ideia simples. Podemos dizer que todo corpo, seja ele um
animal, uma planta, o homem, uma ideia, etc., ao entrar em contato com outro
corpo, sempre realiza uma interpretação deste corpo em função das forças que o
constituem e que o dominam naquele momento, e que possibilitam ou não o entrar
' e a forma de entrar ' na própria relação. Na deriva do homem em sua busca
pelo conhecimento, a linguagem, isto é, a força e a organização das palavras,
adquirem certa importância, a ponto de erroneamente considerarmos interpretação
como interpretação linguística, oral ou escrita.
Para Deleuze, o pensador ' quiçá todo e qualquer sujeito humano ' é um
atribuidor de sentido, é aquele capaz de interpretar diversos tipos de signos,
algumas das diversas forças existentes em um fenômeno, com a condição que não
esqueçamos que nele são as suas forças que estão a produzir o sentido. Quando
algo aparece, quando algo emerge dotado de certa natureza ou identidade, esta
natureza não é a da essência do objeto, e sim aquilo que emergiu do encontro e
ação de determinadas forças.
Jamais encontraremos o sentido de alguma coisa (fenômeno humano,
biológico ou até mesmo físico) se não sabemos qual é a força que se
apropria da coisa, que a explora, que dela se apodera ou nela se
exprime. Um fenômeno não é uma aparência, nem mesmo uma aparição, mas
um signo, um sintoma que encontra seu sentido numa força atual. A
filosofia inteira é uma sintomatologia, uma semiologia. As ciências
são um sistema sintomatológico e semiológico. (Deleuze, 1976, p. 3)
Por ora não nos perguntemos a respeito destas forças que se apropriam e fazem
emergir um sentido. Sendo o fenômeno uma expressão de forças que se apropriaram
de certas forças, podemos dizer que a história da humanidade é uma história
dessas apropriações, dessas atribuições de sentido. Mas é possível conhecermos
quais são essas forças que atribuem sentido ou, ao menos, algumas dessas
forças? Nos homens, as forças em consonância com a linguagem e a vida criam
valores, o que é bom ou ruim, o que é bem ou mal. Mas essas criações/nomeações
dos valores expressam apenas as forças que compõem os corpos que os expressam.
É neste sentido que Deleuze nos diz que toda interpretação, de forma geral, é
uma avaliação. Mas, ao avaliar, quem avalia sempre o faz de acordo com
determinados valores que já são expressões das forças que o constituem.
Assim, avancemos mais um passo na teoria nietzschiana: vimos que as forças
apresentam uma pluralidade de sentidos, mas o sentido, por sua vez, implica o
conceito de valor. O pensador, o filósofo ou qualquer homem carrega consigo
certos valores que determinarão o modo como ele avalia um fenômeno. A
importância do valor para a crítica nietzschiana diz respeito ao fato de que
esse conceito introduz na filosofia ocidental o ponto de vista diferencial por
meio do qual os próprios valores serão avaliados. Isto significa dizer que os
valores, eles mesmos, já são efeitos de avaliações. Só é possível atribuir
valores a partir de uma avaliação, de uma determinada perspectiva. Em
contrapartida, podemos nos perguntar quais as condições que produzem ou
possibilitam as próprias avaliações. Será que devemos cair num círculo vicioso
que afirmaria que os valores criam avaliações que pressupõem valores, etc.?
Quais são então as condições que fundam os valores e as avaliações? Não
existiria algo mais básico que daria alma e corpo aos valores e às avaliações?
É por isto que Nietzsche nos fala em valores ou avaliações altas ou baixas,
nobres ou mesquinhas. Não se pode separar os valores e as avaliações de um
determinado modo de vida, de uma maneira de viver. Quando avalia alguma coisa,
o pensador necessariamente a considera de acordo com a sua perspectiva,
privilegia certas forças que, em última instância, se compõem com suas próprias
forças, com a sua própria maneira de pensar. Se todo corpo é um produto de
forças, é óbvio que o pensador se constitui, ele próprio, em uma pluralidade de
forças dotadas de um sentido. Ao interpretar um fenômeno, é inevitável, então,
que o filósofo tente se apropriar dele, conferindo-lhe um sentido ou novos
sentidos.
As avaliações, referidas a seu elemento, não são valores, mas
maneiras de ser, modos de existência daqueles que julgam e avaliam,
servindo precisamente de princípios para os valores em relação aos
quais eles julgam. Por isso temos sempre as crenças, os sentimentos,
os pensamentos que merecemos em função de nossa maneira de ser ou de
nosso estilo de vida. Há coisas que só se pode dizer, sentir ou
conceber, valores nos quais só se pode crer com a condição de avaliar
"baixamente", de viver e pensar "baixamente". Eis o essencial: o alto
e o baixo, o nobre e o vil não são valores, mas representam o
elemento diferencial do qual derivam o valor dos próprios valores.
(Deleuze, 1976, p. 1, grifos no original)
Esta correlação existente entre o pensamento e a vida é outra característica
inevitável e central da filosofia de Nietzsche, característica que Deleuze
utilizará na composição do seu próprio sistema filosófico. Nietzsche talvez
tenha sido o filósofo que melhor ressaltou a problemática existente entre
pensamento e política, esta última entendida justamente enquanto afirmação de
um determinado modo de vida ou de viver. É a isto que Deleuze se refere quando
nos fala de um elemento diferencial do qual derivaria o valor dos valores. Este
elemento não seria outra coisa senão a vida do pensador: é a vida quem avalia,
em último caso, os valores. Ela é o elemento que decidirá se um determinado
valor ou um determinado pensamento convém a sua afirmação ou a sua própria
destruição. Assim, encontramos em "Nietzsche":
O filósofo do futuro é ao mesmo tempo o explorador dos velhos mundos,
cumes e cavernas, e só cria à força de se lembrar de qualquer coisa
que foi essencialmente esquecida. Esta qualquer coisa, segundo
Nietzsche, é a unidade do pensamento e da vida. Unidade complexa: um
passo para a vida, um passo para o pensamento. Os modos de vida
inspiram maneiras de pensar, os modos de pensar criam maneiras de
viver. A vida activa o pensamento e o pensamento, por seu lado,
afirma a vida. (Deleuze, 2007, p. 18, grifos no original)
É por este motivo que Nietzsche afirmará que ele foi o único filósofo até então
a conduzir uma verdadeira crítica dos valores, já que todos os projetos
anteriores de crítica falharam exatamente neste aspecto, em não considerar o
elemento diferencial dos valores, o seu elemento criador, isto é, a própria
vida ou os modos de viver do pensador. A crítica diz respeito, então, não a uma
crítica dos valores existentes: fazer uma crítica dos valores não é fazer um
inventário de todos os valores, denunciando aquilo que supostamente seriam os
falsos valores e exaltando os verdadeiros. Essa é a crítica comum, encontrável
mesmo em toda perspectiva revolucionária: "Eu na verdade, você no erro!".
Ao contrário, uma crítica dos valores só pode dizer respeito a uma crítica das
forças que estão na origem da sua criação: de que perspectiva ou de que ponto
de vista um determinado valor se apresenta como superior, quais modos de vida
ou de viver permitiram a sua criação, ou ainda, de forma perspectiva, quais
possibilidades de vida ele cria. É neste ponto que encontramos o limite de uma
perspectiva representacional. A vida ou os modos de vida, as forças que os
ensejam, são o que há de irrepresentável. A vida e o viver são inevitavelmente
imanentes aos corpos/forças que compõem a própria vida/viver. A vida e o viver
de um corpo jamais podem ser vistos e vividos do exterior,
representacionalmente, e caso isso venha a ser feito já seria efeito de um
certo viver, de um certo estilo de vida. E se a crítica diz respeito à criação
e não à representação é justamente porque ela se refere à vida como elemento
diferencial da criação de valores.
Seguido este raciocínio, torna-se evidente que o pensamento deixa de ser na sua
nascente um ato reflexivo, e nos deparamos com um tipo de conhecimento que não
é reconhecimento ou representacional. Não se trata mais de reconhecer valores
tidos como superiores e sim de criação e afirmação de valores, criar modos ou
possibilidades de vida. Deleuze nos mostra como o problema do conhecimento em
Nietzsche passa necessariamente por essa questão: em determinado momento da
história do Ocidente, o conhecimento tomou a dianteira, se naturalizou, passou
a ser considerado como um fim em si mesmo, subordinando assim o pensamento e a
própria vida, opondo-se à própria vida e ao pensamento. Mas não qualquer
conhecimento. Ou seja, em dado momento histórico, atribuíram-se ao conhecimento
valores superiores à própria vida, valores que deveriam ser reconhecidos como
verdades, estas, superiores à própria vida. É precisamente a isto que a crítica
nietzschiana dos valores se refere: é necessário investigar qual modo de vida
quer um conhecimento que seja superior a si, que atribui ao conhecimento um
valor superior a ela mesma, quais forças exigem do pensamento uma atividade
puramente recognitiva.
Mas, ao realizar a crítica à busca pelo conhecimento verdadeiro ' de Sócrates
até Hegel ' e ao modo de vida que o instituiu ou o institui, Nietzsche está
trazendo para o Ocidente um novo sentido que toma para si o pensar e o próprio
conhecer.
Mas então a crítica, concebida como crítica do próprio conhecimento,
não exprimiria novas forças capazes de dar um outro sentido ao
pensamento? Um pensamento que iria até o fim do que a vida pode, um
pensamento que conduziria a vida até o fim do que ela pode. Em lugar
de um conhecimento que se opõe à vida, um pensamento que afirme a
vida. A vida seria a força ativa do pensamento, e o pensamento seria
o poder afirmativo da vida. Ambos iriam no mesmo sentido, encadeando-
se e quebrando os limites, seguindo-se passo a passo um ao outro, no
esforço de uma criação inaudita. Pensar significaria descobrir,
inventar novas possibilidades de vida. (Deleuze, 1976, p. 83)
Mas a palavra vida não nos diz muito, pois todos os seres humanos são seres
vivos. Além do mais, não existe apenas um modo de vida, mas vários modos.
Genealogia das forças e do pensamento
Já vimos que, do ponto de vista de Nietzsche, o filósofo ou força pensante deve
ser capaz de interpretar os diversos fenômenos, conferindo-lhes um sentido,
ideia que será retomada por Deleuze em seu próprio percurso filosófico. Desse
modo, o triunfo de um tipo de conhecimento que se pressupõe superior à própria
vida ou viver deve ser encarado como um sintoma de algo, como o domínio de
certas forças. Para Nietzsche este sintoma seria a predominância, na cultura
ocidental, de um determinado tipo de forças: existem forças ou modos de viver
que são responsáveis por depreciar a vida, subjugando-a a valores considerados
superiores. Mas também haveria outro tipo de forças responsáveis por afirmar a
vida, considerando-a como princípio último de avaliação.
Aqui podemos perceber mais uma vez a importância do pensamento de Nietzsche
para Deleuze. Utilizando-se da tipologia nietzschiana das forças, o filósofo
francês mostrará que, se é verdade que existe uma intrínseca correlação entre
vida e pensamento, haveria forças que exigiriam uma atividade de recognição no
pensamento, bem como forças que desencadeariam no pensamento outro tipo de
atividade: não mais uma atividade puramente contemplativa e rememorativa, mas
um procedimento criativo por meio do qual um pensamento afirma a sua força-
diferença e a própria vida. É claro que, de certo modo, já podemos encontrar
esta ideia presente na obra de Nietzsche. No entanto Deleuze a desenvolverá
conferindo-lhe novos contornos.
Em "Nietzsche e a filosofia", Deleuze nos apresenta a tipologia das forças tal
qual pensada por Nietzsche. De acordo com o pensador alemão, as forças seriam
de dois tipos: ativas e reativas. A principal distinção entre elas é que as
forças ativas se caracterizam por seu poder de criar e desenvolver novas
formas, sendo consideradas por Nietzsche como forças superiores. As forças
reativas, por sua vez, seriam forças predominantemente de conservação e
adaptação, e por isso inferiores. Não devemos esquecer que as forças reativas,
mesmo sendo inferiores, continuam sendo forças. Se Nietzsche as considera como
forças inferiores isso se deve ao fato de que elas só podem ser pensadas
levando-se em consideração as forças superiores ou ativas, como explicitaremos
mais adiante.
Mas cada vez que marcamos assim a nobreza da ação e sua superioridade
sobre a reação, não devemos esquecer que a reação designa um tipo de
forças tanto quanto a ação, com a ressalva de que as reações não
podem ser captadas nem compreendidas cientificamente como forças se
não as relacionarmos com as forças superiores que são precisamente de
um outro tipo. Reativo é uma qualidade original da força mas que só
pode ser interpretada como tal em relação com o ativo, a partir do
ativo. (Deleuze, 1976, p. 35)
Ressaltar que as forças reativas não perdem sua condição de força é importante
pelo seguinte fato: a característica principal de qualquer força, seja ela
ativa ou reativa, é estabelecer sua diferença em relação às outras forças por
meio de uma ação. Agir é a propriedade essencial de toda e qualquer força,
mesmo que essa ação seja, em última instância, uma re-ação. Assim, existiria
tanta ação na força reativa quanto na ativa, com uma diferença: na força ativa
a ação possui um caráter de afirmação, de devir. Já na força reativa a ação
possui um caráter de negação, de conservação. A ação das forças reativas é na
verdade uma negação às forças ativas, uma re-ação a essas forças, um
travamento. As forças reativas agem separando as forças ativas do que elas
efetivamente podem. É por isso que, de uma perspectiva nietzschiana, as forças
reativas são inferiores. Se elas não podem ser pensadas sem se levar em
consideração as forças ativas é justamente porque sua ação é uma re-ação a esse
outro tipo de forças.
Os termos afirmação e negação, utilizados acima para definir o caráter das
forças, nos levam a outro conceito essencial da filosofia de Nietzsche: a
vontade de poder. Em seus livros dedicados à obra do filósofo alemão, Deleuze
nos mostra todo o tipo de controvérsias geradas por esse conceito. Entretanto,
o filósofo francês se detém mais especificamente a uma delas: a vontade de
poder não poderia significar querer o poder, desejar o poder, querer dominar
outros, pelo menos em uma perspectiva nietzschiana. Devemos lembrar que aquilo
que interessa ao pensador alemão é investigar quais forças, quais formas de
vida puderam originar determinados valores. Ou mais ainda, de que ponto de
vista um determinado valor pode ser considerado como superior. E estas são
questões que concernem inicial e efetivamente à criação de tais valores. E é a
isto que se refere a vontade de poder em último caso: à criação dos valores.
Considerar a vontade de poder como um desejo de poder seria analisá-la levando
em consideração simplesmente os valores em curso já criados, negligenciando,
desse modo, a questão da sua criação. Assim, encontramos novamente em
"Nietzsche":
É por isso, antes de mais, que é preciso evitar os contra-sensos
sobre o princípio nietzscheano de vontade de poder. Este princípio
não significa (pelo menos não significa em primeiro lugar) que a
vontade queira o poder ou deseje dominar. Enquanto interpretarmos a
vontade de poder no sentido de desejo de dominar, fazêmo-la
forçosamente depender de valores estabelecidos, os únicos capazes de
determinar quem deve ser reconhecido como o mais poderoso neste ou
naquele caso, neste ou naquele conflito. Desse modo, ficamos sem
conhecer a natureza da vontade de poder como princípio plástico de
todas as nossas avaliações, como princípio escondido para a criação
de novos valores não reconhecidos. (Deleuze, 2007, p. 23, grifos no
original)
Deleuze nos mostra que é sempre possível interpretar a vontade de poder como um
desejo de reconhecimento de valores, mas isso já seria uma interpretação que
privilegiaria as forças reativas, algo que provavelmente não seria a intenção
de Nietzsche quando da formulação de seu conceito. Além disso, dizer que a
vontade de poder concerne essencialmente à criação dos valores não seria de
forma alguma contradizer a obra de Nietzsche. Uma vontade de poder negativa não
se caracterizaria necessariamente por um caráter simplesmente recognitivo: é
sempre possível criar novos valores reativos como, por exemplo, valores que se
pressupõem superiores à vida.
Não que o reconhecimento dos valores em curso não interessasse ao pensador
alemão: Nietzsche sempre denunciou em sua obra a afeição das forças reativas
pelo reconhecimento dos valores vigentes, e é justamente por isso que ele as
considerava como forças predominantemente de conservação. Mas a pedra de toque
da crítica nietzschiana diz respeito ao elemento diferencial por meio do qual
os valores são criados. "O problema crítico é o valor dos valores, a avaliação
da qual procede o valor deles, portanto, o problema de sua criação" (Deleuze,
1976, p. 1, grifo no original).
Sendo assim, a vontade de poder, quando referida ao problema da criação dos
valores, diz respeito também a um querer, mas de outro tipo: não um querer
relacionado ao poder, mas um querer interno da força. Esse querer interno da
força pode ser afirmativo ou negativo, como dito anteriormente. Já podemos
deduzir então que uma vontade de poder afirmativa é característica das forças
ativas, sendo que uma vontade de poder negativa é própria das forças reativas.
E, da mesma forma que as forças reativas não deixam de ser forças, uma vontade
de poder negativa não deixa de ser, ainda assim, uma vontade.
Uma vontade de poder afirmativa concerne a uma força que afirma sua diferença
de imediato, coisa que se pode verificar facilmente nas forças ativas. Ao
contrário, uma vontade de poder negativa diz respeito a uma força que somente
afirma sua diferença por meio de uma negação primordial. É por isso que a ação
das forças reativas consiste em negar as forças ativas, em re-agir a estas
forças. Isto se deve justamente ao fato de que a vontade de poder que
caracteriza as forças reativas é uma vontade negativa, uma vontade de
depreciação. Apesar de haver uma correlação entre as tipologias das forças e
das vontades, Deleuze ressalta a importância de não confundirmos esses
conceitos, já que eles tratam efetivamente de coisas diferentes.
Ora, se devemos atribuir a maior importância a esta distinção entre
duas espécies de qualidades, é porque ela se encontra sempre no
centro da filosofia de Nietzsche; entre a ação e a afirmação, entre a
reação e a negação, há uma afinidade profunda, uma cumplicidade, mas
nenhuma confusão. Além disso, a determinação dessas afinidades põe em
jogo toda a arte da filosofia. Por um lado é evidente que há
afirmação em toda ação, que há negação em toda reação. Mas, por outro
lado, a ação e a reação são antes meios, meios ou instrumentos da
vontade de poder que afirma e que nega: as forças reativas,
instrumentos do niilismo. Por outro lado ainda, a ação e a reação
necessitam da afirmação e da negação como algo que as ultrapassa, mas
que é necessário para que realizem seus próprios objetivos. (Deleuze,
1976, p. 44)
A importância do conceito de vontade de poder para Deleuze diz respeito a sua
crítica ao pensamento representacional ' praticamente toda história da vontade
de conhecer ', mas mais especificamente sua crítica à filosofia hegeliana,
notadamente à dialética. A diferença, em Hegel, se caracterizaria por um
movimento negativo, na medida em que ela somente é atingida por meio da
contradição: é necessário que o Ser negue, inicialmente, tudo aquilo que ele
não é para, desse modo, afirmar sua diferença. Deleuze nos mostra então como o
pensamento hegeliano é predominantemente reativo ou composto de forças
reativas. Em sua filosofia Hegel não exprime nada além de forças reativas que
servem de instrumento a uma vontade de poder negativa, vontade que somente
consegue afirmar sua diferença à custa de um movimento essencialmente negativo.
Deleuze nos mostra como isto pode ser observado também no célebre exemplo
dialético do senhor e do escravo, bastante utilizado por Hegel. A relação entre
o escravo e o senhor não é de forma alguma essencialmente dialética, pelo menos
do ponto de vista de um pensamento da diferença. O que interessa ao senhor é
estabelecer sua diferença enquanto expressão de uma vontade de poder
fundamentalmente afirmativa, ou seja, criar seus próprios valores. Se a relação
se torna dialética é somente de acordo com o ponto de vista do escravo. A ação
do escravo consiste em negar tudo que é afirmado em primeiro plano pelo senhor.
Assim, sua ação consiste simplesmente em uma re-ação, reação que serve de
veículo a uma vontade de poder negativa, depreciativa.
O escravo não consegue criar seus próprios valores, reconhecendo somente os
valores do senhor e, por isso, atribuindo-lhe a culpa de sua condição. É
exatamente por isso que Nietzsche diz que o escravo jamais deixa de ser
escravo, mesmo quando consegue tomar o lugar do senhor, pois suas forças são
essencialmente reativas. A vontade de poder, em uma perspectiva
representacional, é realmente entendida como um desejo de poder: o escravo
deseja tomar o poder do senhor porque consegue apenas reconhecer seus valores e
mantê-los. E, até mesmo quando o escravo consegue por fim criar seus próprios
valores, estes valores são gerados em oposição aos valores do senhor. Eles
continuam atestando a criação de uma vontade de poder negativa, uma vontade que
só consegue afirmar ou criar por meio de uma depreciação, de uma subtração das
forças ativas.
Na verdade o célebre aspecto dialético da relação senhor-escravo
depende de que o poder é aí concebido não como vontade de poder, mas
como representação do poder, como representação da superioridade,
como reconhecimento por "um" da superioridade do "outro". O que as
vontades querem, em Hegel, é fazer reconhecer seu poder, representar
seu poder. Ora, segundo Nietzsche, aí reside uma concepção totalmente
errônea da vontade de poder e de sua natureza. Tal concepção é a do
escravo, ela é a imagem que o homem do ressentimento faz do poder. É
o escravo que só concebe o poder como objeto de uma recognição,
matéria de uma representação, o que está em causa numa competição e,
portanto, o faz depender no fim do combate, de uma simples atribuição
de valores estabelecidos. (Deleuze, 1976, p. 8, grifos no original)
O que Deleuze deseja evidenciar por meio da obra de Nietzsche é não somente o
triunfo do pensamento representacional na história da cultura ocidental, mas
principalmente a vida reativa que se lhe encontra associada. O pensamento deixa
de ser uma força criadora para se transformar em aparelho de observar e
registrar, de entranhas congeladas. Se o pensador alemão já falava em uma
vitória das forças reativas e de uma vida reativa, o filósofo francês nos
mostra como esse caráter reativo está correlacionado, por sua vez, a um
pensamento reativo, um pensamento que esqueceu o movimento primeiro da criação,
que se pauta pelo já criado e naturalizado, e que, desta forma, caracteriza-se
pela busca do conhecimento do que já existe, transformando tal reconhecimento
ou representação de valores em verdades consideradas superiores. Esse
predomínio das forças reativas no pensar acarreta algumas consequências. Da
mesma forma que as forças reativas depreciam e aniquilam a vida, separando-
a daquilo que ela pode, podemos observar esse mesmo efeito no pensamento: as
forças reativas subtraem as forças ativas do pensamento, separando-o assim de
sua potência criadora. A atividade do pensamento se torna então
predominantemente re-ativa, e o seu objetivo não passa agora de um desejo de
re-conhecimento.
Para concluir
O pensamento de Nietzsche na filosofia de Deleuze é importante pelo fato de que
o filósofo francês encontra, no pensador alemão, um formidável aliado na
constituição de seu pensamento da diferença. Em "Nietzsche e a filosofia",
percebemos como Deleuze se apropria da articulação dos conceitos de força,
sentido e valor existentes na obra de Nietzsche para nos apontar uma filosofia
perspectivista. Deleuze nos diz que foi Nietzsche quem realizou a verdadeira
crítica ao conhecimento. Mas não em nome de novos conhecimentos que seriam os
mais verdadeiros. Sua crítica se dirige à raiz, na crítica à criação dos
próprios valores, evidenciando que o conhecimento verdadeiro, que sua busca,
seu desejo, é proveniente de uma determinada força, e que ao ser elaborado
tornou-se uma criação, criação de uma determinada força, de uma determinada
vontade.
Quem? Quem quer o verdadeiro? Em várias das suas obras, Deleuze realiza uma
crítica ferrenha ao platonismo e à representação. O pensamento representacional
é sempre segundo. Ele sempre se realiza sobre objetos e sujeitos criados,
produzidos, naturalizados. Mas Deleuze vai além. Ou melhor, afirma e deixa
emergir suas próprias forças. Ao realizar suas análises críticas, o filósofo
francês confere um novo sentido a conceitos como essência e verdade, conceitos
que se encontram no âmago do pensamento representacional.
Do ponto de vista do pensamento representacional o conceito de essência se
traduz por suas relações com a identidade: a essência é aquilo que é idêntico a
si próprio, a coisa em si. Determinar a essência de algo é então determinar a
sua verdade atemporal e imutável. Mas a filosofia de Nietzsche nos mostra que
toda e qualquer coisa é justamente o produto arbitrário de determinadas
relações de força. A essência não é nada mais do que isso: na origem de algo já
havia a apropriação de uma força por outra força, a determinação de um novo
sentido por trás de um sentido. Isto não significa negar os conceitos de
essência e verdade, mas atribuir-lhes um novo significado.
Desse modo, Deleuze nos mostra como na tradição representacional, notadamente
no seu primeiro grande criador, Platão, a pergunta-chave era "que": que é a
coragem, que é a justiça, que é a verdade. "Que" era a pergunta que reinava em
todos os diálogos socráticos. Por meio dessa pergunta seria possível atingir a
verdadeira natureza das coisas, do mundo e dos homens, e esta seria a tarefa
principal do filósofo. Mas o pensador-médico, o pensador-intérprete prefere a
questão "quem" ou "o que": A quem interessa uma essência imutável? O que deseja
alguém ao conferir um sentido imutável a um fenômeno? Se um conceito é a
expressão de um sintoma, para quem ele é um sintoma sadio e para quem ele
assinala a manifestação de uma "doença"?
A arte pluralista não nega a essência, ela a faz depender em cada
caso de uma afinidade de fenômenos e de forças, de uma coordenação de
força e de vontade. A essência de uma coisa é descoberta na força que
a possui e que nela se exprime, desenvolvida nas forças em afinidade
com esta, comprometida ou destruída pelas forças que nela se opõem e
que podem prevalecer: a essência é sempre o sentido e o valor.
(Deleuze, 1976, p. 63)
Assim, em "Nietzsche e a filosofia" encontramos também a ideia do pensador
clinico, do pensador que deve considerar os fenômenos enquanto uma
sintomatologia e, então, interpretá-los, conferindo-lhes um sentido. Desse
modo, a atividade crítica do pensador jamais se encontra separada de uma
atividade clínica: o pensador ou filósofo é, antes de tudo, um médico do mundo.
Por meio de sua atividade ele não somente diagnostica os sinais e as forças
envolvidas naquilo que poderia se apresentar como uma doença da vida e do
pensamento, como também efetua uma prática que tem por objetivo restituir-lhes
a saúde, potencializando forças ativas, criando novas possibilidades para
ambos. Lembramos que esta ideia permanecerá ao longo de toda a obra de Deleuze
sendo que seu último livro ' "Crítica e clínica" (2008) ' é inteiramente
dedicado a esta questão.2
Mas em "Nietzsche e a filosofia" vemos aparecer, igualmente, a ideia do
pensador artista, ideia que será bastante desenvolvida nos livros posteriores
do filósofo francês como, por exemplo, "Proust e os signos" (2006). Do ponto de
vista de Nietzsche, a arte se apresenta como superior à ciência não pelos seus
efeitos, seus produtos, pois ambas criam, mas na medida em que o artista é
aquele que perdura na singularidade da sua criação. Singular e universal,
universal porque singular, ele não somente explora, mas, por meio de seu
trabalho, cria irrepresentáveis. O artista é aquele capaz de captar as
diferentes forças existentes, interpretando-as, dando-lhes um sentido e criando
assim sua obra de arte. E mediante essa obra o artista afirma sua própria vida,
o seu próprio pensamento. "Segundo Nietzsche ainda não se compreendeu o que
significa a vida de um artista: a atividade dessa vida que serve de estimulante
para a afirmação contida na própria obra-de-arte, a vontade de poder do artista
enquanto tal" (Deleuze, 1976, p. 84).
Por fim, em "Nietzsche e a filosofia" vemos aparecer pela primeira vez o tema
das imagens do pensamento, problemática central da obra do filósofo francês.
Deleuze considera que um pensamento possui certas coordenadas ou eixos de
orientação que permitem associá-lo a um determinado modo de funcionamento. Isto
significa dizer que estas coordenadas originam imagens do que seria o
pensamento, sua natureza ou finalidade. O privilégio atribuído a esta
problemática tinha como motivo principal o fato de que para Deleuze estas
imagens forneceriam de antemão uma determinada concepção do pensamento bem como
as forças que o engendraram e que nele permanecem e, assim, orientando não
somente o pensar, mas também a produção do conhecimento e da vida nos mais
diversos domínios como a ciência, a arte e principalmente a filosofia.
Por certo esta questão já se encontrava, de algum modo, em "Empirismo e
subjetividade" (2008), primeiro livro do autor. Nesse livro, Deleuze se utiliza
do empirismo humiano para mostrar um pensamento e um sujeito que advêm das
relações existentes entre certos princípios da natureza. Porém essas relações
não possuem jamais um caráter representativo: elas somente adquirem seu valor a
partir das experiências dos corpos. Assim, ao afirmar nesse texto que
pensamento e sujeito se constituem por meio de experiências ou práticas que são
imanentes aos corpos, o filósofo francês está na verdade afirmando uma
concepção do pensamento que se contrapõe à imagem representacional.3
Entretanto, em "Nietzsche e a filosofia", a problemática das imagens do
pensamento adquire conotações e ligações bem mais explícitas com o corpo/
forças, traduzidas na forma de uma crítica incisiva à imagem representacional
do pensamento. Deleuze se utiliza da tipologia nietzschiana das forças para
mostrar que as características atribuídas ao pensamento no modelo da
representação ' a correlação existente entre pensamento e verdade, o caráter
recognitivo do pensamento e, principalmente, o pensamento como exercício
natural de uma faculdade ' são características provenientes de forças reativas.
O mais curioso nessa imagem do pensamento é a maneira pela qual o
verdadeiro é, aí, concebido como universal abstrato. Nunca se faz
referência às forças reais que fazem o pensamento, nunca se relaciona
o próprio pensamento com as forças reais que ele supõe enquanto
pensamento. (Deleuze, 1976, p. 85, grifos no original)
Se o filósofo francês se preocupa em mencionar outro tipo de forças, forças
reais que fariam efetivamente o pensamento, isso se deve justamente ao fato de
que o pensamento não se esgotaria em uma atividade puramente reflexiva,
contemplativa e rememorativa. A recognição é com certeza uma das atividades do
pensamento, mas uma atividade predominantemente reativa e secundária, ou seja,
atividade de um pensamento já separado daquilo que ele efetivamente pode. No
entanto, existe outro tipo de forças ' forças ativas ' capazes de desencadear
uma atividade diferente no pensamento, forçando-o efetivamente a uma ação, a um
ato de pensar, dando a esta atividade uma intensidade, uma vitalidade antes
inimaginável.
Pensar é uma n...potência do pensamento. É preciso ainda que ele seja
elevado a essa potência, que se torne "o leve", "o afirmativo", "o
dançarino". Ora, ele nunca atingirá essa potência se as forças não
exercerem uma violência sobre ele. É preciso que uma violência se
exerça sobre ele enquanto pensamento, é preciso que um poder force-
o a pensar, lance-o num devir ativo. (Deleuze, 1976, p. 89)
Assim, em "Nietzsche e a filosofia", observamos o surgimento de várias questões
concernentes à problemática do pensamento, questões que serão amplamente
exploradas nos livros seguintes do filósofo francês, ganhando contornos mais
bem definidos. Dessa maneira, é interessante observar de que modo Nietzsche se
constitui em um dos principais intercessores de Deleuze, não somente por este
encontrar no filósofo alemão um aliado no combate à representação, mas,
principalmente, pelo fato de o filósofo francês encontrar no perspectivismo
nietzschiano um dos principais elementos para a constituição e o
desenvolvimento de seu próprio pensamento da diferença, da multiplicidade, da
intensidade.