Cultura pop: astúcia e inocência
Desde a década de 1980 a arte pop se tornou um topus recorrente no reexame da
ideologia da modernidade2, este balanço a que a antevisão precoce do desfecho
do século XX compelia, em face do recrudescimento do contencioso político,
econômico e social que se acumulara no processo de exaustão de mais uma era de
modernização. Era emblemático que fosse a pop ela mesma uma espécie de
culminação fastigiosa da modernidade experimentada cerca de 30 anos antes uma
figura privilegiada nesse reexame. Assim, um dos acontecimentos mais
reveladores de todo o período proveio do campo da arte, no qual o célebre dito
de Andy Warhol "Business art is the step that comes after Art"3 parecia
finalmente se confirmar. Como é sabido, o decênio em questão marcava, muito a
propósito, uma onda européia e norte-americana de construção de museus de arte
e complexos culturais, e a novidade principal que esse surto construtivo
sinalizava (entre outros fatores que aqui não serão discutidos ou apenas
indicados) era o reluzente ingresso da arte na esfera dos grandes negócios do
entretenimento cultural, sob os auspícios da arquitetura.
Evidentemente, a onipresença que a cultura revelava na situação contemporânea
era um fenômeno inédito: no que concerne a suas implicações para o debate
artístico, cumpre dizer que já não se tratava da célebre polaridade moderna
entre arte e cultura, na qual os termos se constituíam e vicejavam precisamente
no movimento permanente de sua contradição, sem esconderem fascínio e repulsão
recíprocos. Baudelaire aclamava o belo na bastardia das ruas porque era delas
que o poeta retirava o supra-sumo da experiência e porque a matéria mais
sublime da arte só se revelaria a ele mediante a imersão desabusada no vulgar.
Ora, o ambiente da cultura que se havia formado na Paris de meados do século
XIX, de resto trazendo novos ingredientes à esfera pública burguesa, não se
legitimava socialmente sem esse seu "outro": a bastardia e a vulgaridade das
ruas.
Bastardia, vulgaridade e boêmia essa fórmula moderna segundo a qual arte e
cultura se contaminavam sem perderem suas jurisdições respectivas eram a um
só tempo o subproduto da esfera pública burguesa e o que propriamente
pressupunha o poder normativo desta; eram o que lhe testemunhava a
universalidade, mas que ao mesmo tempo recomendava que esta deveria ser sempre
repactuada, na exata medida em que a transgressão persistiria flanqueando-a à
meia luz, de maneira apenas suficiente para obter um reconhecimento tácito. A
arte moderna, pelo menos desde Courbet, sempre soube extrair seus resultados
mais radicais dessa ambigüidade da esfera pública burguesa haurindo nos
materiais permissivos da vida popular, que entretanto apareciam como que
criptografados sob a nova racionalidade técnica a que os artistas haviam
reduzido o estilo (a esse respeito, seria interessante investigar a presença
latente da cultura visual dos almanaques populares e dos clichês de jornais
satíricos, digamos, na Olympia de Manet). Portanto, a idéia da cultura como
instância de mediação entre a arte e o espaço social, como uma matéria "impura"
mas viva e indispensável à arte, não era, historicamente, um fenômeno novo. O
que se via, pela primeira vez naqueles anos 1980, isto sim, era a arte e a
cultura irmanadas numa adesão recíproca perfeita, sem sobras algo como uma
síntese conservadora, um processo que finalmente atingira seu "absoluto" ou,
em outros termos, sua "resolução" positiva.
A proclamação que freqüentemente se ouvia durante a década de 1980, de que se
alcançava uma nova e benfazeja era da cultura ou, conforme o ponto de vista,
uma Arte por fim emancipada de seus objetos e com "A" capital4, sugeria que se
colocava uma pá de cal na duradoura morte da arte, este leitmotiv moderno por
excelência, que se havia mostrado tão mais estimulante para a arte do século XX
quanto mais parecera infindável aquela agonia e, aquela morte, sempre possível
de se adiar ainda um pouco mais5. A despeito de tamanha euforia em face da
proclamada superação do historicismo e do sentimento de que doravante se vivia
uma era "pós", a arte tendo se espargido afinal num "estado de cultura"6, a
questão persistiu pelos anos subseqüentes. Mas algo nela havia mudado. A
atribulada experiência moderna daquela morte sempre prorrogada para o lance
seguinte havia se banalizado e vulgarizado irremediavelmente; toda arte com
alguma pretensão de elegância heróica mostrava-se, na melhor das hipóteses, um
ersatz de alta cultura, um comentário afetadamente nostálgico da arte. Para
outras correntes do debate artístico, ela se havia decantado num ressentimento
refinado contra a arte, isto é, bem entendido, na arte tal como esta se forjara
na "cultura ocidental" era preciso então punir os culpados pelos séculos de
usurpação (a execração da modernidade em nome de uma aviltada pureza das
origens mostra o tanto de rancor que tal posição destilou) e procurar
"desagravar" a "arte na vida" onde ela tivesse sido denegada7.
Para aqueles, entretanto, cautelosos diante da hiper-ideologização do debate em
curso, o novo "estado de cultura" impunha um austero esforço de compreensão.
Como se disse há pouco, a questão da "morte da arte" não abandonara o cenário,
como queriam fazer crer os pós-modernismos. Muito ao contrário, ela repunha-se
inclemente à luz do dia, por ironia como num didático drama épico brechtiano
incapaz de providenciar o desfecho esclarecido, porque surgia "resolvida" agora
à revelia da onisciência crítica do "narrador épico" (ou espectador), sem
pathos; o "teatro épico" falava aborrecidamente do presente em terceira pessoa,
e levava o espectador contemporâneo não à atividade ou a uma fulguração crítica
do pensamento, como queria Brecht, mas ao estarrecimento e a uma espécie de
estase das idéias. É mais ou menos deste ponto, eu creio, que se deve retomar o
debate da arte e da cultura iniciado nos anos 1980 (inclusive para inquirir
tudo o que então se disse dos 1960), distantes como podemos hoje estar do
sentimento espetacular do fim dos tempos e do clima de arrivismo que marcou o
decênio nos planos econômico, político e social.
Não se podia negar, em todo caso, que a palavra de ordem das vanguardas
modernistas, de fundir a arte na vida, de algum modo se havia realizado;
naquele "estágio" em que o mundo se encontrava, um "depois da arte", um
presente sem cronometragem, respirava-se cultura ou Arte por toda parte.
Tampouco se pode hoje negar que o renovado interesse dos anos 1980 pela pop era
em grande parte uma auto-justificação do salve-se-quem-puder da nova montante
neoliberal, cujas paródias de radicalidade pour épater le bourgeois
(sintomaticamente, uma espécie que há tempos havia sumido da cena histórica)
disfarçavam mal a satisfação (pequeno-burguesa) das classe médias urbanas do
mundo industrializado com o bem estar dos novos tempos (a arte como life
style).8
Da parte dos que propugnaram a "morte da arte" como estágio necessário para o
advento da Arte, permanecer-se-ia a espera de que a notícia se visse confirmada
na prática, isto é, que se mostrasse na verdade da própria produção artística.
Até segunda ordem, o que se produziu até hoje em nome dessas idéias foram
tentativas de deslocar de uma inerme arte contemporânea antigas premissas
essencialistas, premissas que, estas sim, permanecem vivas (desta feita
pressionando da direção da filosofia), e que doravante se alojariam numa
Teoria, tão onisciente e imperialmente estabelecida quanto difícil de ser
verificada salvo nas formulações dos próprios teóricos. Ao mesmo tempo, os
ideólogos da Arte acabaram por servir de êmulo a todo tipo de postulação
narcísica do eu pessoal e idiossincrático do Artista (ou do Curador), de sorte
que se tornou difícil determinar se é do puro conceito "Arte" que doravante se
trata ou da idéia do artista inflacionada (ou fetichizada) à dimensão do
conceito (de todo modo, pouco importará decidir se alcançamos o reino da Arte
ou da cultura em ambos os casos promove-se a mesma essencialização do mundo).
Seja o que for, decorridos quase trinta anos, parece claro que ali se preparava
algo que, bem ou mal, poder-se-ia chamar de uma "democratização cultural" (ao
menos nos termos da nova cultura que se passava a produzir em escala
planetária), algo que, no mínimo, havia conseguido fazer parecer ridiculamente
esnobe tudo o que menosprezasse o apelo e vitalidade daquele fenômeno. Cumpre,
portanto, admitir que o interesse dos anos 1980 pela pop continha uma centelha
de revelação em meio a um punhado de mistificações ideológicas (não duvidemos
de que a atitude essencialmente includente do novo circuito artístico
internacional se exercia nos quadros de uma re-hierarquização de poder em nível
mundial, segundo a qual centros de decisão estrategicamente difusos continuavam
a regrar a forma e a qualidade do aparecimento dos "contextos periféricos" nos
eventos e instituições desse circuito). De fato, as novas massas que no curso
dos decênios subseqüentes acorreram à sucessão atordoante de eventos artísticos
e às novas bienais inauguradas mundo afora9 demonstravam que o público da arte
se havia alargado para muito além das antigas classes médias urbanas tangidas
pela cultura universitária, e que o mercado de produtos culturais se
internacionalizava descanonizando fronteiras de bem estabelecidos pólos
hegemônicos (o que afinal, mais cedo ou mais tarde, não seria passível de se
tornar "cultural"?).
Eis um fenômeno tão intrigante quanto incontestável, que nos defronta às
seguintes questões: de que mudanças profundas na arte esse novo público dava
notícias? Em que medida a "cultura pop" que se havia decantado no mundo
globalizado não era, afinal, a almejada universalização de um gosto moderno,
finalmente apropriado e reinvestido pela imaginação coletiva a modernidade,
nestes termos, tendo auspiciado uma multicolorida (e não importa o quão
problemática pudesse ser) cultura vernacular moderna?10 Como a nova situação
uma era da imagem exponencialmente vivificada pela internet (e neste caso
entenda-se também o texto como imagem) obrigava a uma redefinição da noção
clássica de um espaço público da arte?11 Por que não conjecturar recusando as
visões essencialistas e, no fim das contas, historicistas do pós-modernismo
que tal situação, em vez de constituir propriamente uma ruptura, era uma
agudização ou repotencialização de certos processos ensejados pela própria
modernidade, dos quais não se chegaram a conhecer todas as possibilidades?
Restaria saber (o que não é tarefa deste texto) se aquele fenômeno punha a nu
um processo mediante o qual a arte se reduzira a uma questão institucional12,
ou se, diferentemente, a forma e o lugar desta haviam mudado de modo tão
profundo na cultura que ela ainda não se dava a reconhecer embora
provavelmente as condições de fazê-la permanecessem, de um modo ou de outro.
II
Neste ponto, vale a pena uma breve recapitulação de alguns aspectos relativos à
emergência daquele novo sistema cultural nos anos 1980, mesmo porque são eles
que nos informam da transfiguração contemporânea não só do público da arte, mas
da própria esfera da arte. Não se pode ignorar, na reordenação em larga escala
do sistema cultural no Ocidente da qual as mudanças no campo da arte eram
apenas uma faceta , o efeito indireto que tiveram sobre ela as demandas que
provinham de regiões até então à margem desse sistema e que agora pressionavam
o "mundo desenvolvido" cobrando sua parte no processo da modernização. Essas
demandas chegavam de regiões que nos decênios de 1980 e 1990 se emancipavam
politicamente (no continente africano), que reorganizavam sua vida política,
econômica e social depois de longos períodos sob ditaduras militares (na
América Latina e Central), ou, ainda, que, dirigidas por assim chamados
governos não-alinhados, empreendiam políticas agressivas de modernização
visando sua inserção estratégica na economia mundial (Índia, Taiwan, China,
Coréia).
Decerto o rápido espraiamento mundial do multiculturalismo desempenhava papel
importante no reconhecimento de um estatuto político e de uma nova
representatividade na opinião pública mundial a essas demandas produzidas no
jogo econômico do capital, e nele fadadas a uma eterna desvantagem de posições;
os países em desenvolvimento alcançavam o centro do sistema cultural mundial
(simbolicamente, já que a "presença física" dessas regiões se fazia sentir de
há muito no centros avançados, mas como figura de penúria e sub-cidadania, nas
contínuas levas de emigrados formando ali a prova viva das "disfunções" da
modernização), e a própria novidade da afirmação (e auto-compreensão) deles
nesse sistema desnudava os dispositivos de um poder imperial. Tampouco se pode
subestimar o quanto o multiculturalismo teve parte na denúncia (e na revisão)
da rígida hierarquia de poder que conformou tal sistema, pelo menos desde que
ele logrou, nas asas da hegemonia norte-americana, uma completa jurisdição
internacional, no período que se seguiu à Segunda Grande Guerra. E ainda como
contou na promoção dos direitos civis alargando em muito a noção clássica de
direito, até chegar aos direitos da subjetividade de grupos marginalizados
(de mulheres, negros, homossexuais, minorias étnicas) em diversas partes do
mundo.
Permanece a dúvida, contudo, sobre se o discurso multiculturalista (talvez a
contrapelo do esforço de muitos de seus teóricos) não terá suprimido a
complexidade e a diversidade históricas de um debate que já contava com uma
longa lista de lutas políticas e sociais em sua folha de serviço. A propósito,
nunca é demais lembrar o fato eloqüente da origem teórica e acadêmica desse
discurso. A impressão que hoje se tem é que ele acabou por avocar a si o mérito
de experimentos em direção a novas formas de expressão política que haviam
brotado das mais diversas trajetórias históricas, em pontos vários do planeta,
experimentos que de modo geral haviam frutificado como respostas ao colapso,
desde o final da década de 1960, das formas políticas tradicionais até então na
base dos movimentos sociais. É tempo de perguntar: 1. sobre a homogeneização
ideológica que fatalmente ocorreu a partir do momento em que o
multiculturalismo pareceu assomar como o porta-voz de todas as reivindicações
feitas em nome da diferença; 2. sobre o quanto o multiculturalismo, em seu
modus operandi global, mimetizava os procedimentos de totalização/fragmentação
que denunciava na modernidade, e além disso, sobre como havia convenientemente
negligenciado a crítica do processo de globalização no interior do qual ele
próprio pudera se engendrar e, por fim, 3. sobre o quanto o multiculturalismo,
ao almejar algo como uma comunidade globalizada transparente a si mesma,
redimida na cultura finalmente conquistada como ética privada, conteria, a
despeito de si mesmo, a idéia de tutela e infantilização das massas.
Sobre a pergunta de número 1, por exemplo, basta lembrar que o legado de
experimentações do movimento dos negros, das mulheres e de jovens remontava
pelo menos aos últimos anos da década de 1960 muito antes, portanto, que se
ouvisse falar em multiculturalismo , e suas plataformas, diferentemente do que
possa pensar o senso comum multiculturalista, ultrapassavam em muito a
reivindicação da igualdade de direitos; traziam o dado novo e provocante de uma
crítica implacável da subjetividade burguesa e o convite a novas formas de
sociabilidade. No Brasil, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(popularizado como MST), formado no final do decênio de 1970, é um desses
experimentos extraordinários no movimento social contemporâneo, surgido à
margem de partidos e instituições políticas tradicionais.
Sem entrar na discussão sobre o quanto a organização possa ter se enrijecido e
perdido, em tempos recentes, muito de seu antigo viço experimental, não resta
dúvida de que deixa na história social contemporânea ao lado de sua denúncia
severa da renitente injustiça social brasileira formidáveis experiências
culturais de politização da vida cotidiana, de educação popular e de
emancipação de mulheres oriundas das classes trabalhadoras. Valeria a pena
também salientar, de passagem, a renovação drástica que o MST trouxe, à opinião
pública mundial, da imagem dos pobres brasileiros, que desde os anos 1980
passavam a surgir na mídia como massas organizadas e auto-confiantes, em nada
semelhantes à figura de vitimização, estupidez e danação bíblica do pobre
diabo, tão arraigada na imaginação nacional. Na nova imagem que a opinião
pública se via obrigada a digerir, era igualmente impressionante o fato de
essas massas mostrarem-se capazes de uma racionalidade organizacional e
institucional incomuns nas representações da pobreza latino-americana.
Por fim, a dúvida sobre ser o multiculturalismo essencialmente a exigência
ética e moral do encontro do Outro (o que pressupõe a disposição recíproca para
algum processo de mudança), ou um formidável passaporte ideológico para a
afirmação a qualquer preço de origens e identidades (que, sendo sempre ideais,
sublimam ou denegam o presente que é, por excelência, o lugar do embate
histórico com o Outro) é mais um aspecto preocupante do problema. Em face dos
tantos fundamentalismos étnicos, políticos e religiosos fermentados no curso
dos anos 1990 é urgente reavaliar as estratégias não raro corporativas e
compensatórias que surgem como êmulos do multiculturalismo (estratégias
dependentes, portanto, da maior ou menor capacidade dos indivíduos de se
organizarem em grupos de interesse e pressão, que podem inclusive competir
entre si na luta pela satisfação de seus interesses corporativos).
III
Voltemo-nos agora ao exame da (também problemática) contribuição do
multiculturalismo no contexto do problema que interessa mais diretamente a este
texto: a reconfiguração da esfera da arte nos anos 1980. Já nos referimos ao
novo tipo de "instituições" artísticas e culturais que apareceu naquele período
(as aspas servem para nos lembrar o quanto o termo tem sua origem ligada à
tradição iluminista do século XVIII, à modernidade burguesa, e sugerem sua
provável inadequação para descrever os novos espaços). Museus de arte e espaços
culturais "flexíveis", "multiuso" propiciavam uma intensa circulação de obras
em nível internacional, graças a uma bem azeitada política de exposições que
pela primeira vez apresentavam em suas itinerâncias pelos países centrais (só
mais tarde se estenderiam para outras grandes capitais mundo afora) produções
até então impensáveis nesse circuito da América Latina, logo mais do Oriente,
da África e da Ásia.
O fenômeno se fazia acompanhar, ademais, de um aparato pesado de tecnologias
interativas e estratégias de gerenciamento institucional destinadas a criar a
todo custo empatia entre os objetos de arte e o público, ou a despertar um
intenso cinetismo entre ambos. A experiência artística tornava-se, dessa
maneira, uma espécie de prestação de serviços, de sorte que era imprescindível
torná-la mensurável para o público, processá-la como "informação", com o que se
liquidava vorazmente a distância que ela viesse a instalar em torno de si como
parte mesma de sua operação constitutiva, de sua práxis poética. Passados quase
três decênios, não deixa de ser estimulante pensar que aquele florescimento
indicava a entrada em cena de um novo público da arte, e mais de um novo e
extraordinariamente abrangente espaço público da arte.
Mas, se a idéia de uma arte vitoriosamente dissolvida na instância da cultura
estava na ordem do dia naquela década, é improvável que o meio de arte, com os
olhos voltados à pop, ignorasse o estoque explosivo de contradições ideológicas
que havia municiado essa idéia na produção artística mais radical da década de
1960, e que instigara tanto a espécie de realismo maligno de Andy Warhol como a
revolta romântica de Guy Debord e dos situacionistas, para não mencionar o
transe de deboche e fetichismo consumista vivido nos trabalhos de Antonio Dias
do período ou ainda a hiperbólica aventura dos tropicalistas brasileiros, de
fusão de cultura de massa e tradições nacionais, da qual haviam resultado
refinados e violentos constructos poéticos, da mais pura ambigüidade
ideológica13. Que tipo de arte, portanto, nas entrelinhas se estava
prescrevendo a um público que se queria poupar das penosas mediações dos
processos cognitivos, e que espaço público era aquele que, em nome das novas
parcerias globalizadas, demovia a presença de formações históricas longamente
decantadas, entre elas as formações nacionais?
Dá o que pensar o fato de que nos anos 80 do século XX o debate da arte tenha,
em sua quase totalidade, como que sublimado a fascinante e problemática
dimensão cognitiva que a cultura de massa, a despeito de sua instrumentalidade,
deveria revelar quando fosse voltada contra si mesma (era esta a aposta da arte
mais experimental dos anos 1960 reportemo-nos aos exemplos há pouco
mencionados), e que, ao contrário, a tenha saudado em sua factualidade, como
uma benesse a que o progresso tecnológico naturalmente conduzira. O moralismo
implícito na idéia de uma comunidade da cultura sempre transparente a si mesma
criava, enfim, entre seus membros, a idéia de uma acessibilidade absoluta à
arte, com o que se sepultava qualquer possibilidade da pergunta sobre o que
tornava algo "arte", que não é senão a pergunta sobre a linguagem sobre a
forma, se me permitem.
Dá o que pensar, igualmente, que essa discussão tenha permanecido recalcada
pelas duas décadas subseqüentes, de sorte que apenas na virada do novo milênio
o discurso triunfalista dos anos 1980 que quis fazer crer na cultura como
panacéia da humanidade , principiava a ser colocado em xeque. O fato é que na
esteira da angelização multiculturalista da pop surgia e continua a prosperar
uma nova espécie de populismo, desta feita extravagantemente14 global.
Endereça-se de maneira difusa a todos os estratos sociais, assenta-se na
apologia das novas formas de sociabilidade auspiciadas pela tecnologia da
informação (passa-se ao largo da pergunta sobre o teor de coercividade que
possa impregnar esse trânsito de informações), tem grande confiança no novo
espaço público descortinado pela mídia e é praticado eis um dado inquietante
por governos, corporações transnacionais, por toda uma inescrutável
fantasmagoria de organizações não-governamentais capazes de atrair os
interesses do grande capital e que prosperaram como formas compensatórias em
face da capitulação contemporânea de políticas públicas.
O populismo turbinado promete nada mais nada menos do que a promoção das massas
(também das massas miseráveis dos países periféricos industrializados) por
graça e obra da cultura ou da Arte, oferecidas aos militantes neófitos como
"qualidade de vida" ou promessa de uma vida subjetiva proteica e atraente,
espécie de dispositivo compensatório em face da decomposição social em curso.
Nem toquemos na questão mais candente de que o capital que hoje patrocina em
grande estilo a arte ou a cultura em iniciativas de envergadura e alcance
transnacional como bienais, festivais internacionais de arte e cultura,
itinerâncias de megaexposições e eventos culturais de todo tipo jamais
poderia se dirigir diretamente ao mundo social, quando então teria de se haver,
não mais com militantes neófitos e bem intencionados, mas com massas
enfurecidas, despolitizadas, imantadas pela violência, pelo ressentimento, pela
necessidade. A esse respeito, os ataques urbanos ocorridos entre maio e julho
de 2006 na cidade de São Paulo, incitados por organizações criminosas de
presidiários comandando os eventos de dentro das cadeias (e contando com apoio
no aparato jurídico, legislativo e administrativo do Estado, como também no
meio empresarial), são um bom convite à reflexão.
IV
Essa breve recapitulação do último quarto do século XX reconstitui em linhas
gerais o ambiente no qual o termo pop se viu presa de uma aguerrida batalha de
reconfigurações ideológicas. Valerá sempre a pena interrogar enfatizemos
sobre se, àquela altura da década de 1980, o termo ainda preservava algo do
poder de fogo que havia marcado suas manifestações vinte anos antes. Pois na
década de 1960, ninguém, no meio artístico e cultural, poderia deixar de se
pronunciar em face de uma "questão pop"; a maneira como esta se impunha ao
debate das idéias advertia que entravam decisivamente em xeque veneráveis
instituições da sociedade burguesa entre elas nada menos do que a noção de
espaço público. O reexame dessa noção se torna tanto mais urgente, nos dias de
hoje, quanto mais ela vai sendo descartada e demonizada em nome da celebração
pastoral de uma comunidade global. A propósito, é preocupante que pouco se
critique seriamente o legado ideológico da noção clássica de espaço público;
tal crítica, se, por certo, deve contabilizar seus fracassos, não pode
obliterar o valor de transformação que ainda possam ter suas aspirações não
cumpridas. Ora, contra que "universalidade burguesa" se erguia, na década de
1980, aquele novo "mundo da cultura" que reivindicava sua filiação ao pop? Não
é pouco convincente atribuir àquela onda neo-pop o poder de destituir um
suposto domínio da "alta cultura" em plena era de universalização da cultura de
massa, que não esqueçamos gestara suas próprias hierarquias e critérios de
legitimação, e no interior da qual inclusive a "alta cultura" encontrava um
lugar de honra e novos públicos? Que "alta cultura" seria essa, da qual,
estranhamente, sumira o lastro de uma sociedade burguesa, de há muito presente
apenas nos velhos livros de história?
V
Formulo a seguir buscando voltar contra o presente tal artilharia de questões
alguns comentários sobre o impasse em que se encontra, na situação
contemporânea, a exigência de se pensar a arte. O sistema cultural que afluiu
nos anos 1980, trazendo à tona inúmeros novos protagonistas, por sua vez
lançados a um novo e complexo jogo de forças, atestava que não havia mais como
"contar" satisfatoriamente a "história" da arte. Não apenas aquela que vinha se
desdobrando no curso dos três decênios precedentes, mas toda a história que
estava nos livros; a história da arte de que se dispunha até então no Ocidente
demonstrava-se inservível para explicar boa parte das manifestações artísticas
desde meados do século XX, e ideologicamente inepta para a exigência
contemporânea de inquirir tantas "histórias" abortadas, tantos modernismos,
tantas experiências culturais que responderam de maneiras próprias e originais
aos imperativos da modernização mas que naquela história canônica constariam
tão-somente (se é que de fato constariam) como manifestações epigonais,
retardatárias ou simplesmente como atávicos arcaísmos regionais. Em segundo
lugar, da crítica que naqueles anos se encetou, com maior ou menor
profundidade, da história ocidental (na verdade iniciada no final da década de
1970) surgia a suspeita de que talvez a modernidade não fosse o destino
universal da humanidade, como parecia promanar daquela história, e mais, a
percepção de que a experiência estética humana não se deixava açambarcar no
conceito de "arte" tal como se formara no Ocidente desde o século XV, tampouco
ser compreendida nos pressupostos de uma disciplina, e menos ainda ser reduzida
ao critério dela.
VI
Para finalizar, duas questões. Em primeiro lugar cabe dizer que ainda nos
encontramos no fogo cruzado dessa discussão, e dela talvez surjam novas
possibilidades, complexas e multifocais, conforme esperamos, de se pensar a
arte, como também de a arte pensar o mundo. Dentre essas possibilidades, deve
haver pelo menos uma que nos permita falar da "pop" do ponto de vista de uma
experiência brasileira, ou que traga à tona a relevância de uma contribuição
local para a compreensão da pop como um fenômeno internacional, em que local e
global estão miscigenados sem que por isso se vejam destituídos do jogo de
tensões mútuas que os alimenta. Em segundo lugar, cumpre questionar a cidadania
euro-norte-americana que tacitamente se atribuiu ao fenômeno pop, como se o
ponto de vista da carência15, isto é, aquele que se constitui privilegiadamente
a partir dos países periféricos (ou de experiências culturais periféricas, que
podem inclusive formar-se nos "centros") não fosse a outra face da moeda a dar
sentido à modernidade afluente dos países centrais. Aliás, é preciso dizer que
um esforço sério de compreensão não deixará de notar que as experiências de
fastio e acumulação que a arte pop pressupõe podem ser, também, conforme o
ponto de vista, de falta e vacuidade, de sorte que, seja nos países centrais,
seja nas regiões periféricas, tais experiências transitam livremente entre si,
comutam-se mesmo uma na outra, acumulação e falta sendo, na verdade, nomes
diferentes que se pode dar a um único e mesmo processo.
Uma esquemática visão dualista durante muito tempo opôs absolutamente centro e
periferia, como se se tratasse de formações distintas que, por vicissitudes
históricas, tivessem alcançado níveis desiguais de desenvolvimento. Essa
abordagem, que nunca foi boa, revela-se inoperante em face do caráter difuso
dos centros de poder na era globalizada. Para contrapor-me a ela, recorro ao
argumento de um notável sociólogo brasileiro, cuja obra conta entre aquelas que
renovaram os estudos sobre a expansão socioeconômica do capitalismo no Brasil:
No plano teórico, o conceito de subdesenvolvimento como uma formação
histórico-econômica singular, constituída polarmente em torno da
oposição formal de um setor 'atrasado' e um setor 'moderno', não se
sustenta como singularidade: esse tipo de dualidade é encontrável não
apenas em quase todos os sistemas, como em quase todos os períodos.
Por outro lado, a oposição na maioria dos casos é tão-somente formal:
de fato, o processo real mostra uma simbiose e uma organicidade, uma
unidade de contrários, em que o chamado 'moderno' cresce e se
alimenta da existência do 'atrasado', se se quer manter a
terminologia. O 'subdesenvolvimento' pareceria a forma própria de ser
das economias pré-industriais penetradas pelo capitalismo, em
'trânsito', portanto, para as formas mais avançadas e sedimentadas
deste; todavia, uma tal postulação esquece que o 'subdesenvolvimento'
é precisamente uma 'produção' da expansão do capitalismo. (...) em
resumo, o 'subdesenvolvimento' é uma formação capitalista e não
simplesmente histórica 16.
[1] "Cultura pop: Astúcia e inocência" é uma versão modificada da primeira
parte de um ensaio originalmente produzido para o seminário interno "Pop Art
and Vernacular Cultures", realizado em 2006 no Institute of Visual Arts, de
Londres; o ensaio aparece com outro título em coletânea organizada no mesmo ano
pelo Institute of Visual Arts, de Londres, no âmbito da série "Anotating Art
Histories", que tem como editor Kobena Mercer.
[2] Cito apenas dois autores relevantes para este debate, cujos trabalhos, que
trazem títulos eloqüentes sobre o sentimento de época, estabelecem a arte pop
como um divisor de águas: Arthur Danto. The transfiguration of the common
place, New York: Harvard University Press, 1981; e Hans
Belting. Das Ende das Kunstgeschichte? Munique: Deutscher Kunstverlag, 1983.
[3] E o artista prossegue: "Comecei como um artista comercial e pretendo acabar
como um artista de negócios. Depois de ter feito essa coisa chamada 'arte', ou
o que quer que seja isto, entrei para o ramo da arte de negócios. Eu queria ser
um Homem de Negócios da Arte ou um Artista dos Negócios. Ser bom em negócios é
o tipo mais fascinante de arte"; cf. Andy Warhol. The philosophy of Andy Warhol
(from A to B and back again). San Diego: A Harvest Book, s.d., p. 92. O capítulo "Work", do qual se extraiu a citação acima, contém outras
passagens não menos provocantes: "En-tão, fui baleado em meu escritório: Andy
Warhol Enterprises. (...) Um entrevistador me fez várias perguntas sobre como
eu administrava meu escritório e eu tentei explicar-lhe que não era eu, mas
ele, realmente, que me administrava" (id. ib., p. 91-92, passim).
[4] Não importa, no caso, se os defensores de uma "Arte" promovida ao estágio
da "filosofia" ou ao puro conceito estivessem no extremo oposto do espectro
ideológico em relação aos que propugnavam a recém conquistada comunidade
global/local da cultura: ao libertar-se dos objetos a "Arte" não poderia
firmar-se como tal senão contra o pano de fundo da cultura mas, para retornar
vitoriosa a si mesma, é nele que ela deveria sem cessar submergir.
[5] Concordamos neste ponto com a argumentação de Yve-Alain Bois em "Painting:
The Task of Mourning" (Painting as Model. Cambridge, Massachusetts: MIT Press,
1990).
[6] Remeto o leitor, sobre a questão do advento contemporâneo de complexos
dispositivos de intermediação cultural, a Otília Beatriz Fiori Arantes.
Urbanismo em fim de linha e outros estudos sobre o colapso da modernidade
arquitetônica. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998, e, conforme vemos freqüentemente citado em Otília, a Jeremy Rifkin.
L'age de l'accès la revolution de la nouvelle economie. Paris: La Decouverte,
sine datum.
[7] T.J. Clark, em seu ensaio "In Defense of Abstract Expressionism", assinala
o desfibramento do pathos moderno da morte da arte num momento bem anterior a
este que examinamos: a virada dos anos 50 para os 60 do século XX: "Não ser
capaz de fazer com que um momento prévio altamente realizador se torne parte do
passado não saber perdê-lo, não passar pelo luto e, se preciso for, desprezar
esse momento significa para a arte, nas circunstâncias do modernismo, mais ou
menos o mesmo que não ser capaz de produzir arte alguma. Isso porque desde que
Hegel formulou, nos idos da década de 1820, a proposição fundamental do
modernismo que 'a arte, considerada em sua mais nobre vocação, é e continua a
ser para nós uma coisa do passado' a continuidade da arte depende de seu
êxito em tornar essa máxima específica e pontual. Ou seja, determinar o momento
do seu último florescer em algum ponto do passado recente e descobrir que dele
restou o suficiente para que pareça possível empreender um trabalho irônico,
melancólico ou decadente de continuação (...). É por isso que nosso fracasso em
entender que Jackson Pollock e Clifford Still encerraram alguma coisa, ou a
ausência de uma narrativa sobre o que, a nosso ver, eles estavam encerrando, é
muito mais do que uma crise da crítica de arte ou da história da arte.
Significa que, para nós, a arte não é mais uma coisa do passado; isto é, que
não dispomos de uma imagem usável do seu fim, numa época e num lugar em que
possamos nos imaginar vivendo, ainda que talvez preferíssemos não estar lá"
(Clark, T. J. Modernismos/Ensaios sobre política, história e teoria da arte.
Trad. Vera Pereira. São Paulo: CosacNaify, 2006 [ no prelo]).
[8] Devo o achado dessa expressão a uma longa conversa que mantive com o
crítico Guy Brett, em 2004.
[9] Já no prefácio de seu livro O fim da história da arte, uma revisão dez anos
depois, Hans Belting chama a atenção para esse fato o de que as exposições,
mais do que os trabalhos de arte ou as instituições marcariam decisivamente a
fisionomia do meio de arte nos decênios finais do século XX (São Paulo:
CosacNaify, 2006).
[10] Do vestuário à propaganda, da sinalização de trânsito ao mobiliário das
classes médias e populares ao redor do mundo, da música comercial jovem às
formas sincopadas e elípticas da língua falada pelas multidões ns grandes
cidades contemporâneas não se havia decantado, afinal, algo da poética moderna
da colagem e da montagem, dos procedimentos complementares da construção e
desconstrução propalados pelas vanguardas modernas? [esta formulação deve muito
aos insights sugestivos que despertaram em mim conversas mantidas com o crítico
e historiador de cinema Ismail Xavier].
[11] "A esfera pública, na qual os intelectuais se moviam como os peixes na
água, tornou-se mais includente, o intercâmbio é mais intenso do que em
qualquer época anterior. (...) A utilização da internet simultaneamente ampliou
e fragmentou os nexos de comunicação. Por isso a internet produz por um lado um
efeito subversivo em regimes que dispensam tratamento autoritário à esfera
pública. Por outro lado, a interligação em redes horizontais e informalizadas
de comunicação enfraquece ao mesmo tempo as conquistas das esferas públicas
tradicionais..."; cf. Jürgen Habermas. "O caos da esfera pública". Folha de S.
Paulo, 13 de agosto de 2006, p. 4 -5.
[12] Nos termos da "Teoria institucional" de George Dickie, por exemplo (cf.
Art and Values/Themes in the Philosophy of Art. Malden, Massachusetts:
Blackwell Publishers, 2001).
[13] A esse respeito, remeto o leitor a depoimento de Caetano Veloso,
relembrando o processo de criação da canção "Tropicália", de 1967 (cujo título
lhe havia sido sugerido por Hélio Oiticica): "Com a mente numa velocidade
estonteante, lembrei que Carmen Miranda rima com "a banda" (e eu já vinha fazia
muito tempo pensando em bradar o nome ou brandir a imagem de Carmen Miranda), e
imaginei colocar lado a lado imagens, idéias e entidades reveladoras da
tragicomédia Brasil, da aventura a um tempo frustra e reluzente de ser
brasileiro (...). Decidi-me: Brasília, sem ser nomeada, seria o centro da
canção-monumento aberrante que eu ergueria à nossa dor, à nossa delícia e ao
nosso ridículo (...) Basta que se diga que essa canção (...) era o mais perto
que eu pudera chegar do que me foi sugerido por 'Terra em Transe' [o compositor
refere-se ao filme de Glauber Rocha]". Cf.. Caetano Veloso. Verdade tropical.
São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 184-187, passim.
[14] A maior parte dos populismos históricos que se conheceu até aqui bem ou
mal eram marcados por seus compromissos de emancipação nacional e envolviam
alguma crença mística de redenção coletiva. Daí o caráter extravagante do
neopopulismo global, pragmático, confiante na eficácia imaginária de suas
ações, visando o curto prazo, dirigindo-se a comunidades lábeis.
[15] A propósito de uma definição possível de "ponto de vista da carência",
remeto o leitor à descrição que o cineasta Rogério Sganzerla, pertencente à
geração que se sucedeu à do cinema novo, dá de seu filme "Bandido da luz
vermelha" (1968): "Fiz um filme voluntariamente panfletário, poético,
sensacionalista, selvagem, mal comportado, cinematográfico, sanguinário,
pretensioso e revolucionário. Os personagens desse filme mágico e cafajeste são
sublimes e boçais. Acima de tudo, a estupidez,a boçalidade são dados políticos
revelando as leis secretas da alma e do corpo explorado, desesperado, servil,
colonial e subdesenvolvido. Meus personagens são, todos eles, inutilmente
boçais, aliás como 80% do cinema brasileiro (...). Assim, o "Bandido da luz
vermelha" é um personagem político à medida que é um boçal ineficaz, um rebelde
impotente, um recalcado infeliz que não consegue canalizar suas energias
vitais", In Arte em revista. São Paulo, nº 1, jan-mar/1979, p. 19.
[16] Francisco de Oliveira. "Crítica à razão dualista". In: Crítica à razão
dualista/O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003, p. 32-33.