Ação afirmativa e a rediscussão do mito da democracia racial no Brasil
A construção da nação brasileira está estruturada dentre outras coisas a
partir do mito da democracia racial. Uma parcela expressiva da sociedade
brasileira compartilha a crença de ter construído uma nação diferentemente
dos Estados Unidos e da África do Sul, por exemplo não caracterizada por
conflitos raciais abertos. Além disso, imagina-se que em nosso país as
ascensões sociais do negro e do mulato nunca estiveram bloqueadas por
princípios legais tais como os conhecidos Jim Crow e o Apartheid dos referidos
países. Para os que imaginam e advogam a singularidade paradisíaca brasileira,
isto significa dizer que o critério racial jamais foi relevante para definir as
chances de qualquer pessoa no Brasil. Em outras palavras, ainda é fortemente
difundida no Brasil a crença de que a cultura brasileira antecipa a
possibilidade de um mundo sem raças. Numa nação imaginada como democrática na
questão racial, e erigida a partir desta crença, o que significa propor ações
afirmativas para a população negra? Este artigo tem, nesta pergunta, o seu eixo
central.
A primeira parte terá por escopo apresentar o que entendemos como
características centrais da sociedade brasileira quando se trata de relações
raciais: o mito da democracia racial e o ideal de embranquecimento. De
consciência dessas idéias que têm formado o Brasil torna-se inevitável
conforme acreditamos colocar o problema norteador deste artigo. Na segunda
parte apresentaremos as propostas de ação afirmativa; ao abordá-las, faz-se
necessário uma aproximação, mesmo que rápida, com o contexto norte-americano,
que nos tem servido de comparação. No terceiro e último tópico deste artigo,
apresento o significado das políticas de ação afirmativa no Brasil, a saber, a
rediscussão do mito da democracia racial a partir do desenvolvimento de um
sentimento de pertencimento a um grupo racial e, conseqüentemente, a construção
de identidades negras.
Democracia Racial e o Ideal de Embranquecimento: Desafios para a Implementação
de Ações Afirmativas no Brasil
A crença no mito da democracia racial é estruturante do sentimento de
nacionalidade brasileiro, a ponto de operar uma rara concordância valorativa
entre as diferentes camadas sociais que formam a sociedade nacional. A título
de exemplo, em pesquisa realizada no Distrito Federal, acerca do perfil
valorativo de brasileiros agregados a partir da renda familiar, nível de
escolaridade e local de moradia, Souza (1997) constatou que entre os
brasileiros que compõem a camada/classe média e os que formam a camada/classe
baixa existe uma clara linha demarcatória em relação ao preconceito contra a
mulher, ao pobre, ao nordestino e aos homossexuais; de tal forma que entre os
primeiros essas formas de preconceito apresentam um baixo índice, enquanto
entre os últimos apresentam um alto índice. A conclusão da pesquisa é que o
preconceito em relação à mulher, ao pobre, ao nordestino e aos homossexuais é
inversamente proporcional ao rendimento, ao grau de escolaridade e à qualidade
de vida proporcionada pelo local de moradia. Porém, o interessante vem no que
segue: enquanto nas referidas formas de preconceito há uma nítida separação
entre classe média alta e classe baixa, o mesmo não se aplica quando se
investiga o preconceito racial. Em vez da separação valorativa, encontramos uma
concordância entre esses dois segmentos na condenação do preconceito racial e
na valorização da miscigenação. A referida pesquisa constatou que tanto entre
classe média alta quanto entre a classe baixa o índice de discordância em
relação às seguintes perguntas eram significativamente altos: "o negro só
é bom em música e esporte?'' e "alguns cientistas afirmam que os brancos
são mais inteligentes que os negros" (Souza, 1997:117-143). Obviamente, a
conclusão a que podemos chegar não é que não existe preconceito racial no
Brasil, mas que o brasileiro tem "preconceito de não ter
preconceito", como assinalou Florestan Fernandes (1972:23-26). Daí, então,
a necessidade de não confundir o ato de responder a um questionário, quando
freqüentemente todos os entrevistados expressam muito mais um desejo, com a
prática que muitos destes entrevistados possam ter. Ou seja, é necessário estar
atento à distância que existe entre a fala consciente, no caso daqueles que
estão respondendo a um questionário, e a prática e a fala cotidiana que muitas
vezes não são avaliadas pela consciência.
O mito da democracia racial ganhou sua elaboração acadêmica e alcançou o seu
clímax por meio de Gilberto Freyre em seu Casa Grande & Senzala (1933), uma
obra que viria a moldar a imagem do Brasil. Embora Freyre destaque o caráter
sadomasoquista da cultura brasileira, o sadismo da casa-grande personificado no
senhor de engenho e o masoquismo da senzala materializado na figura do escravo,
o tom da sua obra é de otimismo em relação a um ambiente social gestado durante
a fase colonial brasileira que favorece e é propício à ascensão social do
mulato, tipo que tenderia a caracterizar num futuro próximo o Brasil. No mulato
visualizaríamos o que Gilberto Freyre chamou de processo de equilíbrio de
antagonismos, a saber, "a fusão harmoniosa de tradições diversas, ou antes
antagônicas, de cultura". O resultado desse equilíbrio de antagonismos,
que se materializa, sobretudo, na figura do mulato, é que "não se pode
acusar de rígido, nem de falta de mobilidade vertical o regime brasileiro, em
vários sentidos sociais um dos mais democráticos, flexíveis e plásticos"
(Freyre, 1992:52).
O mito da democracia racial não nasceu em 1933, com a publicação de Casa-Grande
& Senzala, mas ganhou, através dessa obra, sistematização e status
científico para os critérios de cientificidade da época. Tal mito tem o seu
nascimento quando se estabelece uma ordem, pelo menos do ponto de vista do
direito, livre e minimamente igualitária. Assim, tanto a Abolição quanto a
proclamação da República foram condições indispensáveis para o estabelecimento
do referido mito, sem esses dois acontecimentos não se poderia falar em
igualdade entre brancos e negros no Brasil: "tal mito não possuiria
sentido na sociedade escravocrata e senhorial [...]. Que igualdade poderia
haver entre o 'senhor', o 'escravo' e o 'liberto'?" (Fernandes, 1965:199).
Além dessa condição legal, foi de suma importância para a construção do mito da
democracia racial o diálogo entre abolicionistas brasileiros e norte-
americanos, no século XIX, em que se identificava a sociedade brasileira como
paradisíaca frente ao inferno racial que era a sociedade norte-americana:
Duvido que tenha jamais existido um povo mais tiranizado, mais
desavergonhadamente pisado e impiedosamente usado, do que as pessoas
livres de cor destes Estados Unidos. Mesmo um país católico como o
Brasil [...] não trata as suas pessoas de cor, livres ou escravas, do
modo injusto, bárbaro e escandaloso como nós as tratamos [...]. A
América democrática e protestante faria bem em aprender a lição de
justiça e liberdade vinda do Brasil católico e despótico. (Douglas
apud Azevedo, 1996:155)
O mito da democracia racial apoiava-se, e ainda se apóia, na generalização de
casos de ascensão social do mulato; este, nas palavras de Carl Degler,
encontrara uma "saída de emergência", o que significa dizer que se
desenvolveu um reconhecimento social do mestiço no Brasil. Todavia, a
assimilação e reconhecimento social do mestiço ocorria à custa da depreciação
dos negros. O que está por trás deste mecanismo brasileiro de ascensão social é
a concordância da pessoa negra em negar sua ancestralidade africana, posto que
está socialmente carregada de significado negativo. Ironicamente, dentro deste
contexto da "saída de emergência", os casos de ascensão social de
pessoas de cor não enriqueciam o grupo social dos negros, uma vez que as
pessoas de cor que ascendiam eram encaradas como "negros de alma
branca" (Fernandes, 1965).
A "saída de emergência" do mestiço é um fato que não tem analogia com
o modelo de relações raciais que se desenvolveu nos Estados Unidos. A diferença
entre estas duas nações não residiria na presença e na ausência de relações
sexuais entre os grupos raciais, senão na classificação social. Embora se
encontrem mulatos nos Estados Unidos, estes não são reconhecidos em uma
categoria à parte, uma vez que o modelo de classificação racial daquele país se
baseia na regra da hipodescendência.1 Por volta de 1860, por exemplo, a
população negra desse país era formada por 11% de mulatos e, em 1910, esse
índice correspondia a 21% (Marx, 1996:15; Skidmore,1976: 87). Do ponto de vista
classificatório, portanto social, o que se tem é, por um lado, uma nação
cindida em duas categorias raciais e, por outro, uma nação que reconheceu o
meio-termo, logo composta de um sistema classificatório múltiplo: "a
presença do mulato não apenas espalha as pessoas de cor na sociedade, mas ela
literalmente borra e, portanto, suaviza a linha entre preto e o branco"
(Degler, 1971:233). Ora, é inegável que o mulato tenha encontrado essa saída de
emergência, daí a multiplicidade classificatória que tem caracterizado o
Brasil. O problema foi identificar isso com uma ordem democrática a fazer
inveja ao mundo, uma vez que, conforme se acreditava, o paraíso era aqui.
Todavia, se o paraíso era aqui, era apenas para aqueles que conseguiram ser
assimilados, via miscigenação, pela sociedade brasileira, não o sendo para o
negro que tinha que enfrentar os dramas da exclusão na mesma sociedade. O mito
da democracia racial implicava um ideal de homogeneidade racial, o que
significa que os racialmente diferentes não são bem vistos, posto que desafiam
este ideal brasileiro.
O mito da democracia racial ainda vinha acompanhado da crença de que as
relações raciais no Brasil teriam sido mais humanas do que as encontradas nos
Estados Unidos por exemplo, posto que aqui teríamos encontrado um senhor
benevolente (Harris apud Skidmore, 1976:237). Todavia, os dados do período
escravista sobre mortalidade infantil, alforria e expectativa de vida têm
demonstrado que o mito do senhor benevolente também não encontra
correspondência com a realidade (Marx, 1996:12-3; Degler, 1976:79-88).
Ao lado do mito da democracia racial, arquitetou-se no Brasil o ideal do
branqueamento como uma política nacional de promoção da imigração européia que
visava suprir a escassez de mão-de-obra resultante da Abolição e modernizar o
país através da atração de mão-de-obra européia (Skidmore, 1976; Santos, 1997).
A tese do branqueamento, compartilhada pela elite brasileira, era reforçada, de
um lado, por uma evidente diminuição da população brasileira negra em relação à
população branca devido, entre outros fatores, a uma taxa de natalidade e
expectativa de vida mais baixas e, por outro lado, devido ao fato de a
miscigenação produzir uma população gradualmente mais branca. Assim, segundo
dados do IBGE, em 1890, havia 44% de brancos, 41,4% de mulatos e 14,6% de
negros; em 1950, havia 62% de brancos, 27% de mulatos e 11% de negros
(Skidmore, 1976:62; Hasenbalg, 1979:150). Apesar de toda desconfiança e dúvidas
quanto às categorias branco/mulato/negro e sobre a metodologia utilizada, somos
levados, pelos dados, a concluir que no referido período houve uma modificação
racial do país rumo ao embranquecimento.
O ideal de embranquecimento pressupunha uma solução para o problema racial
brasileiro através da gradual eliminação do negro, que seria assimilado pela
população branca. Nesse processo, a mestiçagem era apenas um processo; logo,
era tomada como transitória. Quanto a este aspecto, é reveladora a opinião de
João Batista Lacerda, diretor do Museu Nacional, ao apresentar um relatório
intitulado "Os Métis ou Mestiços no Brasil" no I Congresso
Universal de Raças, em 1911, em Londres:
[...] já se viram filhos de métis apresentarem, na terceira geração,
todos os caracteres físicos da raça branca. [alguns] retêm uns poucos
traços da sua ascendência negra por influência do atavismo [...],
[mas] a influência da seleção sexual [...] tende a neutralizar a do
atavismo, e remover dos descendentes dos métis todos os traços da
raça negra [...] Em virtude desse processo de redução ética, é lógico
esperar que no curso de mais um século os métis tenham desaparecido
do Brasil. Isso coincidirá com a extinção paralela da raça negra em
nosso meio. (apudSkidmore, 1976:83)
Tanto o mito da democracia racial quanto o ideal de branqueamento ganham uma
leitura popular, compartilhada pela maioria dos brasileiros por toda a extensão
geográfica do país. A partir de uma rápida alusão a Benedict Anderson (1983),
poderíamos dizer que a comunidade que denominamos Brasil se imagina, entre
outras coisas, a partir dos referidos ideais.
Não constitui nenhuma novidade dizer que uma significativa maioria dos
brasileiros reconhece-se como "misturados", assim como valorizam essa
"mistura". O que ocorre quando se ressalta e valoriza essa mestiçagem
é que há uma confusão da "mistura racial no plano biológico com as
interrelações raciais no sentido sociológico. Supondo que a primeira ocorreu
sem conflito [...] sugerem que as últimas também existiram sem conflito"
(Hasenbalg, 1995:358).
Quanto ao ideal de branqueamento, ele é incorporado pela população e se
apresenta através de uma desvalorização da estética negra e, em contrapartida,
uma valorização da estética branca. Além disso, esse ideal apresenta-se como
uma tentativa de "melhorar" a raça através de casamentos mistos.
Sendo que "quando o filho do casal misto nasce branco, também se diz que o
casal teve 'sorte'; quando nasce escuro, a impressão é de pesar"
(Nogueira, 1985:84).
O mito da democracia racial, juntamente com o mito do senhor benevolente e a
política de branqueamento desenvolvida no país teve algumas conseqüências
práticas.
Primeira conseqüência: desenvolveu-se a crença de que não existem raças no
Brasil, uma vez que por raça se entende agrupamentos humanos que compartilham
certas características hereditárias que não são partilhadas por nenhum outro
agrupamento humano, tais como cor da pele, tipo de cabelo, formato do nariz,
porte físico. Assim, a inexistência de raças no Brasil decorreria do processo
de miscigenação que diluiu as supostas "essências" naturais originais
das três raças que fundaram a população brasileira. Tal interpretação supõe uma
essência biológica possível de ser encontrada em outras partes, mas não no
Brasil. Neste sentido, imagina-se que o Brasil inaugura a possibilidade de um
mundo sem raças (Gilroy, 2001:9). Este excepcionalismo faz do brasileiro
orgulhoso de si mesmo, a ponto de querer ensinar lições às nações ainda
marcadas pelo racismo.
Entretanto, essa recusa de reconhecer raças no Brasil é uma recusa estratégica
que ocorre somente em momentos de conceder eventuais benefícios àqueles que são
identificados como membros do grupo de menor status. A não separação de raças
do ponto de vista biológico tampouco significa que elas não estejam separadas,
do ponto de vista social, da concessão de privilégios e distribuição de
punições morais, econômicas e judiciais. Neste sentido, contrariando a
interpretação racial hegemônica no Brasil e respaldado nos diversos estudos
realizados no campo das relações raciais, desde pelo menos os estudos da
Unesco, advogamos que a raça existe, não como uma categoria biológica, mas como
uma categoria social.
Segunda conseqüência: em lugar da raça, admite-se que existe no Brasil apenas
uma classificação baseada na cor, que pretende ser encarada como uma mera
descrição objetiva da realidade sem implicações político-econômico-sociais,
tais como discriminações e preconceitos.
Aqui somos levados a desconstruir a noção de cor à luz das contribuições de
Guimarães (1999). Para este autor, a cor funciona como uma imagem figurada da
raça. Ao se utilizar o termo cor para classificar as pessoas reporta-se não a
uma descrição objetiva da realidade, mas a uma hieraquia classificatória em que
aqueles nomeados de branco são concebidos como melhores, enquanto aqueles
nomeados de preto são concebidos como piores. Para que alguém possa ser
classificado pela cor é necessário que a cor tenha algum significado:
De fato, não há nada espontaneamente visível na cor da pele, no
formato do nariz, na espessura dos lábios ou dos cabelos, ou mais
fácil de ser discriminado nesses traços do que em outros, como o
tamanho dos pés, a altura, a cor dos olhos ou a largura dos ombros.
Tais traços só têm significado no interior de uma ideologia
preexistente, e apenas por causa disso funcionam como critérios e
marcas classificatórias. Em suma, alguém só pode ter cor e ser
classificado num grupo de cor se existir uma ideologia em que a cor
das pessoas tenha algum significado. Isto é, as pessoas têm cor
apenas no interior de ideologias raciais. (Guimarães, 1999:44)
Terceira conseqüência: qualquer tentativa de falar em raça negra é vista como
uma imitação de idéias estrangeiras, uma vez que não existem raças no Brasil,
conforme se acredita. Logo, aqueles que falam de políticas sociais para negros
são acusados de racistas. A maneira brasileira de encarar o problema racial
define como racista "aquele que separa, não o que nega a humanidade de
outrem" (ibidem:57).
A partir dessa maneira de encarar a realidade, em que se define como racista
aquele que separa, evitou-se, do ponto de vista oficial, reconhecer o
tratamento diferenciado de brasileiros em decorrência da raça, mesmo se este
reconhecimento pudesse significar uma oportunidade para a correção de
desigualdades. Assim, por exemplo, o movimento social dos negros é acusado de
racista, uma vez que diferencia os negros dos brancos.
Em outras palavras, a regra no que diz respeito ao enfrentamento das
desigualdades raciais no Brasil será uma "disposição para 'esquecer o
passado' e 'deixar que as coisas se resolvam por si mesmas'" (Fernandes,
1972:25), uma vez que, conforme acreditam, não existem raças no Brasil. E,
conseqüentemente, como não existem raças, não cabe falar de população negra.
Diante desta realidade social estruturada pelo mito da democracia racial e pelo
ideal de branqueamento, manteve-se intacto o padrão de relações raciais
brasileiro, não sendo posto em prática nenhum tipo de política que pudesse
corrigir as desigualdades raciais. Isto aconteceu desta forma simplesmente
porque a interpretação hegemônica acerca das relações raciais brasileira, até
mesmo entre setores progressistas, não identificava nenhum problema de justiça
racial. Estava vedada, portanto, a possibilidade de intervenção organizada na
realidade, restando à população de cor a via da infiltração pessoal, que
obviamente não possui alcance coletivo.
Assim, o mito da democracia racial e o ideal de embranquecimento deram origem a
uma realidade social em que a discussão sobre a situação da população negra foi
identificada como indesejável e, até mesmo, perigosa. A recusa de reconhecer a
realidade da categoria raça, tanto num sentido analítico quanto de intervenção
pública, fez do regime de relações raciais brasileiro um dos mais nefastos e
estáveis do mundo ocidental.
Frente a este contexto em que as preocupações com as questões raciais são
concebidas como falso problema, propomo-nos a analisar o significado da ação
afirmativa para a população negra.
Propostas de Ação Afirmativa no Brasil
Ações afirmativas são entendidas como políticas públicas que pretendem corrigir
desigualdades socioeconômicas procedentes de discriminação, atual ou histórica,
sofrida por algum grupo de pessoas. Para tanto, concedem-se vantagens
competitivas para membros de certos grupos que vivenciam uma situação de
inferioridade a fim de que, num futuro estipulado, esta situação seja
revertida. Assim, as políticas de ação afirmativa buscam, por meio de um
tratamento temporariamente diferenciado, promover a eqüidade entre os grupos
que compõem a sociedade.
As maneiras pelas quais as políticas de ação afirmativa podem atuar são várias:
desde as políticas sensíveis ao critério racial, em que a raça é um dos
critérios ao lado de outros,2 até as políticas de cotas, em que se reserva um
percentual de vagas para minorias políticas e culturais; neste último caso a
raça passa a ser considerada um critério absoluto para a seleção da pessoa.
Embora qualifiquemos cotas e políticas sensíveis à raça apenas como tipos
diferentes de ação afirmativa, há aqueles que procuram tratar cotas e ações
afirmativas como políticas públicas diferentes:
Em primeiro lugar, há um esforço, consciente, das Cortes [americanas]
para separar "ação afirmativa" de "cotas". Isso
porque tal equivalência criaria, sem dúvida, problemas para um senso
de justiça republicano e individualista. Tal equivalência, ao
contrário, tem sido usada pelos conservadores e oposicionistas da
"ação afirmativa", que querem caracterizá-la como uma
política redistributiva, baseada em grupos. (Guimarães, 1999:157)
O debate em torno da equivalência ou não de cotas e ação afirmativa (entendida
neste contexto como política sensível à raça) decorre do fato de as cotas
contrariarem o princípio do mérito. Todavia, ao meu ver, esta tentativa de
identificar ou separar um tipo de política do outro ocorre unicamente por
razões estratégicas. Advogo que ambas são formas de ação afirmativa, porém
executadas de maneira diferente, uma vez que são políticas públicas que
pretendem corrigir desigualdades sociais provenientes de tratamento
discriminatório no passado e/ou no presente baseados na raça.
O passo decisivo para que a discussão sobre ações afirmativas conquistasse
projeção política e acadêmica, para além dos integrantes do movimento negro
brasileiro, foi o reconhecimento público do presidente da República, Fernando
Henrique Cardoso,3 na abertura do seminário Multiculturalismo e Racismo,
realizado em 1996, em Brasília, de que o país era racista. Além disso, o
presidente da República estimulou a discussão sobre as ações afirmativas
quando, ao divulgar o Plano Nacional dos Direitos Humanos, também em 1996,
incluiu como um dos seus objetivos o desenvolvimento de "ações afirmativas
para o acesso dos negros aos cursos profissionalizantes, à universidade e às
áreas de tecnologia de ponta". E ainda foi mais claro, firmando o
compromisso de desenvolver "políticas compensatórias que promovam social e
economicamente a comunidade negra" (PNDH, 1996:30-1). Outra ação do
Executivo foi a criação, em 1996, do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI)
Para a Valorização da População Negra e do Grupo de Trabalho para a Eliminação
da Discriminação no Emprego e na Ocupação GTDEO. O GTI teria por objetivo
desenvolver políticas para a valorização da população negra, prioritariamente
nas áreas de educação, trabalho e comunicação (GTI, 1996). O GTDEO, por sua
vez, teria por objetivo definir um programa de ações e propor estratégias de
combate à discriminação no emprego e na ocupação, conforme os princípios da
convenção 111,4 que fora assinada em 1968 (PNDH,1996). Com essas ações, parecia
que pela primeira vez na história o negro deixaria de ser assunto apenas do
Ministério da Cultura, e passaria a integrar o rol de preocupações de outros
Ministérios, principalmente do Ministério do Trabalho.
Ao mesmo tempo em que essas medidas foram tomadas no plano Executivo, o
Legislativo, na figura da então senadora Benedita da Silva e do senador Abdias
do Nascimento, apresentava projetos decisivos para o desenvolvimento do debate
no Brasil.5
A senadora Benedita da Silva, em 1995, apresentou o Projeto de Lei nº 14 que
dispõe sobre a instituição de cota mínima para os setores etno-raciais,
socialmente discriminados, em instituições de ensino superior. O artigo 1º diz:
Fica instituída a cota mínima de 10% (dez por cento) de vagas
existentes para os setores etnorraciais socialmente discriminados em
instituições de ensino superior públicas e particulares, federal,
estadual e municipal. (Benedita da Silva, 1997)
A justificativa que a senadora apresentou a este Projeto de Lei, que estipulava
um número de vagas não representativo da população, foi a de que a garantia da
cota mínima não resolveria o problema estrutural, mas criaria um precedente
para minimizar a injustiça e a exclusão social.
O senador Abdias do Nascimento apresentou o Projeto de Lei nº 75, de 1997, que
dispunha sobre medidas de ação compensatória para implementação do princípio da
isonomia social do negro. Os artigos primeiro e segundo deste Projeto de Lei
dizem:
Todos os órgãos da administração pública direta e indireta, as
empresas públicas e as sociedades de economia mista são obrigadas a
manter nos seus respectivos quadros de servidores, 20% (vinte por
cento) de homens negros e 20% (vinte por cento) de mulheres negras,
em todos os posto de trabalho e direção" e "Toda empresa
privada ou estabelecimento de serviço são obrigados a executar
medidas de ação compensatória com vistas a atingir, no prazo de cinco
anos, a participação de ao menos 20% (vinte por cento) de homens
negros e 20% (vinte por cento) de mulheres negras em todos os níveis
de seu quadro de emprego e remuneração. (Projeto de Lei, nº75)
A apresentação destes projetos pelos dois parlamentares foi um reflexo da
percepção e discurso político do movimento negro brasileiro desde pelo menos a
criação do Movimento Negro Unificado ' MNU em 1978. A partir daquele momento as
organizações negras assumiram um discurso em que se buscava mobilizar a
população negra contra a discriminação e a desigualdade racial (Andrews, 1998:
302). Ao lado disso, celebrava-se a diferença a partir do discurso do
"orgulho negro". Essa nova postura do movimento negro brasileiro é
interpretada por vários autores como uma sintonia entre este e o
"movimento negro internacional", sobretudo "os movimentos de
independência na África Portuguesa e os movimentos dos direitos civis e o
'Black Power'". A partir destas experiências internacionais positivas,
especialmente as políticas de ação afirmativa nos Estados Unidos, "os
afro-brasileiros jovens começaram a pensar se seria possível imitar suas
conquistas no Brasil" (ibidem:300-1).
Assim, o seminário Multiculturalismo e Racismo e a divulgação do Plano Nacional
dos Direitos Humanos, no âmbito do Governo Executivo, e a apresentação dos dois
supracitados Projetos de Lei foram encarados como uma oportunidade única para
uma discussão franca e pública acerca da questão racial.
Decisivo para que a discussão sobre ações afirmativas ganhasse espaço no
Brasil, como ficou claro no já referido seminário, foi a experiência positiva
destas políticas nos Estados Unidos.
As ações afirmativas foram implementadas nos Estados Unidos na década de 60,
após a declaração dos Direitos Civis de 1964. O conceito de ação afirmativa,
porém, é de 1961, uma vez que já estava contida na Ordem Executiva de 6/3/61,
assinada pelo presidente Kennedy, que estabelecia a Comissão Presidencial sobre
Igualdade no Emprego (Walters, 1995:130). Todavia, somente com o presidente
Lyndon Johnson é que o drama humano do negro americano foi atacado
vigorosamente. Em 1965, na Howard University, o presidente Lyndon Johnson
apresentou sua justificativa para se ir além de uma política não
discriminatória rumo a uma política que de fato promovesse oportunidades para
os americanos negros:
Você não pega uma pessoa que por anos esteve preso por correntes e a
liberta, trazendo-a ao ponto de partida de uma corrida e, então, diz.
"você está livre para competir com todos os outros", e
continua acreditando que foi completamente justo (Lyndon Johnson apud
Bowen & Bok, 1998:6).
Logo após esse discurso, o Office of Federal Contract Compliance (OFCC) e a
Equal Employment Opportunity Comission (EEOC) solicitaram às empresas que
tinham contratos com o Governo Federal a elaboração de planos que incluíssem
metas e cronogramas para compor uma força de trabalho que refletisse a presença
de negros em relevantes áreas do mercado de trabalho (Bowen & Bok, 1998:6;
Walters, 1995:130).
Nos anos seguintes, essas diretrizes foram adotadas por universidades que
reconheceram que elas tinham um papel a desempenhar na educação de estudantes
provenientes de minorias culturais e/ou políticas. Esses esforços em breve
deram frutos: "a porcentagem de estudantes negros matriculados nas
universidades classificadas como Ivy League cresceu de 2.3 em 1967 para 6.3 em
1976, enquanto a porcentagem em outras universidades prestigiadas cresceu de
1.7 para 4.8" (Bowen & Bok, 1998:7). Considerando um período de tempo
maior, de 1960 a 1995, a porcentagem de estudantes negros graduados cresceu de
5,4% para 15,4%. Neste mesmo período, a porcentagem de negros matriculados em
Faculdades de Direito cresceu de aproximadamente 1% em1960 para 7,5% em 1995.
Igualmente, a porcentagem de estudantes negros de medicina cresceu de 2,2% em
1964 para 8,1% em 1995 (ibidem:9-10).
Da implantação das ações afirmativas nos Estados Unidos resultou, sobretudo,
ganhos em termos de representatividade dos negros em ocupações influentes e
lucrativas, tais como: executivos, gerentes e administradores, médicos,
advogados, engenheiros, representantes no Congresso (ibidem:10).
À luz da experiência norte-americana, não se tinha motivo para que as propostas
de ação afirmativa não fossem cativantes para a militância negra brasileira.
Todavia, a diferença entre as duas nações residia no fato de que no momento de
implementação das ações afirmativas nos Estados Unidos tinha-se uma clara
distinção de quem era negro e quem era branco, uma vez que lá não tinha se
constituído a "saída de emergência" do mulato como no Brasil.
Aqui, ao contrário, não temos como ponto de partida para a adoção de políticas
de ação afirmativa uma clara distinção entre brancos e negros sobretudo
quando está em questão a distribuição de vantagens para os últimos.
Assim, tornam-se claras as diferenças de adoção de políticas de ação afirmativa
no Brasil e nos Estados Unidos. Neste último, as ações afirmativas não
objetivavam construir nenhuma diferença, ao contrário, procuravam alcançar uma
sociedade cega às cores por meio de medidas temporárias (Kymlicka, 1989:141;
Taylor, 1994:40). Já no Brasil, o ponto de partida é outro: parte-se de uma
distinção míope de quem seja negro para se chegar a uma distinção clara.
A dificuldade classificatória no Brasil derivada da crença no mito da
democracia racial, assim como da popularidade do ideal de branqueamento
reside no fato de que a classificação racial no Brasil reconheceu socialmente o
meio-termo, o híbrido, enquanto nos Estados Unidos, apesar de todas as atuais
demandas do movimento multicultural,6 se baseia no princípio monorracial. Isto
significa dizer que a classificação racial brasileira depende do contexto de
sua aplicação (Silva, 1994:70; Nogueira, 1985), gerando uma dissonância entre a
autoclassificação e a alterclassificação. Em termos concretos, são encontradas
duas variáveis que interferem significativamente tanto na auto quanto na
alterclassificação dos indivíduos: a escolaridade e o rendimento familiar.
Assim, podemos dizer que é uma verdade evidente que "não só o dinheiro
embranquece, como, inversamente, a pobreza escurece" (Silva, 1994). Essa
ambigüidade classificatória torna-se um verdadeiro quebra-cabeça, sobretudo
quando se pretende desenvolver políticas afirmativas para a população negra no
Brasil, uma vez que não temos um modelo baseado em fatores de hipodescendência
biológica que dá origem a uma sociedade birracial. Diferentemente, o peso do
contexto social tem dado origem a um sistema classificatório multirracial, em
que se encontra um predomínio de autoclassificações em torno das categorias
branco, pardo, preto, moreno, claro, moreno-claro7 (ibidem:72).
Se no momento de definir vantagens para os brasileiros negros, assim como num
momento não conflituoso, como a realização de um questionário, existem os
supracitados problemas de classificação, estes problemas se dissipam quando se
trata de distribuir punições simbólicas ou de fato. Todos sabem a quem se
dirigem os insultos "negro safado", "negro nojento",
"só podia ser negro" etc., assim como a polícia também sabe quem é
negro. Oliveira, interpretando dados de pesquisa do Datafolha e do MNDH
(Movimento Nacional dos Direitos Humanos) chega à seguinte conclusão:
[...] a cor/raça da vítima é uma das variáveis determinantes da
violência policial, e o biótipo "negro" é o alvo predileto
e, ao que tudo indica, de fácil identificação pela polícia. Fica
evidente que os negros e seus descendentes no Brasil são assassinados
pela polícia três vezes mais que os brancos, ou seja, se no plano
biológico, o da mistura racial, não é fácil saber quem é negro no
Brasil, no plano das relações raciais, ou sociológico, a
identificação parece ser simples e, na maioria das vezes, fatal para
os negros [...] ela é a categoria social de homicídio. (Oliveira,
1998:50)
Assim, o que se tem percebido no Brasil é que ter sangue negro não distingue,
uma vez que nossa nacionalidade se funda na idéia da miscigenação das raças.
Daí o fato de sempre se verificar um índice alto de brasileiros se reconhecendo
como afrodescendentes. Todavia, se assim o são no plano biológico, não o são no
plano social. Isto ocorre porque raça não é um conceito biológico, senão
social. Logo, este conceito só faz sentido e encontra lugar dentro de um
sistema classificatório racial, que não somente opõem, mas hierarquiza as
raças.
Esta confusão em torno da auto e da alterclassificação deve-se, em parte, à
ausência de grupos sociais relativos a raça no Brasil. A partir disso teríamos
a chave para explicar tal ambigüidade que nos caracteriza, isto é,
entenderíamos porque negativamente reconhecemos quem é negro, mas positivamente
não. Daí ser negro ou não, pode se tornar uma questão fluida, que depende do
contexto.
Ação Afirmativa e a Construção de um Grupo Social e da Identidade Negra:
Rediscutindo o Mito da Democracia Racial
As discussões entre ativistas negros sobre as propostas de ação afirmativa que
se seguiram à divulgação do Plano Nacional dos Direitos Humanos e dos Projetos
de Leis da senadora Benedita da Silva e do senador Abdias do Nascimento,
estavam intrinsecamente ligadas a um projeto de relações raciais para o país.
De uma maneira sintética podemos dizer que nesse projeto de relações raciais
estava contido (a) a construção de um grupo social calcado na idéia de raça;
(b) conseqüentemente, a construção de uma identidade negra a ser compartilhada
pela população preta e parda brasileira, e não somente pelos militantes negros;
(c) e, finalmente, a superação do mito da democracia racial.
O argumento a ser desenvolvido aqui não nega que as ações afirmativas pretendem
corrigir problemas relacionados à justiça redistributiva experimentados pela
população preta e parda, sobretudo no que diz respeito à desracialização da
elite econômica e intelectual brasileira. Ao contrário, as ações afirmativas
são concebidas como instrumentos eficazes de correção de problemas relativos à
redistribuição de bens econômicos e cargos de poder a curto e médio prazo. Sem
estas políticas estaremos adiando a modificação da composição da elite
brasileira para as futuras gerações. Por outro lado, defender a implantação de
ações afirmativas também não significa que elas não devam ser conjugadas com
políticas públicas universalistas, tais como: ampliação do acesso da população
brasileira em geral à educação pública, à assistência médica, ao mercado de
trabalho, à habitação, enfim, ao desenvolvimento social.
Todavia, o que quero enfatizar nesta parte deste artigo é que as políticas de
ação afirmativa são concebidas como um instrumento de racialização positiva
das relações sociais no Brasil. Em outras palavras, as ações afirmativas são
meios eficazes de correção do reconhecimento distorcido, do preconceito e da
estigmatização, a saber, problemas relacionados não somente à justiça
redistributiva, mas à justiça simbólica, onde o correto reconhecimento da
diferença desempenha um importante papel (Fraser, 1997).
Neste sentido, a adoção de políticas públicas racializadas permite entrever a
atribuição de um valor positivo à classificação social negro, por exemplo. A
partir daí surge a oportunidade inédita para além da militância negra stricto
sensu de um auto-reconhecimento positivo em ser negro no Brasil, isto é,
cria-se a oportunidade de construir identidades negras no Brasil para além dos
militantes.
Ao reconhecermos que as políticas de ação afirmativa contribuem para a
ampliação do número de pessoas que compartilham a identidade negra, estamos
frente a um fenômeno que contraria as bases de nossa nacionalidade, que
historicamente em nome do mito da democracia racial esteve calcada em
políticas oficiais avessas a qualquer tipo de racialização. Nesse sentido, as
ações afirmativas são mecanismos que tornam relevantes a classificação racial
no dia-a-dia através da atribuição de valores positivos à classificação racial
negro.
Seria, todavia, um engano pensar que o ineditismo da adoção de políticas de
ação afirmativa estaria na racialização das relações sociais no Brasil, posto
que já estão racializadas através, por exemplo, da alterclassificação negativa
(ou racismo) direcionada à população preta e parda. Porém, o que há de singular
nesta situação é que o Estado, mediante suas políticas, estaria criando nos
indivíduos classificados como pretos e pardos um senso de pertencimento ao
grupo racial negro pela via positiva. Com isso queremos dizer que as ações
afirmativas não são a causa do uso de categorias raciais ou de cor no Brasil,
mas a conseqüência de atitudes negativas direcionadas à população preta e
parda, já que são políticas voltadas para a correção do racismo.
Se as ações afirmativas não são a causa do uso de categorias raciais no Brasil
estas categorias já são utilizadas, por um lado, com um sentido negativo para
o preto e o pardo e, por outro lado, com um sentido positivo para o branco ,
elas podem, entretanto, ser pensadas como integrante de um conjunto de fatores
e acontecimentos que tendem a criar um grupo social calcado na idéia de raça e,
conseqüentemente, identidades negras no Brasil.8
Em 1999, em Brasília, analisei algumas entrevistas de políticos/militantes
negros que acompanhavam de perto as discussões sobre as propostas de ação
afirmativa (Bernardino, 1999). Esses atores políticos tinham atuado, ou ainda
atuavam, no movimento negro institucionalizado: partidos políticos e entidades
do movimento negro brasileiro. Nessas entrevistas procurei perceber qual era o
projeto de relações raciais proposto e endossado por eles.
As idéias de grupo social e de identidade, que estão em construção por ocasião
da discussão sobre políticas afirmativas, são complementares, o que significa
dizer que não podemos discutir uma delas sem a outra. Essas noções são
indispensáveis para se falar de um reconhecimento positivo do que vem a ser uma
pessoa negra. Assim, somente a partir da constituição de um grupo social ou de
um senso de pertencimento a um grupo social é que podemos falar de identidade
negra no país. Todavia, tanto a construção de um grupo social quanto a
construção de uma identidade não se dá no vácuo, senão a partir do diálogo com
o outro significativo. Assim, é de suma importância o reconhecimento (Taylor,
1994). No desenvolvimento dos conceitos de grupo social, identidade e
reconhecimento utilizaremos trechos das entrevistas feitas com os militantes
negros, que funcionarão como subsídios empíricos para a discussão teórica.
Entendemos por grupo social uma coletividade de pessoas diferenciada de pelo
menos outro grupo em decorrência de práticas culturais e modos de vida
próprios. Os membros do grupo possuem uma específica afinidade uns com os
outros em decorrência de experiências similares, que os fazem se reconhecer
como membros do grupo em questão (cf. Young, 1990:43).
É o grupo social que dará ao ator social um senso de identidade. Por identidade
compreendemos tanto "o entendimento que a pessoa tem acerca de quem ela é
quanto o entendimento que o outro significativo tem sobre ela". Portanto,
supomos que a construção da identidade envolve um processo dialógico tanto com
os próprios negros quanto com os brasileiros autodefinidos como brancos. Assim,
essa discussão sobre identidade passa pela necessidade de um correto
reconhecimento. O dado é que "se a pessoa recebe um correto
reconhecimento, ela terá a sua auto-estima intacta", assim como se
identificará positivamente com aquilo que o outro enxergou nela. Porém,
"se houver um reconhecimento distorcido ou a ausência deste, esta pessoa
terá a sua auto-estima afetada, o que equivale a condenar alguém a um modo de
vida reduzido". É nesse sentido que se considera o "correto
reconhecimento não como uma cortesia, mas como uma necessidade humana
vital" (Taylor, 1994:25).
A formação de identidades sociais tem sido encarada como um processo fluido. É
exatamente essa fluidez que a noção de diálogo não nos deixa perder de vista.
Posto que por diálogo entendemos a linguagem verbal e a linguagem corporal, que
podem ser expressas tanto pelas práticas formalmente políticas quanto pelas
práticas culturais, sobretudo a música.9 Nesse sentido percebemos as
identidades como produto da vida social, mesmo que os portadores dessas
identidades as sintam como natural. Este caráter fluido das identidades não
significa que elas sejam criadas e inventadas ao bel-prazer dos atores sociais.
Embora possa haver interpretações10 que fundamentam a existência de grupos e
identidades raciais em fatores biológicos: cor da pele, tipo de cabelo, formato
do nariz, etc., defendemos que estes traços físicos somente têm um significado
dentro de uma ideologia construída socialmente que diferencia as pessoas a
partir destes traços e, conseqüentemente as hierarquiza. Assim, o que é
determinante para a formação de um grupo racial e de uma identidade racial não
são os fatores biológicos nem, tampouco, a experiência da subordinação em si,
mas a interpretação logo o significado da subordinação social (Gilroy,
2001:237). A formação de um grupo racial e de uma identidade a partir de uma
história comum, da discriminação, do insulto e da subalternidade é
compartilhada por alguns dos entrevistados. Eles dizem:
Essa é uma pergunta que o Movimento se faz constantemente. "Quem
é negro?" e é complicadíssimo dizer quem é negro no Brasil! Mas,
no geral, o que as pessoas fazem para dizer quem é negro? Primeiro, é
afrodescendente [...] mas, aí, você vai falar o seguinte: "é,
mas todos os brasileiros têm mistura", e tal; então, acabam
sendo afrodescendentes, também, né? Além de afrodescendente a gente
fala, olha, que tem a pigmentação de pele mais escura e tal, não tem
cabelo liso. Mas, isso, não quer dizer nada. Eu acho que a definição
para o Movimento Negro e, até para mim mesmo, eu acho que a definição
tá sendo muito mais no sentido, no conceito de política mesmo, de
você assumir que é negro.
Ou ainda,
Eu ouço pessoas negras dizerem, muitas vezes, que jamais foram
discriminadas. E o que aconteceu, na verdade, não é que elas não
tenham sido discriminadas. É que elas não abraçam a discriminação
como algo abrangente. O que eu quero dizer? Eu poderia passar, agora,
sair daqui e passar ali na esquina, e ver uma pessoa negra ser
discriminada e achar: "não é comigo". Quer dizer, entender
que não é comigo; isto é equivocado na verdade. Porque ninguém
discrimina uma pessoa negra porque acha que aquela pessoa negra não
merece crédito; na verdade é um descrédito que se atribui a todo um
segmento, a toda uma coletividade. Quando se diz: "isto é coisa
de preto", não é coisa de um preto ou de outro preto, isto é
coisa dos pretos e das pretas [...]. Todas as pessoas negras deste
país já foram discriminadas, o problema é que as pessoas não abraçam
a discriminação, elas entendem que isto é algo que deva ser
individualizado. Então, é óbvio que, neste sentido, muitas pessoas
podem não ter tido a traumática oportunidade de serem discriminadas,
se for nessa dimensão. Agora, se for na outra dimensão, de que a
discriminação é algo que coloca todos os negros no mesmo barco, aí a
coisa é diferente.
Portanto, o que é fundamental para a construção do sentimento de pertencimento
a um grupo racial e de uma identidade racial não são simplesmente fatores
físico-biológicos, mas uma dimensão sociopolítica, que tem como ponto de
partida o reconhecimento da discriminação não como algo pessoal, mas coletivo.
A partir da reconstrução de uma história, que tem como ponto em comum a
subordinação e o reconhecimento distorcido efetuado pelo outro, se teria,
segundo a expectativa dos entrevistados, a possibilidade para a superação do
déficit de identidade, que tem caracterizado os brasileiros de cor preta ou
parda. Estes poderiam, após implementação das ações afirmativas, se identificar
como negros.
Esse reconhecimento distorcido, projetado sobre os brasileiros de cor preta ou
parda, tem sido historicamente absorvido por eles mesmos. Evidência maior da
absorção dessa imagem negativa é a tentativa de não se identificar como negro,
procurando, sempre quando possível, eufemismos de cor ou, até mesmo, se
aproximar do tipo estético branco. É aqui que ironicamente deparamos com pretos
e pardos, estigmatizando os demais pretos e pardos mais escuros.
A história de vida dos entrevistados é marcada por esse reconhecimento
distorcido. Seja um reconhecimento distorcido efetuado pela polícia, em que se
diz que a cor da pessoa é suspeita; pela vizinha, que identifica a esposa com a
empregada doméstica; pelo patrão, que humilha; pelos colegas de trabalho que
passam o expediente fazendo piadas; pela mídia, que apresenta o negro como
criminoso ou como subalterno. Essas experiências negativas não são tomadas como
casos isolados que somente alguns "privilegiados" tiveram a
"traumática oportunidade" de vivenciar, mas como casos ilustrativos
de um tipo de imagem projetado sobre a população de cor preta e parda.
Essas experiências negativas via de regra operam como algo que enfatiza o local
que está prescrito para a população brasileira de cor preta e parda. Foi isso
que, por longos anos, os livros didáticos e os programas de televisão
representaram:
[...] antes se fazia livros com imagens estereotipadas do negro
[...]. Quais eram as imagens? Quando o negro aparecia, ele nunca
tinha família. Ou ele era o mais bagunceiro ou estava sempre descalço
ou era a empregada doméstica". Essas imagens eram reforçadas
pela televisão: "[...] a televisão me passou a idéia de que o
negro ou era o picareta ou era bandido ou, no máximo, motorista de
empregada doméstica. Mas eu ficava indignado com aquilo. Eu falava:
'não acredito que a gente é só isso!'
Através desses típicos exemplos do contexto racial brasileiro, visualizamos uma
clara identificação negativa de quem é denominado negro no Brasil. Em
contrapartida, esses mesmos exemplos revelam uma enorme dificuldade para uma
identificação positiva de quem é negro. Nesse sentido, as ações afirmativas são
percebidas não somente como um remédio capaz de corrigir aspectos econômicos
das relações raciais brasileiras, mas como um mecanismo capaz de corrigir o
reconhecimento distorcido e a estigmatização que têm sido projetados sobre a
população de cor preta e parda. Em outras palavras, as ações afirmativas
apresentam-se como capazes de converter a conotação negativa da cor preta e
parda em algo positivo, simplesmente pelo fato delas poderem associar vantagens
claramente perceptíveis à identificação racial e, além disso, pelo fato de elas
possibilitarem ganhos em termos de representatividade dos negros em posições
influentes e lucrativas.
Portanto, as ações afirmativas efetuariam uma revalorização da identidade, uma
vez que criariam condições para definições positivas de quem é negro. Essa nova
representação a respeito do negro teria um efeito mimético sobre a população de
cor preta e parda que opta por se classificar através de um dos eufemismos de
cor ao invés de se classificar simplesmente como negro.
Eu acho que as ações afirmativas são fantásticas para te induzir a
ter uma consciência racial. Ou seja, para te dizer, "olha eu
também sou igual àquele!". Por que? Porque vendo um engenheiro
ou um médico, ou você vendo um ministro, qualquer coisa assim, você
cria a expectativa de algum dia poder ser igual a eles [...]. O que
eu estou querendo dizer com isso é o seguinte: para você se reafirmar
como negro é preciso que você faça parte dos estratos sociais
elevados.
Torna-se evidente que as ações afirmativas são vistas não só como mecanismos
que mitigariam as desigualdades sociais suscetíveis de quantificação, mas como
mecanismos capazes de provocar uma reviravolta identitária, descolando da cor
preta e parda atributos negativos e pondo em seu lugar atributos positivos. Em
outras palavras, essa reviravolta identitária significa que se parte de um
reconhecimento negativo de quem é negro e se alcança um reconhecimento
positivo. Isso ocorreria porque aos aspectos propriamente físicos juntar-se-iam
uma reconstrução da história que ressaltasse tanto as realizações quanto as
dificuldades enfrentadas pelos negros.
Essa transformação identitária esperada pela implementação de ações afirmativas
traz à tona as condições para que a população negra brasileira resgate sua
auto-estima. Conforme falou outro entrevistado:
Outro dia eu vi passar uma moça negra, uma moça bem negra, tinta
forte, né? Bem escura, com as suas tranças... Fiquei pensando: essa
pessoa, há algumas décadas atrás, não teria a menor maneira de
exprimir a sua beleza. Teria que alisar o cabelo, tentar ser uma
branca de segunda classe, que ela nunca conseguiria ser direito.
Hoje, através o episódio das ações afirmativas, existe essa
possibilidade, a possibilidade de ser negro com orgulho, com a
satisfação pessoal de se olhar no espelho.
Assim, o significado das ações afirmativas no contexto brasileiro de relações
raciais vai além de uma perspectiva meramente econômica, significando a criação
de um grupo social baseado na idéia de raça e, também a revalorização da
identidade negra no Brasil, a saber, a criação da possibilidade de uma
identificação positiva de quem é negro, algo que poderia ser compartilhado
pelos brasileiros de cor preta e parda que estão, por ora, ao largo do
movimento negro.
Esta modificação simbólica do que vem a ser negro não pode ser encarada como de
segunda importância, como se justiça social em sociedades democráticas se
referisse somente a aspectos redistributivos (Bernardino, 2000).
A noção de justiça social que vem se desenvolvendo contemporaneamente (Taylor,
1994; Young, 1990; Habermas; 1994; Honneth, 1996), tem dado atenção a uma
correta consideração da diferença não porque se queira criar diferenças, mas
simplesmente porque elas já existem e, também, porque as pessoas se enxergam
como diferentes.
Devido às interpretações hegemônicas (mito da democracia racial e o ideal de
branqueamento), raramente reconhecemos as diferenças relativas à raça no nosso
país. Entretanto, isso não quer dizer que elas não existam. Como procuramos
demonstrar, todos sabemos quem são os negros no momento da distribuição de
punições (identificação negativa), embora tenhamos dificuldade em identificar
quem são os negros no momento dos benefícios sociais (identificação positiva).
Assim, as ações afirmativas para a população negra, conforme a expectativa dos
militantes negros, atuariam como remédio frente às dificuldades de um
reconhecimento positivo da diferença racial no Brasil.
As dificuldades de se implementar as ações afirmativas passam pelo fato de que
tanto o mito da democracia racial quanto o ideal de embraquecimento, fortemente
estabelecidos no nosso senso comum, criam barreiras para a racialização das
relações sociais. Essas barreiras frente à racialização significam, por um
lado, a negação do racismo como um problema brasileiro, crença que foi falseada
pelo já clássico trabalho de Hasenbalg (1979:197-222). Por outro lado,
significam que muitas vezes a racialização é confundida com racismo, mesmo se
proposta (como o episódio das ações afirmativas nos permite ver) por negros
(Guimarães, 1999).
Todavia, como têm demonstrado os nossos indicadores sociais (Andrews, 1992), é
a recusa em pensar na raça que tem deixado distante a possibilidade de justiça
social, tanto em termos distributivos quanto em termos simbólicos, para os
negros no Brasil. Enfim, como sugeriu o presidente Lyndon Jonhson, responsável
pela implementação das ações afirmativas nos Estados Unidos, em 1965,
"Você não pega uma pessoa que por anos esteve preso por correntes e a
liberta, trazendo-a ao ponto de partida de uma corrida e, então, diz. 'você
está livre para competir com todos os outros', e continua acreditando que foi
completamente justo". O que o mito da democracia racial tem feito é
sustentado uma atitude de neutralidade racial no momento da elaboração de
políticas públicas no Brasil, fazendo pensar que com isso estamos construindo
uma nação justa.
Para a realização de uma sociedade justa, teremos de construir um Estado que
contemple a existência de negros no Brasil, aspecto esse não observado pela
nação que se ergueu através do mito da democracia racial. Esse é um dos
significados das propostas de ação afirmativa e do projeto de relações raciais
que as acompanha.
Notas
1.
A regra da hipodescendência é definida por Vermeulen como uma ficção da
identificação monorracial que postula que uma pessoa racialmente mista pertence
ao grupo racial de menor status social. Assim, nos EUA, as pessoas com alguma
quantidade de sangue africano são classificadas como negras (cf. Vermeulen,
2000).
2.
Algumas universidades americanas públicas e privadas que desenvolvem políticas
de ação afirmativa baseadas na raça levam em consideração outros fatores como:
pontuação do SAT (Scholastic Achievement Test), notas do high school,
recomendações, qualidades pessoais, talento atlético, status socioeconômico,
origem geográfica, potencial de liderança e composição da classe como um todo
(cf. Bowen & Bok, 1998: xxxv)
3.
Antes do presidente Fernando Henrique Cardoso, parece-me (enfatizo esta
palavra) que a única alta autoridade a reconhecer o drama humano da população
negra foi o presidente Jânio Quadros, em 1961. Esta surpreendente descoberta
ocorreu-me através da leitura de Carl Degler, quando este diz: "como
alguns brasileiros negros apontam, Jânio Quadros, presidente do Brasil em 1961,
foi a primeira alta autoridade do país a admitir as dificuldades do negro.
Sousa Dantas cita-o tendo dito: 'Desejo oferecer ao negro brasileiro as
condições que nunca teve, as condições de uma integração social e econômica
efetiva, para lhe dar, finalmente, o papel que é seu por direito, tendo em
mente sua contribuição para a nacionalidade'" (Degler, 1976:277).
4.
A convenção 111, no artigo 2º, estabelece seus objetivos, assim como o
compromisso do país que a assinar: "Qualquer membro para o qual a presente
Convenção se encontre em vigor compromete-se a formular e aplicar uma política
nacional que tenha por fim promover, por métodos adequados às circunstâncias e
aos usos nacionais, a igualdade de oportunidades e de tratamento em matéria de
emprego e profissão com o objetivo de eliminar toda discriminação nessa
matéria" (Convenção 111, art. 2º). O GTDEO entende que essas políticas
nacionais assumiriam a forma de ações afirmativas (cf. Brasil, Gênero e Raça,
1997).
5.
Após este primeiro momento de discussão e apresentação de propostas de ação
afirmativa, o debate avançou bastante. Conseqüentemente, outros projetos foram
apresentados e algumas políticas foram adotadas. O professor José Jorge
Carvalho apresenta algumas ações afirmativas em andamento no Brasil. São elas:
1) o Ministério da Justiça, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Supremo
Tribunal Federal aprovaram portaria em que prevê cotas para afrodescendentes e
concedem preferência a empresas prestadoras de serviço que comprovem a adoção
de ação afirmativa; 2) o Ministério da Educação criou um programa de
implantação de cursinhos preparatórios para o vestibular para jovens carente,
denominado Diversidade na Universidade; 3) a Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ) e a Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) reservam
50% de suas vagas para alunos provenientes de escolas públicas e 40% de negros;
4) o Ministério das Relações Exteriores concederá 20 "bolsas-prêmio de
vocação para a diplomacia" para que candidatos afrodescendentes se
preparem para o concurso do Instituto Rio Branco (cf. Carvalho & Segato,
2002:18-21).
6.
Vermeulen descreve a existência e crescimento desse movimento nos Estados
Unidos, que tem como principal bandeira a crítica ao modelo de classificação
monorracial e a demanda de que a categoria multicultural seja incluída no censo
norte-americano (cf. Vermeulen, 2000:15-18).
7.
Nelson do Valle Silva, em análise posterior das 135 auto-atribuições da
histórica PNAD/1976, percebeu que 97% se concentravam nas categorias
censitárias (branco, pardo, preto, amarela) e nas categorias moreno, claro e
moreno-claro. Diz ele: "as categorias censitárias cobriram cerca de 57%
das respostas espontâneas, que, somadas a outras três respostas tradicionais
também freqüentes a saber, morena (34%), clara (3%) e morena-clara (3%) dão
cerca de 97% das respostas espontâneas" (Silva, 1994:72).
8.
Entre os fatores que contribuem para a criação da identidade negra no Brasil
podemos nos referir à música, ao Movimento dos Direitos Civis americano, ao
Black Power, ao processo de independência das colônias portuguesas na África e
ao "movimento negro internacional" (cf. Gilroy, 2000; Andrews, 1998;
Hanchard, 1994).
9.
Exemplo da importância da música para a criação de identidades negras
transatlântica pode ser encontrado no excelente livro de Gilroy (2001).
10.
Paul Gilroy, por exemplo, refere-se a uma perspectiva nomeada de essencialista
que aborda o tema da subordinação racial dos negros norte-americano a partir de
uma concepção de grupo baseada entre outros fatores na idéia de raça biológica
(cf. Gilroy, 2001).