Empresariado e estratégias de desenvolvimento
O presente trabalho tem por objetivo analisar as estratégias de desenvolvimento
e a retomada do crescimento após as reformas orientadas para o mercado, segundo
a percepção de correntes representativas do empresariado industrial, tendo em
vista a redefinição do papel dos atores econômicos ante o Estado e o contexto
internacional. A primeira parte focaliza os principais aspectos das mudanças
que afetaram a estrutura produtiva brasileira, sobretudo a natureza e o volume
das transações que alteraram o peso relativo dos investimentos estrangeiros em
face do capital doméstico. Em outras palavras, trata-se de identificar a
reconfiguração ocorrida no plano das relações produtivas entre os principais
segmentos da indústria e suas conseqüências em termos da posição relativa dos
atores e suas relações estratégicas.
Outro aspecto estrutural, destacado na segunda parte, consiste na
reconfiguração da estrutura de representação de interesses e na alteração de
sua lógica de funcionamento, cuja dinâmica passou a ser pautada sobretudo pelo
princípio da adesão voluntária e da operação de incentivos seletivos, em vez da
compulsoriedade predominante do momento anterior.
Finalmente, a terceira parte concentra-se nas propostas acerca de vias
alternativas de desenvolvimento por parte das lideranças empresariais. A
análise procura detectar a maneira pela qual os empresários industriais
percebem o debate sobre a retomada do crescimento econômico a longo prazo e as
perspectivas do capitalismo no Brasil, definidas por cenários alternativos de
inserção do país no sistema internacional. Isso implicou o aprofundamento do
atual modelo ou a correção de rota com ênfase nas possibilidades de um maior
equilíbrio entre os fatores de atração externa e a indução interna.
Reformas econômicas e reestruturação industrial nos anos de 1990
A década de 1990 foi marcante do ponto de vista de reformas e mudanças
estruturais na economia, que afetaram as bases do capitalismo industrial no
Brasil, a participação e o papel dos diferentes atores econômicos. A crise do
modelo nacional desenvolvimentista e a transição para um modelo centrado no
mercado constituíram a tônica desse período. Essas mudanças atingiram também os
diferentes ramos da atividade industrial, com impactos significativos no
desempenho da indústria no conjunto da economia. Além disso, as reformas e seus
impactos influenciaram sobremaneira o plano de composição e de estratégias de
ação coletiva das elites empresariais.
Como já foi bastante discutido, entre os fatores que impulsionaram essas
mudanças sobressaem a abertura comercial e o programa de privatizações,
implementados a partir do final dos anos de 1980 e intensificados no final da
década seguinte. As conseqüências dessas reformas no plano macroeconômico foram
analisadas exaustivamente, o que não se deu em relação aos impactos que elas
causaram no âmbito político, sobretudo no que diz respeito à reconfiguração dos
atores, à recomposição dos interesses e à organização de suas estratégias de
representação.
Examinaremos em primeiro lugar os efeitos da abertura comercial sobre a
recomposição da propriedade das empresas, expressa no grande número de
falências, fusões e aquisições, que levou a um deslocamento cada vez maior do
capital doméstico em favor do capital estrangeiro. Como se pode observar no
Gráfico_1, é significativo o volume de fusões e aquisições na década de 1990,
segundo dois relatórios especializados (KPMG, 2001; e Prince, Waterhouse e
Coopers, 2001, respectivamente). Embora com certa discrepância entre as fontes,
constata-se uma tendência de crescimento no volume dessas transações ao longo
da década, sobretudo a partir de 1997, período em que se intensificam as
privatizações. Em 2000, de acordo com Prince, Waterhouse e Coopers, o aumento
do número de fusões e aquisições atingiu o seu ponto máximo.
Segundo o Relatório KPMG, é possível se identificar três períodos
caracterizados por diferentes formas de atuação do governo. O primeiro, até
1993, refere-se aos efeitos iniciais da abertura da economia, em que ocorreu
grande número de fusões em setores como produtos químicos, petroquímicos,
metalurgia e siderurgia. O segundo, de 1994 a 1997, corresponde à implementação
do Plano Real e à estabilização da economia, o que estimulou novas transações,
sobretudo nos segmentos financeiro e eletro-eletrônico para além dos já
mencionados. Finalmente, no terceiro período (1998-2000) o avanço das
privatizações teria propiciado um grande número de transações nos setores de
telecomunicações e tecnologia da informação (Tabela_1).
Cabe destacar nesse conjunto de transformações o papel das privatizações como o
segundo vetor da reestruturação produtiva em curso nos anos de 1990. O Gráfico
2 permite avaliar o peso das privatizações no total das fusões e das aquisições
na economia, assim como o grau de participação do capital estrangeiro. A
intensificação da presença desse capital foi, em grande medida, ensejada pelo
próprio programa de privatizações, como sugere o crescimento simultâneo de
ambas as tendências a partir de 1995.
O montante das privatizações a partir de 1991 foi bastante expressivo, como se
pode observar nos dados da Tabela_2, onde estão computadas as receitas das
privatizações no âmbito do PND (Programa Nacional de Desestatização, criado em
1990), nas esferas federal e estadual e no setor de telecomunicações, tratado
separadamente.
A privatização do setor de telecomunicações teve início em 1997 e constituiu o
mais significativo dos segmentos desse programa, respondendo por 44% da receita
do governo federal proveniente das privatizações (Gráfico_3). Apenas os setores
de mineração e siderurgia têm expressividade por si próprios no conjunto das
receitas federais com privatização.
Qual teria sido, do ponto de vista das reconfigurações no âmbito das empresas,
o impacto das reformas orientadas para o mercado, que foram levadas a cabo
durante a década de 1990? Segundo dados apresentados por Siffert Filho e Silva
(1999), um aspecto saliente da reestruturação produtiva foi a alteração na
estrutura da propriedade das maiores empresas brasileiras, com grande redução
no número de empresas estatais, crescimento do número de empresas de
propriedade estrangeira, além do aumento do número de empresas de propriedade
dominante minoritária. A participação das empresas estrangeiras no total das
receitas geradas pelas cem maiores empresas teve um aumento significativo na
década de 1990. As empresas de propriedade familiar mantiveram-se em número
estável ao longo da década, mas sua participação na receita decresceu de 23
para 17% (Tabela_3).
Uma visão mais específica das tendências de alteração no padrão de propriedade
das maiores empresas brasileiras ao longo da década pode ser obtida a partir
dos dados publicados pelo "Balanço Anual" da revista Exame. Comparando-se a
lista das quarenta maiores empresas classificadas pela origem do capital nos
anos de 1989 e 1999, observa-se que a parcela controlada pelo capital
estrangeiro aumentou de 37,5% para 45%, enquanto a participação do Estado foi
reduzida substancialmente. Entre essas empresas, no final dos anos de 1980,
catorze eram estatais, da quais restavam apenas oito em 1999. Entre as dez
maiores empresas, se em 1989 havia seis estatais, ao final da década de 1990
apenas três figuravam na lista.
Como se pode observar na Tabela_4, das companhias brasileiras privadas que
obtiveram melhor faturamento em 2000, a maior dela (Ambev) é fruto de uma
fusão, quatro (Telemar, Telesp e Vale do Rio Doce e Embratel) são resultantes
de privatização, e apenas três (Pão de Açúcar, Gerdau e Souza Cruz) são
genuinamente do setor privado.
Esse quadro contrasta com os baixos índices de desempenho da economia durante
toda a década de 1990. Revertendo a tendência de taxas de crescimento estáveis
durante o período da industrialização substitutiva, os anos de 1990
apresentaram uma queda ainda mais acentuada do PIB do que a verificada na
década anterior. Houve alguns momentos de expansão entre 1993 e 1994 e entre
1999 e 2000, porém sem recuperação de um ritmo mais constante de crescimento do
PIB. O Gráfico_5 mostra o fraco desempenho da economia brasileira nas duas
últimas décadas do século XX a partir das taxas médias de variação anual do
PIB.
É de se destacar as características do desempenho do setor industrial no quadro
descrito de declínio marcante nos índices de crescimento do PIB. Tal desempenho
oscilou bastante entre quedas acentuadas (1990, 1992, 1998 e 1999) e períodos
de recuperação (1993, 1994, 1997 e 2000). Neste último ano, não apenas se
verifica uma forte recuperação, como também a liderança do setor industrial no
crescimento do PIB (Tabela_5).
Considerando-se a participação relativa dos diferentes setores no PIB, observa-
se uma tendência à estabilização na participação de cada um a partir de 1994,
após um declínio verificado neste ano em relação a 1993. No entanto, a
indústria de transformação teve uma participação relativa, na faixa de apenas
25%, com um declínio muito ligeiro (Gráfico_6).
Os dados apresentados na Tabela_6 permitem uma avaliação mais precisa sobre o
desempenho relativo da indústria. Na indústria como um todo, houve um declínio
de sua participação relativa no PIB de 38,68%, em 1990, para 33,95%, em 1998.
Esse declínio foi um pouco mais elevado em relação à indústria de
transformação: de 26,54% para 20,29%, após expressivo aumento em 1993 para a
faixa de 29,06%. Em contrapartida, a indústria da construção civil aumentou
significativamente sua participação no PIB, constituindo-se o setor que, no
conjunto, apresentou melhor desempenho gradativo ao longo da década.
Cumpre ainda examinar as variações nas principais categorias da produção
industrial classificadas segundo a natureza dos bens produzidos. Observa-se
nesse caso uma flutuação significativa em seu desempenho, muito embora o
sentido geral tenha sido a tendência ao declínio a partir de 1993/1994,
particularmente expressivo nos setores de bens de consumo duráveis e bens de
capital. Nas categorias de bens intermediários, semiduráveis e não duráveis, as
taxas são mais indicativas de um padrão estável ao longo do período. Já entre
1999 e 2000, observa-se uma sensível recuperação nas taxas de crescimento dos
bens de capital e dos bens de consumo duráveis (Gráfico_7).
Como interpretar o desempenho da indústria no contexto do novo modelo em função
dos dados apresentados? Não é possível visualizar nenhuma tendência clara de
estabilização no desempenho da indústria brasileira no período abrangido pela
presente pesquisa.1 Ao contrário, a década onde foram instituídas as reformas
econômicas se caracterizou por uma grande instabilidade. A oscilação nos
índices de desempenho é indicativa de variações conjunturais às quais a
economia, num contexto de abertura de mercado, foi submetida - operação de
mecanismos seletivos, ausência de políticas industriais ou de projeto de
desenvolvimento. No entanto, comparado a contextos onde o baixo desempenho
industrial foi resultado de processos de conversão ao mercado, o caso
brasileiro, numa leitura mais positiva, talvez se caraterize por uma "depuração
seletiva", que não chegou a comprometer o parque industrial como um todo. É
evidente, contudo, que vários setores da indústria sofreram regressão, entre os
quais os setores de material elétrico, equipamentos eletrônicos, calçados,
vestuário e têxtil apresentaram retração superior a 40% (Anexo_1).
Mudanças na estrutura de representação de interesses
A reconfiguração que se observou no âmbito da estrutura produtiva brasileira a
partir das reformas que alteraram o papel relativo da indústria no conjunto das
atividades econômicas e redefiniram o perfil e a composição dos atores
econômicos refletiu-se também na sua organização para a ação coletiva. Dessa
forma, a estrutura de representação de interesses passou a ter uma nova
configuração para poder se adaptar a um contexto mais competitivo dos circuitos
globalizados e à expansão da presença do capital estrangeiro no cenário
doméstico. Com a ausência do apoio incondicional do Estado aos interesses da
indústria doméstica e com o deslocamento potencial, esse cenário contribuiu
para aumentar as incertezas no meio industrial como um todo e, em particular,
em alguns setores específicos.
Analisaremos os aspectos mais recentes dessas transformações estruturais, dando
continuidade a trabalhos anteriores (Diniz e Boschi, 2000a; 2000b), em que
outras dimensões da trajetória dos interesses organizados foram estudadas em
detalhe. É importante ressaltar primeiramente a idéia de uma alteração profunda
no marco da ação coletiva dos interesses organizados da indústria em função da
abertura de mercado e da privatização: de um cenário no qual predominava o
mercado protegido com uma estrutura oficial de organização dos interesses de
caráter compulsório, vislumbra-se atualmente um quadro de abertura pautado pela
competição e por um marco voluntário na organização da ação coletiva, o que
alterou a busca de eficiência e a ênfase no desempenho organizacional, como
incentivos seletivos para garantir a adesão de seus membros. A centralidade
relativa da estrutura corporativa oficial depende da reestruturação das
organizações no sentido de promover serviços especializados, evitando assim seu
esvaziamento, e ao mesmo tempo as associações independentes da indústria estão
voltadas tanto para a consecução de níveis crescentes de profissionalização,
como para a redefinição de sua base de atuação, num esforço de controlar os
free-riders potenciais.
Esta pesquisa baseou-se numa recente atualização de um banco de dados sobre as
organizações de representação de interesse do empresariado industrial para
avaliar as principais tendências dos interesses organizados. Um primeiro
aspecto refere-se à evolução da estrutura dual de representação a partir dos
anos de 1930 (Gráfico_8). Enquanto o pico da criação de entidades oficiais
(sindicatos) ocorreu na fase inicial do processo de industrialização, sobretudo
entre 1938 e 1945, com uma retomada nos anos de 1970, o período típico de
criação das associações extracorporativas (associações independentes) deu-se
entre os anos de 1970 e 1980. A década seguinte - período das reformas
orientadas para o mercado e das baixas taxas de crescimento econômico -
caracterizou-se por um estancamento no ritmo de criação dos dois tipos de
entidade, ainda que se pode observar mais recentemente um pequeno aumento no
número de novas associações.
Ainda que de maneira não sistemática, a pesquisa revelou por meio de diferentes
indicadores a adoção por parte de várias entidades de um novo modelo
profissional de gestão. Cada vez mais, as entidades parecem adotar um formato
de prestadoras de serviços, pautando sua atuação em moldes empresariais e
procurando oferecer soluções para problemas cotidianos das empresas.
A Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química) é um caso exemplar,
embora não seja exceção. A direção da entidade é totalmente profissionalizada:
há um conselho superior composto por empresários, ao qual o presidente
executivo responde em última instância. Este tem, no entanto, total autoridade,
representando a entidade para todos os fins, inclusive junto ao governo e à
opinião pública. Essa associação realiza uma série de atividades que,
anteriormente, eram desempenhadas por cada empresa de forma independente. Isso
ocorreu devido à necessidade de reestruturação das empresas em face da abertura
econômica e tornou a entidade uma verdadeira empresa prestadora de serviços.
Desde a manutenção de uma central de atendimento a clientes, até o oferecimento
de MBA's específicos para a área, a Abiquim realiza uma miríade de funções que
certamente ultrapassa a mera representação de interesses.
Muitas são as entidades que possuem diretores executivos, mas o grau de
profissionalização varia bastante. Há casos, como o da Abifarma (Associação
Brasileira da Indústria Farmacêutica) e o da já mencionada Abiquim, em que os
presidentes são verdadeiros executivos que desempenham até mesmo as atividades
políticas da entidade. O IBS (Instituto Brasileiro de Siderurgia) constitui um
caso em que o coordenador executivo tem visibilidade similar à de diretores-
empresários. Na Abinee (Associação Brasileira da Indústria Eletro Eletrônica),
não obstante o presidente ser empresário, as funções de caráter administrativo
são da responsabilidade do vice-presidente executivo, e, ao contrário do que
ocorre no IBS, o cargo técnico tem menos autonomia e visibilidade do que a
liderança empresarial propriamente dita.
Essas características são típicas de associações extracorporativas, mas
passaram também a constituir o perfil das principais entidades oficiais. A
própria Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), apesar das
resistências internas, tem buscado separar as funções técnicas das de direção,
e criou recentemente o cargo de diretor executivo: profissional em nível de
diretoria remunerado para o exercício da função. A CNI também apresenta essa
duplicidade de funções. Além do vasto corpo técnico, que atua em diversas
comissões temáticas, essa entidade apresenta em seu organograma três diretores
executivos.
Outra importante dimensão da profissionalização diz respeito às relações das
entidades com o governo. Com a importância que o poder legislativo vem
adquirindo no contexto das decisões políticas nacionais, diversas entidades
mantêm escritórios próprios ou contratados para desempenhar funções de lobby,
comumente denominadas de "relações governamentais". Quase toda a atividade de
lobby é realizada por equipes de profissionais. Essa nova realidade tem
contribuído, inclusive, para a consolidação de uma nova categoria profissional:
lobista dos interesses da indústria.
A centralidade alcançada pela arena congressual causou impacto em inúmeras
iniciativas do empresariado no sentido de modernizar e adaptar sua estrutura de
representação às mudanças do perfil institucional do país. Movimentos
importantes como a Ação Empresarial, diversas entidades de classe como a CNI, a
Fiesp e a ABDIB, entre outras, voltaram suas atividades para o Congresso, com o
qual passaram a manter um intercâmbio permanente, acompanhando a tramitação dos
projetos de interesse para o setor empresarial. Dentro dessa linha evolutiva,
alguns fatos merecem destaque.
O primeiro diz respeito à criação da Ação Empresarial, em 1991, para acompanhar
no Congresso a tramitação da lei de modernização dos portos. Destituída de uma
organização formal, a Ação Empresarial caracterizou-se desde o início como um
movimento dotado de muita flexibilidade e liberdade de ação, englobando um
amplo leque de interesses e atuando em momentos estratégicos para a defesa de
aspectos gerais da pauta empresarial. Além da nova legislação portuária, atuou
intensamente durante a revisão constitucional de 1995 e, mais recentemente, vem
concentrando sua atividade em torno da tramitação da reforma tributária no
Congresso. Mantém uma conexão mais estreita com a CNI e com o IBS (Instituto
Brasileiro de Siderurgia), os quais lhe fornecem suporte organizacional, além
de ter também vínculos com um grande número de organizações empresariais, o que
lhe dá um grande poder de mobilização. Na avaliação das lideranças
empresariais, a defesa de interesses abrangentes, que afetam o conjunto do
empresariado, foi uma experiência nova e bem-sucedida no âmbito da estrutura de
representação de interesses do empresariado brasileiro.
Outra inovação associada à centralidade da atividade parlamentar foi a criação
da Coal (Coordenadoria de Assuntos Legislativos) dentro da CNI. Trata-se de uma
assessoria para assuntos legislativos que tem por objetivo o acompanhamento dos
trabalhos legislativos de interesse para o empresariado industrial, fornecendo
informações para as diferentes entidades de classe acerca dos principais
projetos e, ao mesmo tempo, encaminhando aos parlamentares não apenas dados,
mas também sugestões formuladas pelas organizações empresariais. Há cinco anos,
a Coal edita e faz circular no meio empresarial a agenda legislativa, que
divulga informações sobre os vários projetos em tramitação, explicitando a
posição das entidades de classe e suas principais propostas.
A criação da Coal não é o único resultado do esforço modernizador que vem
alterando a forma de atuação da CNI. No decorrer da última década, a
tradicional entidade de cúpula do empresariado industrial passou por uma
revitalização que, se não pode ser entendida como uma transformação radical,
lhe deu maior dinamismo e representatividade. Por exemplo, reestruturação e
ampliação dos conselhos temáticos, que passaram a formular propostas para
diferentes áreas, tais como política industrial, desenvolvimento tecnológico,
relações de trabalho, integração internacional, comércio exterior, meio
ambiente, além de assuntos legislativos. Houve também uma importante mudança na
composição desses conselhos, que passaram a incorporar, ao lado das
organizações corporativas, as associações setoriais nacionais, como a ABDIB, a
Abiquim, a Abinee, a Anfavea, entre outras. Outro aspecto da modernização da
CNI foi a expansão e o aperfeiçoamento de seus quadros técnicos, bem como o
reforço de suas funções de assessoria em diferentes campos, além da produção e
divulgação de informações relevantes sobre questões econômicas e políticas de
interesse de seus associados. Em seu departamento de pesquisa, passou a
promover estudos para avaliar o impacto das políticas governamentais sobre os
diferentes setores industriais, realizando ainda consultas sistemáticas sobre
as opiniões dos empresários acerca dos rumos da economia e outros assuntos
relevantes da pauta empresarial.
O terceiro fato indicativo do processo de adaptação das organizações
empresariais ao novo contexto foi a criação da Onip (Organização Nacional da
Indústria do Petróleo). Caracterizando-se como uma organização não-
governamental de caráter mobilizador, a Onip reúne os interesses da cadeia
produtiva do petróleo em operação no país. Propõe-se a atuar como um espaço de
articulação e cooperação envolvendo os principais atores - Petrobrás,
empresas privadas, entidades de classe e órgãos governamentais - na busca
de estratégias comuns para a expansão e o fortalecimento da cadeia produtiva
como um todo. Em outros termos, busca-se chegar a um consenso em torno de
interesses comuns, para além das diferenças setoriais. Ao contrário das
organizações anteriores, o alvo da atuação da Onip é o poder Executivo,
destacando-se a ANP (Agência Nacional do Petróleo), o Banco Central, o BNDES,
os ministérios da Fazenda, Ciência e Tecnologia, Desenvolvimento e outros.
Entre as entidades de classe, estão incluídos sindicatos e federações patronais
integrantes da estrutura corporativa ao lado das associações setoriais
nacionais ligadas à cadeia do petróleo. A articulação com o governo se dá por
meio da montagem de uma rede de conexões que envolve os diferentes atores,
segundo um padrão informal, não havendo canais e arenas institucionalizadas de
negociação e de acesso.2
Estratégias de desenvolvimento: alternativas e perspectivas
Em trabalho anterior (Diniz e Boschi, 2001), analisamos a avaliação das
principais lideranças empresariais acerca do impacto das políticas
macroeconômicas executadas ao longo dos anos de 1990 na estrutura produtiva e
nos rumos da economia do país. Como ressaltamos, houve consenso em torno da
importância da estabilização econômica, percebida pela totalidade dos
entrevistados como um ganho do governo Fernando Henrique Cardoso. Entretanto,
com relação às reformas orientadas para o mercado, o que predominou foi uma
atitude crítica quanto ao ritmo e à forma de implementação dessas reformas. Os
erros de execução foram causados, segundo os empresários, pelas dificuldades
enfrentadas pelas empresas brasileiras, submetidas a uma profunda
reestruturação sem o respaldo de políticas governamentais eficientes, capazes
de conduzir a uma adaptação equilibrada e gradual. Essa lacuna explicaria o
impacto destrutivo sobre o setor industrial, o qual se manifestou por inúmeros
indicadores. Fechamento de empresas, falências, associações e fusões com
empresas estrangeiras, queda substancial do nível de emprego na indústria,
desarticulação de cadeias produtivas já consolidadas (como a cadeia eletro-
eletrônica), ampla desnacionalização da economia, tudo isso foi apontado como
as principais conseqüências da abertura descontrolada e do aumento da
vulnerabilidade externa da economia, principalmente entre 1995 e 1998,
sobressaindo entre os setores mais afetados as indústrias têxtil, de máquinas e
equipamentos, de autopeças e de produtos eletrônicos. Essa avaliação negativa
não se ocasionou, entretanto, um movimento de resistência organizado. Ao
contrário, as principais entidades empresariais, representadas nas declarações
e nas ações de suas lideranças mais expressivas, mantiveram o apoio à agenda
governamental. O êxito do plano real garantiu a unidade do conjunto da classe
em torno da estabilidade econômica, a despeito do sacrifício imposto a alguns
setores, desencorajando manifestações de dissidência e isolando os mais
descontentes.
Esse quadro alterou-se no final da década de 1990, quando surgiram os primeiros
indícios de ruptura do consenso, o qual, certamente, foi a base de sustentação
do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. As divergências na
coalizão dominante manifestaram-se em diferentes níveis. No círculo
governamental, a corrente liberal-desenvolvimentista fortaleceu-se sob a
liderança de figuras de peso, como o ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros.
Para além da burocracia governamental, no meio empresarial, observou-se também
uma importante fissura no apoio do conjunto da classe às políticas liberais.
Essa cisão veio a público durante o ano eleitoral de 1998, numa conjuntura
marcada pela proposta de reeleição do presidente em exercício e pelo debate em
torno da necessidade de uma redefinição de rumos. A postura crítica foi
liderada por duas importantes organizações empresariais - Fiesp e Iedi
(Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) - e por um grupo
recém-constituído, integrado por oito organizações empresariais - Movimento
Compete Brasil -, delineando-se pela primeira vez um esforço de resistência
conjunta. A despeito das diferenças de cada um desses segmentos, havia
convergência de opinião quanto à redefinição de prioridades a favor da retomada
do desenvolvimento e à adoção de uma política industrial que ajudasse a
revitalizar a indústria brasileira.
Uma nova conjuntura estava então se formando, cujo cerne era a idéia de que a
estabilidade econômica não bastava, seria preciso uma reorientação drástica na
política econômica, tendo em vista um projeto de mais longo prazo. Abertura
indiscriminada, juros altos e sobrevalorização da moeda teriam criado um
ambiente muito favorável aos interesses financeiros em detrimento dos
interesses industriais, privilegiando ainda o capital estrangeiro em detrimento
do doméstico, o que também teve implicações negativas para o conjunto da
economia ao gerar estagnação e altas taxas de desemprego. Dessa perspectiva,
estariam esgotadas as condições para a permanência da política de estabilização
como prioridade exclusiva e absoluta do governo. A preocupação unilateral com o
controle da inflação, associada ao ajuste fiscal a qualquer custo, conduziram o
país a um impasse, pois estagnaram o crescimento e inviabilizaram de fato uma
estratégia de desenvolvimento sustentado. Além disso, não existia no governo um
espaço institucional onde essas propostas pudessem ser discutidas e que se
configurasse como centro de confluência das expectativas de mudanças.
Nesse contexto surgiu a proposta de criação do Ministério da Produção, idéia
essa que não foi levada a cabo, mas que, posteriormente, deu origem ao
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Isso sinalizou a
intenção de se construir um espaço de discussão para as questões ligadas à
expansão da base produtiva e à retomada do desenvolvimento. Fatores externos
vinculados à crise internacional decorrente da moratória da Rússia e ao novo
acordo com o FMI (pelo qual se negociou um pacote de US$ 41 bilhões nas
vésperas da reeleição do presidente), ao lado de problemas internos
relacionados às suspeitas de irregularidades no programa de privatizações,
provocaram uma mudança expressiva da política econômica. Entre as principais
inovações, destacam-se a elevação do superávit primário para 3,75%, a
substituição do regime de câmbio fixo pela liberdade cambial e o reforço da
austeridade fiscal com a lei de Responsabilidade Fiscal. Após a reeleição, o
presidente Fernando Henrique substitui Gustavo Franco na presidência do Banco
Central pelo economista Armínio Fraga, deflagrando uma nova fase a partir de
1999, que arrefeceu as condições inibidoras do dinamismo da economia e
possibilitou a ocorrência de surtos espasmódicos de crescimento quando as
condições internacionais se tornaram menos restritivas. Sob tais condições,
verificou-se o restabelecimento do consenso em torno da prioridade da
preservação dos fundamentos macroeconômicos.
Estabilidade de preços, austeridade fiscal e equilíbrio das contas públicas
assumiram mais uma vez o status de primeiro lugar na agenda governamental,
determinando um refluxo das demandas em prol da ênfase desenvolvimentista.
Observou-se ainda o restabelecimento da hegemonia do Ministério da Fazenda e do
Banco Central na orientação da política econômica, relegando o Ministério do
Desenvolvimento a uma posição subordinada. Por outro lado, apesar de contida, a
demanda pela revisão do modelo econômico não desapareceu. Entre os críticos da
rigidez fiscal, algumas lideranças empresariais, em diferentes momentos ao
longo do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, defenderam a
redefinição de prioridades a favor do fortalecimento do parque produtivo
nacional, da expansão das exportações e de uma política mais agressiva de
comércio exterior.3 Assim, a constância da meta do desenvolvimento foi um fator
importante para a reativação do debate em torno da busca de uma nova estratégia
econômica para o país.4
Nesse sentido, a proposta de criação da Alca (Área de Livre Comércio das
Américas), ao mesmo tempo em que foi percebida como uma oportunidade a longo
prazo de estimular o desenvolvimento pela expansão do comércio exterior,
suscitou críticas do empresariado em função das condicionalidades impostas
pelos Estados Unidos durante o processo de negociação do novo bloco comercial.
Dessa forma, expressas em documentos da CNI e do Iedi, essas críticas se
dirigiram, fundamentalmente, às barreiras tarifárias e não tarifárias que
incidem sobre produtos de exportação, onde o Brasil é competitivo, de forma a
reverter as condições de assimetria avaliadas como prejudiciais aos interesses
do país e da indústria nacional. Além disso, a opção pela Alca reduziria as
vantagens comparativas que o Brasil atualmente desfruta nas áreas de comércio
latino-americanas, como a Aladi (Associação Latino-americana de Integração) e,
principalmente, o Mercosul.
As posturas do empresariado são, aliás, congruentes com o questionamento da
forma pela qual foi realizado o processo de liberalização comercial, assim como
com a idéia de que é essencial para a definição de uma nova estratégia de
desenvolvimento a capacidade de exportação. Cumpre salientar também, na
perspectiva de avaliação do significado da Alca, a necessidade de reforma
tributária e a redução do chamado custo Brasil como possibilidade de alavancar
as exportações em setores em que o país possa ser competitivo.
A conjuntura eleitoral de 2002 reacendeu o debate em torno da retomada do
desenvolvimento, num processo em que a convergência das propostas das
principais entidades empresariais foi considerada o elemento central. Reitera-
se, nesse sentido, a noção de que a alternativa para a retomada do
desenvolvimento residiria em corretivos ao processo de abertura indiscriminada
da economia, instaurado durante as década de 1990. Assim a ênfase de três
propostas formuladas pela CNI, Fiesp e pelo Iedi no primeiro semestre de 2002
centrou-se na urgência da adoção de uma política industrial consistente de
estímulo às exportações e à substituição competitiva de importações, de forma a
reduzir o déficit da balança comercial, com uma série de efeitos em cadeia,
como a criação de capacidade tecnológica, produção de bens de alto valor
agregado, aumento de produtividade e expansão do emprego na indústria.5 A idéia
central comum às três propostas é a recuperação do dinamismo da economia e a
consecução de metas de crescimento econômico que, segundo a Fiesp, deveria
alcançar um nível próximo a 5% ao ano. Também o crescimento do emprego
constitui-se um importante vetor dos documentos, assim como a reversão no
processo de informalização do mercado de trabalho. Por fim, a reforma
tributária foi apresentada como um objetivo estratégico para viabilizar o
processo de desenvolvimento, reduzindo o chamado custo Brasil pela eliminação
de impostos cumulativos e pela racionalização da carga fiscal. Quanto aos
aspectos mais específicos das propostas, é possível organizar as sugestões em
duas dimensões, quais sejam, a política industrial propriamente dita e as
condições institucionais para a sua viabilização.
O programa de desenvolvimento industrial sugerido pela CNI articula-se em torno
de três eixos: política de comércio exterior e de negociações comerciais
internacionais, política de inovação tecnológica e política de desenvolvimento
e integração nacional voltada para a redução de disparidades regionais. No
interior destes, destacam-se itens como a idéia de fortalecer a Câmara de
Comércio Exterior e de formular um plano estratégico de desenvolvimento de
exportações, além do apoio a projetos de substituição competitiva de
exportações. São apontados ainda os desafios a serem vencidos dentro desse
campo, a maior parte dos quais concernem à correção de distorções introduzidas
pelo processo de abertura comercial indiscriminada.
Um aspecto bastante diferenciado do documento da CNI diz respeito aos desafios
na área de inovação tecnológica. As propostas discutem não apenas a questão da
capacitação tecnológica comumente suscitada para o campo de pesquisa e
desenvolvimento, mas também a necessidade de financiamento às diversas
atividades de inovação, assim como o tratamento tributário adequado e o
incremento à formação de redes e parcerias. Paralelamente a esse debate, foi
realizado um importante trabalho que resultou na criação, em fevereiro de 2002,
da Protec (Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica), por ocasião de uma
reunião na Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos
(Abimaq). Esse projeto contou com o apoio de associações de indústrias e das
federações, no sentido de mobilizar o setor produtivo e a sociedade em geral
para a criação e o aprimoramento de políticas de incentivo à inovação
tecnológica, as quais garantiriam ao país uma maior competitividade.6 Foi
também realizado, em julho de 2002, o primeiro Encontro Nacional da Inovação
Tecnológica para Exportação e Competitividade - Enitec.
O aspecto peculiar das propostas desenvolvidas na Fiesp enfatiza a constituição
de grupos empresariais brasileiros de porte mundial, no sentido de fortalecer e
ampliar a inserção do país no cenário internacional. É com relação ao
estabelecimento de um novo marco regulatório, contudo, que a proposta da Fiesp
mais se diferencia. O documento considera a criação de instituições reguladoras
fortes e desburocratização do Estado imperativos ao aumento de competitividade
da indústria brasileira.
Para a viabilização dessas propostas, sobretudo nos documentos da CNI e da
Fiesp foi dada muita ênfase ao ambiente político institucional. A garantia de
condições de governabilidade é vista pelo prisma da reforma política,
englobando nesse sentido mecanismos de fortalecimento dos partidos políticos,
fidelidade partidária e transparência do processo eleitoral, inclusive no que
diz respeito às regras de financiamento de campanhas, além do aperfeiçoamento
do processo legislativo. Ademais, o papel do Judiciário foi considerado
condição essencial para o funcionamento eficiente do mercado, reiterando,
basicamente, a garantia de contratos e o respeito à propriedade. A reforma
poderia se dar seja por meio do aprimoramento das regras relativas ao processo
judiciário, seja dotando o poder Judiciário de maior autonomia, como
explicitado no documento da CNI.
Conclusão
O presente trabalho procurou avaliar o impacto das políticas governamentais ao
longo dos anos de 1990 - notadamente a estabilização econômica e as
reformas orientadas para o mercado - na estrutura produtiva do país, na
organização dos interesses do empresariado industrial, assim como na percepção
das lideranças empresariais acerca dos desafios e das perspectivas apresentadas
ao país.
Observou-se em primeiro lugar uma profunda reestruturação econômica do país,
alterando-se os fundamentos do capitalismo industrial herdados da estratégia
desenvolvimentista. O modelo do tripé, consolidado no regime militar, que se
caracterizava por um certo equilíbrio entre os setores estatal, privado
nacional e privado estrangeiro, alterou-se de forma substancial pelo refluxo do
Estado-empresário, pelas privatizações, pela influência cada vez maior de
grupos transnacionais e, ainda, pelo drástico estreitamento do espaço das
empresas nacionais. A desnacionalização da economia alcançou proporções até
então inéditas, delineando-se uma nova ordem econômica, marcada pela primazia
do capital internacional. Além disso, a prioridade absoluta atribuída às metas
de estabilização econômica, à austeridade fiscal e ao equilíbrio das contas
públicas traduziu-se no baixo desempenho da economia. Oscilou-se entre a
estagnação econômica e momentos de surtos episódicos de crescimento, os quais
eram revertidos sempre que as condições externas se tornavam adversas. Baixas
taxas de crescimento, redução da produção industrial, aumento do desemprego e
expansão do setor informal, altas taxas de juros e escassez do crédito, redução
das exportações e aumento das importações, tudo isso manteve a produção
doméstica sob limites particularmente rígidos, manifestados pelo grande número
de concordatas, falências, fusões e reestruturação patrimonial.
A despeito das dificuldades, das incertezas e da insatisfação de segmentos
expressivos do empresariado, não se observou nenhuma ação de resistência
organizada. Ao contrário, predominaram o apoio à agenda neoliberal e a adesão
ao consenso criado pelo êxito do Plano Real. Este, além de ser um marco no
controle do processo inflacionário, representou um importante capital político,
garantindo a legitimidade da agenda governamental.
Em contrapartida, no final da década de 1990, a eclosão de sucessivas crises no
cenário internacional levou a um acirramento das posições em relação às
potencialidades do modelo econômico. As críticas à política econômica centrava
no eixo da sobrevalorização cambial e nas altas taxas de juros já se faziam
presentes na agenda do empresariado, e o debate chegou a um razoável consenso
acerca da necessidade de se retomar o crescimento por meio de uma política
industrial consistente, centrada no aumento das exportações e na inserção
competitiva do país no cenário internacional.
Num quadro de progressiva fragmentação da dinâmica dos interesses organizados e
sua evolução para uma direção mais competitiva, é interessante ressaltar a
convergência entre as propostas das principais entidades porta-vozes do
empresariado, como a CNI, a Fiesp e o Iedi, no que diz respeito a uma
expressiva reorientação da política econômica, ou seja, a necessidade de se
priorizar a meta do desenvolvimento com capacitação tecnológica e geração de
empregos.
No novo ambiente institucional, foi fundamental o fato de a ação coletiva ter
começado a se pautar pela lógica da competitividade, isto é, pela operação de
incentivos seletivos como o mecanismo principal da lógica de associação. Em
outras palavras, a desconstrução do antigo corporativismo, somada ao próprio
processo gradual de transformação e adaptação da estrutura de representação de
interesses, sobretudo nas décadas mais recentes, romperam com os parâmetros de
atuação dos interesses organizados, quais sejam, a prevalência do monopólio da
representação e a obrigatoriedade de filiação. O caráter voluntário passou a
ser o motor da organização coletiva.
Entretanto, poderia estar se desenhando uma assimetria na capacidade de
organização dos interesses entre as classes, ainda maior do que aquela
observada no âmbito do velho corporativismo. A desmobilização do sindicalismo,
as altas taxas de desemprego e o declínio da política social contribuíram para
a intensificação dessa desigualdade estrutural, sobretudo no plano das relações
com o Estado em que a ação coletiva vem sendo reestruturada.
O quadro de fragmentação dos interesses privados e sua lógica de atuação
pautada pela competição, somados aos novos padrões de acesso ao setor público
pela via de lobbies, autorizam a qualificar o conjunto desses processos como
uma certa "americanização" das relações público/privado. A esse respeito,
cumpre ressaltar como algo positivo a capacidade de recomposição e a
flexibilidade de adaptação da representação dos interesses, que possui um rico
potencial de se institucionalizar nas mais diferentes direções. Em
contrapartida, de maneira não tão positiva, destaca-se a capacidade dos
interesses privados, que são mais organizados, em se apropriar do espaço
público.
Na estrutura de representação de interesses do empresariado industrial, podem
ser detectados pontos de continuidade e de ruptura. Quanto aos primeiros, a
estrutura formal permaneceu destituída de uma organização de cúpula abrangente
capaz de dar forma e expressão a interesses multisetoriais. Por outro lado,
como resultado do processo adaptativo da última década, surgiram novas
organizações voltadas para a articulação e a mobilização de setores da produção
industrial ou mesmo do conjunto do empresariado para a negociação junto ao
Executivo ou ao Legislativo, tendo em vista a defesa de políticas de interesse
da classe empresarial em seu conjunto ou de alguns segmentos mais expressivos.
Este é, como foi analisado, o caso da Onip, que representa os interesses da
cadeia produtiva do petróleo, e o da Ação Empresarial, movimento integrado por
mais de cinqüenta entidades empresariais para acompanhar e influir na aprovação
de leis que afetam o funcionamento do mercado brasileiro, como a nova lei dos
portos e das patentes, além da reforma tributária. Um outro exemplo nessa mesma
direção é o da criação da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica
(Protec), fundada por quinze entidades empresariais com o objetivo de
desenvolver uma política industrial de fomento direto à geração de novas
tecnológicas, componente fundamental da agregação de valor e competitividade da
produção nacional. Trata-se de iniciativas inovadoras que tendem a tornar mais
dinâmico o complexo organizacional do empresariado industrial. Buscam formas de
ação capazes de contornar a heterogeneidade, as clivagens e as divisões
internas, mobilizando interesses mais gerais e procurando articular formas
concertadas de atuação.
Finalmente, é possível apontar mudanças importantes em curso no que diz
respeito aos rumos do capitalismo no país e sua inserção na nova ordem
internacional. Verifica-se, em primeiro lugar, que as reformas econômicas e a
conseqüente reestruturação produtiva ocasionaram alterações nas relações
estratégicas entre os atores. Estas, por sua vez, influenciaram o padrão de
atuação coletiva e de organização dos interesses do empresariado. Sob esse
ponto de vista, o que ocorreu de mais significativo foi a tendência a
contrabalançar a dispersão por meio da construção de plataformas mais
aglutinadoras, ainda que provenientes de organizações mais específicas,
voltadas para objetivos delimitados. Por outro lado, os programas e as
alternativas propostos pelas entidades de caráter mais abrangente têm se
encaminhado em direção de uma perspectiva mais afinada com a viabilidade de
alternativas comprometidas a uma estratégia de desenvolvimento de mais longo
prazo, capaz de superar as limitações impostas por um contexto internacional
extremamente restritivo. Essa estratégia implica, segundo a visão desses
atores, a correção seletiva do processo de abertura da economia e a revisão de
pontos fundamentais da política econômica, embora mantenha o compromisso com a
preservação da estabilidade econômica. Resta saber como compatibilizar essas
metas, ou seja, como ampliar a liberdade na administração das condicionalidades
externas e articular internamente uma coalizão capaz de sustentar essa via
alternativa.
NOTAS
1 De fato, dados divulgados pela imprensa para o ano de 2001 e a projeção para
2002 revelaram uma queda acentuada da produção industrial e do PIB em 2001 em
relação a 2000. A produção industrial apresentou queda de 6,64 para 1,41 na
variação percentual anual, com projeção de declínio para 2002. No caso do PIB,
a queda foi de 4,36% para 1,51% com a projeção de crescimento para 2002 não
superior a 2,1% (Folha de São Paulo, 18/5/2002).
2 Ver a lista de membros da ONIP no Anexo_2.
3 A esse respeito ver, por exemplo, Coalizão Empresarial (1999, 2000) e Iedi
(2002).
4 Como parte desta pesquisa realizamos um levantamento nos jornais Folha de São
Paulo, para o período de 1994 a 1998, e O Globo, para os anos de 1998 e 2002,
com o objetivo de apreender as conjunturas eleitorais. Apuramos a constância do
tema da política industrial quando anunciado pelas principais entidades do
empresariado nesses período. Em relação à Fiesp, a demanda por política
industrial constituiu, em ambos os jornais, cerca de 20 a 24% do total das
matérias veiculadas sobre a entidade. No caso da CNI e do Iedi, embora as
matérias publicadas contivessem em sua maioria críticas à política econômica do
governo, a demanda por política industrial também constituiu um conjunto
expressivo, com cerca de 17 a 18% das matérias voltadas para esse tema.
5 Cf. Iedi (2002), Fiesp/Ciesp (2002) e CNI (2002).
6 O Conselho Deliberativo da Protec tem, como membros titulares, os presidentes
das quinze entidades fundadoras. A presidência está a cargo de Luiz Carlos
Delben Leite, presidente da Abimaq; integram também a diretoria, José Miguel
Chaddad, diretor da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e
Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei), e Nelson Brasil de Oliveira,
diretor da Associação Brasileira da Indústria de Química Fina e Biotecnologia
(Abifina), a qual sediará a Protec no Rio de Janeiro. A entidade também
realizará reuniões regulares em São Paulo. Como vice-presidentes, Eduardo
Eugênio Gouvêa Vieira, presidente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro
(Firjan); Horácio Lafer Piva, presidente da Fiesp; José Carlos Gomes Carvalho,
presidente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná; José Fernando
Faraco, presidente da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina
(Fiesc); e Robson Braga de Andrade, presidente da Federação das Indústrias do
Estado de Minas Gerais (Fiemg). Como conselheiros, Carlos Paiva Lopes, da
Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee); Celso
Antonio Barbosa, da Anpei; Dante Alário Júnior, da Associação dos Laboratórios
Nacionais (Alanac); Fernando Sandroni, do Centro das Indústrias do Rio de
Janeiro (Cirj); José Augusto Marques, da Associação Brasileira da Infra-
Estrutura e Indústrias de Base (Abdib); Luiz Carlos Baeta Vieira, do Centro de
Integração de Tecnologia do Paraná (Citpar); Luiz Cezar Auvray Guedes, da
Abifina; Mário Bernardini, do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo
(Ciesp); e Sérgio Moreira, do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas (Sebrae). Os empresários apresentaram a Protec para Fernando Henrique
Cardoso em 5/3/2002 (cf. http://www.brasilnews.com.br).