Estratégia partidária e preferência dos eleitores: as eleições municipais em
São Paulo entre 1985 e 2004
INTRODUÇÃO
A proximidade das eleições municipais em São Paulo abriu a temporada das
especulações. Estimuladas pela data legal das convenções partidárias, quando
são definidas as candidaturas e as coligações para as eleições majoritárias e
as proporcionais, possibilidades de toda sorte foram consideradas.
Paradoxalmente, a estratégia dos partidos parece ter relegado a própria eleição
municipal a um segundo plano, já que a eleição de 2010 parece ter ditado os
principais movimentos.
Sejam quais forem os interesses em jogo, definidas as candidaturas dos
principais partidos, metade ou mais do jogo eleitoral já está jogado. Eleitores
só podem votar nas opções que lhe são ofertadas e estas, em geral, não são
muitas. Além disso, devem calcular as chances de seus candidatos preferidos e
as dos que rejeitam, o que os leva a convergir para as candidaturas viáveis.
Assim, o conjunto de alternativas efetivamente disponíveis sofre nova
restrição. Para uma boa parte dos eleitores, não há propriamente escolhas a
fazer.
Quando a distribuição das preferências dos eleitores é conhecida ou passível de
ser estimada com algum grau de certeza, como mostraremos ser o caso da cidade
de São Paulo, encerradas as convenções partidárias, é possível prever quem será
o novo prefeito ou prefeita com razoável grau de segurança.
Em que pese a alternância entre os partidos que controlaram a prefeitura de São
Paulo, com transições seguidas entre a esquerda e a direita, o eleitorado
paulistano tem apresentado considerável estabilidade em suas opções. As
flutuações das preferências dos eleitores são pequenas e se dão dentro de
parâmetros estreitos e conhecidos. Obviamente, estabilidade não é o mesmo que
imobilismo. As mudanças, no entanto, são lentas e dependem da capacidade de os
partidos mobilizarem o eleitorado.
Os resultados das eleições na cidade de São Paulo pós-redemocratização podem
ser interpretados à luz de um modelo muito simples de disputa eleitoral cuja
estrutura foi anunciada já nas eleições de 1985. Naquela ocasião, os três pólos
clássicos do espectro ideológico - direita, centro e esquerda ó mostraram sua
viabilidade eleitoral na cidade. Isto é, os três pólos contam com uma base de
apoio que lhes permite pleitear com sucesso a cadeira de prefeito. No entanto,
inexiste um bloco hegemônico. Assim, as vitórias passaram a ser ditadas por
coalizões entre os eleitores de diferentes blocos.
Na ausência de coligações eleitorais entre os partidos de diferentes blocos, a
coordenação ficou a cargo dos eleitores e tendeu, até 1996, a favorecer a
direita. O cenário começou a se alterar em 2000, como conseqüência direta da
crise do PDS-PP2, cuja débâcle se completa na eleição seguinte. O PSDB ocupa o
espaço deixado à sua direita e vence pela primeira vez o pleito. Contudo, dado
que o PT tem maior penetração entre as camadas menos escolarizadas e justamente
o contrário se dá com o PSDB, paradoxalmente, na ausência da direita, a eleição
apresenta uma maior polarização, expressa em uma marcação socioeconômica mais
nítida do apoio aos principais contendores.
O argumento será desenvolvido acompanhando os pleitos. Inicialmente,
analisaremos as duas primeiras eleições pós-redemocratização, as de 1985 e
1988, buscando estabelecer os parâmetros básicos da disputa eleitoral na
cidade. Para esse período, baseamo-nos na relativamente extensa literatura
existente, privilegiando as análises dos resultados em que a cidade é
distinguida em áreas socialmente homogêneas. Para as eleições de 1992 em
diante, contamos com dados próprios, tanto para os resultados eleitorais quanto
sobre o grau de instrução dos eleitores. Os dados estão organizados da forma
mais desagregada possível, a saber, por seção (isto é, urnas). Sabemos,
portanto, o resultado em cada seção assim como a educação de cada um dos
eleitores a votar naquela seção. Assim, para esse período é possível descrever
em maior detalhe a evolução da competição partidário-eleitoral e a
transformação das bases de apoio dos principais partidos.
Recorremos, basicamente, a dois métodos para expor o alcance dos nossos dados.
Empregamos, por um lado, técnicas descritivas para precisar o apoio dos
candidatos entre os diferentes grupos sociais, usando a educação média na urna
como proxi para renda e demais variáveis sociais. Recorremos também ao método
desenvolvido por Gary King e associados para inferir o comportamento individual
de dados agregados. Usamos este método para saber como os eleitores de um
candidato em uma dada eleição votam na eleição seguinte. Este não é o local
adequado para explicar o método, basta notar que ele vai muito além de uma
simples regressão ao usar as informações determinísticas contidas em cada uma
das seções. Por exemplo, se um candidato teve 90% dos votos em t e 15% em t+1,
a porcentagem máxima de eleitores que votaram no candidato nas duas
oportunidades é de 15% e a mínima é de 5%. O método combina a informação de
todas as seções e para todos os partidos para inferir a porcentagem de
eleitores que votou no mesmo partido nas duas ocasiões3.
Analisamos os resultados eleitorais, as votações efetivamente obtidas pelos
partidos. Interessa-nos o voto dado, a sua distribuição agregada. A exposição
acentuará elementos descritivos que permitam caracterizar o apoio aos
diferentes partidos ao longo do tempo. Em nenhum momento arriscamos qualquer
explicação sobre os determinantes do voto, isto é, a razão por que os eleitores
votam como votam. Enfatizamos a estabilidade e previsibilidade da distribuição
das preferências partidárias expressas nas urnas.
DEFININDO OS JOGADORES: AS ELEIÇÕES DE 1985 E 1988
No Brasil, formar um partido e lançar candidatos é razoavelmente simples, ou
pelo menos foi no período da redemocratização. Apresentar candidatos viáveis,
isto é, com alguma chance real de competir pelo cargo majoritário, não é assim
tão simples. Na primeira eleição na capital após a transição do poder a um
civil, a eleição de 1985, doze candidatos disputaram a cadeira de prefeito.
Para quase todos, cabe parodiar o refrão: "Onde está você, Rivailde Ovídio?"4.
Poucos saberão do destino do candidato. Dele e de tantos outros candidatos de
"partidos nanicos" que disputaram esta ou qualquer outra eleição municipal. Em
geral, a competição, de fato, ficou restrita a poucos candidatos - sempre os
lançados por um partido grande.
Em 1985, os três candidatos mais votados, Jânio Quadros pelo PTB, Fernando
Henrique Cardoso pelo PMDB e Eduardo Suplicy pelo PT, foram responsáveis por
95,83% dos votos válidos. As proporções de votos obtidas por cada um deles -
37,5%, 34,2% e 19,7% ó, respectivamente, definem os parâmetros sobre os quais a
política paulistana se moveria nas eleições seguintes5. Se estes candidatos,
pela ordem, forem associados à direita, ao centro e à esquerda, veremos que a
distribuição da força eleitoral entre estes grupos é relativamente equilibrada.
A esquerda, está claro, era a mais fraca destas forças, mas este era seu
segundo teste eleitoral em que lutava para atrair os eleitores mais pobres,
justamente aqueles que até então haviam mostrado grande fidelidade ao PMDB6.
A eleição de um candidato representando as forças de direita e a derrota do até
então imbatível PMDB surpreenderam a maioria, senão a totalidade, dos
analistas. A lógica da disputa eleitoral reinante no período da abertura e da
transição do regime autoritário foi subvertida. Desde pelo menos a eleição
paradigmática de 1974, o eleitorado urbano, sobretudo o mais carente, havia
dado provas repetidas de sua rejeição aos candidatos de direita. A direita
venceu justamente onde sua vitória parecia mais improvável: no maior e mais
moderno centro urbano do país.
Para entender estes resultados e seu significado, o primeiro passo é analisar
as estratégias seguidas pelos maiores partidos. Quanto à direita, cabe notar
que disputa a prefeitura unida em torno da candidatura do PTB, ao contrário do
que ocorrera nas eleições para o governo estadual em 1982, quando se dividira,
apresentando dois candidatos (Reynaldo de Barros pelo PDS e Jânio Quadros pelo
PTB). Como argumentam Lamounier e Muszynski, a união da direita representou uma
estratégia eleitoral consciente traçada por suas lideranças:
A diferença entre 1982 e 1985 foi que desta vez os conservadores
uniram suas forças. Veja-se o caso do PDS. Cientes de que a força de
seu partido seria insuficiente para a vitória - lembre-se que no
pleito de 82 não conseguiram nem mesmo superar a votação janista na
capital ó, os dirigentes pessedistas deram seu apoio a Jânio Quadros.
A coligação recebeu ainda o aval do PFL, cuja contribuição em votos
era uma incógnita, mas que contava com ministros de grande prestígio,
como Olavo Setúbal. A eficácia dessa aliança não é surpreendente, se
considerarmos que a candidatura de Jânio Quadros em 1982, apoiada por
um PTB muito débil, somada à de Reynaldo de Barros, que representava
naquele momento todo o desgaste do PDS, chegou à marca de 33% dos
votos7.
A estratégia deu resultados garantindo que o "candidato único das direitas"
arrebatasse para si o conjunto dos votos obtidos três anos antes. A
continuidade é corroborada por Meneguello e Alves8, que analisam dados
desagregados por unidades administrativas no interior de cada uma das oito
áreas homogêneas da cidade. As correlações encontradas variam entre 0,97 e
0,68.
As análises de Lamounier e Musynski e de Meneguello e Alves mostram ainda que a
votação dos candidatos de direita não estava confinada às áreas mais ricas da
cidade. Na realidade, nem sequer estavam correlacionadas positivamente à renda
da área homogênea. O fato é que em ambas as oportunidades, mesmo nas regiões
homogêneas sete e oito, as mais pobres e carentes, a direita obtém votações
expressivas, sempre na casa de um terço dos votos de cada área homogênea.
À luz destas informações, o desempenho posterior do PDS-PP capitaneado por
Paulo Maluf deixa de ser tão extraordinário. Não pede, ao menos, referência a
uma nova base de apoio9. Vista em perspectiva, a votação da direita nas
eleições municipais de 1985 a 1996 chama atenção por sua relativa estabilidade.
Em face da divisão da centro-esquerda, tomando a força eleitoral de cada grupo
isoladamente, a direita passa a ser o pólo mais forte.
A presença de uma votação tão expressiva para a direita não é de fácil digestão
em função da presunção de que as bases sociais do voto na direita estariam, com
a modernização do país, condenadas ao desaparecimento. Como notou Bolívar
Lamounier:
O contraste entre cidade e campo, ou até mais toscamente, entre
capital e interior, adquiriu entre nós uma conotação inconfundível,
traduzindo-se para o léxico político-eleitoral como autonomia versus
submissão, oposição versus coronelismo10.
Dito de outra forma, a análise política brasileira não encontra lugar para o
voto urbano de direita entre as camadas mais carentes. Urbanização redundaria
em autonomia do eleitor, e o voto na direita entre os mais pobres só pode ser
entendido como manifestação da sua sujeição e subordinação. A tese, cujas
raízes na literatura sobre o período 1946-1964 são conhecidas e suficientemente
exploradas11, teria sido referendada de forma cabal pelo crescimento do PMDB ao
longo dos anos 70.
O fato é que, a despeito das previsões de definhamento, a direita mostra sua
força em São Paulo. Já nas análises da eleição de 198212 se encontram
referências à recuperação eleitoral do PDS-PP na capital. Na realidade, a curva
descendente de apoio à direita é exagerada pelo pífio desempenho do PDS na
eleição de 1978. Se esta eleição for tomada como atípica, veremos que o
declínio do suporte à direita, mesmo entre os mais carentes, não é assim tão
pronunciada. Assim, a tão esperada inviabilidade eleitoral da direita em um
contexto urbano-industrial nunca chegou a se manifestar.
Não é nosso objetivo explicar o voto de direita13. Queremos apenas deixar
estabelecidas a sua força e a sua consistência ao longo do período sob análise.
Cabe frisar também um ponto adicional e pouco notado, o fato de este eleitorado
na cidade (na verdade, no estado de São Paulo) ter se tornado cativo do PDS-PP.
Não era necessário que assim fosse. Na realidade, 1985 foi a única eleição em
que os "dirigentes pessedistas reconheceram sua fraqueza" e não apresentaram
candidatura própria. Em todas as oportunidades disponíveis no futuro, o PDS-PP
pôs-se em campo.
O fato de Paulo Maluf ter se lançado candidato em praticamente todas as
eleições, a despeito das seguidas derrotas que colheu, tende a ser visto como
uma manifestação de uma obstinação pessoal. No entanto, ser um eterno candidato
pode ser interpretado como parte de uma estratégia consistente e de longo prazo
para preservar seu controle sobre o eleitorado de direita14. Deste ponto de
vista, a cartada decisiva para Paulo Maluf foi jogada em 1986, primeiro ao
inviabilizar a candidatura de Olavo Setúbal pelo PFL e, depois, ao longo da
campanha, ao atacar seguidamente o também empresário Antônio Ermírio de Moraes,
candidato pelo PTB que até então liderava a disputa segundo as pesquisas de
opinião15. Paulo Maluf matou as esperanças de uma direita renovada e mais
organicamente vinculada ao mudo empresarial.
Fora 1985, o PDS-PP não aceitou qualquer apelo em favor de um acordo no
interior da direita e, muito menos, com forças de outro campo. Paulo Maluf
construiu a reputação de um candidato obstinado, aguerrido e radical. A
estratégia surtiu efeito, garantindo para seu partido o controle sobre o
eleitorado de direita.
Não foi outra a estratégia perseguida pelo PT para conquistar o voto até então
controlado pelo PMDB. O partido apresentou candidatos em todas as
oportunidades16. Tanto em 1982 como em 1985 deixou claro que recusaria qualquer
apelo em favor do voto útil. O partido construiu sua reputação a duras penas.
Em 1985, os votos que roubou do PMDB, sobretudo na periferia da cidade, foram
fundamentais para que Jânio sobrepujasse Fernando Henrique Cardoso. A
estratégia, assim como se verificou com o PDS-PP, foi recompensada no longo
prazo. Na verdade, em um prazo não tão longo assim, já que na eleição seguinte,
em 1988, o partido conquistou a prefeitura. Mas venceu, como os líderes do
partido e a própria prefeita eleita reconheceram no dia seguinte à eleição17,
com o apoio decisivo dos eleitores do PMDB e do PSDB. Como notam Pierucci e
Lima:
É sabido que a surpreendente vitória de Luiza Erundina (PT) ocorreu
graças a uma ponderável migração de votos de outros candidatos -
principalmente José Serra (PSDB) e João Leiva (PMDB) - acompanhada da
adesão daqueles que sempre se decidem no último momento: os mais
pobres, menos escolarizados e do sexo feminino [...]. A virada
petista se deu literalmente na boca da urna. Pesquisa realizada pelo
DataFolha em 19 de novembro, quatro dias depois da eleição, mostra
que 25% dos votos de Erundina vieram dos eleitores que se decidiram
por ela no próprio dia 1518.
Analisando os resultados por cinco áreas homogêneas da cidade para duas
pesquisas do DataFolha, a prévia do dia 12 e a de boca-de- urna do dia 15/11,
Pierucci e Lima19 notam que Erundina não foi a única beneficiária do voto
estratégico de última hora:
Mas esta virada pró-Erundina não aconteceu de modo igual pela cidade,
nem foi somente o voto petista que se expandiu na última hora. O
malufista também. [...] Maluf mantém nestes três dias um total geral
inalterado na marca dos 26%, porém no interior de cada Área Homogênea
o tamanho de seu eleitorado se altera sensivelmente. Na AH 1, a mais
rica, ele salta de 26% para 36% (10 pontos a mais) e sobe de 22% para
27% na AH 2, que engloba os bairros do Centro Velho (mais 5 pontos).
Permanece estável na AH 3, solo de predileção do voto direitista. E a
partir daí, caminhando em direção aos bairros da periferia, começa a
perder votos20.
A polarização ocorrida nos últimos momentos da eleição de 1988 esvazia o centro
e fortalece as alternativas polares do espectro político. A decisão final coube
aos eleitores que por meio da coordenação de seus votos, ou voto útil, para
usar o vocabulário consagrado na eleição de 1985, decidiu a eleição em favor de
Luiza Erundina.
A incapacidade do centro em se constituir em uma força viável na cidade, um
pólo de atração para a convergência dos eleitores, é uma conseqüência direta do
esboroamento do PMDB paulistano. A eleição de 1988 é a última em que o
candidato do PMDB, no caso João Leiva, teve alguma chance de vitória, ainda que
remota, ao ensaiar uma arrancada no início da campanha.
Para afastar interpretações equivocadas e apressadas, cabe ressaltar que as
dificuldades do PMDB não decorreram da criação do PSDB. Por importantes que
fossem os quadros que o formaram, nas primeiras eleições que disputa na cidade,
o PSDB não colhe resultados, para colocar de forma gentil, dos mais
auspiciosos. O partido lançou candidato próprio em todas as eleições
municipais, todavia, até 2000, seus votos oscilaram entre 4,5% e 15,7%. O PSDB,
portanto, não herdou ou mesmo conquistou parte do eleitorado urbano do PMDB21.
Para adiantar um ponto a ser mais bem desenvolvido adiante: o PSDB penou para
conquistar seu lugar ao sol na cidade e só o fez após a o desmoronamento do
PDS-PP.
Nestes termos, a força relativa da direita e da esquerda deve ser entendida em
conjunto com as dificuldades do centro em mostrar sua viabilidade eleitoral. A
implosão do PMDB deixa um vácuo que o PSDB não ocupou. Por isto mesmo, a
polarização entre esquerda e direita, que ganhou corpo em 1988, repetiu-se nas
eleições seguintes. A diferença é que em 1992 e 1996 o pêndulo se inclinou à
direita. Com a vitória do PDS-PP em 1992, o controle sobre a prefeitura voltou
à direita. Se analisarmos apenas os resultados finais, isto é, se olharmos
apenas para o partido vitorioso, poderíamos concluir que o eleitorado
paulistano estaria oscilando entre os extremos. No entanto, a inferência não é
correta, uma vez que uma pequena margem separa ganhadores de perdedores.
O PDS-PP bateu o PT em 1992 em toda a cidade. E o fez porque, entre uma eleição
e a outra, o voto no partido cresceu. Contudo, este crescimento não deve ser
exagerado. Em 1988, o voto em partidos de direita, isto é, a soma dos votos no
PDS e no PL, chegou a 29,9% dos votos na cidade. Em 1990, no primeiro turno da
eleição para o governo estadual, já sem concorrentes no interior da direita,
Maluf atingira a casa dos 37,9% dos votos, a mesma votação que recebeu em 1992.
Há um crescimento entre 1988 e 1992, mas nada de fantástico.
Boa parte deste crescimento pode ser creditada à capacidade de o PDS-PP atrair
eleitores deixados sem opções em virtude da rápida decadência do PMDB. Antigos
eleitores do partido, especialmente os situados no centro do espectro
ideológico, não contaram com opções viáveis. A fragilidade das candidaturas de
centro em 1992 foi patente. O candidato de um PMDB já muito enfraquecido não
conseguiu decolar, apesar de ter crescido um pouco no início da campanha22,
enquanto o PSDB, combalido pelas seguidas derrotas, deixou as suas lideranças
de peso fora da disputa, apresentando um candidato desconhecido e sem maior
apelo. De fato, as alternativas disponíveis se reduziram ao PDS-PP e ao PT.
A votação no PT caiu entre uma eleição e outra. Erundina foi eleita com 29,8%
dos votos enquanto Suplicy passa ao segundo turno com 23,3% dos votos. Uma
perda considerável e significativa, sobretudo quando se leva em conta, como
notam Pierucci e Lima23 a partir da comparação dos resultados das duas eleições
por área homogêneas, que estas foram maiores nos estratos mais pobres da
população. De acordo com estes autores, a administração voltada para a
periferia não teria trazido consigo o esperado "reconhecimento dos moradores
dos bairros mais pobres e carentes"24. Ou seja, se a derrota do PT em 1992 pode
ser creditada à deserção de seus eleitores de 1988, esta ocorreu mais
fortemente nas camadas mais baixas, contrariando a tese de que a vitória do
PDS-PP se deveu a uma reação das classes altas e médias ao PT.
Entre 1985 e 1992, definem-se os principais contendores. Nenhum "nanico"
arranha o controle dos maiores partidos sobre o eleitorado. A disputa fica
restrita a poucos partidos, praticamente a dois, PDS-PP e PT. E assim ficou até
2000. O PDS-PP comandado por Paulo Maluf vence o embate no interior da direita,
inviabilizando a renovação pretendida por setores empresariais e se consolida
como a maior força eleitoral da cidade. Em vista dos resultados anteriores, o
sucesso da direita, a maior e mais consistente força eleitoral na cidade nos
anos 1990, não deveria surpreender. Ainda que tenha crescido, a chave para suas
vitórias foi dada por sua capacidade de reter seus eleitores. A coalizão de
centro-esquerda se desfaz sem que se constitua uma alternativa capaz de se
contrapor e derrotar a direita. O capital eleitoral do PMDB, após sua derrota
em 1985, evapora-se da noite para o dia. O PT qualifica-se como o principal
herdeiro da coalizão de centro-esquerda, mas o perfil do seu eleitorado oscila
nas eleições seguintes. Seu contorno mais claramente popular e oposicionista se
define ao longo dos anos 90.
AS ELEIÇÕES DE 1992 E 1996: A SUPREMACIA DA DIREITA
A dinâmica da campanha de 1992 é bem mais simples do que a verificada quatro
anos antes. Das candidaturas lançadas, só as do PDS-PP e do PT contam com um
patamar inicial de votos que as viabiliza, constituindo-se assim em pólos de
convergência para a coordenação dos eleitores dos demais partidos. O PDS-PP,
alavancado pelos eleitores tradicionais da direita, venceu a eleição para a
prefeitura contando com o apoio crucial dos eleitores do centro.
Recorrendo a nossa própria base de dados, temos condições de caracterizar de
forma mais precisa os contornos e as bases da competição eleitoral naquela
oportunidade. O Gráfico_1 sumariza a relação entre voto e características
sociais dos eleitores. Usando os dados do Cadastro Eleitoral, calculamos os
anos médios de educação por seção e calculamos os resultados das eleições de
acordo com esta variável25. Como se vê, a vitória do PDS-PP se deveu a um apoio
disseminado e majoritário entre todos os grupos. Maluf venceu em toda a
cidade26. A margem de vitória se amplia conforme as seções são compostas por
eleitores mais educados, mas não foi o voto dos mais ricos ou educados que
garantiu a vitória ao candidato do PDS-PP. Quanto ao PT, chama atenção o fato
de o apoio a Suplicy não apresentar uma relação forte com a educação média da
urna. O controle da prefeitura, corroborando as conclusões de Pierucci e Lima
citadas acima, não trouxe os votos almejados pelo partido na periferia.
Cabe um alerta quanto à interpretação do Gráfico_1 e dos demais a serem
apresentados. A distribuição dos eleitores de acordo com educação média da
seção não é uniforme. Antes o contrário. Há uma forte concentração de seções
com educação média entre seis e oito anos. Na realidade, 50% dos eleitores
votam em seções cujo grau de instrução médio está entre 6,2 e 8,7 anos de
educação. Por estes dados, fica patente que a educação média do eleitor
paulistano é baixa. Se recorrermos aos dados individuais de educação, teremos
que mais do que 40% dos eleitores informam não ter completado o primeiro grau,
enquanto apenas 26% afirmam ter concluído o segundo grau.
Para melhor caracterizar o eleitor de Paulo Maluf em 1992, sobretudo para
legitimar a interpretação de que venceu graças ao apoio de eleitores de direita
e de centro, recorremos à técnica desenvolvida por Gary King e associados para
estimar o voto dos eleitores do PDS-PP e do PT em 1992, na eleição presidencial
de 1994. Em que candidato à presidência votou o eleitor do PDS-PP em 1992? Como
se comportou o eleitor do PT? Votaram em Fernando Henrique ou em Lula? Nestas
duas oportunidades, a esquerda é representada pelo PT, enquanto a centro-
direita é representada por partidos distintos, PDS-PP na eleição para prefeito
e PSDB na presidencial. Os resultados obtidos confirmam nossas expectativas no
que se refere ao PDS-PP: 99% dos eleitores de Maluf votaram em Fernando
Henrique Cardoso para presidente. Contudo, não deixa de trazer algumas
surpresas no que se refere ao PT: dos eleitores de Suplicy, apenas 56,8%
votaram em Lula, enquanto 35,1% optaram pela candidatura tucana27.
A eleição de 1996 transcorre no interior do mesmo quadro. As candidaturas
viáveis são as mesmas de quatro anos antes: a do PDS-PP e a do PT. Uma vez
mais, como pode ser visto no Gráfico_2, o PDS-PP vence em todas as faixas
educacionais. A comparação entre os gráficos mostra que o partido ganhou votos
em todos os grupos. A exceção, ainda que não muito expressiva para o resultado
final em virtude do pequeno número de eleitores ali concentrados, fica para o
topo da pirâmide social. Com isto, a relação positiva entre apoio e educação é
levemente atenuada. Mas o ponto fundamental a reter é que o partido venceu e
cresceu de forma uniforme em todos os grupos sociais.
Comparando os gráficos_1 e 2, é possível notar uma alteração significativa nos
contornos do apoio ao PT. Este cresce nas seções com educação média mais baixa
e cai nas mais elevadas. Assim, a relação entre voto no partido e educação se
aproxima mais da esperada para um partido de trabalhadores. Não deixa de ser
paradoxal que este avanço se dê não quando o partido exerceu o poder, mas sim
quando na oposição. Ainda assim, não se deve perder de vista que, em função da
adoção da urna eletrônica, ocorreu uma forte queda na proporção de votos
brancos e nulos entre os dois pleitos. Nossas estimativas indicam que boa parte
dos votos inválidos em 1992 se deu entre os analfabetos e os que declaravam
apenas saber ler e escrever e que o PT recebeu a maioria destes votos em
199628. Em outras palavras, há indicações de que a maior penetração do PT entre
os menos escolarizados se deu por meio da mobilização de novos eleitores.
Tanto o PDS-PP como o PT - mais este do que aquele ó perdem votos no topo da
pirâmide social para o PSDB. Quanto a este partido, o Gráfico_2 deixa patente
sua dependência do voto dos mais escolarizados. O partido manterá esta
característica nos demais pleitos e é esta base sólida que lhe permitirá
reivindicar com sucesso a herança do voto no PDS-PP quando este se
desestrutura.
A análise da votação dos partidos em 1996 levando em conta o voto em 1992 não
deixa de trazer algumas surpresas. O eleitor do PDS-PP manteve-se fiel ao
partido: 66,10% dos eleitores de Pitta votaram em Maluf. O valor pode parecer
baixo, mas não se deve esquecer que a votação do partido cresce. Assim, se esta
proporção tiver como numerador os eleitores de 1992, veremos que a taxa de
fidelidade entres estes é de 86,5%29. Chama ainda mais atenção o fato de esta
taxa ser estável nas diferentes regiões da cidade e de acordo com a educação
média da seção. O partido cresce, agregando novos votos sem perder os eleitores
da eleição anterior. Rouba uma proporção considerável de eleitores do PT; algo
como um quarto dos eleitores do PT em 1992 vota, em 1996, em Celso Pitta, o que
não deixa de ser surpreendente, dados os estereótipos acerca do voto no
partido. De fato, a contribuição dos petistas de 1992 sobre a votação de 1996,
40,40% de acordo com os dados reproduzidos na tabela_1, indica que o PT reteve
uma proporção menor de eleitores do que o PDS-PP. Algo como 39,3% dos que
votaram em Suplicy em 1992 votaram em Erundina em 1996. As estimativas para
áreas específicas da cidade, no entanto, mostram variações significativas. A
taxa de fidelidade do PT é maior nas áreas mais carentes, chegando aí a 56,1%.
O partido perde eleitores tanto para o PSDB como para o PDS-PP, mas ganha
eleitores, sobretudo nas áreas mais carentes da cidade, do PMDB, dos partidos
menores e entre os votos inválidos. Fica claro que as bases do recrutamento do
PT estão se alterando e que o partido está ganhando uma cara mais nitidamente
popular.
Perante o sucesso das candidaturas do PSDB ao governo do estado e à presidência
em 1994, quando os candidatos do partido são os mais votados na cidade de São
Paulo, nas duas disputas, o mau desempenho do partido em 1996 pede uma
discussão mais detalhada, oferecendo uma ótima oportunidade para esclarecer os
parâmetros assumidos pela competição eleitoral no município. Fica claro que a
fragilidade do centro a que nos referimos acima deve ser contextualizada e
relacionada à estratégia dos demais jogadores. Em 1994, tanto Mário Covas
quanto Fernando Henrique Cardoso não têm competidores de peso à direita. Paulo
Maluf, acontecimento raríssimo, ficou de fora do pleito. Exercendo a
prefeitura, nem sequer se empenhou em transferir sua força eleitoral aos
candidatos que apóia. Ou seja, o sucesso do centro em 1994 esteve diretamente
relacionado à ausência de competidores à direita. Na verdade, esta ausência é
praticamente total no que se refere à presidência. Não será outra a razão do
sucesso do partido nas eleições municipais de 2004.
Em 1996, o contexto da disputa foi radicalmente diverso. Ante a indecisão de
José Serra em abandonar o ministério, o PSDB acabou por encontrar o espaço
literalmente ocupado. A hesitação custou caro. Quando efetivamente entra na
competição, o PSDB encontra as "tradicionais" candidaturas do PDS-PP e do PT
consolidadas. Como mostra a pequena variação do apoio ao candidato do partido
nas pesquisas de opinião, não havia mais espaço para a viabilização da sua
candidatura.
A comparação entre o apoio recebido pelo PDS-PP em 1992 e 1996 e a candidatura
presidencial do PSDB em 1994 e 1998 permite uma melhor caracterização das
linhas do embate eleitoral na cidade. Nesses quatro episódios, eleitores de
centro-direita se agruparam em torno de uma candidatura enquanto os de
esquerda, representados pelo PT, ficam do lado oposto. Assim, se construirmos
gráficos análogos aos gráficos_1 e 2 para as eleições presidenciais, veremos
que as curvas para o PDS-PP e o PSDB, por um lado, e as para o PT, por outro,
são paralelas quando não se sobrepõem30.
A evolução da disputa ao longo dos anos 1990 leva a uma demarcação cada vez
mais clara entre uma coalizão de centro-direita e uma de esquerda.
Inicialmente, o PT conta com o apoio de parte do centro, mas este, com o tempo,
pende para a direita. A clivagem PSDB-PT na política nacional, com certeza,
contribui para esta depuração da esquerda e maior identificação do PSDB com o
PDS do ponto de vista de seu apoio eleitoral. O cruzamento dos votos entre os
segundos turnos de 1992 e 1996 deixa patente esta evolução. O PDS-PP retém
praticamente a totalidade de seus eleitores nestes dois pleitos (80,2% dos seus
votos em 1996, para sermos precisos), sem deixar de ganhar uma parcela
considerável de eleitores do PT (15,4% dos seus votos). Um quarto dos eleitores
do PT no segundo turno de 1992 deixa de votar no partido na eleição seguinte,
mas estas perdas são compensadas entre os votos inválidos31.
AS ELEIÇÕES DE 2000 E 2004: A REDEFINIÇÃO DA DISPUTA
O quadro se altera em 2000. O PDS-PP enfrenta uma grave crise por causa das
denúncias de corrupção no interior da máquina administrativa. O resultado é a
erosão do apoio ao partido que, do ponto de vista da eleição, redundou na
abertura de um espaço para que outros partidos desafiassem sua hegemonia sobre
o bloco de votos da centro-direita na cidade. A evidência mais patente desta
fissura é dada pelo lançamento de uma candidatura própria do PFL, ausente das
demais disputas, representado então pelo senador Romeu Tuma. No outro lado do
espectro, ainda que pela primeira vez, com o lançamento da ex-prefeita Erundina
pelo PSB, o PT tenha enfrentado alguma competição efetiva pelo domínio sobre o
eleitorado de esquerda, este se mantém, basicamente, sob o controle do partido.
Em resumo, o que estava em jogo é quem se habilitaria a enfrentar o PT no
segundo turno, e três partidos disputam esta vaga: o próprio PDS-PP e os
"desafiantes" PFL e PSDB. Que o PDS-PP tenha vencido esta disputa em condições
tão adversas é a prova de sua força entre o eleitorado deste bloco.
As estimativas dos votos em 2000, dado o voto em 1996, são apresentadas na
tabela_2 abaixo. Sabemos que o PDS-PP perdeu votos. Ainda assim, o que lhe
restou de apoio deveu-se a eleitores fiéis. Os eleitores do partido em 1996
migram e favorecem fortemente o PFL, cuja votação, praticamente, se resume a
ex-eleitores do PDS-PP e para o PSDB. Mas cabe notar: estes eleitores não
cruzaram a linha que os separa da esquerda.
A votação no PT cresceu, recebendo novos eleitores de todos os grupos, exceção
feita ao PDS-PP. Não deixa de ser considerável a contribuição relativa ao PT
dos votos dados anteriormente a pequenos partidos, correspondendo a algo como
um quarto do voto do partido em 2000. Note-se ainda que, de fato, o PSB
conseguiu roubar eleitores do PT, na realidade, a sua única fonte de votos.
Por último, cabe frisar a composição do voto no PSDB. As estimativas
apresentadas indicam que, ainda que tenha tido votação muito similar nos dois
pleitos, o partido alterou sua base de apoio. Mais da metade de seus eleitores
em 2000 são ex-eleitores do PDS-PP. Uma parcela de seus eleitores na eleição
anterior vota no PT e outros tantos buscaram alternativas em outros partidos.
Sabemos que o PDS-PP, apesar das baixas sofridas, conseguiu resistir ao ataque,
passando ao segundo turno. Contudo, a comparação entre o Gráfico_2 e o Gráfico
3 indica que cada um de seus "desafiantes" roubou eleitores em faixas diversas.
Paradoxalmente, as baixas da disputa no interior da direita são maiores entre
os eleitores menos educados, enquanto o PSDB continua a minar a força do PDS-PP
entre os mais abastados.
Contudo, o maior beneficiário desta disputa renhida pelo passivo do PDS-PP é o
PT, que, como mostra o mesmo Gráfico_3, registra um crescimento expressivo em
todas as camadas. O desempenho do partido nas seções com educação média e alta
situa-se bem acima do verificado nas eleições anteriores. Entre os eleitores
com esta característica, o apoio ao PT em 2000 só é comparável ao que recebera
no segundo turno de 1992. Com isto, da mesma forma como se dera em 1992 e 1996
com os candidatos do PDS-PP, a candidata do PT é a mais votada no primeiro
turno em praticamente toda a cidade. A exceção fica por conta das seções em que
se concentram os eleitores com maior educação, mais precisamente nas seções em
que a educação média excede dez anos de estudos, seções que correspondem a
apenas 10% dos eleitores, onde a vitória coube ao PSDB.
Quando estimamos o destino dos eleitores dos partidos derrotados no primeiro
turno, encontramos os resultados esperados. Na esquerda, como seria de se
esperar, os eleitores do PSB "voltaram" ao PT, enquanto, na direita, os
eleitores do PFL "voltaram" para o PDS-PP. De interesse para a análise, na
realidade, foi o comportamento dos eleitores do PSDB. De acordo com nossos
resultados, 52,1% deles votaram no PT e 28,4% votaram no PDS-PP. Ou seja, as
evidências apontam que o eleitor do centro, dessa feita, mostrou maior apoio à
esquerda, sobretudo quando lembramos que, em 1996, 51,7% dos eleitores do
primeiro turno no PSDB haviam vindo do PDS-PP. Nem todos os eleitores que
trocaram o PDS-PP pelo PSDB em 2000 voltaram para o PDS-PP no segundo turno32.
Em 2004, ainda que o PDS-PP volte a apresentar sua candidatura, o processo de
desarticulação das suas bases eleitorais já se encontrava em estágio avançado.
A candidatura Paulo Maluf, em nenhum momento, teve qualquer chance real de
decolar. Na realidade, dessa feita, não há no interior da centro-direita.
Dentre os grandes partidos, apenas o PSDB lançou candidato. A disputa municipal
reedita a disputa de 2002 no plano nacional e estadual. É interessante notar
que, naquela oportunidade, o PT, na eleição presidencial, bateu o PSDB na
cidade, enquanto as posições se inverteram na eleição para o governo estadual.
O crescimento do PSDB, como mostra a Tabela_3, se deveu a um recrutamento de
eleitores de todos os partidos. Em primeiro lugar, o partido reteve
integralmente seus eleitores do último pleito. Outra fonte importante de votos
são os eleitores que haviam votado no PT em 2000, seguida de um contingente
significativo de eleitores do PDS-PP. A análise conjunta destes dados com os do
Gráfico_4, inserido abaixo, indica que a perda de votos do PT para o PSDB se
deu entre os eleitores mais educados. A composição do voto petista em 2004 se
resume fundamentalmente a duas origens: eleitores do PSB e do próprio PT. Com
isto, acentua-se a penetração do partido entre as camadas menos educadas.
O Gráfico_4 mostra que a polarização PSDB-PT é evidente. O PSDB confirma sua
maior presença entre os mais educados, enquanto o PT acentua sua entrada entre
os eleitores de mais baixa renda. Em 2000, as curvas de apoio ao PSDB e PT
cruzavam no quartil das seções com educação média mais elevada. Em 2004, a
força dos partidos se equilibra nas seções com seis anos e meio de educação
média, sendo que 40% dos eleitores votam em seções com educação média abaixo
deste valor. O PSDB, portanto, se comparado ao seu desempenho em 1996, avança
sobre o eleitorado com educação média, como mostra o Gráfico_4, e ganha uma
cara mais popular do que nos pleitos anteriores.
Contraditoriamente, do ponto de vista do apoio dos eleitores aos partidos, o
conflito PSDB-PT é mais polarizado do que fora o PDS-PP-PT. E isto se deve a
uma conjunção de fatores. De um lado, a penetração do PSDB entre os eleitores
mais educados é maior do que a do PDS-PP, tendência que já havia se manifestado
na eleição de 1996. O mesmo pode ser dito de outra forma: a contrapartida do
enraizamento do PSDB é a maior dificuldade para o crescimento do PT entre estes
eleitores. Na outra ponta da distribuição, temos o outro lado da moeda. A
retirada do PDS-PP de cena reverte em um aprofundamento da penetração do PT
entre os eleitores de baixa renda e em uma maior dificuldade do PSDB em crescer
entre estes.
Cabe relembrar que o gráfico distorce o quadro na medida em que nos seus dois
extremos, tanto nas seções com educação média mais baixa quanto nas com mais
alta, o número de eleitores é menor. Se organizarmos os mesmos dados de forma
diferente, acumulando eleitores e votos das seções com educação média mais
baixa para a mais alta, veremos que o PT mantém a dianteira sobre o PSDB em uma
parcela considerável das seções. A distância que separa os dois partidos é da
ordem de 20% no início da distribuição e diminui para menos de 10% somente ao
se atingirem as seções com 6,5 anos médios de estudo, quando a votação do PSDB,
seção a seção, ultrapassa a do PT. No entanto, há uma considerável desvantagem
a ser descontada. A força dos partidos só se equilibra nas seções com 8,7 anos
de educação média e, a partir daí, cresce a diferença em favor dos tucanos.
Assim, nos quatro decis iniciais, o PT vence; o PSDB recupera-se e tira a
diferença nos quatro decis seguintes e, após equilibrar a disputa, dá uma
arrancada nos dois decis finais. O cenário não foi muito diverso no segundo
turno. Assim, ainda que o PSDB vença, sua vantagem está longe de ser folgada.
CONCLUSÃO
A alternância no poder entre a direita e a esquerda, verificada entre 1988 e
2000, foi ditada pelo fortalecimento concomitante destas duas forças, cuja
resultante é a incapacidade do centro em apresentar candidaturas viáveis após o
esfacelamento, já em 1988, do PMDB paulistano. Ainda assim, são os eleitores de
centro que decidem as eleições, inclinando-se ora à direita, ora à esquerda.
Na realidade, não é correto falar em fortalecimento da direita, uma vez que sua
força eleitoral manteve-se relativamente constante entre 1982 e 1996. É certo
que o controle sobre este eleitorado foi objeto de disputa após a
redemocratização. O PDS, comandado por Paulo Maluf, se mostrou capaz de vencer
os desafiantes. Quanto ao PT, de fato, verifica-se um crescimento e um
aprofundamento da sua penetração junto ao eleitorado de mais baixa renda. No
que tange ao centro, seu esvaziamento e fragilidade relativa se deram como
conseqüência da perda de força do PMDB e a incapacidade do PSDB, espremido
pelas estratégias bem-sucedidas de seus opositores, de se estruturar na cidade.
Uma alternativa a partir do centro só se mostrará viável na última eleição do
período, em 2004, quando já ia bem avançado o declínio do PDS-PP. Nestes
termos, a última eleição para a prefeitura da capital de São Paulo discrepa das
demais. O enfraquecimento do PDS-PP é a causa desta transformação. Resta saber
se a direita encontrará outra liderança capaz de organizar seus eleitores.
Considerando as seis eleições em conjunto, a direita e a esquerda foram as
grandes vencedoras. Candidatos de partidos de direita (PTB e PDS-PP) vencem
três das sete eleições disputadas. O PDS-PP é o segundo mais votado em outras
duas eleições. O PT, representante hegemônico da esquerda, obtém duas vitórias
e participa de todos os segundo turnos. O centro, representado inicialmente
pelo PMDB e depois pelo PSDB, é o mais fraco dos competidores. Vence apenas a
última eleição, aproveitando-se do espaço deixado pelo esfacelamento do PDS-PP.
A ascensão do PSDB é uma conseqüência direta da retirada de cena do PDS-PP. Na
disputa entre PSDB e PT, o primeiro tem levado vantagem sobre o segundo, tendo
sido derrotado em um confronto direto apenas na eleição presidencial de 2002,
quando José Serra perde de Lula nos dois turnos na cidade. Nos demais embates,
o PSDB derrotou o PT na cidade. O rol de vitórias inclui a de Alckmin sobre
José Genoíno (nos dois turnos) em 2002, a de Serra sobre Mercadante na eleição
para o governo do estado em 2006, e também nos dois turnos da eleição
presidencial do mesmo ano. No entanto, a maioria destas disputas tem mostrado
um equilíbrio de forças. Ou seja, a vantagem do PSDB não lhe garante a vitória
de antemão, sobretudo porque a competição PSDB-PT é mais equilibrada nas seções
em que se concentra a maioria dos eleitores. Uma pequena perturbação na
distribuição das preferências das seções com educação mediana pode decidir a
eleição.
[1] Texto desenvolvido no interior do Centro de Estudos da Metrópole,
financiado pela Fapesp. Agradecemos a Ivan Borin, que gentilmente nos cedeu os
dados da eleição de 1992, e a Angela Alonso, Rogério Schlegel e Fernando
Guarnieri pela atenta leitura. Contamos com o auxílio de Sérgio Simoni Júnior e
Andreza Davidian na organização dos dados.
[2] Para evitar problemas com as metamorfoses do PDS, rebatizado de PPR, PPB e
PP, de agora em diante o chamaremos convenientemente de PDS-PP.
[3] Para uma exposição e discussão do método empregado, ver King, Gary. A
solution to the ecological inference problem. Princeton: Princeton University
Press, 1997; e Tanner, Martin T. e outros. Ecological
inference. New methodological strategies. Nova York: Cambridge University
Press, 2004.
[4] Bordão usado por Ernesto Varela (Marcelo Tas) na ocasião em que o candidato
Rivailde Ovídio não compareceu, no dia da eleição, à entrevista agendada com
ele. Somente para avivar a memória dos mais velhos, o programa na TV do
candidato Rivailde se resumia à pergunta: "Onde está você, Franco Montoro?" .
[5] Para não truncar o texto, dados de referência foram deixados de fora da
versão final do artigo. O leitor interessado encontrará dados completos em
www.centrodametropole.org.br/comportamentoeleitoral.htm.
[6] Eduardo Suplicy obteve, respectivamente, 13,6% e 24,4% na região mais rica
e na mais pobre da cidade. (Ver Lamounier, Bolívar e Muszynscki, Judith. "A
eleição de Jânio Quadros". In: Lamounier, Bolívar (org.). 1985: o voto em São
Paulo. São Paulo: Idesp, 1986, tabela 4, p. 10). Rachel
Meneguello nota que a votação do PT em 1982 foi maior na Zona Leste da cidade,
mais especificamente nas regiões fronteiriças com o ABC (PT: A formação de um
partido [1979-1982]. São Paulo: Paz e Terra, 1989, p. 157).
[7] Lamounier e Muszynscki, op. cit., p. 9.
[8] Meneguello, Rachel e Alves, Ricardo M. Martins. "Tendências eleitorais em
São Paulo (1974-1985)". In: Lamounier, B. (org.). 1985: o voto em São Paulo,
op. cit., p. 98.
[9] Reproduzimos aqui o argumento desenvolvido por Figueiredo, Argelina e
outros. "Partidos e distribuição espacial do voto na cidade de São Paulo".
Novos Estudos Cebrap, nº 64, pp. 153-160.
[10] Lamounier, B. "O voto em São Paulo, 1970-1978". In: Lamounier, B. (org.).
Voto de desconfiança. Rio de Janeiro: Vozes, 1980, p. 16.
[11] Carvalho, Orlando de. "Ensaios de sociologia eleitoral". Revista
Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, 1958; e
Soares, Gláucio A. D. Sociedade e política no Brasil. São Paulo: Difusão
Européia do Livro, 1973.
[12] Ver, por exemplo, Lamounier, B. e Muszynscki, J. "São Paulo, 1982: a
vitória do (P)MDB". Textos Idesp, nº2, 1983, p. 14.
[13] Lamounier recorre à marginalidade objetiva para explicar o voto de direita
em 1978 entre os mais pobres ("O voto em São Paulo, 1970-1978", op. cit., p.
79). Para Lamounier e Muszynscki, a marginalidade subjetiva explicaria o apoio
à direita em 1985 ("A eleição de Jânio Quadros", op. cit., p. 21); ao passo que
para Pierucci e Coutinho o anti-petismo irradiado a partir dos bairros mais
abastados explicaria o voto de direita em 1990 e 1992 (Pierucci, A. F. e Lima,
M. C. de. "A direita que flutua". Novos Estudos Cebrap, nº 29, 1991, p. 23; idem. "São Paulo 92, a vitória da direita". Novos Estudos
Cebrap, nº 35, 1993, pp. 96).
[14] Em um calendário eleitoral que prevê eleições a cada dois anos, Maluf só
não se candidatou duas vezes, em 1994 e 1996, sendo que nesta última
oportunidade colou-se ao candidato que lançou. Venceu na cidade em 1990, 1992,
1996 e 1998. Para estes números, consultar a página do artigo citada na nota 5.
[15] Para os detalhes desta campanha, consultar Ferrari, Levi e Costa, Vicente
da. "Uma análise da Campanha". In: Sadeck, Maria Tereza. Eleições 1986. São
Paulo: Vértice, 1989. Só para avivar a memória: partiu de
Maluf a acusação de que Ermírio recorria a trabalho escravo em suas fazendas.
[16] A diferença com o PDS-PP é que a estratégia do PT foi nacional e não
estadual. O PT lançou sistematicamente candidatos ao governo estadual em todos
os estados, mesmo onde suas chances eram mínimas.
[17] Ver Folha de S. Paulo, 16/11/1988, p. A2.
[18] Pierucci e Lima, "A direita que flutua", op. cit., p. 21.
[19] Ibidem, pp. 21- 22.
[20] A seguinte observação dos autores (ibidem, p. 22) não deve ser perdida:
"Aliás, nas duas Áreas Homogêneas mais pobres, todos os concorrentes perdem
votos para Erundina nos instantes finais da decisão, menos o PMDB de Quércia,
que na AH 5 se mantém com 21%, sua taxa mais alta em toda a cidade na eleição
de 1988".
[21] Na eleição presidencial de 1989, Mário Covas é o mais votado no primeiro
turno na cidade, mas esta é uma eleição com alta fragmentação em São Paulo.
Além disso, o seu apoio é mais forte nas áreas mais ricas da cidade (Ver
Singer, André. "Collor na periferia: a volta por cima do populismo?". In:
Lamounier, B. (org.). De Geisel a Collor: o balanço da transição. São Paulo:
Sumaré, 1990, p. 143). Deve ser notado ainda que, mesmo tendo
vencido as eleições para o governo estadual em 1994 e 1998, o partido teve
desempenho sofrível na capital.
[22] Ainda assim, o seu apoio entre os eleitores mais pobres não deixa de ser
considerável, rivalizando com o PT.
[23] Pierucci e Lima, "A direita que flutua", op. cit., p. 22; e idem, "92, a
vitória da direita", op. cit., p. 97.
[24] Idem, "92, a vitória da direita", p. 98. Se a base de comparação forem os
resultados da eleição para o governo estadual, então se deve falar em
recuperação do partido. A votação de Plínio Arruda Sampaio na cidade não passou
de magros 10,1%. Os resultados das eleições para o governo estadual na cidade
podem ser encontrados na página citada na nota 5.
[25] Os dados foram agregados para cada 0,1 ano médio de educação.
[26] A afirmação se sustenta por todos os critérios de agregação que testamos,
sejam geográficos, sejam socioeconômicos.
[27] Os resultados completos desta análise estão disponíveis na página citada
na nota 5.
[28] Uma vez mais, deixamos os detalhes de lado. Os resultados podem ser
consultados na página do artigo citada na nota 5.
[29] As estimativas da Tabela_1 e as demais do mesmo tipo foram obtidas por
meio do modelo desenvolvido por Gary King e associados, usando o pacote Zelig
(Imai, King and Lau e Jason, disponível em <http://gking.havard.edu/zelig>,
acessado em 30/ 06/2008) em R.
[30] Consultar a página citada na nota 5 para os dados completos.
[31] Uma vez mais, o leitor interessado em detalhes e informações suplementares
deve consultar a página citada na nota 5.
[32] Uma vez mais, o leitor interessado em consultar a tabela completa deve
acessar a página citada na nota 5.