Atores periféricos na sociedade civil: redes e centralidades de organizações em
São Paulo
Introdução
A existência de heterogeneidade ornou-se aos poucos esclarecimento distintivo
dos balanços da literatura sobre a sociedade civil.1 O esclarecimento, cada vez
mais comum no debate dos anos recentes, visa às compreensões demasiadamente
estilizadas e normativamente sobrecarregadas de sociedade civil que se
alastraram vertiginosamente ao longo dos anos de 1990 no Brasil e pelo mundo
afora.2 Se considerado o pano de fundo contra o qual se projeta o reparo,
firmar a heterogeneidade dos atores coletivos englobados na rubrica "sociedade
civil" traz consigo conseqüências cognitivas não triviais, pois coloca em xeque
o pressuposto de um princípio de unificação simbolicamente compartilhado por
uma miríade de entidades de perfis assaz diversos. Entretanto, a noção de
heterogeneidade carece de estatuto analítico em si e, na verdade, constitui
ponto de partida útil se, e apenas se, animar caracterizações capazes de
mostrar e elaborar analiticamente as formas em que essa heterogeneidade se
ordena e opera. Assim, filões completos de questões sociologicamente ricas e
passíveis de problematização sob pressuposto da heterogeneidade aguardam
tratamento sistemático. Pouco sabemos, por exemplo, das hierarquias internas e
da capacidade de ação desiguais das organizações civis, da sua diferenciação
funcional e das clivagens políticas e conflitos internos, em suma, do modus
operandi da sociedade civil.
As lacunas no conhecimento das dinâmicas internas do universo das organizações
civis não passaram despercebidas sequer entre aqueles que mais decisivamente
contribuíram para alimentar a variante enfática da sociedade civil - para dizê-
lo com fórmula cunhada por Sergio Costa.3 Antes, seus autores mais lúcidos
reagiram, não sem certo estranhamento, contra os excessos simplificadores e
maniqueístas dos usos da categoria sociedade civil (Walzer, 1992), bem como
assinalaram as ambigüidades analíticas que a sua própria redefinição conceitual
tinha deixado em pé. De modo emblemático, Andrew Arato (1995), em texto apenas
dois anos posterior à sua influente obra publicada com Jean Cohen, atentou para
os efeitos de escurecimento da categoria "sociedade civil" sobre a variedade de
grupos e movimentos por ela englobados. Mais: reconfirmou de modo incisivo
aquilo que sua alentada atualização teórica da categoria "sociedade civil"
tinha processado e construído de modo profuso, a saber, "a unidade da sociedade
civil só é óbvia quando considerada de uma perspectiva normativa" (Arato, 1995,
p. 21; ver Cohen e Arato, 1992, pp. 395-475). Não raro, tal perspectiva
normativa foi projetada como diagnóstico da ação coletiva existente em
diferentes contextos sem mediações analíticas nem re-especificações conceituais
sensíveis às exigências da pesquisa empírica.
Este artigo inscreve-se nos esforços da literatura dos últimos anos no sentido
de avançar simultaneamente na produção de conhecimento empírico acerca dos
alcances, dos fatores condicionantes e das lógicas que orientam a ação dos
diferentes tipos de atores da sociedade civil, bem como na decantação de
distinções analíticas capazes de alimentar a reflexão no plano da teoria
positiva, complementando os resultados e a análise apresentados em Gurza
Lavalle, Castello e Bichir (2007). Assume-se que teorias positivas são
passíveis de diversos usos normativos e, nesse sentido, não excluem nem
substituem a teoria normativa, mas informam-na de modo a torná-la menos ingênua
e a favorecer sua aderência às questões trazidas pela sistematização e
acumulação de conhecimento empírico do mundo. Hoje na literatura ensejam-se
interpretações e pesquisas que, em flancos diversos, revelam elementos da
ordenação e da operação dos atores englobados na categoria sociedade civil sob
idéias como, entre outras, "projeto político", "trajetórias de lideranças",
"desenho institucional" de instâncias de participação, accountability interna,
"representação presuntiva", "ecologia associativa" e "redes de atores
sociais".4 Especificamente, o uso da idéia de "redes" deslocou-se
progressivamente de um registro pioneiro de índole metafórica - no qual se
atentava ora para a porosidade e a fluidez das fronteiras dos movimentos
sociais, ora para estratégias de atuação distintivas de determinados atores;
notadamente das ONGs - para a análise de redes como estratégia de abordagem
munida de metodologia e pressupostos analíticos próprios. Os resultados aqui
apresentados fazem parte desse deslocamento (ver Gurza Lavalle, Castello e
Bichir, 2004).
As vantagens de se utilizar, strictu senso, uma abordagem relacional para lidar
com ação coletiva organizada são bem conhecidas (Diani e McAdam, 2003). Há,
todavia, algumas vantagens adicionais quando a análise de redes é introduzida
no terreno do estudo empírico de organizações civis. Tal como observado por
Bebbington (2002), em exame dos vieses metodológicos que solapam a construção
de conhecimento sobre as ONGs na América Latina, as análises empíricas nesta
área não apenas costumam privilegiar o próprio ator como unidade de análise,
mas não raro elevam-no ao estatuto de principal produtor de conhecimento sobre
si próprio e sobre o campo em que se encontra inserido. Abordagens relacionais,
como a empregada neste artigo, permitem interpretações estruturais das
capacidades e das ações dos atores, ou seja, não são baseadas na
autocompreensão e racionalização de si próprios, mas na sua posição
(objetivada) dentro de redes de relações que condensam e condicionam a lógica e
os alcances da sua atuação.
Em trabalho de recente publicação (Gurza Lavalle, Castello e Bichir, 2007)
foram identificados empiricamente e examinados, mediante análise de redes, os
atores mais centrais no universo das organizações civis paulistanas, ou seja,
os grandes protagonistas com maior capacidade de ação e escolha na rede. Nestas
páginas, focamos a atenção nos atores menos centrais e naqueles marginais ou
francamente periféricos desse universo; por conseguinte, atores situados em
posições desfavoráveis e cujo tratamento na literatura tem sido igualmente
secundário. Exploram-se os resultados de survey realizado durantes seis meses
de trabalho de campo na cidade de São Paulo, no ano de 2002, no qual foram
entrevistadas mais de duzentas organizações civis, gerando um banco de dados
com mais de setecentos atores diferentes, e milhares de relações.5
Sabemos que o universo das organizações civis paulistanas apresenta uma notável
conectividade difusa. Ademais, as relações entre seus atores são acentuadamente
hierarquizadas, e aqueles com maior protagonismo - a saber, organizações
populares, articuladoras e ONGs - acumulam vantagens estruturais de modo
sistemático (Gurza Lavalle, Castello e Bichir, 2007). Isso gera desigualdades
fortes quanto às capacidades de atuação e escolha dos diferentes tipos de
organizações civis. Também, foi mostrada a existência de padrões relacionais
diferenciados entre os atores centrais e o restante da rede, apontando para uma
diferenciação funcional clara. Não cabe aqui descrever tal diferenciação nem os
principais achados dessa análise acerca das especificidades dos três tipos de
atores examinados. Atenta-se apenas para a ausência de caracterização
complementar para os atores menos relevantes ou francamente marginais: quais
são os atores periféricos no universo das organizações civis? Como lidam com
sua condição periférica? Ou, melhor: desenvolvem estratégias de ação de modo a
compensá-la? Que atores desempenham funções de intermediação entre os nichos
periféricos e centrais da rede? Enfim, qual a diferenciação funcional entre
atores marcados pela limitação de recursos relacionais e, em princípio - apenas
em princípio -, condenados à invisibilidade e incapacidade de fazer ouvir sua
voz?
Tais perguntas encontram respostas - por vezes, contra-intuitivas - nas páginas
que se seguem. Os resultados da análise de redes mostram que associações
comunitárias e associações de bairro guardam as posições mais periféricas,
antecedidas por entidades assistenciais e fóruns, cuja centralidade é
intermediária. Cumpre frisar desde já que a desigualdade posicional ou a
presença de organizações relegadas a nichos marginais não decorre da análise de
redes em si, mas constitui achado empírico da pesquisa.6 Se os grandes
protagonistas do universo das organizações civis caracterizam-se pela
sobreposição de vantagens estruturais, achado inverso era esperável para as
entidades não-centrais, e foi confirmado.
Porém, entidades ocupam posições periféricas e intermediárias equivalentes por
motivos distintos e no cumprimento de vocações funcionais diferentes. Assim, a
interpretação integrada dos resultados permite avançar para além da mera
constatação das hierarquias posicionais, alimentando elaborações nuançadas do
modo de operação dessas entidades. A seção maior deste artigo dedica-se à
elaboração de tal interpretação integrada e à extração de conclusões em relação
ao estado atual do conhecimento sobre as organizações civis em questão. Em
traços gerais, cabe apontar que malgrado sua posição relacional
desprivilegiada, as associações de bairro não permanecem confinadas à
microterritorialidade, mas atingem com certa facilidade os locais mais centrais
da rede e as oportunidades de ação e escolha a eles associados; nada semelhante
ocorre, todavia, com as associações comunitárias. Enquanto as primeiras
beneficiam-se dos recursos canalizados pelas entidades assistenciais e, a um só
tempo, da possibilidade de incidir na definição de prioridades e recursos
públicos mediante suas relações com atores altamente centrais, as associações
comunitárias permanecem isoladas e presas a um universo de relações que tende a
se esgotar nos seus próprios membros. Por sua vez, as organizações civis
intermediárias (fóruns e entidades assistenciais), quando examinadas do ponto
de vista dos seus padrões relacionais, permitem esboçar os traços de uma
divisão do trabalho ou diferenciação funcional no universo das organizações
civis não-centrais, na qual elas desempenham o papel de atores-ponte
(denominação aqui preferida em relação a termos comuns na literatura como
broker e gatekeeper).7 A despeito das diferenças entre entidades assistenciais
e fóruns, ambos os tipos de entidades não apenas conectam entidades centrais e
periféricas em mão dupla - sendo que as entidades centrais inclusive são
intermediadas por elas -, como também apresentam padrões de relacionamento
marcadamente heterófilos, quer dizer, encontram-se entre os atores que menos
investem na construção de vínculos com organizações civis do seu mesmo tipo.
Os diversos tipos de atores e o conhecimento estabelecido na literatura sobre
eles serão abordados nas próximas seções e, em seguida, serão tratadas
brevemente a estratégia de análise relacional aqui utilizada e a metodologia
correspondente. A síntese geral dos resultados em termos de posições
periféricas e intermediárias ocupadas pelos diferentes tipos de organizações
civis ocupa a antepenúltima seção. A interpretação das especificidades
funcionais e das estratégias relacionais dos quatro tipos de organizações
incorpora a representação visual das redes em sociogramas e a combina com a
leitura integrada das medidas de centralidade e coesão sumarizadas na seção
anterior. O artigo encerra com breve comentário final.
Atores periféricos e atores-ponte
O estudo das organizações civis impõe o desafio de desenvolver caracterizações
capazes de organizar de modo coerente a complexidade e a diversidade inerentes
a esses atores. Conforme apresentado em Gurza Lavalle, Castello e Bichir
(2007), as organizações civis não foram classificadas com base em suas
autodefinições, senão conforme critérios objetivos de duas ordens: a relação
com seus beneficiários e o perfil das atividades normalmente realizadas. No
primeiro caso, (i) o conjunto dos beneficiários encarna uma unidade restrita e
concreta ou geral e abstrata (por exemplo, os moradores do bairro ou os
cidadãos, respectivamente), (ii) cujos componentes são indivíduos, organizações
e atores coletivos, ou segmentos da população (iii) concebidos como membros ou
sócios, como público alvo, ou como a comunidade. No segundo caso, a cada tipo
de associação corresponde (i) uma estratégia de atuação distintiva e (ii)
combinações excludentes de atividades orientadas para a reivindicação e a
mobilização, para o fornecimento de serviços, para a organização popular, ou
para a intermediação entre o governo e os beneficiários. O problema contornado
mediante a adoção de parâmetros formais, é claro, não diz respeito à criação de
novas denominações ou classificações imaginativas, mas à definição e à
introdução de critérios de objetivação capazes de equacionar as dificuldades
inerentes à autoclassificação.
Os atores que constam do Quadro_1 foram qualificados como periféricos ou ponte
em termos relacionais a partir dos resultados da pesquisa, evitando
intencionalmente a qualificação dedutiva ou apriorística da sua posição no
universo das organizações civis. Nesse quadro é possível apreciar a composição
da amostra, bem como a sistematização da tipologia no caso do atores analisados
e alguns exemplos das organizações civis paulistanas classificadas em cada
tipo. Os critérios adotados para colher a amostra serão brevemente analisados
em seção específica mais adiante. As associações de bairro e as entidades
assistenciais apresentam maior peso na amostra dos tipos analisados,
constituindo 17% em cada caso. Por sua vez, fóruns e associações comunitárias
registram menos da metade do peso das primeiras. A categoria "Demais Atores"
não é residual: de um lado, adiciona os resultados, separadamente calculados,
de três tipos de organizações civis definidos empiricamente conforme os mesmos
critérios, e cujas posições na rede são, em contraponto, as mais centrais; de
outro, os resultados agregados de organizações populares, ONGs e articuladoras
- os três grandes tipos de organizações civis protagonistas na rede -
funcionarão como categoria de referência na ordenação de parte dos dados a
serem examinados.8
Por fim, e visto que toda tipologia leva à reagrupação de resultados em
subconjuntos, caberia perguntar se eventuais agrupações seguindo outros
critérios autorizariam leituras como aquela que será apresentada nestas
páginas. A redução de casos (organizações civis) a clusters (tipologia) costuma
obedecer a dois critérios básicos: ou há boas razões analíticas para optar por
uma forma específica de agrupação ou análises empíricas mediante técnicas de
cluster mostram padrões empíricos consistentes - independentemente de eles
corresponderem ou não a expectativas analíticas claramente formuladas. Neste
caso, a agrupação responde a ambos os critérios. De um lado, a tipologia de
organizações civis constitui uma síntese do conhecimento acumulado sobre esse
universo de atores e agiliza a interlocução com atores e autores interessados
nas questões aqui analisadas; de outro, testes empíricos não revelaram outras
formas de agrupação consistentes.
A caracterização dos atores na literatura
Diversos elementos têm animado o reconhecimento da heterogeneidade da sociedade
civil. Primeiro, as assimilações locais do debate teórico internacional
acabaram por ceder passo à multiplicação de anomalias e insuficiências em
contextos nacionais como na Índia (Tandon e Mohanty, 2003; Oommen, 2004) ou em
diversos países da América Latina (Dagnino, Olvera e Panfichi, 2006; Olvera,
2003; Avritzer, 2004). No Brasil, a intensa inovação em experiências
participativas para o desenho e a supervisão de políticas públicas exigiu uma
reformulação dos termos do debate no sentido de se pensar a relação entre o
Estado e a chamada sociedade civil (por exemplo, Perissinoto, 2004; Dagnino,
2002; Texeira, 2002; Gurza Lavalle, Acharya e Houtzager, 2005). Segundo, outras
agendas de pesquisa, por certo menos influentes, debruçaram-se sobre o estudo
das organizações civis em registro teoricamente menos sobredeterminado. Algumas
das reconstruções mais ricas e nuançadas da difícil sedimentação de identidades
no interior do universo das organizações civis foram elaboradas sob a agenda de
pesquisa do terceiro setor (por exemplo, Landim, 1998; Fernandes, 2002). Isso
sem esquecer a produção de conhecimento e documentação sobre as transformações
internas das organizações civis elaboradas pelos próprios atores sociais,
céticos perante um mundo acadêmico que, nos anos de 1980, cultivou exíguo
interesse pelos fenômenos de invenção e renovação organizacional emergentes no
plano da ação coletiva institucionalizada - notadamente as ONGs (Landim, 2002).
O trabalho desenvolvido nas últimas décadas por essas e outras perspectivas
para apreender a profusão de "projetos parcelares" e "microdiscursos"
(Carvalho, 1998, p. 85), o pragmatismo e as práticas diversas da miríade de
entidades que compõem o universo das organizações civis constitui o
conhecimento disponível para caracterizar os diferentes tipos de organizações
aqui estudadas. Nesse sentido, a caracterização dos tipos de organizações
civis, nos parágrafos que se seguem, espelha com maior ou menor fidelidade o
estado da literatura.
As associações de bairro exercem atividades relacionadas com demandas urbanas
específicas conforme um princípio de identidade territorial e, nesse sentido,
trabalham em e para uma comunidade. Na literatura dos anos de 1980, elas foram
pensadas no registro dos movimentos sociais, especificamente como movimentos de
bairro (Singer e Brant, 1980, pp. 83-107), alinhados dentro do campo dos
movimentos populares (Fernandes, 2002, pp. 45-46), isto é, distintos, pela sua
origem socio-econômica, das associações de amigos de bairro ou das associações
de moradores de classes médias, que também passaram por processos de ampliação
e politização das suas atividades no contexto das lutas pela transição (Boschi,
1987; Singer e Brant, 1980, pp. 85-93). Autoconstrução, conquista de creches e
postos de saúde, ocupação e legalização de terrenos, ampliação e aprimoramento
do transporte público, bem como um leque de reivindicações de infra-estrutura
urbana básica, definiram e continuam a definir, embora de modo menos dramático,
a pauta de reivindicações das associações de bairro; pauta impulsionada
mediante a mobilização e a pressão da população sobre as instâncias
governamentais de tomada de decisões. Essas associações perderam centralidade
no debate acadêmico dos anos de 1990, pois suas reivindicações eminentemente
materiais ou distributivas, sua baixa visibilidade e suas capacidades mínimas
para disputar a agenda pública tornaram-nas pouco palatáveis às exigências
normativas da perspectiva da "nova sociedade civil" que definiu o teor do
debate nos anos de 1990 (Gurza Lavalle, 2003).
Por motivos semelhantes, as associações comunitárias tampouco foram objeto de
análise da perspectiva da nova sociedade civil. Mais: pelo seu caráter
extremamente diverso e localizado, sequer constaram entre os atores
privilegiados pelos estudos de caso da literatura sobre movimentos sociais. Há,
é claro, uma exceção notável na literatura, a saber, as comunidades eclesiais
de bases (CEBs); no entanto, o retraimento da intervenção social da Igreja a
partir do final dos anos de 1980 trouxe consigo uma perda acentuada do
protagonismo das CEBs (Doimo, 1995). Ainda hoje, parte das associações
comunitárias - notadamente, Centros da Juventude (CJs), grupos de terceira
idade ou grupos culturais - mantém uma conexão direta ou indireta com o
trabalho paroquial e pastoral da Igreja Católica (Doimo, 2004). Em termos muito
gerais, as associações comunitárias respondem ao velho conceito de sociedades
mutualistas ou de ajuda mútua (Fernandes, 2002). Nesse sentido, seus membros
são simultaneamente os beneficiários e os agentes do trabalho desenvolvido pela
entidade; eles constituem uma comunidade ou encontram-se inseridos numa
comunidade maior, cuja lógica pode ser ou não de índole territorial. Embora de
modo pouco freqüente, é possível encontrar caracterizações mais específicas na
literatura para além do mutualismo: microterritorialidade ou microlocalização
associadas a espaços comunicativos primários, pouca visibilidade e trabalho
voluntário (Carvalho, 1998, pp. 86-87).
Bastante conhecidas e até há pouco tempo incontroversas, as entidades
assistenciais exercem fundamentalmente trabalhos de prestação de serviços e
assistência direta ao público para o qual trabalham. Suas feições distintivas
são pacíficas na literatura, em que costumam aparecer sob combinações com
ênfases diferenciadas de quatro elementos recorrentes: ethos cristão, prestação
de serviços de índole assistencial, atendimento dos segmentos mais vulneráveis
da população e financiamento provindo do setor privado - não raro mediante a
figura da fundação empresarial (Carvalho, 1998, p. 87; Landim, 2002). Herdeiras
da tradição filantrópica centenária para lidar com a questão social, as
entidades de assistência estiveram na origem das primeiras fórmulas de
previdência pública adotadas no Brasil e na América Latina (Fleury, 1994) e
também definiram parte importante do repertório de opções associativas
disponíveis no século XIX e primeiro terço do XX, ordenado pela força de
gravitação da igreja católica (Avritzer, 1997). O perfil mais tradicional das
entidades filantrópicas, embora caracterizado em parte nada desprezível da
literatura sob a suspeição de um halo pré-moderno e conservador, é consensual.
Contudo, a história recente do Brasil teria animado deslocamentos polêmicos no
sentido de uma espécie de "onguização" das entidades assistenciais, levando-as
a abandonar progressivamente sua tônica caritativa e apolítica para assumir uma
maior politização e publicitação de seus trabalhos e demandas, bem como à
adoção de discursos cifrados no registro dos direitos e da cidadania (Landim,
2002, pp. 32-36; Landim, 1998; Coelho, 2000, p. 64; Paz, 2005, pp. 18-19).
Os fóruns são instâncias de coordenação da ação e de agregação de interesses de
organizações da sociedade civil agrupadas por afinidades temáticas ou, de modo
mais preciso, funcionam como espaços de encontro e coordenação periódica que
permitem adensar agendas e pautar a atuação do atores que neles participam.
Duas considerações permitem classificar os fóruns como organizações civis:
primeiro, em que pese seu caráter periódico, possuem um grau de
institucionalização suficiente para impedir que seu funcionamento se torne
esporádico; segundo, constituem uma peça importante da construção institucional
das próprias organizações civis - peça especialmente adequada para o
desenvolvimento e a sustentação do trabalho em redes temáticas. Dada sua
orientação temática, fóruns desempenham papel relevante na definição e na
coordenação de prioridades para os chamados conselheiros da sociedade civil que
atuam nos conselhos gestores de políticas que, por sua vez, constituem de longe
o arranjo institucional deliberativo privilegiado na literatura - junto com o
orçamento participativo. Contudo, salvo raras exceções (por exemplo, Reis e
Freire, 2002) os fóruns não têm sido objeto de estudo com dignidade própria.
Análise relacional e survey
Para analisar os padrões de relacionamento das organizações civis acima
apresentadas, utilizamos a metodologia de análise de redes sociais, seguindo a
discussão apresentada em maior detalhe em outros trabalhos (Gurza Lavalle,
Castello e Bichir, 2007, e 2008). Aqui, serão apenas explicitados alguns
elementos da análise relacional e do survey indispensáveis para o
acompanhamento da análise e da argumentação desenvolvidas nas próximas seções.
A análise de redes sociais assume como premissa a importância dos laços sociais
como elementos que estruturam a vida social, Nesse sentido, a unidade de
análise utilizada são as relações estabelecidas entre pessoas e entre
entidades, e não os indivíduos ou organizações em si e sequer seus atributos.
Como estratégia analítica, situa-se em plano cognitivo intermediário, trazendo
consigo mudanças de perspectiva tanto na compreensão do plano macro (isto é,
sociedade/sociedade civil) como do micro (isto é indivíduos/organizações civis)
(Emirbayer, 1997). É importante destacar que, a rigor, a análise de redes
sociais não constitui uma teoria e tampouco um conjunto de técnicas
estatísticas complexas, mas uma estratégia analítica passível de utilização à
luz de diferentes perspectivas conceituais e teóricas.
Em termos gerais, um ator periférico no interior de uma determinada rede é
aquele que: conta com menor densidade de relacionamentos, sendo que muitas
dessas relações são locais e homofílicas - ou seja, tendem a ocorrer entre
atores de características similares -; dispõe de baixa capacidade de
mobilização e coordenação da ação de outras organizações civis; apresenta
relevância marginal nas estratégias relacionais de outros atores e, não raro,
guarda relações muito assimétricas com as organizações civis mais centrais, das
quais depende para ter seus interesses representados e suas demandas escaladas
a instâncias de deliberação e/ou decisão supralocais. Em suma, os atores
periféricos no universo das organizações civis ocupam nichos específicos,
tendem a desenvolver uma atuação bastante localizada e são fortemente
dependentes das relações que estabelecem com os demais atores - especialmente
os mais centrais -, objetivando alcançar outros espaços na rede para ter acesso
a informações, fontes de financiamento, incidência na tomada de decisões
públicas etc. Assim como ocorre no caso das organizações com papel protagônico,
os modos de inserção das organizações civis periféricas em um universo maior de
relações moldam suas possibilidades de ação, pois os padrões de vinculação
estabelecidos por cada tipo de organização civil com os demais e entre si
estruturam complexas redes que, simultaneamente, abrem possibilidades de
interação e constrangem alternativas.
A caracterização do perfil geral dos tipos de atores periféricos foi obtida por
meio da utilização de medidas de centralidade e coesão,9 seguindo os mesmos
procedimentos empregados no entendimento dos padrões de relacionamento das
organizações civis centrais (Gurza Lavalle, Castello e Bichir, 2007). Grosso
modo, as medidas de centralidade foram utilizadas para destacar a posição
relativa de cada um dos atores considerados, identificando formas de
hierarquização relacional das organizações civis de modo a examinar entidades
não-centrais ou sem protagonismo no universo das organizações civis como um
todo. Na análise, procurou-se identificar as organizações da sociedade civil
que funcionam como referências no conjunto das organizações (número de vínculos
recebidos - indegree) e aquelas caracterizadas por citar muitos parceiros
(número de vínculos enviados - outdegree);10 as capacidades de intermediação
(betweeness) e articulação de diferentes sub-redes; o grau de proximidade entre
tipos de organizações civis (closenness) e a assimetria das relações existentes
entre eles, aferindo a dependência produzida por certas entidades sobre outras
(power). Procurou-se diferenciar, ainda, as organizações que lançam mais
vínculos daquelas que são preponderantemente receptoras de vínculos,
apresentando diferentes tipos de influência(influence); bem como, destacar as
organizações com maior acesso à informação (information) no interior da rede,
isto é, ao controle de certos fluxos preferenciais entre o conjunto de relações
disponíveis. Além dessas medidas de centralidade, foram calculadas algumas
medidas de coesão, visando a incorporar à análise as distâncias existentes
entre cada um dos atores (geodesic distance), o número de atores que podem ser
alcançados no interior da rede (reachability) e a disponibilidade de caminhos
curtos para alcançá-los (count geodesic).
Considerando a complexidade estatística de algumas das medidas utilizadas e seu
valor comparativo, optou-se por apresentar resultados simplificados, reportando
apenas a hierarquia observada entre as organizações civis quanto à sua
centralidade. As denominações técnicas das medidas também foram simplificadas.
Além disso, para facilitar a compreensão dos resultados, são incorporadas as
representações gráficas (sociogramas) das redes internas de cada tipo de
organização civil aqui abordado. É importante ressaltar que os padrões
estruturais de inserção dos diferentes tipos de organizações civis na rede
foram construídos após a análise integrada de todas as medidas geradas, e não
com base em medidas isoladas - as quais carecem de sentido se consideradas de
modo independente. Cumpre advertir que os valores apresentados são relativos,
ou seja, seu parâmetro é comparativo e reside nos diferentes valores internos
das redes analisadas, não correspondendo a quaisquer valores absolutos ou
externos.
A análise de redes aqui apresentada baseia-se em informações obtidas por meio
de entrevistas realizadas com 202 organizações civis, em pesquisa realizada no
município de São Paulo em 2002.11 Ao todo, as entrevistas geraram um total de
741 atores diferentes citados e 1.293 relações diretas levantadas. Como cada
entidade entrevistada pôde citar até cinco relações em ordem de importância ou
as mais próximas para diferentes tipos de entidades, as redes examinadas nestas
páginas representam a malha mais densa de relações existentes entre as
organizações civis paulistanas pesquisadas, e não a totalidade de vínculos
existentes. O universo das entidades pesquisadas não foi definido a priori, mas
empiricamente como base nas cadeias de referências fornecidas a partir de
dezesseis pontos de entrada pelos atores entrevistados; referências colhidas em
campo por meio da técnica bola de neve (snowball) - bastante utilizada em
análises de redes sociais (Scott, 1992).
Padrões de relacionamento das organizações civis periféricas
Esta seção apresenta de modo sintético os principais resultados encontrados na
análise dos padrões de relações entre as diversas organizações civis. As
relações foram examinadas a partir de três ângulos ou recortes analíticos: i)
identificação do papel desempenhado pelos tipos de entidades na rede como um
todo ou no conjunto das organizações civis; ii) análise das formas de
relacionamento que as organizações civis de cada tipo estabelecem entre si;
iii) detecção de vínculos preferenciais entre os diferentes tipos de
organizações civis. Cada recorte apresenta contribuições específicas para o
entendimento das dinâmicas de funcionamento das organizações civis. A descrição
geral aqui apresentada é seguida, na próxima seção, por interpretação do
significado das posições estruturais de cada tipo de organização civil.
Com base em análises anteriores (Gurza Lavalle, Castello e Bichir, 2007),
sabemos que o universo das organizações civis paulistanas é bastante
estratificado, isto é, que as organizações estabelecem entre si relações
hierárquicas, sujeitas a uma diferenciação funcional clara, sendo que
organizações populares, articuladoras e ONGs desempenham papéis de
protagonistas. Cabe agora analisar como as organizações civis periféricas e
intermediárias inserem-se nesse universo.
Os resultados são sintetizados em três tabelas, uma para cada recorte
analítico. Nas duas primeiras, os dados são porcentagens que exprimem as
posições relativas de cada tipo de entidade em cada uma das medidas.12 As
porcentagens foram calculadas em relação aos resultados dos três tipos mais
centrais de entidades - organizações populares, ONGs e articuladoras -,
agrupadas na categoria "demais autores". A média desses três tipos serve,
assim, como parâmetro de comparação.13 Valores positivos indicam que, nessa
medida, a entidade em questão tem um resultado melhor do que a média das
entidades mais centrais. Valores negativos, pelo contrário, indicam resultados
inferiores aos apresentados pelas organizações civis centrais. Os valores não
possuem significado em si, mas permitem examinar as posições relativas das
entidades estudadas. A maior parte dos dados tem valores negativos, isto é, os
resultados apontam quão piores são os resultados desses atores. A lógica dessas
tabelas é simples, mas seu significado, numa primeira leitura, pode parecer
contra-intuitivo: valores negativos elevados são piores que valores negativos
baixos, pois indicam que uma entidade é mais periférica. Na terceira tabela
trata-se de um ranking simples, e os números exprimem apenas uma relação de
ordem para cada ator nas medidas calculadas. Como são seis os tipos de atores
analisados, o ranking de cada medida posiciona o respectivo ator entre um e
seis.
Na Tabela_1 nota-se que todas as entidades aqui consideradas apresentam, via de
regra, posições relativas inferiores às das organizações civis centrais em
termos de centralidade e, quase sempre, de coesão. Por isso a caracterização de
"atores periféricos", peculiarmente no caso das associações comunitárias, cujas
posições são as piores em quase todas as medidas contempladas. Na "periferia"
do campo societário estão localizadas não apenas as associações comunitárias,
mas também as associações de bairro devido à sua relativa irrelevância para os
outros atores - conforme mostrado na Tabela_3. Ambos os tipos de entidades
mostram-se fortemente dependentes dos vínculos estabelecidos com atores mais
centrais. Em um segundo plano há entidades com posições intermediárias: os
fóruns e as entidades assistenciais, que também possuem baixa centralidade, mas
se destacam por serem procuradas e, conforme será visto, por atuarem como
atores-ponte.
O segundo recorte analítico foca as relações internas entre as organizações
civis de cada tipo. A Tabela_2 apresenta os dados referentes ao modo como os
diversos atores estabelecem relações de centralidade, intermediação,
dependência etc., em suas redes internas; quer dizer, as medidas foram
calculadas para sub-redes definidas por tipo de organização civil, retirando-se
as conexões com os outros tipos de entidade. De maneira geral, os resultados
indicam que os tipos de organizações com redes internas menos densas e mais
fragmentadas coincidem com aquelas que tendem a ocupar posições periféricas na
rede como um todo. Esse resultado parece apontar para uma estreita relação
entre os modos de organização interna dos diferentes tipos de entidades -
padrões de relação, grau de coesão e hierarquização interna - e os papéis por
eles desempenhados no universo das organizações civis. No caso das entidades
periféricas, cabe destacar a assimetria nas relações internas às redes das
associações comunitárias, bem como a eficiência no contato entre elas (muitos
caminhos curtos disponíveis); no caso dos atores-ponte, cabe assinalar a grande
influência exercida por algumas entidades assistenciais em suas redes internas.
O terceiro recorte ilumina os vínculos preferenciais das organizações civis ao
atentar para as relações estabelecidas não entre as entidades na rede como um
todo, nem nas redes internas, mas entre tipos diferentes de organizações. A
Tabela_3 sumariza a lógica dos vínculos preferenciais na forma de um ranking
simples, apresentando, em primeiro lugar, o número de vínculos novos que
surgiram nas redes para cada combinação em pares por tipos de organizações
civis - sem considerar os vínculos que existiam previamente nas redes
internas14 -; em segundo lugar, o incremento na capacidade de intermediação
oriunda das relações entre dois tipos de entidades, ou seja, os ganhos de
intermediação - também excluindo as possibilidades de intermediação próprias à
rede interna de cada tipo de organização civil; e, em terceiro lugar, o
aproveitamento real dos vínculos que potencialmente poderiam existir entre dois
tipos de organizações civis (integração).
A grandes traços, observou-se que as organizações civis mais centrais são
procuradas como vínculos preferenciais, especialmente por parte de entidades de
base ou periféricas, as quais privilegiam claramente atores centrais na
construção e na manutenção de relações. Desse modo, as entidades periféricas
quase não contemplam nas suas estratégias relacionais outras organizações civis
em posições semelhantes; antes, preferem vincular-se às entidades centrais.
Esse é o caso, por exemplo, das associações de bairro, que mantêm relações
privilegiadas com as articuladoras, ou das associações comunitárias, que mantêm
preferencialmente relações com organizações populares.
Os papéis dos atores periféricos e ponte
Embora posições periféricas e, em menor medida, intermediárias, estejam
associadas a determinadas desvantagens estruturais, uma organização civil pode
ocupá-las por diversos motivos, isto é, dois atores podem apresentar feições
estruturais semelhantes, mas com significados muito diferentes. Os motivos são
iluminados pela posição relativa de um ator na rede e não são passíveis de
interpretação de forma isolada a partir de uma única medida, sendo necessária a
compreensão integrada dos três ângulos analíticos expostos na seção anterior. O
exame integrado dos resultados desses três recortes, informado pelos
sociogramas das redes internas de cada tipo de organização civil, permitirá
mostrar as especificidades funcionais dos atores estudados.
As associações de bairro
A microterritorialidade das associações de bairro ajuda a entender sua condição
periférica, pois elas conjugam a um só tempo ativismo e presença locais com
posições marginais na rede como um todo. As medidas que dependem da sua atuação
na construção de vínculos registram resultados superiores aos das medidas
derivadas das estratégias de outros tipos de organizações civis à procura de
vínculos com elas. Assim, as associações de bairro enviam mais vínculos do que
recebem, apresentam relações marcadamente simétricas15 e são, na rede como um
todo (inclusive entidades centrais), os atores com maior número de caminhos
mais curtos e mais próximos das entidades com as quais mantêm vínculos -
enquanto os atores que cultivam relações com elas são, em contraste, distantes
(Tabela_1).
A análise das suas conexões internas torna mais claras as implicações do
caráter territorial das associações de bairro. A julgar pelas medidas (Tabela
2), a estratégia de construir relações com seus pares é de relevância moderada,
embora seja mais importante para as associações em questão do que para os
fóruns e as entidades assistenciais. A especificidade, neste caso, reside no
fato de elas se conectarem uma a uma, formando uma rede horizontal que "passo a
passo" acaba por alcançar diferentes subconjuntos de atores. O Sociograma_1
mostra apenas a estrutura da rede interna das associações de bairro e permite
perceber facilmente a linearidade ou o modo horizontal de extensão da rede. As
associações destacadas com os quadrados, por exemplo, conseguem alcançar o
extremo oposto da rede percorrendo um longo caminho.16 A lógica interna das
sub-redes está pautada pela contigüidade territorial. O Sociograma_217 mostra,
por exemplo, que entidades da Zona Leste de São Paulo alcançam nicho de
entidades sediadas na Zona Sul através das relações que estabelecem com
entidades da Zona Norte. Um padrão relacional (fraco) animado por contigüidade
territorial facilita a fragmentação, pois cada associação localizada ao longo
da "linha" é importante - e boa parte delas indispensável - para a conexão com
outros segmentos da rede. De fato, as relações entre associações de bairro
agrupam-se em seis componentes. Por exemplo, todas as entidades de Heliópolis
formam um componente à parte, sem relações com as demais entidades da zona Sul.
Há, cumpre notar, um número considerável de associações de bairro isoladas
(64%) ou sem quaisquer vínculos diretos com outras associações de bairro,
corroborando a correlação entre a condição central de um tipo de entidade e a
construção de vínculos interpares ou com entidades do mesmo tipo.18
Mais duas feições do perfil das associações de bairro merecem destaque. O
ativismo realizado em locais periféricos da rede vem associado a uma capacidade
de intermediação razoável, bem como a uma capacidade notável de alcançar outros
atores na rede (Tabela_1). Isso não constitui propriamente paradoxo; todavia,
em se tratando de associações que não constroem muitos vínculos, chama a
atenção sua capacidade de alcançar outras organizações e de efetuar
intermediação a despeito da sua condição periférica. Tal intermediação e
alcance obedecem ao padrão de vínculos preferenciais encontrado: associações de
bairro privilegiam claramente as articuladoras, seguidas em patamar inferior
pelas entidades assistenciais (Tabela_3); por sua vez, e malgrado essas
associações não sejam vínculo preferencial de nenhum tipo de organização civil,
as articuladoras mantêm certa reciprocidade com as associações de bairro,
sendo, entre os atores mais centrais, aqueles que mais cultivam relações com
associações (Gurza Lavalle, Castello e Bichir, 2007). A relação privilegiada
com as articuladoras - acompanhada de certa reciprocidade - é contra-intuitiva,
na medida em que pareceria razoável esperar que tais vínculos preferenciais
acontecessem com as organizações populares, a maioria das quais trabalha de
longa data com temas urbanos lançando mão de expedientes de mobilização e
pressão. Mais: as organizações populares representam o repertório de vínculos
menos importante para as associações de bairro e vice-versa, e não há outro
caso de relação entre dois tipos de organizações civis em que os piores
vínculos possíveis sejam reciprocamente idênticos.19
Microcentralidade territorial ativa,20 com importância mínima como vinculo
preferencial para outros atores, sumariza parcialmente o papel desempenhado
pelas associações de bairro da sua condição periférica. Dois aspectos espantam
no perfil das associações de bairro. Primeiro, sua origem local e a orientação
do seu trabalho para beneficiários de camadas populares consubstanciam-se,
também, nos seus vínculos preferenciais com entidades assistenciais.
Entretanto, sua capacidade de intermediação, bem como a possibilidade de
alcançar nichos distantes da rede decorrem das suas relações com atores
altamente centrais como as articuladoras. Em outras palavras, a posição
periférica das associações de bairro é compensada por um padrão relacional
misto, em que comparecem, de um lado, atores-ponte - entidades assistenciais -,
presumivelmente no acesso a determinados recursos privados para seus
beneficiários, e, de outro, atores centrais - articuladoras - notabilizados por
sua incidência na formulação de políticas públicas, provavelmente na tentativa
de disputar prioridades e recursos públicos. Segundo, o fato de atores
tradicionais próprios de camadas mal-aquinhoadas da população, como as
associações de bairro, manterem relações privilegiadas não com as organizações
populares, mas com um tipo de organização civil de recente aparição - as
articuladoras, criadas fundamentalmente por ONGs -, aponta tanto para
transformações relevantes ocorridas nos últimos anos no plano da ação coletiva
dessas camadas como para a plasticidade da própria ação coletiva.
As associações comunitárias
As associações comunitárias são amostra emblemática da heterogeneidade do
universo das organizações civis. De dimensões modestas, inseridas em nichos
muito localizados e normalmente orientadas para a ajuda mútua, tendem a
desenvolver atividades restritas e, não raro, exclusivas ao grupo de indivíduos
participantes da entidade. Semelhante perfil torna-se mais nítido mediante a
análise de redes, pois o traço distintivo das entidades em questão é a ausência
de relações. De fato, apresentam os piores resultados em praticamente todas as
medidas, excetuando a presença de "caminhos mais curtos" para alcançar outras
entidades e a disposição de relações algo assimétricas (Tabela_1). Ambas as
exceções acusam os efeitos do número particularmente limitado de vínculos à
disposição das associações comunitárias e da existência e relações indiretas,
embora limitadas, com entidades mais centrais.
As relações internas entre associações comunitárias são próximas, notavelmente
assimétricas e de relevância moderada para seus protagonistas (Tabela_2).21 O
Sociograma_322 mostra que a proximidade deriva da fragmentação ou da existência
de sub-redes pequenas - basicamente díades e tríades -, animadas por lógicas
internas exclusivas, quer dizer, lógicas que não parecem estimular a criação de
pontes com associações pares guiadas por outras preocupações. Por exemplo, os
grupos de mães e as organizações civis de hip-hop apresentam relações entre si
e nenhum contato com outra associação comunitária. Inclusive o nicho com o
maior número de entidades - organizações representantes da polícia militar -
obedece a uma lógica interna exclusiva. Neste caso, todas as relações são
direcionadas a partir de um único ator. Assim, os raros vínculos estabelecidos
pelas entidades em questão costumam ser pontuais e não-diversificados, tornando
assimétrica a posição dos atores na sua própria rede. De modo consoante como os
achados das associações de bairro, 63% dessas associações são isoladas, ou
seja, não possuem vínculos com seus pares.
O perfil exclusivista das associações comunitárias as torna a tal ponto
desinteressantes para as lógicas de atuação do outros atores que, salvo a
exceção da indiferença recíproca entre organizações populares e associações de
bairro, as entidades em questão situam-se na última posição nas estratégias
relacionais dos outros atores do universo de organizações civis estudado
(Tabela_3). Por sua vez, embora as associações comunitárias privilegiem os
vínculos com organizações populares, não apresentam uma hierarquia clara de
relacionamento no que diz respeito às outras entidades - centrais ou não.
Associações comunitárias, de longe as mais periféricas no universo de atores
estudado, são construídas por e para os integrantes de cada entidade, e isso
guarda estreita conexão com o caráter exclusivo do seu padrão de relações ou
com ausência delas como sua feição mais distintiva. De um lado, parecem
alimentar propósitos muito restritos de expansão do seu trabalho; de outro,
suas funções de ajuda mútua situam-nas em plano verdadeiramente secundário para
as demais organizações. É claro que mantêm relações, mas são pontuais e
animadas por afinidades exclusivas. A esse respeito cumpre lembrar como
contraponto que, apesar da sua condição periférica, as associações de bairro se
destacam por constituir vínculos para além do plano local e por sustentar redes
relativamente extensas nesse plano.
As entidades assistenciais
Entidades assistenciais caracterizam-se, junto com os fóruns, por acusarem
centralidades intermediárias, situando-se, do ponto de vista das medidas
analisadas, entre as entidades periféricas e os grandes protagonistas da rede
de organizações civis. Sua centralidade intermediária obedece ao exercício de
uma forma de intermediação restrita, derivada das suas funções de prestação de
serviços de assistência a segmentos da população ou públicos alvo definidos
conforme critérios de vulnerabilidade. Elas são as entidades mais passivas do
universo das organizações civis paulistanas, pois registram o pior resultado no
estabelecimento de vínculos; por outro lado, apresentam posições médias quanto
à proximidade com outros atores e à sua capacidade de alcance e intermediação
(Tabela_1). Contudo, e não obstante sua inexpressividade na construção de
relações, os vínculos por elas estabelecidos são os mais assimétricos da rede
(inclusive entidades centrais), tendendo a se tornar indispensáveis para boa
parte das entidades dependentes com as quais se relacionam.23
O fato de sustentarem o repertório de relações mais assimétricas da amostra
pode ser compreendido pelo seu papel como entidades-ponte entre associações
mal-providas de relações com entidades densamente articuladas. De fato, as
relações por elas estabelecidas tendem a ser pontuais e verticais, com
ramificações limitadas. Nesse sentido, as conexões com seus pares não apenas
são pouco importantes para as entidades assistenciais - apenas os fóruns
constroem menos vínculos entre si, e elas são as entidades que menos alcançam
seus pares e com menor capacidade de intermediação na rede interna -, mas
também preservam o caráter assimétrico que caracteriza suas relações com os
outros tipos de organizações civis (Tabela_2). O Sociograma_424 mostra o padrão
das conexões entre entidades assistenciais. Além da fragmentação em oito
componentes ou sub-redes, a estrutura de parte desses componentes revela-se
assimétrica e baseada no fluxo de recursos orçamentários: a Associação
Evangélica Beneficente (aeb), a Associação Brasileira de Resgate e Ação Social
(Abras), o Instituto Teu Sonho Meu Sonho (Inteusonho) e a Ação Comunitária
Brasil (Acaocomun), atores centrais das respectivas sub-redes, são
coincidentemente entidades assistenciais que assumem entre suas funções
principais a transferência de recursos para outras entidades assistenciais. A
lógica interna das sub-redes é diversa, obedecendo ora às semelhanças quanto
aos públicos ou beneficiários (por exemplo, crianças), ora a alinhamentos sob
fortes afinidades ideológico-institucionais, como acontece com os nichos de
caráter religioso, ou ainda à proximidade territorial - como ocorre com as
entidades localizadas na Zona Sul de São Paulo, no bairro de Grajaú. A despeito
de ocuparem posições intermediárias, o número de entidades isoladas ou que não
mantêm qualquer vínculo direto com seus pares é (60%) semelhante ao das
organizações civis periféricas.
Entidades assistenciais não constituem um vinculo privilegiado para nenhum tipo
de organização central ou periférica, mas, de modo paralelo aos fóruns, são
procuradas por todas as organizações civis - confirmando sua posição de
centralidade intermediária - e, em particular, pelas associações de bairro
(Tabela_3). Os vínculos preferenciais cultivados pelas entidades em questão
respeitam o padrão mais geral, ou seja, privilegiam as organizações civis mais
centrais; e entre associações periféricas, optam pelas associações de bairro em
vez das comunitárias.
As medidas de centralidade conferem às entidades assistenciais lugar
intermediário dentro de um ranking relacional, mas o exame integrado das mesmas
revela um perfil funcional em que essas entidades desempenham o papel de
atores-ponte entre conjuntos de atores posicional e hierarquicamente separados
na rede. É pertinente frisar que a obtenção de resultados próximos da mediana -
daí a denominação de entidade de centralidade intermediária - não guarda
qualquer relação necessária com o exercício de funções de intermediação. A
primeira é um resultado aritmético, enquanto as segundas são produto de uma
interpretação sociológica do conjunto integrado das medidas visando a
caracterizar o modo de operação do tipo de organização sob exame. Assim, o fato
de as entidades assistenciais operarem como atores-ponte remete ao seu perfil
como mediadoras entre captação e canalização de recursos destinados à
assistência e à benemerência, conectando organizações financiadoras,
sustentadoras ou doadoras, bem aparelhadas relacionalmente, com atores
periféricos, como as associações de bairro, próximas dos públicos visados como
alvo da assistência. Trata-se de um tipo e mediação restrito e vertical, o que
explica seu desinteresse na construção ativa de vínculos ou de redes
(networking) com outros tipos de organizações civis e entre elas próprias. Tal
caracterização, cumpre salientar, sugere certo aprimoramento para as leituras
sobre o processo de "onguização" das entidades assistenciais, pois, a despeito
de tal diagnóstico, os padrões encontrados semelham a uma espécie de impressão
digital relacional que identifica e distingue claramente ONGs de entidades
assistenciais. Se a eventual mudança estiver a acontecer, parece conveniente
procurá-la no plano discursivo e simbólico.
Os Fóruns
Os resultados dos fóruns são plenamente condizentes com seu papel de atores-
ponte, e permitem especificar seu perfil relacional como instâncias de
encontro, definição e orientação programática de atores com vocações temáticas
e preocupações afins. Seu padrão de centralidade intermediária apresenta um
papel ativo na construção de vínculos que, no entanto, é desbalanceado devido à
enorme quantidade de vínculos recebidos25 Fóruns recebem consideravelmente mais
do que enviam vínculos, encontram-se próximos das entidades que os procuram,
mas distantes daquelas com as quais eles constroem relações, e possuem baixa
capacidade de intermediação (Tabela_1).26 Quando observados em comparação às
entidades assistenciais, surge contraste interessante, pois os fóruns sustentam
relações bem menos assimétricas - a despeito de ambos os tipos de organizações
civis compartilharem posições de centralidade intermediária.
Justamente por serem instâncias temáticas de encontro que abrigam outros tipos
de organizações civis, os fóruns distinguem-se pela acessibilidade e não
apresentam inclinação a estabelecer vínculos entre si, a não ser no caso raro
de sobreposições nos temas trabalhados. Nesse sentido, o padrão de conexões
internas do tipo de ator em questão é o mais desconexo e menos centralizado de
todas as redes entre pares no universo de organizações civis paulistanas aqui
analisado (Tabela_2). O Sociograma_527 ilustra nitidamente a magnitude da
desconexão: além de tenderem a ser pontuais, ordenando a rede em cinco
componentes - três díades, uma tríade e um componente maior, as relações
internas dos fóruns são raras, visto que 83% são isolados ou não possuem
qualquer relação direta com outros fóruns. Trata-se, de longe, do tipo de
organização civil que menos mantém vínculos entre si. O sociograma também
permite apreciar o caso raro de sobreposições temáticas parciais que animam a
construção de pequenas sub-redes: o Fórum "ONGs Aids", por exemplo, mantém
relação com o Fórum de Patologias; o Fórum do Idoso, por sua vez, sustenta
vínculos com os de Assistência Social e de Saúde.
Os fóruns constituem vínculo cultivado pela maior parte das organizações
estudadas, embora nunca em posição privilegiada e, é claro, nunca antecedendo
as entidades mais centrais - organizações populares, articuladoras e ONGs.
Embora a afirmação recíproca também seja verdadeira - fóruns também privilegiam
vínculos com organizações civis centrais -, um olhar cuidadoso sugere maior
afinidade com entidades centrais de perfil temático, ou seja, com articuladoras
e ONGs (Tabela_3). Por sua vez, organizações populares e entidades
assistenciais encontram-se em patamar inferior com importância semelhante para
os fóruns, e associações de bairro e comunitárias são irrelevantes nos termos
relativos do ranking utilizado.
Fóruns abrigam inquietações e problemas das organizações civis, e brindam um
espaço para elaboração de consensos a seu respeito. Entretanto, não constituem
o canal para transmissão ou difusão de tais consensos, pois, uma vez adensados,
eles são divulgados e, na medida do possível, implementados e/ou disputados na
prática pelas organizações civis que participam do respectivo fórum. Seu papel
de instâncias de adensamento dos discursos, programas de ação e interações de
outras organizações civis afastam-nos de estratégias ativas na construção de
relações, mas na medida em que são freqüentados em igual medida por
organizações civis centrais e periféricas representam uma instância de
aproximação entre entidades desiguais em termos da sua capacidade de ação.
Assim, o papel de ator-ponte vem marcado pela acessibilidade, diferentemente
das entidades assistenciais, que também permitem o contato entre conjuntos
hierarquicamente afastados de organizações civis, mas de modo restrito e
vertical. Em ambos os casos, todavia, parece plausível afirmar a coincidência
entre funções de intermediação e a presença de padrões de relacionamento
heterófilos ou preferencialmente orientados para outros tipos de atores.
Comentário Final
Um dos deslocamentos mais perceptíveis da literatura recente é afirmar a idéia
da heterogeneidade da sociedade civil. Contudo, cabe ao esforço da pesquisa
sistemática desvendar os modos em que tal heterogeneidade se organiza. Se o
universo das organizações civis não se ordena nem seus atores comportam como
prescrito pela teoria - guiados por uma lógica unificadora e por compromissos
normativos passíveis de universalização -, há sem dúvida terreno fértil para a
elaboração de distinções analíticas positivas e empiricamente alicerçadas,
capazes de contribuir para a compreensão das lógicas que animam o modus
operandi das organizações civis. Aqui, o funcionamento do universo das
organizações civis, particularmente dos seus atores com menor protagonismo, foi
reconstruído relacionalmente a partir de três recortes analíticos já
comentados. Afortunadamente, monismos metodológicos não mais parecem em voga
hoje e, por certo, a análise de redes é uma estratégia de abordagem entre
outras possíveis para lidar com atores coletivos. No entanto, a magnitude
numérica, a diversidade e a pulverização do universo das organizações civis
tornam-na peculiarmente adequada para contornar as limitações de perspectivas
centradas no ator como instância privilegiada de análise e como fonte de
(auto)produção de conhecimento.
No universo das organizações civis paulistanas operam hierarquias acentuadas
quanto às capacidades de ação e escolha dos diferentes tipos de atores,
acompanhadas de clivagens de especialização ou diferenciação funcional. Os
dados alinham claramente entidades marcadas por sua condição periférica -
associações comunitárias e de bairro - e entidades com uma condição de
centralidade intermediária - assistenciais e fóruns. Não cabe aqui repetir as
sínteses analíticas formuladas, mas é pertinente frisar que as posições
ocupadas pelas organizações civis nessas divisões impõem constrangimentos, mas
não constituem uma condenação à impotência. Antes, é possível desenvolver
estratégias compensatórias bem-sucedidas, visando a franquear o acesso das
entidades periféricas a recursos materiais e simbólicos que fluem pelos locais
mais centrais da rede. A análise revelou o papel que entidades assistenciais e
fóruns desempenham como atores-ponte - intermediando diferentes tipos e
recursos, materiais no primeiro caso, simbólicos e políticos no segundo -, mas
também mostrou a presença de conexões diretas ou não-mediadas entre nichos
periféricos de atores e entidades centrais, como é o caso dos vínculos
preferenciais entre associações de bairro e articuladoras.
A existência de organizações civis dedicadas a propósitos distintos e
empenhadas na realização de atividades diferentes remete ao plano do pluralismo
societário ou da heterogeneidade da ação coletiva, mas a presença de funções
complementares implica algo mais: processos intencionais de diferenciação
funcional ou divisão do trabalho, cuja cristalização poderia atestar o grau de
complexidade e a capacidade de atuação de atores situados dentro do universo
das organizações civis. Entrementes, não há conhecimento acumulado que permita
examinar sistematicamente as implicações mais amplas dos padrões relacionais
documentados mediante comparações intertemporais ou com outros universos de
organizações civis. Seria desejável que essa lacuna fosse sanada, permitindo a
re-especificação e, eventualmente, a refutação desses padrões graças ao acúmulo
de evidências oriundas de outros contextos no Brasil e no exterior.
No plano da teoria de redes, os achados das entidades periféricas e
intermediárias confirmam que a centralidade de um ator pode obedecer a
inserções passivas ou ativas na rede. A diferença entre centralidades passivas
e ativas, observada também no caso das organizações protagonistas (Gurza
Lavalle, Castello e Bichir, 2007), parece associada, no primeiro caso, a
prestigio e assimetria relacional, isto é, a desigualdades acentuadas de
recursos; já no segundo, a associação parece ser com relações homofílicas -
entre entidades do mesmo tipo - e com outros atores munidos de recursos
relativamente semelhantes. Além disso, o exame dos atores-ponte sugere que a
especialização funcional desempenhando papéis de bridging está associada a
padrões relacionais heterófilos. Em princípio, se esses achados se revelarem
consistentes, seria possível avançar especificando conceitualmente os
significados de modalidades de centralidade quando as redes são compostas por
organizações civis, detectando coincidências e eventuais especificidades em
face de formulações mais abstratas, características da teoria de redes.
Notas
1 Para a afirmação idéia de heterogeneidade da sociedade civil na literatura,
ver Olvera (2003), Encarnación (2006), Dagnino, Olvera e Panfichi (2006).
2 Para balanços críticos no Brasil e na América Latina, ver Dagnino, Olvera e
Panfichi (2006) e Gurza Lavalle (2003); para balanços mais gerais, ver a
coletânea de trabalhos organizada por Alexander (1998) e Encarnación (2006).
3 Trata-se de autores do debate teórico internacional que, nos anos de 1990,
apostaram no fortalecimento da sociedade civil como "nódulo normativo de um
projeto radical democrático", como "um desiderato político-emancipatório"
(Costa, 1997, p. 9). Os autores são bem conhecidos pela sua obra e influência:
Andrew Arato, Jean Cohen, Charles Taylor, John Keane, Michel Walzer.
4 Para distinções analíticas, ver "projeto", em Dagnino, Olvera e Panfichi
(2006); "trajetórias", em Delamaza e Ochsenius (2006), Feltran (2005); "desenho
institucional", em Fung (2004) e Fung e Wright (2003); accountability, em Fox
(2006), Alnoor e Weisband (2007); "representação presuntiva" e "formulações
equivalentes", em Mansbridge (2003), Castiglione e Warren (2005), Peruzzotti
(2005), Urbinati (2000), Gurza Lavalle, Houtzager e Castello (2006a, 2006b);
"ecologia associativa", em Warren (2004); "redes de atores", em Alvarez,
Dagnino e Escobar (1998), no sentido metafórico e pioneiro apontado no texto,
em Diani e McAdam (2003).
5 No trabalho de campo foram entrevistadas 229 organizações civis, mas devido a
critérios metodológicos foram contempladas apenas 202 na análise de redes.
6 A análise de redes apenas pressupõe que o mundo é relacional, mas a
desigualdade de relações disponíveis na rede para seus diferentes atores é uma
característica empírica da rede. Por outro lado, a probabilidade de
concentração de poder aumenta conformem o tamanho da rede - conforme Hanneman
(2001) -, mas o grau de desigualdade e as posições relativas dos atores
analisados também são de índole empírica.
7 A metáfora da "ponte" salienta a função de conexão entre dois territórios -
por extensão, realidades ou mundos - e nesse sentido se omite de especificar os
benefícios dos atores, enquanto idéias brokerage e gate-keeping enfatizam os
custos da intermediação a serem pagos por quem dela precisa. Conforme será
mostrado na análise das entidades assistências e dos fóruns, as funções de
conexão obedecem a lógicas mais diversas do que aquelas próprias de uma
economia da intermediação. Para as definições de broker ou gatekeeper, ver
Scott (1992, p. 90) e Wasserman e Faust (1994, pp. 188-191).
8 Organizações popularessão atores específicos voltados para a mobilização
coletiva a propósito de demandas populares. Articuladoras são atores fundados
por outras organizações civis para representar seus interesses e coordenar a
ação dos seus fundadores e membros, isto é, trabalham para entidades e não para
segmentos específicos da população. ONGs são entidades de advocacy, dedicadas a
reivindicar demandas de terceiros e a tematizar publicamente problemas visando
à construção de consensos sociais. Para uma exposição detalhada da tipologia
expandida, ver Gurza Lavalle, Castello e Bichir (2008).
9 Para uma discussão conceitual a respeito das medidas de centralidade e coesão
utilizadas usualmente nas análises de redes sociais, bem como das vantagens a
elas associadas, ver Hanneman (2001).
10 Optou-se por diferenciar a origem e o destino dos vínculos entre as
organizações. Entretanto, por motivos técnicos, as relações presentes na rede
foram consideradas de modo simétrico no caso de algumas medidas.
11 Os resultados apresentados neste artigo fazem parte do projeto "Rights,
Representation and the Poor: Comparing Large Developing Country Democracies -
Brazil, India and Mexico". As informações metodológicas, bem como o
questionário (Houtzager, Gurza Lavalle e Acharya 2003), encontram-se
disponíveis para consulta na página do projeto, sitehttp://www.ids.ac.uk/gdr/
cfs/research/Collective%20Actors.html.
12 Todas as medidas a serem apresentadas foram estimadas mediante a aplicação
de diferentes ponderadores (normalização) para controlar os efeitos decorrentes
do peso dos distintos tipos de organização civil na amostra.
13 Trata-se de uma média de médias; os resultados dos três tipos de entidades
centrais foram calculados separadamente.
14 Para tanto, foram considerados apenas os ganhos obtidos em cada um dos
cruzamentos entre dois tipos de organizações civis, cancelando os resultados
oriundos das redes internas. Em outras palavras, consideram-se apenas os saldos
da interseção entre duas redes.
15 Apresentam os resultados mais baixos na medida "poder", que afere assimetria
relacional.
16 Não é fortuito o fato de possuírem a maior distância geodésica (ver Tabela
1).
17 Atores: Abastatere - Associação do Bairro Amigos de Santa Terezinha;
Abcocaia - Associação do Bairro Cocaia; Abelc - União de Projetos Assistenciais
à Comunidade; Abjeliana - Associação do Bairro Jardim Eliana; Abjsaobern -
Associação do Bairro Jardim São Bernardo; Abmontever - Associação do Bairro
Monte Verde; Acachoeir - Associação Cachoeirinha; Achabelavi - Associação
Chácara Bela Vista; Acingapsjo - Associação Cingapura Parque São João;
Acomnovama - Associação Comunitária Nova Marilda; Acomucelii - Associação de
Construção por Mutirão Jd. Celeste II; Amai - Associação dos Moradores de Vila
Arco Íris; AMBRCAVLMI - Associação de Moradores do Bairro Rita Cavernaqui e Vl.
Missionária; Amem - Associação dos Moradores de Ermilíno Matarazzo; Amjideal -
Associação de Moradores do Jardim Ideal; Amomvirgem - Associação de Moradores
de Mata Virgem; Ampnovomun - Associação de Moradores de Parque Novo Mundo;
Amtiete - Associação de Moradores do Tietê; Amvmissio - Associação de Moradores
da Vila Missionária; Amvnasce - Associação de Moradores de Vila Nascente;
Amvpedrei - Associação dos Moradores da Vila Pedreira; Apedrasped - Associação
Pedra sobre Pedra; ARCAVC - Associação Recreativa Comunitária Amigos de Vila
Carmem; ASMJLUCEL - Associação dos Moradores do Jardim Lucélia; ASSCMHELI -
Associação Central dos Moradores de Heliópolis; Asunisapo - Associação Unidas
Beneficente de Sapopemba e Vilas Adjacentes; Avalheliop - Associação pela
Valorização de Heliópolis; Avalmulher - Associação de Valores da Mulher;
Avidanova - Associação Vida Nova; Avnosjoao - Associação Vila Nova São João;
Avnotiete - Associação Vila Nova Tiête; Avnovacuru - Associação Vila Nova
Curuça; CDM - Vila Darli; CECOMVILACR - Centro Comunitário da Vila Cristália;
Cencidnova - Centro Social Cidade Nova; CSLARTREZE - Centro Social Largo Treze;
MPMZN - Movimento Popular de Moradia Zona Norte; PCLEITONZL - Pequeno Cleiton
da Zona Leste; Sabajideal - Sociedade Amigos do Bairro Jardim Ideal; Sabsaomate
- Sociedades Amigos do Bairro de São Mateus; Sabvindust - Sociedade Amigos de
Bairro Vila Industrial; Sacresjau - Sociedade Amigos Conj. Residencial Jaú;
Saem - Sociedade Amigos de Ermilíno Matarazzo; Sajacana - Sociedade Amigos de
Jaçana; Sajacol - Sociedade Amigos do Jardim Colorado; Sajagrim - Sociedade
Amigos do Jardim Grimaldi; Sajapao - Sociedade Amigos do Jardim Japão; Sajasapo
- Sociedade Amigos do Jardim Sapopemba; Sajauverde - Sociedade Amigos do Jd.
Aury Verde e Adjacências; Sajbrasil - Sociedade Amigos do Jardim Brasil;
Sajindep - Sociedade Amigos do Jardim Independência; Sajtulipas - Sociedade
Amigos Jardim das Tulipas; Samorheli - Sociedade Amigos Moradores de
Heliópolis; SAMVARPQFO - Sociedade Amigos da Vila Arapuá e Parque Fongar;
Sapeduchav - Sociedade Amigos do Parque Edu Chaves; Sapsamsfra - Sociedade
Amigos do Parque Santa Amélia e Balneário São Francisco; Sarsi - Sociedade
Amigos de Bairro da Região de Santa Inês; Sasapopem - Sociedade Amigos de
Sapopemba; Sava - Sociedade Amigos de Vila Alpina; Savalp - Sociedade Amigos de
Vila Alpina; Savclamor - Sociedade Amigos de Vila Cristália, Vila Lalá e Jd.
Morgado ; Savdarli - Sociedade Amigos de Vila Darli; Savema - Sociedade Amigos
de Vila Ema; Soravi - Sociedade Amigos de Vila Medeiros; Sovisabri - Sociedade
Vila Sabrina; Umocjulia - União dos Moradores da Cidade Júlia; UMPBRIJSSA -
União dos Moradores do Parque Bristol e Jardim São Savério; Umvasa - União de
Moradores de Antonio dos Santos e Adjacentes; Unas - União de Núcleos,
Associações e Sociedades dos Moradores de Heliópolis; Unimorsete - União dos
Moradores da Comunidade de Sete de Setembro.
18 A rede interna de ONGs apresenta 33% de isoladas na amostra aqui analisada;
as organizações populares, 47%, e articuladoras, 54% (Gurza Lavalle, Castello e
Bichir, 2007).
19 Para as três formas de aferir os ganhos da interseção, organizações
populares e associações de bairro aparecem reciprocamente em 6º lugar. Os
resultados das organizações populares podem ser consultados em Gurza Lavalle,
Castello e Bichir (2007).
20 Por oposição a centralidades passivas derivadas da recepção de vínculos.
21 Próximas conforme as medidas "proximidade" e "caminhos mais curtos", e
assimétricas conforme a medida "poder" (Tabela_2).
22 Atores: ACABSOLPM - Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar;
ADEFESAPM - Associação de Defesa do Policial Militar; Adiabetico - Associação
dos Diabéticos; Afemvalpina - Associação Feminina de Vila Alpina; Alineposse -
Aliança Negra Posse; AOFICIPM - Associação de Oficiais da Polícia Militar;
APMDEFESP - Associação da Polícia Militar dos Deficientes do Estado de São
Paulo; Apolmievan - Associação de Policiais Militares Evangélicos; ASATLBARC -
Associação Atlética Barcelona; Asmaestalu - Associação de Mães de Santa Luzia;
Astrabitaq - Associação dos Trabalhadores de Itaquera; ASUBSARPM - Associação
de Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar; Casp - Centro de Ação Social de
Vila Alpina; Clubemaeca - Clube de Mães Coração do Amor; Clumaeunvi - Clube das
Mães Unidas para a Vitória; DOZEESCSAM - 12 Escolas de Samba do Grupo Especial;
Enclapolmi - Entidades de classe da Polícia Militar; FCD - Fraternidade Cristã
de Doentes e Deficientes; GPFERDIAS - Grupo de Senhoras Unidas Fernão Dias;
Grcs - Grupo Recreativo Cultural e Social Escola de Samba Acadêmicos do
Tucuruvi; Mocut - Movimento Cultural da Cidade Tiradentes; Outposses - Outras
Posses (organizações de Hip Hop); Proquilurb - Projeto Quilombos Urbanos;
Uniporvis - União dos Portadores de Deficiência Visual do Estado de São Paulo.
23 Conforme o resultado da medida "poder" na Tabela_1.
24 Atores: AACD - Ação Comunitária do Brasil; Abiah - Associação Batista de
Incentivo e Apoio ao Homem; Abras - Associação Brasileira de Resgate e Ação
Social; Acaocomun - Ação Comunitária; AEB - Associação Evangelista
Beneficiente; Aebedra - Associação Evangélica Beneficiente e Educacional
Diácono Renato Araújo; Aguainumbi - Associação Guainumbi; Arco - Associação
Beneficiente Arco; Asbenprovi - Associação Beneficiente Provisão; Casadomaca -
Casa Dom Macária; Casataig - Casa Taiguara; CENCOVSDOR - Centro de Convivência
Santa Dorotéia; Cesep - Centro Educacional São Paulo Apóstolo; Comkolparc -
Comunidade Kolping Arco-Íris; CPHNSAJPED - Centro de Promoção Humana Nossa
Senhora Aparecida do Jd. Pedreira; CPSAOCTHI - Centro de Promoção Social São
Caetano Thiene; CPSBORORE - Centro de Promoção Social Bororê; CPSCLBIASI -
Centro de Promoção Social Cônego Luis Biasi; Crechesper - Creche Esperança;
CSLEAOXIII - Centro Social Leão XIII; Fucriscria - Fundo Cristão para Criança;
Funsauxi - Fundação Nossa Senhora Auxiliadora; Inteusonho - Instituto Teu Sonho
Meu Sonho; Koinomia; Largiras - Lar Girassol; Larjemajo - Lar Jesus Maria José;
OBKOLPING - Obra Kolping do Brasil; PCRECONCIL - Programa Comunitário
Reconciliação.
25 Ver as medidas "vínculos recebidos" e, sobretudo, "influência".
26 Proximidade em relação aos atores que citam os fóruns, mas não só. Note-se o
grande número de "caminhos mais curtos" e "balanço favorável" entre vínculos
enviados e recebidos (influência) (Tabela_1).
27 Atores: Confest - Conferências Estaduais; Confnaci - Conferências Nacionais;
Confreg - Conferências Regionais; Congsaude - Congresso da Saúde; Fassocial -
Fórum de Assistência Social; Focenvivo - Fórum Centro Vivo; Fodefic - Fórum de
Deficientes; Foeconsoli - Fórum da Economia Solidária; Foidoso - Fórum do
Idoso; Fonalutas - Fórum Nacional de Lutas; Fonarefurb - Fórum Nacional de
Reforma Urbana; Fopaupapop - Fórum Paulista de Participação Popular; Foreduc -
Fórum de Educação; Formoradia - Fórum de Moradia; Forongaids - Fórum Ongs Aids;
Forpatolog - Fórum de Patologia; Forumdca - Fórum dos Direitos da Criança e do
Adolescente; Fosaude - Fórum de Saúde; FSM - Fórum Social Mundial; Marmunmu -
Marcha Mundial de Mulheres