Coalizões eleitorais e ajuste fiscal nos estados brasileiros
Introdução
Em países federais que retornaram ao voto popular para a escolha dos ocupantes
dos cargos no Executivo, e que, simultaneamente, assumiram o ajuste fiscal como
prioridade, os estados passaram a jogar um papel importante no que se refere ao
impacto de políticas restritivas de gasto sobre os resultados eleitorais. No
entanto, a maioria das pesquisas tem se concentrado na esfera nacional,
focalizando suas instituições políticas e as conseqüências da política federal
de ajuste fiscal sobre as demais políticas públicas nacionais.1 No entanto, em
países federais, em especial naqueles onde os estados detêm parcela
considerável da receita e da despesa públicas, é importante analisar, também, o
universo estadual.2
Este artigo analisa por que e como os estados adotaram a política federal de
ajuste fiscal e as repercussões dessa política nos resultados eleitorais do
ponto de vista territorial e das características socioeconômicas dos municípios
onde votam os eleitores. O objetivo não é investigar o papel desempenhado pelo
ajuste fiscal nas preferências dos eleitores, dado que inúmeras variáveis
influenciam os resultados eleitorais, mas identificar a existência ou não de
mudanças nos resultados eleitorais do ponto de vista territorial a partir da
adoção de políticas restritivas de gasto. No mesmo veio, não se busca mensurar
o impacto eleitoral da política de ajuste fiscal, mas analisar onde as
coalizões que implementaram o ajuste fiscal ganharam ou perderam votos do ponto
de vista territorial. Essa investigação justifica-se porque, com a
redemocratização e o retorno das eleições diretas para governador, é preciso
entender melhor a influência de políticas que mudam o status quo sobre a
formação de coalizões eleitorais. Isso porque, como subsumido por vários
autores, políticas de ajuste fiscal mudariam as relações que se estabelecem
entre as coalizões que governam e os eleitores.
Se, do ponto de vista das reformas macroeconômicas, o papel dos estados tem
sido mais pesquisado, como se verá adiante, do ponto de vista político ainda
conhecemos pouco como funciona o universo político estadual no Brasil.3 Na
literatura brasileira, poucos trabalhos focalizam o papel dos estados na
produção e na implementação de políticas de ajuste fiscal, embora pesquisas
recentes analisem questões fiscais e orçamentárias vis-à-visa dinâmica política
em algumas instâncias estaduais.4
Diante disso, existem lacunas na literatura e na pesquisa que precisam ser
preenchidas. Uma dessas lacunas refere-se à análise sobre o formato e a
operacionalização de políticas públicas estaduais, como a do ajuste fiscal, e
sua relação com a formação de coalizões eleitorais de apoio a essa política.
Esta pesquisa é uma tentativa de preencher essa lacuna, apoiando'se em dois
pilares: (a) na agenda macroeconômica, em especial o ajuste fiscal, para
entender as respostas dadas pelos estados à política federal de ajuste fiscal;
e (b) na agenda político-eleitoral, para investigar o impacto das políticas de
ajuste nos resultados eleitorais.
Este trabalho parte do seguinte problema central: desde a redemocratização e da
promulgação da Constituição de 1988, o Brasil passou a ter um sistema político
e tributário bastante descentralizado em comparação com o regime anterior e com
outros países em desenvolvimento. Assim, o papel das esferas estaduais ganhou
maior importância e visibilidade. Apesar disso, após mais de uma década de
redemocratização e passados alguns anos de implementação do ajuste fiscal nos
estados, não sabemos o impacto dessa política nos resultados eleitorais.
Busca-se, então, aprofundar o entendimento sobre as seguintes questões
centrais:
a) Por que os estados brasileiros aderiram às políticas federais
restritivas de gasto, uma vez que, em países federais, os estados
podem ou não aderir a essas políticas?
b) Por que políticas de ajuste fiscal não afetaram o apoio dos
eleitores às coalizões políticas estaduais que implantaram o ajuste?
Este trabalho questiona a hipótese de alguns autores, principalmente dos
chamados brasilianistas, de que a política estadual no Brasil é movida apenas
por lógicas clientelistas, pela manutenção de políticas que não afetam o status
quo(política tradicional) e pelo uso dos recursos públicos para sustentá-la.5
Se essa hipótese fosse verdadeira, políticas de ajuste fiscal seriam
impossíveis na esfera estadual, principalmente em estados que abrigam altos
contingentes de eleitores pobres. São representativos dessas interpretações
trabalhos como os de Ames (1996; 2001), Hagopian (1996),6 Mainwaring (1999),
Samuels e Mainwaring (2004) e Weyland (1996). A partir da interpretação desses
autores, políticas de ajuste fiscal, altamente restritivas de gastos, seriam
inviáveis nas esferas estaduais, tendo em vista que os custos dessas práticas
são sustentados por recursos públicos, principalmente pelo emprego público.7
Esta pesquisa testa duas hipóteses alternativas. A primeira é a de que
políticas restritivas de gasto adotadas por algumas coalizões político-
eleitorais estaduais nos anos de 1990 não afetaram as bases territoriais de
apoio dos governadores que as implementaram. A segunda é a de que as
características socioeconômicas dos eleitores têm pequena ou nenhuma
significância no apoio ou na rejeição a políticas de controle fiscal. Se a
hipótese de que a política estadual seria tão-somente movida pelo clientelismo
fosse verdadeira, poder-se-ia inferir que nos municípios menos urbanizados, com
menores receitas per capitae com mais baixos IDHs (Índice de Desenvolvimento
Humano), seus eleitores seriam mais suscetíveis ao clientelismo e tenderiam a
rejeitar políticas restritivas de gasto. O teste das duas hipóteses
alternativas foi feito em três estados selecionados ' Bahia, Ceará e Paraná ',
comparando o resultado das eleições de 1994, antes do ajuste fiscal, com a de
1998, após o ajuste, e relacionando-os às condições socioeconômicas dos
eleitores.
Argumento que a política estadual não é movida por uma única lógica ' como a do
clientelismo e rejeição a políticas que mudam o status quo ', mas por várias,
daí ser possível conciliar políticas restritivas de gasto com vitórias
eleitorais. Mesmo não negando a existência de relações de trocas clientelistas
nos estados, essas relações, contudo, não impedem a adoção de políticas que
mudam o status quoe não reduzem as possibilidades de políticas restritivas de
gasto. Os dados e as análises aqui apresentados mostram que os governadores
podem conciliar a adoção de políticas restritivas de gasto com vitórias
eleitorais. Isso foi possível porque em alguns estados seus dirigentes
conseguiram manter suas bases territoriais de apoio tanto na subcoalizão
metropolitana como na subcoalizão periférica, nos termos desenvolvidos por
Gibson (1997), que serão discutidos adiante. Essas coalizões foram capazes de
conciliar o apoio de eleitores dos municípios menos urbanizados, com baixos
índices de receita per capita municipal e com baixos IDHs, com os votos de
regiões do estado onde as condições socioeconômicas da população são menos
precárias.
Apresento, primeiro, os detalhes do ajuste fiscal dos estados, assim como os
resultados eleitorais para governador em 1994, 1998 e 2002. As seções seguintes
detalham o ajuste nos três estados selecionados e debatem algumas hipóteses
sobre os temas da pesquisa. Por fim, dados e análises estatísticas e
econométricas sobre o rebatimento territorial do ajuste fiscal nos resultados
eleitorais de estados selecionados são utilizados para discutir as hipóteses e
o argumento desta pesquisa.
Ajuste fiscal e contexto político-eleitoral nos anos de 1990
Muitos países em desenvolvimento e em processo de consolidação de seus regimes
democráticos estão buscando cumprir duas agendas comuns e simultâneas: uma
voltada para a arena macroeconômica e outra, para a arena político-eleitoral.
As reformas macroeconômicas visam à inserção desses países na chamada economia
globalizada, sendo o controle fiscal parte fundamental dessa agenda. Já a
agenda político-eleitoral visa à construção ou reconstrução das instituições
democráticas, mas objetiva também a formação de coalizões eleitorais que dêem
aos partidos políticos vitórias eleitorais. Essas agendas tentam conciliar uma
disciplina fiscal austera com vitórias eleitorais.
Do lado da agenda macroeconômica, o papel dos estados é significativo por ser o
Brasil um dos países mais descentralizados do ponto de vista tributário entre
os do mundo em desenvolvimento, o que torna os governos estaduais importantes
implementadores de políticas públicas e em uma das peças principais do ajuste
fiscal. Desse ponto de vista, a importância dos governos subnacionais é
inegável: essas esferas arrecadam hoje 32% dos impostos coletados e, quando
incluídas as transferências federais, são responsáveis pela gestão de 43% dos
recursos tributários.8 Do lado da despesa, os governos subnacionais respondem
por 70% dos gastos com pessoal e por 78% dos gastos sociais, excluindo a
seguridade social (Afonso, 2006). Apesar das recentes medidas de redução da
descentralização tributária, o papel dos estados e dos municípios continua
significativo no contexto das contas públicas.
No entanto, a participação dos estados na receita tributária global vem
decrescendo vis-à-visas duas outras esferas de governo. Apesar de os estados
coletarem o maior imposto em termos absolutos ' o ICMS ', em uma perspectiva
histórica sua participação no bolo tributário nacional está diminuindo. Em
1960, a participação dos estados era de 34%, caindo para 22% durante o regime
militar. Nos anos iniciais da redemocratização, os estados conseguiram
recuperar sua posição relativa, alcançando, em 1991, 29%, do total dos recursos
tributários. Após esse período, a participação dos estados na receita
tributária total vem declinando, atingindo 25% em 2003 (Afonso, 2004). Apesar
desse relativo declínio, os estados continuam administrando parcela importante
da receita e da despesa pública total, e, mais do que isso, são grandes
devedores.
Os dados e os fatos mostram a importância dos governos estaduais no controle da
receita, da despesa e do endividamento públicos, inclusive no médio e longo
prazo.9 No entanto, a questão a ser discutida em relação à agenda
macroeconômica é saber por que os políticos estaduais aceitaram as políticas
restritivas de gasto formuladas pelo governo federal. Também importante é
investigar em que itens de despesas incidiram os cortes, dado que com a
renegociação de suas dívidas com o governo federal, parcela considerável dos
recursos estaduais passou a ser canalizada para o pagamento da dívida.
A política federal de ajuste fiscal nos estados
O endividamento dos estados nas últimas décadas teve início com a reforma
tributária de 1966, aliada à política do regime militar de autorizar os estados
a contraírem novas dívidas para o financiamento de dívidas anteriores, com o
objetivo de manter o alto ritmo dos investimentos. Com a Constituição de 1988,
a questão dos recursos estaduais foi parcialmente equacionada, tanto a dos
estados economicamente mais desenvolvidos, pelo aumento da base do ICMS, como a
dos menos desenvolvidos, pelo aumento das transferências federais para o FPE '
Fundo de Participação dos Estados. No entanto, o equacionamento da dívida
passada só ocorreu quando o Plano Real conseguiu controlar a inflação,
permitindo ao governo federal adotar mecanismos para enfrentar o que era
considerado um dos pilares da estabilização fiscal: o controle das contas
públicas e do endividamento dos estados. Isso porque a dívida líquida de
estados e municípios vinha aumentando ininterruptamente, de 5,8% do PIB, em
1989, para 13%, em 1997, impulsionada, inclusive, pela política de juros altos
que sustentava o Plano Real. A participação dessa dívida na dívida total
líquida do setor público, que era de 15% em 1989, alcançou 42% em 1997 (Rigoton
e Giambiagi, 1998).10
A tarefa do governo federal não seria fácil, uma vez que entre 1988 e 1997 sete
acordos foram firmados entre o governo federal e os estados para a renegociação
de suas dívidas, os quais não foram cumpridos pelos estados.11 Com a
consolidação do Plano Real, o governo federal baixou várias medidas voltadas
para a renegociação das dívidas estaduais, para a privatização ou extinção dos
bancos comerciais estaduais e para a privatização de empresas estaduais de
serviços públicos.12
Tais mudanças nas regras mostram que o Brasil optou, naquele momento, por dois
tipos de mecanismos para controlar o endividamento dos governos subnacionais.
De acordo com a classificação de Ter-Minassian e Craig (1997), existem quatro
tipos de mecanismos para esse controle: disciplina de mercado, cooperação,
controles baseados em regras e controle administrativo pelo governo central,
sendo que no caso brasileiro a opção para enfrentar o fracasso das tentativas
anteriores recaiu sobre os dois últimos mecanismos, que foram adotados de forma
simultânea. Essas mudanças mostram que o Brasil evoluiu de uma política federal
de controle fiscal tênue (soft budget constraints) para rígido (hard budget
constraints).13
Com base nessas novas regras, a União assumiu, em valores de 1997, R$ 95,4
bilhões de dívidas estaduais, sendo R$ 71,3 bilhões refinanciados pelo prazo
máximo de trinta anos, a uma taxa de juros real mínima de 6% a.a.; R$ 10,6
bilhões a amortizar com receitas advindas das privatizações; e R$ 13,5 bilhões
referentes à diferença de encargos pela rolagem das dívidas entre a data de
corte e a data de assinatura dos contratos. O montante assumido pela União
equivalia a 11% do PIB e a 88,5% da dívida líquida de estados e municípios em
dezembro de 1997. Em valores de 2001, a dívida assumida pela União foi de R$
132 bilhões.
Nos novos contratos firmados entre o governo federal e cada estado foram
fixados limites máximos de comprometimento da Receita Líquida Real (RLR) com os
encargos da dívida e proibiu-se a emissão de dívida nova enquanto a dívida
financeira do estado fosse maior do que sua RLR anual.14 O principal mecanismo
de sanção pelo descumprimento dos contratos foi a vinculação dos repasses do
FPE, que já constava de alguns contratos anteriores, e, em alguns casos, o
bloqueio de receitas próprias estaduais. A renegociação foi comandada pela
Secretaria do Tesouro Nacional (STN), que está autorizada a realizar visitas
aos estados para a revisão das metas dos contratos.15
Após a assinatura dos acordos, a maioria dos estados, mas não todos, adotaram
políticas fiscais rigorosas, constrangidos pelas novas regras, mas também por
outras que as seguiram, tal como a promulgação, em 2000, da Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF), que não só fixa limites para despesas com
pessoal, como também proíbe o governo federal de assumir novas dívidas
contraídas pelos estados.16 A LRF não só complementa e aprofunda as medidas
anteriores, mas avança no controle dos gastos públicos porque, até sua
promulgação, a maioria das medidas era voltada para a dívida, sem limitar
despesas futuras. Nesse sentido, a LRF fecha o ciclo de restrições sobre as
finanças públicas, notadamente dos estados. Além dessas medidas legais, a
maioria dos recursos para investimentos e para programas sociais nos estados
está hoje disponível apenas nos organismos multilaterais, e para ter acesso a
esses recursos as contas têm que estar ajustadas. Os estados vêem recorrendo
cada vez mais a esses empréstimos inclusive porque não são sujeitos aos limites
de endividamento da LRF.
Como conseqüência dessas novas regras, os estados reduziram suas despesas em
2,1% em termos reais no período entre 1999 e 2001. As despesas com pessoal
foram reduzidas em 2,2%, e entre 2000 e 2004, a redução foi de 3%, passando de
R$ 62,8 bilhões para R$ 61,1 bilhões. Assim como ocorreu na esfera federal, a
redução mais drástica ocorreu no item "despesas de capital". Em 1999, essas
despesas respondiam por 19,5% dos gastos totais estaduais, passando a 13,2% em
2001. Apesar da redução nas despesas com pessoal, os gastos com o custeio da
máquina pública estadual aumentaram em 5,6% no período (Afonso, 2004, p. 17).
Esses números mostram que, no conjunto, a capacidade de investimento dos
estados foi profundamente reduzida pela reestruturação fiscal e que a despesa
com pessoal foi reduzida em termos reais, embora não na mesma proporção dos
investimentos.
A dinâmica eleitoral estadual nos anos de 1990
Das 27 entidades estaduais, doze conseguiram combinar ajuste fiscal com vitória
eleitoral. A Tabela_1 mostra o resultado das eleições estaduais para governador
em 1994 e 1998. A quase totalidade do refinanciamento das dívidas dos estados
ocorreu entre 1997 e início de 1998,17 o que faz com que o timingentre o início
do ajuste fiscal e o da realização das eleições de 1998 possa ser considerado
pequeno para que os eleitores sentissem algum impacto. No entanto, os recursos
públicos estaduais foram reduzidos logo após a assinatura dos contratos devido
à vinculação imediata de 13% da receita estadual ao pagamento mensal à União.
Além do mais, em 1998, a receita total dos estados foi reduzida em relação ao
ano anterior, passando de R$ 239.282 milhões em 1997 para R$ 179.416 milhões em
1998 (Mora, 2002, p. 35). Ou seja, de fato, a receita estadual total em 1998
foi menor do que no ano anterior, assim como a capacidade de despesa também foi
limitada pelo início do pagamento da dívida.
Ajuste fiscal e dinâmica eleitoral em estados selecionados
Dos 12 estados que combinaram ajuste fiscal com vitória eleitoral, três foram
selecionados para esta pesquisa: Bahia, Ceará e Paraná. Esses estados partilham
várias características comuns: (a) dois abrigam opulações/eleitores de tamanho
semelhante; (b) os três conseguiram manter, na última década, suas posições
relativas no PIB nacional, com o Paraná em 6º lugar, a Bahia em 5º e o Ceará em
13º, o que não foi conseguido por alguns estados que perderam suas posições
relativas; (c) o montante de suas dívidas está próximo da média nacional; e (d)
a relação entre o endividamento e a RLR, importante indicador fiscal, é
semelhante.18 No entanto, as características socioeconômicas desses estados e
dos seus eleitores são contrastantes, como se verá adiante.
A principal característica política comum é que nos três estados suas
lideranças políticas conseguiram manter, até recentemente, grande controle
sobre as instituições e os processos decisórios estaduais. No entanto, a forma
como essas lideranças exercem controle sobre as instituições varia. A Bahia tem
tido uma liderança centralizadora, autoritária e carismática, que se constituiu
no regime militar e se consolidou no regime democrático; o Ceará vinha sendo
governado por um grupo cuja base de sustentação original foi a insatisfação de
um segmento da elite empresarial com a forma de gerir o estado dos velhos
coronéis; o Paraná caracterizou-se naquele período por um arranjo político mais
baseado na imagem de gestões ditas tecnocráticas, com a incorporação de quadros
da tecnocracia atuante durante o regime militar e de quadros oriundos do setor
privado. O Paraná e a Bahia foram governados no período do ajuste fiscal pelo
PFL, e o Ceará, pelo PSDB, partidos da coalizão federal construída em 1994.
Os três estados também adotaram com rigor a política nacional de ajuste fiscal,
tendo sido pioneiros na renegociação de suas dívidas com a União, além de se
empenharem em privatizações diversas, inclusive de seus bancos comerciais ainda
em 1998, e na reforma do sistema previdenciário estadual.
Se os três estados apresentam várias características políticas comuns e
adotaram rotas de ajuste fiscal semelhantes, suas características
socioeconômicas são distintas, posicionando, de um lado, os dois estados do
Nordeste e, de outro, o Paraná, principalmente no que se refere aos indicadores
sociais. A Tabela_2 sintetiza os principais indicadores dos três estados.
Como referido, os três estados selecionados são considerados os que mais se
adaptaram às políticas federais de ajuste fiscal, sendo que a Bahia e o Ceará
são constantemente citados pelo Banco Mundial como exemplos de ajustes fiscais
bem-sucedidos. As Tabelas_3 e 4 mostram a posição da Bahia, do Ceará e do
Paraná em relação ao endividamento e às renegociações de suas dívidas com o
governo federal.
Outro componente do ajuste fiscal dos estados foi a redução dos gastos
estaduais com pessoal. A Tabela_5 apresenta a evolução da despesa com pessoal
nos três estados, mostrando que a Bahia reduziu consideravelmente essa despesa
e que o Paraná a reduziu principalmente em relação a RLR. No Ceará, ocorreu
decréscimo entre 1997 e 1998, havendo a despesa com pessoal voltado a crescer a
partir de 1999, embora abaixo da média nacional e do limite de 60% fixado pela
LRF. Ressalte-se, ainda, que a redução dessa despesa foi realizada pelos três
estados antes mesmo do teto imposto pela LRF. Despesas com pessoal devem ser
destacadas por estar relacionada com um dos principais argumentos dos que vêm
na política estadual o território exclusivo de práticas clientelistas, as quais
se manifestam, segundo essa lógica, na concessão de empregos públicos ou nas
promessas de concedê-los.
Apesar de suas várias similaridades e de suas diferenças socioeconômicas, os
três estados adotaram políticas de ajuste fiscal semelhantes em timing,
conteúdo e profundidade.19 A decisão desses estados de adotarem políticas
restritivas de gasto contradiz as hipóteses sobre o funcionamento da política
estadual, que seria baseado, como já mencionado, em apenas uma lógica
(clientelismo e política tradicional). Dessa hipótese, pode-se inferir que
políticas de ajuste fiscal trariam, no mínimo, alterações na formação de
coalizões eleitorais para o Executivo estadual. Isso porque, com o ajuste,
segmentos do eleitorado que dependem de recursos públicos para interesses
particularistas (ou para a provisão de bens privados) seriam prejudicados. No
caso dos estados brasileiros, argumentam os brasilianistas, esse segmento
estaria concentrado no Nordeste e nos municípios mais pobres do interior do
Brasil. Como, então, foi possível conciliar ajuste fiscal e vitória eleitoral,
já que nos estados aqui analisados os governadores que adotaram o cardápio
completo do ajuste fiscal foram reeleitos (Ceará e Paraná) ou elegeram seus
sucessores (Bahia), em especial os dois do Nordeste?
Assim como ocorre com as características semelhantes de ajuste fiscal, os
resultados eleitorais nos três estados apresentam mais semelhanças do que
diferenças. As Tabelas_6 e 7 mostram os resultados dos pleitos para governador
nas eleições de 1994 ' antes do ajuste fiscal ' e nas de 1988 ' após o ajuste
fiscal.
Em 1994, a Bahia foi o único dos três estados onde ocorreu 2º turno para o
cargo de governador. Naquela eleição, o candidato da coalizão liderada por
Antônio Carlos Magalhães (ACM) concorreu contra um candidato de um partido
fraco na Bahia, que havia sido governador na gestão 1983-1987, com o apoio do
grupo de ACM, mas deixou o cargo com baixos índices de aprovação popular e
rompido com o grupo que o apoiou. Esses resultados eleitorais, que serão
desagregados adiante por município, mostram que o eleitorado da Bahia, embora
tenha dado a vitória ao grupo de ACM, que estava ocupando o cargo de
governador, não o fez no mesmo grau que os eleitores do Ceará e do Paraná, já
que nesses dois estados seus governadores venceram as eleições ainda no 1º
turno. Tasso Jereissati manteve a adesão do eleitorado ao seu partido, pois
sucedeu a Ciro Gomes, que integrava seu grupo político. Jaime Lerner, no
entanto, chegava ao governo do estado em oposição ao grupo que estava no
controle do governo estadual, impulsionado por várias administrações avaliadas
como bem-sucedidas na prefeitura de Curitiba.
Em 1998, após a implantação do ajuste fiscal, já não existem diferenças nos
resultados eleitorais. Os candidatos governistas que haviam implantado o ajuste
fiscal ganharam no 1º turno, sendo que na Bahia e no Ceará a margem de
diferença entre o primeiro e o segundo colocados foi significativa. Os
candidatos vitoriosos nos três estados usaram o ajuste fiscal em curso e
implementado por seus partidos como um dos pontos principais de suas campanhas
e compromissos eleitorais.
Os resultados das eleições de 2002 para governador são apresentados a seguir.
Os dados não são objeto de tratamento desagregado como os das duas outras
eleições, já que a questão central da pesquisa se refere ao ajuste fiscal, que
foi mantido nos três estados, inclusive com a sustentação de superávits
primários. Nota-se, no entanto, um quadro eleitoral distinto do de 1994 e,
principalmente, do de 1998. No Paraná e no Ceará ocorreu 2º turno, e as
disputas entre os candidatos nos três estados foi mais competitiva. Mesmo na
Bahia, onde não houve 2º turno, os votos dados ao candidato derrotado foram
maiores do que em 1994 e, principalmente, do que em 1998. No Paraná, o partido
de Lerner, o PFL, não teve candidato próprio, apoiando o candidato do PSDB, que
não chegou ao 2º turno. Na Bahia e no Ceará, embora seus líderes tenham mantido
o controle dos governos estaduais, as eleições de 2002 mostraram que o
eleitorado já não lhes dava o apoio maciço das eleições anteriores, sinalizando
as derrotas que sofreriam nas eleições de 2006.20 No entanto, tais mudanças não
podem ser avaliadas como um sinal de rejeição à política de ajuste fiscal, dado
que, em 2002, dois estados continuaram sendo governados pelo mesmo grupo
político e os candidatos vencedores nos três estados não concorreram com uma
plataforma antiajuste, embora Requião, que governou o Paraná entre 1990 e 1994,
mas que foi derrotado por Lerner em 1998, tivesse prometido rever algumas
privatizações. Os governadores eleitos em 2002 continuaram mantendo a política
restritiva de gasto, assim como os eleitos em 2006 não tinham nas suas
plataformas eleitorais propostas antiajuste.21
Em suma, o comportamento dos eleitores em 1998 mostra que, no geral, a política
de ajuste fiscal não teve impacto sobre os resultados eleitorais nesses três
estados, uma vez que as coalizões políticas estaduais que adotaram o ajuste
fiscal não foram afetadas do ponto de vista eleitoral. Como isso se explica
diante do que nos diz grande parte da literatura? Ou seja, se políticas de
ajuste fiscal restringem os gastos públicos e se a política estadual é, como
afirmam muitos, movida pelo clientelismo e pela política tradicional, os quais
se apóiam no uso dos recursos públicos, por que o eleitorado manteve no governo
as coalizões políticas que reduziram seu acesso aos recursos públicos e por que
os governadores arriscaram mudar o que a "escola clientelista" afirma ser sua
principal fonte de sustentação eleitoral?
Debatendo algumas hipóteses
A adesão dos estados ao ajuste fiscal
Algumas análises mostram que o comportamento dos estados diante do ajuste
fiscal não foi uniforme, apesar de os incentivos montados pelo governo federal
terem sido semelhantes (Blanco, s.d). A literatura sobre os incentivos e os
constrangimentos para a adoção de políticas de ajuste fiscal (Gibson, 1997;
Lora, 2000; Remmer, 1993) levanta hipóteses que se aplicam mais à esfera
central e não explicam as diferentes respostas dadas pelos estados em países
federais. Para o caso brasileiro, foram também formuladas hipóteses mais
gerais, tais como: (a) os estados aderiram às reformas devido à restauração da
tradição brasileira de presidência forte, e o aprofundamento da crise de
endividamento dos estados fez com que seus dirigentes optassem por políticas
mais restritivas como uma solução do tipo second best (Kugelmas, 2001); (b) o
sucesso do governo no controle da inflação deu ao presidente Fernando Henrique
Cardoso condições para negociar com o Congresso e com os governadores a
aprovação de reformas macroeconômicas (Samuels e Mainwaring, 2004) e de
políticas sociais (Melo, 2005) que afetavam os interesses dos atores
subnacionais; e (c) as preferências das elites dirigentes estaduais são
influenciadas não apenas pelas instituições e por políticas federais, mas
também por novas idéias, isto é, assim como o keynesianismo dominou a política
econômica do pós-guerra, o ajuste fiscal dominou corações e mentes a partir dos
anos de 1980, em especial em países com longas e recorrentes trajetórias
inflacionárias (Souza, 2001).
É preciso ressaltar, todavia, que as políticas de ajuste praticadas pelos
estados não foram voluntárias nem, obviamente, produto exclusivo da decisão das
coalizões eleitorais que as implantaram, mas que os governadores que tomaram
posse em 1995 e que seriam submetidos à nova disputa eleitoral em 1998, ano em
que a maioria assinou acordos de renegociação de suas dívidas vinculando, em
média, 13% da Receita Líquida Corrente ao seu pagamento, correram o risco
político-eleitoral de cumprir os acordos e de reduzir despesas, em um contexto
em que as receitas estaduais, altamente concentradas no consumo, também
declinavam devido ao baixo crescimento econômico do país.22
As hipóteses sobre as motivações dos governadores em relação à política de
ajuste baseiam-se no que acontece nos estados como um todo. Existem diferenças
não só no tipo de ajuste requerido em cada estado em função do perfil da dívida
e da despesa, mas também no compromisso mais ou menos severo com o cumprimento
de todas as medidas referentes ao ajuste. Precisamos entender, portanto, as
diferentes performances dos governos estaduais em relação ao ajuste fiscal e,
principalmente, por que alguns governadores adotaram o ajuste fiscal e
continuaram vitoriosos eleitoralmente. Assim, algumas hipóteses mais
específicas devem ser testadas, principalmente aquelas que incorporem o impacto
territorial de uma política de ajuste fiscal nos resultados eleitorais das
coalizões políticas que a implantou.
A dinâmica político-eleitoral interna nos estados
Se o papel dos governos estaduais no ajuste fiscal é mais conhecido, e se as
hipóteses sobre por que os estados adotam ou não políticas de ajuste fiscal
podem ser mais facilmente construídas, o mesmo não ocorre em relação à
sustentação eleitoral de políticas que mudam o status quo.
Na ótica da agenda político-eleitoral, a questão a ser respondida refere-se à
repercussão eleitoral do ajuste fiscal no território estadual, ou seja, se o
ajuste afetou a base territorial de apoio do governador que o implantou. Como
mencionado, não se busca investigar o papel desempenhado pela política de
ajuste fiscal nas preferências dos eleitores, mas sim identificar a existência
ou não de mudanças nos resultados eleitorais do ponto de vista territorial,
tomando o território como unidade de análise e não o eleitor individualmente.
Assim, o foco da investigação é saber se ocorreram ou não mudanças territoriais
do ponto de vista dos votos dos eleitores a partir do ajuste fiscal, ou seja,
analisar a dinâmica eleitoral interna (intra-estado) das restrições fiscais.
Para responder essa questão, torna-se necessário gerar hipóteses mais
específicas que conciliem respostas sobre o que motivou algumas coalizões
políticas estaduais a adotar políticas de ajuste fiscal e como tal opção se
tornou eleitoralmente viável. Ou seja, é preciso entender melhor o cálculo
feito pelos governadores quando optaram por políticas fiscais restritivas e as
condições políticas e institucionais facilitadoras da sua adoção.
Hipóteses sobre o poder dos governadores já foram sugeridas por vários autores
(Abrucio, 1998; Ames, 2001; Mainwaring, 1999, por exemplo). Algumas estão sendo
testadas, outras perderam poder explicativo diante das mudanças ocorridas na
década de 1990 e outras, ainda, precisam ser testadas. Uma vertente mais
próxima desta pesquisa investiga a relação entre Legislativos estaduais e
política de gasto público, com o objetivo de entender as diferenças entre os
estados. Desposato (2001) analisou as preferências relativas dos eleitores, se
por alocação de recursos na produção de bens públicos ou privados, sugerindo
que existem fortes influências societárias no comportamento dos legisladores
estaduais. Nos estados onde prevalece a preferência dos eleitores por bens
privados, os partidos políticos são fracos e subservientes ao Executivo. Onde
os cidadãos expressam preferências por bens públicos, os legisladores
organizam-se mais em torno dos partidos e buscam maior independência do
Executivo. Nos estados estudados, a Bahia aparece como um sistema quase puro de
política baseada em bens privados (Paraná e Ceará não foram estudados por
Desposato). A partir de sua análise, e considerando que políticas fiscais são
bens públicos, dois pontos sobressaem: de um lado, as características políticas
da Bahia descritas por Dantas (2003), Desposato (2001), Oliveira (2000) e Souza
(1997) facilitariam a adoção, pelo governador, de política fiscal restritiva de
gasto devido à submissão do Legislativo estadual ao Executivo. No entanto, se o
que prevalece na Bahia é a preferência por bens privados, por que se fez o
ajuste fiscal e como o mesmo foi sustentado eleitoralmente diante das
preferências dos eleitores por bens privados?
Outro trabalho nesse mesmo veio foi realizadom por Schneider (2001), que
analisou as diferenças entre os estados em relação ao orçamento. Esse autor
conclui que nos estados onde a competição eleitoral é menos acirrada (Bahia e
Paraná; o Ceará não integra a amostra), os governadores puderam manter o
orçamento relativamente fechado às pressões dos legisladores, em oposição
àqueles onde a competição é mais exacerbada (Rio Grande do Sul e Pernambuco),
tornando o orçamento mais aberto às demandas dos parlamentares, inclusive os de
oposição.
Essas pesquisas aprofundam nosso conhecimento sobre o papel dos governadores na
esfera estadual e sobre seu maior ou menor controle sobre as instituições
políticas estaduais. No entanto, é preciso avançar para além da identificação
sobre se os governadores têm ou não poder sobre as instituições políticas
estaduais (formais ou informais) ' e nos três casos estudados existe consenso
de que esses governadores detinham grande controle sobre as instituições
estaduais, inclusive contando com folgada maioria no Legislativo ', mas sim se
as políticas restritivas de gasto tiveram impacto territorial nas eleições de
1998.
As hipóteses deste trabalho apóiam-se, parcialmente, em Gibson (1997), embora
as conclusões não guardem total semelhança. Gibson analisou a tensão entre
políticas macroeconômicas pró-mercado versusvitórias eleitorais na Argentina e
no México, países que introduziram reformas macroeconômicas via partidos
políticos de base populista. Ao analisar as repercussões dessas reformas nos
resultados eleitorais e como foram montadas as coalizões eleitorais de apoio a
essa política, Gibson discute as estratégias construídas pelos dois partidos
para refazer suas históricas coalizões eleitorais, sugerindo que as políticas
pró-mercado foram possíveis pelos rearranjos nos atores e nos papéis de duas
subcoalizões: a metropolitana e a periférica. Da convivência dessas duas
coalizões resultou uma aliança entre tecnocratas internacionalizados
(subcoalizão metropolitana) e políticos paroquiais (subcoalizão periférica),
que viabilizou as sucessivas vitórias eleitorais desses partidos, assim como as
reformas pró-mercado. Gibson sugere ainda que a formação de coalizões políticas
é fortemente influenciada pela intercessão entre formulação de políticas
públicas e política eleitoral. Ou seja, é necessário articular coalizões entre
uma dada política pública e sua viabilidade eleitoral. A coalizão metropolitana
incorporou novos atores ao processo político e deu novo ímpeto à reorganização
da economia política nacional. A coalizão periférica ampliou o espaço
territorial de poder do populismo e teve o papel de viabilizar maiorias
eleitorais. Pode-se concluir, então, que a coalizão metropolitana seria uma
coalizão em torno de políticas públicas, e a periférica, uma coalizão em torno
de votos.23
A partir das conclusões de Gibson e da discussão a seguir, pode-se concluir
que, com o retorno das eleições diretas para o Executivo estadual, as coalizões
político-eleitorais de alguns estados conseguiram conciliar ajuste fiscal com
vitórias eleitorais, o que aponta para a convivência de lógicas aparentemente
antagônicas, mas que se complementam e se auto-sustentam. Daí porque foi
possível a alguns governadores adotar políticas fiscais restritivas, mas ainda
se manter viáveis eleitoralmente, combinando votos dos eleitores de municípios
mais urbanizados, com maiores receitas orçamentárias per capitae melhores
níveis de IDH, com os votos dos eleitores de territórios onde as condições de
vida e de sobrevivência são mais precárias.
Viabilidade eleitoral da política de ajuste fiscal
Esta seção desagrega os resultados eleitorais para governador em 1994 ' antes
do ajuste fiscal ' e em 1998 ' após o ajuste fiscal. Para tanto, foram
realizados os procedimentos que se seguem.
Primeiramente, os resultados eleitorais são plotados em mapas, permitindo
melhor visualizar a distribuição territorial dos votos.24 Nos municípios em
cinza, o candidato vencedor atingiu a maioria dos votos e em branco a maioria
dos votos foi para os candidatos derrotados (Figura_1).
Os mapas confirmam que os governadores que optaram por políticas restritivas de
gasto mantiveram ou aumentaram o apoio dos seus eleitores, assim como mostram a
inexistência de mudanças territoriais significativas. Esses governadores foram
capazes de manter suas bases tanto na subcoalizão metropolitana como na
periférica. Os mapas mostram, todavia, que apesar da semelhança no desempenho
eleitoral dos candidatos vencedores, existem diferenças na distribuição
espacial dos votos, posicionando, de um lado, o Paraná, e, do outro, a Bahia e
o Ceará. No Paraná há uma clara clivagem regional entre os candidatos
concorrentes: Lerner teve a preferência dos eleitores das áreas mais
urbanizadas e da região no entorno de Curitiba; seus adversários conquistaram a
preferência dos eleitores do interior, principalmente nas regiões oeste e
norte. Em 1998, essa clivagem fica ainda mais acentuada, como mostra o mapa.
Apesar da distribuição regional dos votos no Paraná ser bastante diferente da
dos dois outros estados, essa diferença não invalida o argumento de que os
eleitores não rejeitaram os candidatos a governador devido às restrições
fiscais por eles impostas. O Paraná aparece, no entanto, como o estado onde
existem diferenças nas preferências dos eleitores de cada subcoalizão
territorial. Na Bahia e no Ceará, os vencedores contaram com os votos
distribuídos em todo o território estadual, com poucos municípios onde a
maioria dos eleitores votou no candidato derrotado. Em ambos os estados, na
eleição de 1998, a insatisfação do eleitorado da subcoalizão periférica
aumentou ligeiramente, e no Ceará mais do que na Bahia. Assim, confirma-se o
argumento de Gibson de que as subcoalizões metropolitana e periférica são
igualmente importantes na sustentação de políticas que mudam o status quo,
embora, no Paraná, a subcoalizão metropolitana tenha tido maior participação
relativa na vitória de Lerner.
Os dados eleitorais também mostram que o eleitorado da Bahia aumentou sua
aprovação à coalizão governista entre 1994 e 1998, dado que em 1998 não ocorreu
2º turno e o candidato da situação recebeu mais votos em 1998 do que em 1994,
passando de 58,64%, em 1994, para 69,91%, em 1998 e que os vencedores no Ceará
e no Paraná conseguiram manter a lealdade de seus eleitores. No Ceará,
Jereissati venceu em ambas as eleições com exatamente o mesmo percentual de
votos válidos, 55,32%. No Paraná, os votos dados a Lerner diminuíram
ligeiramente, de 54,85%, em 1994, para 52,28%, em 1998.
O segundo recurso foi construir, para cada estado, seis grupos com o intuito de
classificar as diferenças entre os números de votos recebidos pelo candidato
vencedor em 1998 e 1994, quais sejam: Grupo 1 ' diferenças de votos entre 1998
e 1994 inferior a -10%; Grupo 2 ' diferença de votos entre -5% e -10%; Grupo 3
' diferença de votos entre -5% e 5%; Grupo 4 ' diferença de votos entre 5% e
10%; Grupo 5 ' diferença de votos entre 10% e 15%; e Grupo 6 ' diferença de
votos superior a 15% dos votos. Esse agrupamento permite um teste mais refinado
das hipóteses da pesquisa por mostrar as diferenças nos resultados eleitorais
de forma mais desagregada do que apenas identificar se o candidato vencedor
ganhou ou perdeu mais votos no total de votos recebidos. Permite também uma
melhor compreensão das relações entre as diferenças nos resultados eleitorais e
as variáveis socioeconômicas.25 Esse agrupamento serviu de base para a
aplicação dos demais recursos metodológicos que serão detalhados adiante.
O terceiro recurso metodológico foi relacionar os resultados eleitorais a três
variáveis: grau de urbanização, IDH-M e gasto per capita dos municípios para
cada município dos três estados. Esse recurso permite analisar as relações
entre resultados eleitorais (variação da base eleitoral entre 1998 e 1994) e as
variáveis socioeconômicas selecionadas. Destaque especial foi dado à variável
grau de urbanização, com o objetivo de conhecer melhor o papel das subcoalizões
metropolitana e periférica nos resultados eleitorais. Para a análise dessas
relações, foram realizados os seguintes procedimentos: (a) análise de
correlação ' coeficiente de correlação linear de Pearson; (b) análise de
regressão (modelo de regressão linear simples); (c) análise de estatísticas
descritivas das variáveis socioeconômicas em cada grupo construído; e (d)
análise do apoio eleitoral por grau de urbanização. Todas as relações medem
apenas a associação entre os indicadores socioeconômicos e os resultados
eleitorais nos distritos eleitorais municipais de unidades geográficas dadas,
isto é, os municípios da Bahia, do Ceará e do Paraná, que totalizam 912, sendo
419 na Bahia, 184 no Ceará e 309 no Paraná. Dessa forma, a unidade de análise
não é o eleitor mas as unidades geográficas.26
A aplicação da análise estatística, correlacionando os coeficientes de
correlação linear entre a diferença dos resultados eleitorais (1994 e 1998) e
as variáveis socioeconômicas utilizadas é apresentada a seguir.
A Tabela_9 indica, no geral, a inexistência de uma associação e/ou dependência
considerável que possa ser generalizada para os três estados. Para os
municípios da Bahia, os coeficientes de correlação sequer apresentaram
significância estatística, ou seja, o coeficiente não é significantemente
diferente de zero. No Ceará e no Paraná, apesar de estatisticamente
significativas, as correlações apresentaram graus de associação reduzidos,
sugerindo a impossibilidade de se indicar um padrão que explique a reação dos
eleitores às políticas de ajuste fiscal, assim como relacionar o fato de que os
candidatos vencedores conseguiram mais ou menos votos em um dado município às
características socioeconômicas do eleitorado. No Paraná, a maior associação
foi verificada para a variável IDH (-0,242), seguida da variável gasto per
capita(0,175) e grau de urbanização (-0,15), enquanto no Ceará a variável grau
de urbanização destacou-se com uma correlação de 0,199, e a variável gasto per
capitaapresentou um coeficiente de -0,158. No Ceará, o coeficiente de
correlação linear da variável IDH-M não apresentou significância estatística.
Cabe ressaltar que nesses dois estados os sinais dos coeficientes de correlação
são opostos.
O resultado da análise de correlação é reforçado pelos resultados das
simulações econométricas, as quais pretendem observar a capacidade de se prever
valores médios para a variação no número de votos entre 1998 e 1994 a partir de
valores fixos das três variáveis de controle, ou seja, as variáveis
socioeconômicas. Os resultados das regressões realizadas indicam uma reduzida e
insuficiente capacidade explicativa. Além disso, as estatísticas descritivas
(mediana e desvio padrão) das variáveis socioeconômicas (grau de urbanização,
IDH e gasto per capita), realizadas no decorrer da pesquisa e seguindo o
agrupamento referido acima, também corroboraram os resultados dos demais
instrumentos utilizados.
No que se refere ao suporte eleitoral por grau de urbanização, os dados da
Tabela_10 mostram que, na Bahia, o candidato Borges obteve a maioria dos votos
nas cinco faixas, apesar de proporcionalmente apresentar melhores resultados à
medida que o grau de urbanização é reduzido. No Ceará, por sua vez, o candidato
à reeleição obteve a maioria dos votos em todas as faixas, sendo que
proporcionalmente Jeressaiti apresentou seu pior desempenho na faixa dos
municípios mais urbanizados, o que também ocorreu na Bahia. Como pode ser
percebido nessa tabela, e como foi apontado pelo coeficiente de correlação
linear, não existe forte relação entre essas variáveis, tendo Jeressaiti obtido
proporções semelhantes de suporte eleitoral nas três últimas faixas. No Paraná,
a relação é inversa. Lerner obteve a maioria dos votos nas duas faixas que
correspondem aos municípios mais urbanizados. Entretanto, essas duas faixas
equivalem a 68% do total de votos. Isso indica que, apesar de haver uma
associação negativa entre o grau de urbanização e a diferença de votos entre as
duas eleições (-0,15), foram os municípios mais urbanizados que mais
contribuíram para a reeleição de Lerner.
Isolando os resultados eleitorais das capitais das dos demais municípios para
se ter mais clareza sobre a posição eleitoral da subcoalizão metropolitana,
verifica-se que os eleitores de Curitiba sempre apoiaram Lerner, várias vezes
seu ex-prefeito, embora em 1998 sua votação tenha sido proporcionalmente menor
do que em 1994 (neste ano, Lerner obteve 73,02% dos votos em Curitiba e, em
1998, 60,24%). Fortaleza, que, em 1994, rejeitou a coalizão liderada por
Jereissati, em 1998 lhe dá apoio, com 53,69% dos votos. Já Salvador votou nas
duas eleições nos candidatos governistas, embora com margem relativamente
pequena de diferença entre os concorrentes (em 1994, Paulo Souto obteve 55,35%
dos votos e João Durval, 44,65%; em 1998, César Borges obteve 56,84% dos votos
e os demais candidatos, 43,16%). Ou seja, após o ajuste fiscal os eleitores das
capitais mantiveram seu apoio aos governadores que o implantaram (Curitiba e
Salvador) ou passaram a apoiá-los (Fortaleza). Contudo, os eleitores de
Curitiba demonstraram maior apoio ao candidato Lerner do que os eleitores de
Salvador e Fortaleza.
Sintetizando, os resultados das eleições em 1994 e em 1998 parecem contestar
dois argumentos sobre a política estadual no Brasil. O primeiro é o de que o
retorno do voto popular para os Executivos nacional e estadual tenderia a
constranger a adoção de políticas macroeconômicas na América Latina. Como
ressalta Remmer (1993), os trabalhos que analisam a relação entre política
macroeconômica e eleições na América Latina tendem a situar os ciclos
eleitorais como momentos de ruptura da política e da gestão macroeconômica em
curso. Remmer também mostrou que o impacto das eleições nacionais sobre as
políticas macroeconômicas varia muito na América Latina, o que aponta para a
necessidade de se ter cautela com generalizações sobre seus resultados e
conseqüências. Essas conclusões podem também ser aplicadas aos estados
brasileiros.
O segundo argumento refere-se ao foco central desta pesquisa, ou seja, o de que
a política estadual é movida por políticas clientelistas e tradicionais, ambas
incompatíveis com políticas voltadas para os bens públicos e que mudam o status
quo. Esse argumento foi aqui questionado, uma vez que, conforme já mostrado,
algumas coalizões políticas estaduais foram capazes de adotar políticas
restritivas de gasto e ainda manter o apoio de seus eleitores. Isso leva à
possibilidade de se argumentar que, nos estados, as dinâmicas eleitoral e de
políticas públicas são muito mais complexas do que tem sido argumentado pela
escola do "estado como território puro do clientelismo". A comparação dos
resultados dos votos, por município, nas eleições de 1994 ' antes de ajuste ' e
1998 ' depois do ajuste ' mostra que tem havido uma leitura equivocada ou pelo
menos parcial da política estadual após o retorno do voto direto para o
Executivo. Isso porque não só os governadores aderiram às políticas restritivas
de gasto, como, do ponto de vista territorial, os dados e as análises
estatísticas e econométricas mostram que não houve mudança significativa no
apoio dado pelos eleitores à coalizão governista que implementou o ajuste
fiscal. Ou seja, nos três estados, a base territorial de apoio aos governadores
que implantaram o ajuste fiscal não mudou.27
Comentários finais
Este trabalho buscou questionar algumas teses influentes sobre o funcionamento
da política estadual, apresentando dados e análises que podem fundamentar
argumentos alternativos sobre a dinâmica interna das coalizões políticas
estaduais que sustentaram eleitoralmente políticas de ajuste fiscal nos
estados. Dado o número reduzido de casos analisados, o foco mais nas
similaridades do que nas diferenças e as dificuldades operacionais para incluir
estados onde a variável dependente fosse distinta da dos três casos aqui
analisados, não foi possível construir hipóteses rivais sobre o impacto
eleitoral do ajuste fiscal nos estados, como já explicado. No entanto, a
pesquisa testou algumas variáveis que podem ser relevantes para a melhor
compreensão das conseqüências do ajuste fiscal sobre resultados eleitorais na
esfera estadual.
O questionamento das visões mais influentes sobre a política estadual não
implica a defesa de que a mesma esteja isenta das características apontadas
pelos autores citados, mas sim que a política estadual tem convivido, nos
últimos anos, com várias lógicas e conteúdos diversos. O que parece certo é que
não apenas uma lógica tem prevalecido na política estadual, ou seja, parecem
não existir bases suficientes para afirmar que a política estadual é movida
apenas por um leitmotif, tal como o clientelismo e a política tradicional. De
acordo com essa literatura, essas lógicas restringiriam a adoção de políticas
voltadas para bens públicos e tenderiam a manter políticas que preservam o
status quo, principalmente nos estados mais pobres.
As escolhas feitas pelas lideranças políticas da Bahia, do Ceará e do Paraná a
favor da adoção de políticas restritivas de gasto mostram que não existem ainda
bases sólidas para generalizações sobre o funcionamento da política estadual no
Brasil, mas sinalizam no sentido de que a política estadual e suas políticas
públicas não são movidas apenas por um leitmotif. Como já mostrado em trabalhos
sobre outros temas, a convivência de lógicas aparentemente antagônicas não só é
possível como tem sustentado a viabilização de políticas públicas que mudam o
status quo, assim como tem permitido a convivência de diferentes arranjos
políticos e administrativos na esfera estadual.28 Além do mais, a questão-chave
desse debate é analisar se a existência de relações clientelistas impede a
adoção de políticas mais universais, tais como a de ajuste fiscal. Argumentos
da escola "clientelista" retratam a política estadual como estática e movida
apenas pelas experiências do passado. Os dados e as análises aqui apresentados,
embora limitados a poucos estados, sinalizam que trocas clientelistas não
necessariamente bloqueiam ou ameaçam a adoção de políticas restritivas de gasto
e que essas políticas não acionaram reações negativas dos eleitores, tanto os
que compõem a subcoalizão metropolitana como a periférica.
Essa discussão pode ser resumida em torno de dois pontos principais: (a) a
opção pelo entendimento da política estadual como um espaço onde lógicas (ou
gramáticas) aparentemente antagônicas podem conviver, em contraposição à defesa
de apenas uma lógica modeladora das relações políticas e sociais nos estados; e
(b) a opção pelo entendimento de que mudanças no status quo, ao menos nos três
estados analisados, não necessariamente afetam antigas alianças eleitorais do
ponto de vista territorial, seja se são tomados como unidades de análise todo o
território estadual ou os municípios, seja se os eleitores compõem a
subcoalização metropolitana ou a periférica, seja, ainda, se a base analítica
for as características socioeconômicas dos eleitores.
Algumas coalizões políticas estaduais viabilizaram a adoção e a manutenção de
políticas de ajuste fiscal em um ambiente de eleições regulares e competitivas.
Obviamente, essas coalizões foram beneficiadas pelo controle que seus políticos
exerciam sobre as instituições políticas estaduais, o que lhes permitiu adotar
mais livremente políticas restritivas de gasto. Esse controle, no entanto, não
parece ser suficiente para explicar como políticas restritivas de gasto puderam
ser eleitoralmente viáveis. Isso porque, embora reconhecendo que inúmeras
variáveis influenciam os resultados eleitorais, não se pode ignorar que a
formação de coalizões políticas para fins eleitorais sofre influência da
interseção entre duas dimensões na formação dessas coalizões: a eleitoral e a
de políticas públicas. Tais coalizões adaptaram-se às novas "regras do jogo"
introduzidas (a) pela redemocratização, que diz respeito à busca de vitórias
eleitorais; (b) pelas novas demandas macroeconômicas trazidas pela
globalização, que remete a políticas como a do ajuste fiscal; e (c) por um
federalismo redesenhado pela redemocratização, que aumentou, em termos
relativos, o poder político e tributário dos estados, dando papel relevante às
coalizões políticas estaduais nas duas outras dimensões, isto é, nas disputas
eleitorais e na adoção de políticas restritivas de gasto. Pode-se concluir,
portanto, que a política estadual nos casos analisados abriu espaço para a
adoção de novas políticas públicas, inclusive algumas vistas como contrárias ao
cálculo político de curto prazo, tanto dos eleitores como dos governantes.
Notas
1 Os poucos trabalhos que analisam a relação entre políticas macroeconômicas e
ciclos eleitorais na América Latina focalizam, em geral, as eleições
presidenciais. Ver, por exemplo, Remmer (1993) e Gibson (1997).
2 Remmer e Wibbels (2000) e Wibbels (2000) também chamam a atenção para a
ausência de pesquisas sobre os efeitos de políticas macroeconômicas na esfera
subnacional nos países federais da América Latina. Já a literatura que focaliza
os efeitos da descentralização tem sido mais abundante, inclusive produzindo
pesquisas que comparam diferentes países da região. Ver, por exemplo, Eaton
(2004) e Montero e Samuels (2004).
3 O trabalho pioneiro de Eli Diniz (1982), sobre o funcionamento da máquina
política do Rio de Janeiro no período "chaguista", não teve seguimento na
agenda de pesquisa no Brasil.
4 Ver, por exemplo, Bonfim (1999), sobre o Ceará; Borges (2000), sobre a Bahia;
Desposato (2001), sobre a Bahia, o Piauí, São Paulo, Brasília e Rio Grande do
Sul; Schneider (2001), sobre o Rio Grande do Sul, Paraná, a Bahia e Pernambuco;
e Souza (1997), sobre a Bahia.
5 A meu ver, a transposição do conceito de clientelismo da antropologia para a
ciência política é eivada de problemas. Sobre esse ponto, ver Avelino (1994).
Sobre o uso inadequado de conceitos como clientelismo, ver Carvalho (1997).
6 Apesar de Hagopian analisar o papel das elites políticas de Minas Gerais no
regime autoritário e nos anos iniciais da redemocratização, sua tese sobre a
política estadual (política tradicional) continua muito citada para explicar
tanto a atual dinâmica política estadual como a de todos os estados
brasileiros.
7 Robinson e Verdier (2001) construíram um modelo para provar que o
clientelismo pela via do emprego público tende a ser endêmico nos países em
desenvolvimento. O emprego público seria uma estratégia "ótima" nesses países,
uma vez que o político não pode assumir compromissos com a adoção de políticas
públicas destinadas à produção de bens públicos e à realização de
investimentos, porque seus eleitores vivem em situação de alta desigualdade e
os países têm baixa produtividade.
8 As transferências federais para estados e municípios movimentam cerca de 8%
do PIB (Afonso, 2004).
9 Na esfera estadual, o ajuste fiscal é a principal ferramenta da política
macroeconômica, ao passo que na esfera federal existe um leque mais amplo de
políticas de impacto macroeconômico, tais como taxas de juros e de câmbio.
10 Se é verdade que o controle da inflação beneficiou todas as esferas de
governo pelo aumento da carga tributária real corrente e alterou o processo
inercial de reajustes salariais dos servidores e dos fornecedores, argumento
apropriadamente levantado por um dos pareceristas anônimos deste artigo, por
outro lado a política de juros altos contribuiu para o aumento exponencial das
dívidas estaduais.
11 Para uma análise das tentativas de renegociação das dívidas estaduais
anteriores ao Plano Real, ver, entre outros, Almeida (1996) e Souza (1996).
12 As principais medidas foram a Lei Complementar 87, de 13/9/96, e as Leis
9.496, de 11/9/97, e 10.195, de 14/2/01.
13 No primeiro caso, apesar da existência de políticas nacionais restritivas de
gasto, as esferas subnacionais podem expandir seus gastos sem que, ao final,
tenham que assumir o ônus dessas despesas sozinhas. Já no segundo, existem
regras que impedem o socorro financeiro às esferas subnacionais quando o gasto
não contar com cobertura orçamentária. Sobre as diferenças entre os dois tipos,
ver, entre outros, Rodden, Eskeland e Litvack (2003).
14 A Receita Líquida Real (RLR) é igual à receita total, deduzidas as
transferências voluntárias, as operações de crédito, a alienação de bens e as
transferências aos municípios.
15 Os contratos são classificados como sigilosos, sendo divulgados apenas dados
gerais.
16 Wibbels (2000) classifica o Brasil como um dos países federais onde as
instituições políticas e fiscais estimulam os governos subnacionais a não
cooperarem com os custos políticos do ajuste fiscal. Ele conclui que em países
federais do mundo em desenvolvimento o governo nacional é "forçado a adotar
reformas macroeconômicas altamente restritivas, ao passo que os governos das
províncias evitam esforços desse tipo" [tradução minha]. Essa conclusão ão se
aplica aos estados brasileiros desde o final dos anos de 1990.
17 As exceções foram o Rio de Janeiro e o Distrito Federal.
18 A maioria desses critérios também se aplica ao estado de São Paulo. Sua
exclusão da amostra deve-se à ausência de trabalhos acadêmicos analisando a
política estadual paulista recente e a dificuldade para a coleta de dados
eleitorais desagregados por município, uma vez que esses dados não estavam
disponíveis à época do processamento dos dados da pesquisa nos sítios dos
tribunais eleitorais.
19 Como se vê, os três estados apresentam mais similaridades do que diferenças.
Como mostra Peters (1998, p. 37), explicar similaridades ou diferenças pode nos
dizer muito sobre como os governos funcionam. No entanto, os estados
selecionados não apresentam diferenças tanto na variável dependente (resultados
eleitorais) como na independente (ajuste fiscal rigoroso), o que limita o
conhecimento sobre os fatores que podem produzir diferenças, assim como se os
estados onde a coalizão que implantou o ajuste fiscal foi derrotada apresentam
padrão semelhante ou não no que se refere, por exemplo, ao apoio das
subcoalizões metropolitanas e periféricas. Na fase de definição dos casos,
foram identificados outros estados como "ideais" para contrapor aos três aqui
estudados. São os casos, por exemplo, de Pernambuco e Rio Grande do Sul,
estados que apresentam as maiores diferenças no que se refere às suas dinâmicas
político-eleitorais vis-àvisos três estados aqui analisados, e que contam
também com características "ideais" para uma comparação em termos regionais. As
razões da sua exclusão foram as mesmas do estado de São Paulo. Assim, a seleção
dos estados seguiu apenas parcialmente a linha metodológica de autores como
King et al. (1994, p. 221), que advogam que a seleção de casos das esferas
subnacionais para pesquisas comparadas deve incluir apenas aqueles nos quais a
hipótese da pesquisa seja passível de teste, analisando-se, contudo, não só
casos similares, mas também os diferentes em relação às variáveis. As vantagens
de explorar comparações entre esferas subnacionais de governo para o melhor
entendimento das mudanças nos processos políticos e econômicos vêm sendo
apontadas por diversos autores, como, por exemplo, Snyder (2001). Essa vantagem
é ainda mais relevante em países com altos níveis de heterogeneidade interna
como o Brasil, e os estados selecionados refletem, embora de forma incompleta e
apenas nas variáveis de controle, a heterogeneidade socioeconômica brasileira.
20 Em 2006, venceu, na Bahia, o candidato do PT, Jacques Wagner, e no Ceará, o
do PSB, Cid Gomes, derrotando os candidatos do PFL e do PSDB que concorriam à
reeleição.
21 Dados detalhados sobre as despesas estaduais podem ser acessados no
sitehttp://www.stn.fazenda.gov.br/.
22 Um dos pareceristas anônimos deste artigo levantou a questão sobre o caráter
voluntário ou não do ajuste por parte dos governadores.
23 Uma diferença entre as bases constitutivas da pesquisa de Gibson e as desta
pesquisa está na sustentação do populismo na Argentina e no México, e do
clientelismo, no Brasil. Nos primeiros, essa base estaria nas áreas urbanas e,
no Brasil, segundo muitos autores, disseminado em todo território estadual,
embora, para os brasilianistas, mais concentrado nos estados que contam com
eleitores pobres e desorganizados.
24 Mapas elaborados no softwareMaptitude, versão 4.5.
25 Devo a Fernando Limongi a sugestão para esse agrupamento.
26 Os dados foram levantados nas seguintes fontes: IBGE, para o grau de
urbanização; Nepp/ Unicamp, para receita per capita municipal; Ipea/PNUD, para
o IDH-M; e Tribunais Regionais Eleitorais da Bahia, Ceará e Paraná, coletados
diretamente em suas sedes, para os resultados eleitorais por município.
27 Futuras pesquisas devem aprofundar a investigação do impacto do ajuste
fiscal sobre o gasto público total, em especial os gastos com investimentos e
com programas sociais A desagregação dos gastos permitirá conhecer melhor onde
foram concentrados os cortes de despesa. Seria também necessário investigar o
impacto da transferência de recursos federais para programas sociais
administrados pelos municípios, que cresceram significativamente no final dos
anos de 1990, em especial as transferências do SUS. Com essas transferências,
os estados podem ter sido liberados de alguns encargos financeiros, agora
assumidos pelos municípios e financiados principalmente por recursos federais,
mas também assumiram maiores encargos financeiros na área de educação, a partir
da institucionalização do Fundef. Nos casos da Bahia e do Ceará, programas de
combate à pobreza também injetaram nos municípios recursos federais e de
organismos multilaterais administrados pelos estados.
28 Souza (1997) demonstrou, na análise do sistema político da Bahia, a
convivência, dentro do aparelho de Estado, de lógicas clientelistas que se
materializam nas agências estaduais voltadas para a área social, com lógicas
burocrático-autoritárias e de insulamento burocrático nas agências voltadas
para as atividades econômicas, de planejamento e de finanças públicas. Tendler
(2000) argumenta na mesma direção em relação ao desempenho dos chamados fundos
sociais financiados pelo Banco Mundial. Na esfera federal, a convivência de
lógicas aparentemente antagônicas no aparelho administrativo foi demonstrada
por Nunes (1997), em sua análise sobre o que chamou de quatro gramáticas do
funcionamento da administração pública federal.