Uma introdução à técnica svet
1. INTRODUCTION
A técnica SVET (do nome inglês Scanning Vibrating Electrode Technique, que em
português pode ser traduzido por Técnica do Eléctrodo Vibrante de Varrimento)
foi originalmente desenvolvida por biólogos entre as décadas de 1950 e 1970 com
o objectivo de medir as correntes iónicas associadas a processos de
diferenciação celular, regeneração de tecidos e electrofisiologia, áreas onde é
conhecida como Vibrating Probe [1-8]. A sua introdução na área da corrosão
ocorreu na década de 1980 por Hugh Isaacs [9-12]. Até então, o potencial e a
corrente em solução eram medidos usando eléctrodos de referência, geralmente
com capilares de Luggin-Haber, ideia iniciada no final dos anos 1930s por
Thornhill e Evans [13-14] e, principalmente, Agar e Evans [15-16].
O conceito teve continuidade nas décadas seguintes por vários autores,
destacando-se as referências [17-23]. A primeira revisão bibliográfica surgiu
em 1965 [24] e em 1981 Isaacs faz uma nova revisão [25] tendo então denominado
de SRET (Scanning Reference Electrode Technique) o conjunto de técnicas de
mapeamento baseadas em eléctrodos de referência não vibrantes. Pode ainda
referir-se o livro de Helmut Kaesche [26] onde muitos dos estudos referidos
atrás foram analisados em detalhe. Revisões recentes de trabalhos publicados
usando SRET e SVET podem ser encontradas em [27, 28]. A sua consulta revela que
estas técnicas têm sido utilizadas na análise de casos de corrosão galvânica,
corrosão por picada, corrosão sob tensão, corrosão intergranular, corrosão
microbiológica, inibidores de corrosão e revestimentos.
2. PRINCÍPIO DE FUNCIONAMENTO
Provavelmente a melhor forma de entender o funcionamento da SRET e da SVET na
medição do potencial e da corrente em solução é considerar uma célula com
placas paralelas como a que se apresenta na figura_1a) por onde circula uma
corrente contínua de 100 µA. A figura_1b) mostra a diferença de potencial
medida em vários pontos do circuito, com destaque para a queda óhmica em
solução, a qual se reduz apreciavelmente quando a concentração (e
consequentemente a conductividade) da solução aumenta. O perfil da queda óhmica
foi obtido também com um microeléctrodo de referência que se moveu
relativamente a outro mantido fixo - figura_1c). A variação de potencial em
solução foi cerca de 120 mV cm-1 para a solução NaCl 5 mM e 1,5 mV cm-1 para a
solução cem vezes mais concentrada e com uma conductividade 78 vezes maior. A
densidade de corrente em solução, i, pode ser calculada usando a seguinte
equação,
onde k é a conductividade da solução, E é o campo eléctrico na solução e ?V é a
diferença de potencial entre duas posições em solução distanciadas por ?r e
alinhadas perpendicularmente com as placas de grafite. A figura_2a) apresenta a
densidade de corrente obtida para as duas soluções, usando ?r = 20 µm. Embora
com bastante ruído, de forma particulamente evidente para a solução de 0,5 M
NaCl, o valor médio é semelhante e pode ser comparado com o valor teórico, que
é de 100 µA / 1,5 cm2 = 66,(6) µA cm-2 para a geometria de célula usada.
O que se acaba de descrever é um exemplo de medida SRET. Uma variante desta
técnica emprega dois eléctrodos de referência (por vezes eléctrodos de ouro ou
de platina com negro de platina) com posições fixas e ?r em geral entre 10 e
100 µm [22, 29]. A diferença de potencial entre os dois eléctrodos é dada
imediatamente e a densidade de corrente i é obtida pela multiplicação por k.
Outra variante da SRET consiste na modificação do sistema para o estudo de
amostras cilíndricas [30, 31].
Normalmente, a densidade de corrente dada pela SRET apresenta bastante ruído,
um problema que se agrava com o aumento da conductividade do meio usado. Pode-
se reduzir significativamente o ruído e aumentar a sensibilidade da técnica
fazendo o eléctrodo vibrar. Com a vibração o sinal medido passa a apresentar
uma forma sinusoidal susceptível de ser amplificada e filtrada num amplificador
lock-in. Esta é a base da técnica SVET e a principal diferença em relação à
SRET. O fundamento continua a ser uma medida de potencial, ?V, entre os
extremos da vibração do eléctrodo, ?r, usando-se a equação (1) para obter a
densidade de corrente. A figura_2b) apresenta a corrente medida pela SVET nas
condições experimentais anteriores verificandose um valor de corrente muito
próximo do teórico mas com bastante menos ruído quando comparado com os
resultados SRET.
Ambas as técnicas dão a conhecer as correntes iónicas a partir de medidas do
potencial em solução. A SVET tem como principais vantagens a maior
sensibilidade e menor ruído. Por outro lado, como o eléctrodo da SRET não vibra
e como pode ter uma extremidade bastante mais pequena (entre 0,1 e 1 µm,
enquanto o eléctrodo da SVET raramente é inferior a 10 µm), pode aproximar-se
mais das fontes de corrente permitindo melhor resolução espacial.
3. EXEMPLOS DE UTILIZAÇÃO EM CORROSÃO
Na figura_1, ânodo e cátodo encontram-se frente a frente. Em corrosão dispõem-
se lado a lado, com as correntes em solução saindo e entrando na mesma
superfície. Um exemplo é o par galvânico zinco-ferro que se apresenta nas
figura_3_a) e 3_b). Quando ligados electricamente num meio electrolítico
condutor, à temperatura ambiente, o zinco oxida-se protegendo o ferro que
funciona como cátodo e onde o oxigénio dissolvido em solução se reduz com a
produção de OH-. O movimento de electrões na fase metálica do zinco para o
ferro é acompanhado na fase aquosa por um fluxo de aniões para o ânodo (zinco)
e de catiões para o cátodo (ferro). As figuras_3_c) e d) mostram,
respectivamente, mapas de potencial em solução (medido com um microeléctrodo de
referência) e mapas de correntes iónicas (medidas com a SVET) obtidos nos
planos xy e xz em relação à superfície da amostra. A SVET detecta o fluxo
ascendente dos catiões resultantes do processo anódico como corrente positiva
(a vermelho nos mapas) e o fluxo ascendente de aniões (OH-) do processo
catódico como corrente negativa (a azul nos mapas). Na realidade, todas as
espécies carregadas transportam a corrente e são responsáveis pelo sinal medido
pela SVET. Junto aos eléctrodos, dentro da chamada camada de difusão, é
importante a contribuição do Zn2+ e do OH-.
A fracção de corrente transportada pelo Na+ e pelo Cl- (iões que constituem a
solução de ensaio) aumenta com a distância à superfície até que no seio da
solução a corrente é transportada essencialmente por estes iões. As figura_3_e)
e 3_f) mostram ainda interpretações química e eléctrica dos processos a
ocorrer. Os esquemas não estão à escala e devem ser entendidos apenas a título
meramente ilustrativo.
Na célula usada, zinco e ferro foram dispostos de forma a ter-se os processos
anódico e catódico separados e bem localizados a fim de se entender facilmente
os resultados fornecidos pelas duas técnicas. Uma combinação mais comum destes
dois metais é o revestimento de aço por camadas de zinco. A figura_4 mostra um
aço electrozincado após 24 horas de imersão em NaCl 0,05 M e várias formas de
apresentar o mesmo resultado obtido pela SVET. A corrosão do zinco ocorreu de
forma localizada atingindo a base de aço em vários pontos da superfície. O
equipamento SVET utilizado permite a medição do campo eléctrico em duas
direcções (x e z) o que permite a apresentação da corrente na forma de vectores
2D. Em corrosão, no entanto, é costume utilizar apenas a componente da corrente
perpendicular à superfície da amostra pois os mapas resultantes dão uma boa
ideia da distribuição espacial dos processos anódico e catódico.
Amostras homogéneas de um mesmo metal puro ou liga também podem ser estudadas
pela SVET desde que as regiões anódicas e catódicas sejam de dimensões
passíveis de ser resolvidas pela técnica. Se a corrosão não for muito rápida, é
possível seguir a evolução espacial e temporal dos processos durante a
degradação da amostra, como se exemplifica na figura_5, com vários instantes da
corrosão de uma amostra de aço macio durante as primeiras 24 horas de imersão
em NaCl 0,05 M.
A SVET pode ser vista como uma técnica de visualização da corrosão e poder-se-
ia argumentar que o mesmo é conseguido simplesmente com uma câmara que registe
a evolução do processo ao longo do tempo. A figura_5 mostra, no entanto, de
forma clara, algumas das vantagens da SVET como forma de visualização
complementar à imagem óptica. A SVET detecta a actividade antes dela se revelar
a olho nú ou ao microscópio. Note-se como aos 5 minutos de imersão a imagem
óptica apresenta a superfície ainda intacta enquanto a SVET já detecta os
processos que estão a ocorrer, sendo o resultado destes apenas visível mais
tarde (compare-se o mapa SVET aos 5 minutos com a superfície da amostra aos 30
minutos). Por outro lado, as imagens ópticas mostram o processo corrosivo
acumulado até ao momento da sua aquisição sem distinguir as partes da
superfície que estão activas nesse instante. A SVET, por seu lado, mostra a
actividade instantânea, ou seja, aquela que de facto ocorre durante a
obtenção do mapa (5 a 30 minutos são tempos típicos, dependendo no número de
pontos e do tempo de integração em cada ponto), distinguindo as zonas anódicas
e catódicas e dando uma medida semi-quantitativa sobre as respectivas
actividades.
4. ALGUNS CÁLCULOS
Como o demonstram os resultados anteriores, a SVET é uma técnica bastante útil
para a visualização dos processos corrosivos, mas por vezes há o interesse em
explorar um pouco mais e tentar usar os resultados para obter informação
quantitativa e, inclusivamente, estimar a corrente de corrosão. Apresenta-se
nesta secção alguns dos cálculos possíveis e as limitações inerentes aos
resultados da SVET, utilizando a figura_6 como exemplo.
4.1. Corrente que passa num ponto medido pela SVET
A densidade de corrente no ponto indicado na figura_6 é de 26 mA cm-2.
Significa que o campo eléctrico sentido pela SVET nesse ponto é igual ao campo
eléctrico gerado por uma corrente de 26 mA que passa numa área de 1 cm2 num
meio com a mesma conductividade. Para determinar a corrente absoluta que passa
nesse ponto é necessário conhecer a área correspondente ao ponto de medida, que
pode ser obtida dividindo a área do mapa pelo número de pontos. Neste exemplo,
a área do mapa é 0,3850 cm x 0,4440 cm = 0,1710 cm2 e o número de pontos é 1600
(40 x 40), pelo que área corespondente a cada ponto é 1,07 x 10-4 cm2. A
corrente absoluta que passa naquele ponto é portanto (26 mA cm-2) x (1,07 x 10-
4 cm2) = 0,00278 mA (2,78 nA). Um número maior de pontos aumenta a resolução do
mapa. A corrente total, correspondente à área total do mapa, obviamente,
permanece a mesma.
4.2. Correlação entre a corrente medida em solução com a corrente na fonte que
lhe dá origem
A SVET mede as correntes iónicas em solução que atravessam um plano que se
encontra tipicamente a 100-200 mm acima da superfíce metálica (plano de
medição). Em geral não é essa corrente que se pretende conhecer mas sim a
corrente que atravessa a interface metal-solução. Não é fácil correlaccionar as
duas quantidades. De facto, a correlação só é simples para uma fonte de
corrente pontual, ou seja, um ponto diminuto que debita a corrente para um
contra-eléctrodo distante. Se a fonte pontual de corrente estiver embutida numa
superfície plana não condutora, a corrente I debitada pela fonte que origina a
densidade de corrente medida pela SVET, iSVET, pode ser calculada por,
onde r é a distância da sonda à superfície. Se se admitir que o pico de
densidade de corrente considerado na figura_6 é criado apenas por uma única
picada, rodeada por uma área catódica, sabendo que o mapa foi obtido a 200 µm
da superfície, pode-se tentar usar a equação (2): I = (2) (p) (200 x 10-4 cm)2
(26 mA cm-2) = 65 nA. Esta é a corrente absoluta, gerada naquele ponto da
superfície metálica, que dá origem à densidade de corrente medida pela SVET
naquele ponto do mapa. Este cálculo estaria correcto se só houvesse aquele
ponto activo na superfície. No entanto, toda a amostra está activa e a corrente
da amostra corresponde à actividade de todos os pontos da superfície. Há pontos
com actividade anódica, ou catódica, com intensidades distintas, pontos sem
actividade, pontos isolados e pontos agrupados em regiões com a mesma
actividade.
4.3. Corrente na superfície da amostra
A determinação da corrente em toda a amostra a fim de obter um valor de
corrente de corrosão que possa ser comparado com os valores obtidos por outras
técnicas é uma tarefa difícil que requer simulação numérica. Em alternativa,
vários autores têm tentado uma abordagem aproximada e falível. O procedimento
consiste no somatório das correntes (não densidades de corrente) de todos os
pontos positivos (ou todos os pontos negativos) de onde resulta a corrente da
amostra. A divisão da corrente total pela área da amostra dá a densidade da
corrente da amostra. As correntes positivas e negativas assim obtidas deverão
cancelar-se.
5. LIMITAÇÕES
O procedimento descrito em 4.3. raramente conduz a resultados aceitáveis por
quatro razões principais:
i) As medidas não são feitas na superfície do metal mas a uma determinada
distância acima dela. A técnica não contabiliza a corrente que flui entre
ânodos e cátodos abaixo dessa altura, como esquematizado na figura_7_a) .
ii) A corrente que ascende e atravessa o plano de medição regressa à superfície
atravessando de novo esse plano em sentido contrário. O regresso poderá ocorrer
fora da região mapeada e essa corrente não é medida, como se exemplifica na
figura_7_b) . É o caso de correntes anódicas localizadas e muito intensas
rodeadas por áreas catódicas bem maiores e com correntes pequenas.
iii) A terceira razão está relacionada com a sensibilidade da técnica. O nível
de ruído da SVET na gama de soluções típicas de ensaio (0,01 - 0,1 M) é cerca
de 1 µA cm-2. Significa que correntes inferiores não são detectadas. As
correntes de grandes áreas catódicas apresentam valores dessa ordem de grandeza
ou mesmo inferiores.
iv) A última razão costuma ser esquecida: a corrente flui nas três direcções,
mas habitualmente só se usa a componente z da densidade de corrente (figura_7
b) , pelo que a corrente medida é quase sempre subestimada e raramente as
correntes positivas e negativas se cancelam.
Torna-se evidente que embora a SVET possa ser usada para estimar velocidades de
corrosão, os valores estimados têm associado um elevado grau de incerteza. A
fiabilidade desses valores necessita de ser confirmada por um segundo método,
tipicamente curvas de polarização ou espectroscopia de impedância
electroquímica, o que torna a SVET redundante e escusada para esse fim.
Estas limitações permitem concluir que a SVET deve ser vista como uma técnica
semi-quantitativa para visualização da corrosão, não um método para determinar
velocidades de corrosão.
6. MODELAÇÃO E SIMULAÇÃO
Para ultrapassar as limitações referidas na secção anterior é necessário
recorrer a simulação numérica. Esta é necessária mesmo para uma geometria
aparentemente simples como um disco. Isaacs reviu e comparou equações para o
caso de uma fonte pontual de corrente, um disco de corrente uniforme e um disco
de potencial constante [32]. Os resultados das equações para os três casos
coincidem quando a distância à superfície é superior a duas vezes o raio do
disco. As diferenças para distâncias inferiores podem ser entendidas à luz da
distribuição da corrente, primária, secundária ou terciária [33, 34].
A distribuição primária, a mais simples de tratar matematicamente, depende
unicamente da geometria da célula, incluindo o tamanho e forma dos eléctrodos,
mas normalmente só é aplicável a fontes pontuais de corrente ou quando se
analisam regiões em solução afastadas dos eléctrodos. Na maioria dos casos a
polarização dos eléctrodos determina a distribuição espacial do potencial e da
corrente e tem que ser tida em conta nos cálculos. Nestas condições a
distribuição é chamada de secundária. Quando a sonda está bastante perto da
superfície, há ainda a considerar os gradientes de concentração das espécies
carregadas geradas ou consumidas no eléctrodo que só são devidamente
contabilizados quando se considera a distribuição terciária. Excepto para casos
muito simples, é necessário recorrer a simulação numérica para relacionar os
processos na superfície com os que tem lugar em solução. Existem pacotes
comerciais, como por exemplo o COMSOL Multiphysics ou o MAT LAB, que podem ser
usados na simulação destes casos, recorrendo ao método dos elementos finitos ou
dos elementos fronteira. Cabe ainda referir aqui um conjunto de artigos
publicados nos anos 50 do século XX onde se analisou matematicamente a
distribuição de corrente e potencial em solução para vários tipos de célula
(Wagner, [35]) e casos de corrosão (Waber, [36]).
7. INSTRUMENTAÇÃO E DETALHES EXPERIMENTAIS
Há apenas dois instrumentos SVET disponíveis no mercado, um da empresa Uniscan
[37] e outro da empresa Applicable Electronics Inc. [38]. A japonesa Hokuto-
Denko chegou a comercializar um modelo na década de 1990. Além destes, vários
equipamentos foram desenvolvidos no passado pelos próprios investigadores [3-5,
39-41].
Todos os resultados apresentados neste artigo foram obtidos com o equipamento
da Applicable Electronics (AE). A informação que se segue refere-se apenas a
esse aparelho porque os autores não conhecem detalhes sobre a operação do
equipamento da Uniscan. Embora o princípio de funcionamento seja o mesmo, os
detalhes técnicos são certamente diferentes. Talvez as principais diferenças
entre os dois sejam a dupla vibração no caso da AE, o tamanho das áreas
mapeadas (milímetros para a AE, centímetros para a Uniscan) e a maior
facilidade de conjugar o equipamento da AE com outras técnicas e aparelhos.
O equipamento da AE foi desenvolvido para aplicações em biologia e baseia-se no
instrumento descrito em [5]. Na figura_8_a) mostra-se o eléctrodo vibrante,
geralmente uma haste metálica de platina-irídio (80%/20%) com 1,5 cm de
comprimento e 250 µm de diâmetro, afilada na extremidade e revestida por uma
camada de 3 µm de parylene-C, um polímero aplicado por deposição química em
fase vapor. A extremidade do eléctrodo tem cerca de 3 µm e é o único ponto onde
o revestimento foi removido, por intermédio de um arco voltaico. Estes
eléctrodos são produzidos pela empresa Microprobes [42] e a principal aplicação
é a neuroestimulação. Para poderem ser utilizados como eléctrodos SVET é
necessário aumentar a área electricamente activa, o que é conseguido pela
formação de um depósito de negro de platina electrodepositado a partir de ácido
hexacloroplatínico. A célula electroquímica típica para uma medida SVET
encontra-se na figura_8_b) , com a superfície da amostra isolada, excepto a
área a mapear, colada num suporte não condutor de 3 cm de diâmetro e fita
adesiva em redor do suporte, onde se coloca a solução de ensaio. A medição de
potencial ocorre entre o eléctrodo vibrante e um fio de platina com negro de
platina que funciona como referência. Um segundo fio de platina platinizado é a
ligação à t erra do transistor de efeito de campo de dupla junção ( JFET U401)
que se encontra num pré-amplificador e que é o centro da medição SVET.
O sistema completo está esquematizado na figura_8_c) e consiste numa câmara de
vídeo que permite controlar a posição do eléctrodo e obter imagens da amostra,
um sistema de motores que posiciona e movimenta o microeléctrodo com 1 µm de
precisão, um pré-amplificador e um amplificador IPA-2 que integra dois
amplificadores lock-in, um para cada vibração. O microeléctrodo é colocado na
extremidade de um braço de plástico estando a outra extremidade ligada a dois
osciladores piezoelectrónicos que são responsáveis pelas vibrações x e z
(frequências seleccionáveis entre 40 e 1000 Hz). Todo o processo é controlado
pelo software ASET desenvolvido pela empresa Sciencewares [43]. Uma mesa anti-
vibração, uma gaiola de Faraday e uma unidade de alimentação ininterrupta com
filtragem da corrente de alimentação são opcionais mas recomendadas para o
óptimo desempenho.
Como o sistema mede diferenças de potencial e apresenta os resultados na forma
de densidades de corrente, é necessária uma calibração prévia para relacionar
as duas quantidades. Para tal, a sonda é posicionada a uma determinada
distância (geralmente 150 µm) de uma fonte de corrente pontual que debita uma
corrente I conhecida (geralmente 60 nA). A densidade de corrente i à distância
r
O sistema mede a diferença de potencial e determina o factor de
proporcionalidade relactivamente à densidade de corrente i. Este factor de
proporcionalidade depende da conductividade da solução, da amplificação do
sistema, da frequência e da amplitude da vibração. Enquanto a frequência e a
amplitude de vibração não forem alteradas a calibração permanece válida sendo
apenas necessário introduzir o valor correcto da conductividade da solução em
uso. O sistema da AE faz a medição em duas direcções ortogonais. Além disso, o
sistema adquire os sinais em fase e em quadratura a fim de compensar quaisquer
desvios à perpendicularidade dos eixos de vibração. O cálculo recorre a uma
matriz de calibração, como descrito em [5]. Deve referir-se que além desta
rotina de calibração, que é a mais comum, existem outras, descritas nas
referências [6] e [45].
8. ALGUMAS QUESTÕES OPERACIONAIS
8.1. Sensibilidade
A sensibilidade da SVET, entendida como a menor corrente discriminada acima no
nível de ruído, depende directamente da conductividade do meio. Se o que
interessa é a corrente mínima na superfície metálica que pode ser detectada
pela SVET, então esse valor depende também da distância entre a superfície e o
ponto de medida. A Tabela_1 apresenta valores experimentais medidos usando uma
fonte pontual de corrente (micropipeta de vidro com uma abertura de 2 µm de
diâmetro, cheia com a mesma solução de ensaio, tendo no interior um fio de
platina com negro de platina por onde a corrente entra em solução). A SVET
consegue medir com fiabilidade correntes em solução que sejam no mínimo duas
vezes o nível de ruído. Para os meios de ensaio mais comuns (0,01 - 0,1 M NaCl)
a sensibilidade da SVET em solução ronda os 1-2 µA cm-2 a que corresponde uma
corrente na fonte de 2 a 10 nA.
8.2. Resolução espacial
Definindo a resolução espacial como a distância mínima entre duas fontes
pontuais de igual corrente que conseguem ser distinguidas, pode dizer-se que é
difícil de estabelecer um valor concreto pois este depende de vários factores,
principalmente da distância à superfície e da conductividade do meio, mas
também do tamanho da sonda e da amplitude da vibração. Uma regra é considerar
que a SVET só separará o sinal das duas fontes quando se encontrar a uma
distância da superfície igual ou inferior a metade da distância entre elas. Um
exemplo: para que 2 pontos separados 200 µm sejam discriminados é necessário
que a sonda esteja no máximo a 100 µm da superfície. Ainda outro exemplo:
Isaacs mostrou [32] que o sinal medido pela SVET acima de um ponto ou de um
disco que debitam a mesma corrente absoluta é igual quando a sonda está a uma
distância superior a duas vezes o raio do disco. Concretizando: se a sonda se
encontrar a 100 µm da super fície, obter-se-á o mesmo mapa quer a fonte de
corrente seja um ponto quer seja um disco de 100 µm de diâmetro, desde que a
corrente absoluta produzida por ambos seja a mesma. Para os distinguir, a sonda
terá de se aproximar da superfície.
8.3. Influência da vibração
Há quatro aspectos a considerar acerca da vibração da SVET:
i) O primeiro refere-se à sua capacidade de agitar a solução homogeneizando
localmente a composição química. Esse efeito foi estudado por Lucas e Ferrier
[46] que concluiram que os vórtices criados pela vibração do eléctrodo alteram
a concentração das espécies químicas na sua vizinhança mas não a densidade de
corrente local.
ii) A agitação da solução aumenta o transporte por convecção sendo
particularmente importante no transporte do oxigénio dissolvido em solução até
à superfície metálica. Este efeito foi estudado por McMurray, Williams e
Worsley [47] com um sistema SVET diferente do usado aqui. Na SVET da AE, em
medidas feitas a 100 µm, a corrente de redução do oxigénio duplica-se
momentaneamente quando a SVET vibra por cima do cátodo [48].
iii) Isaacs estudou a relação entre a amplitude da vibração e a distância média
da sonda à superfície e concluiu que quando a sonda se aproxima uma distância
inferior a 4 vezes a amplitude da vibração, o sinal medido é sobreestimado
[49]. Para a vibração típica da SVET este problema só existe quando a sonda
está a menos de 50 µm da superfície, o que raramente se verifica na prática.
iv) Um último aspecto a referir é o risco do não alinhamento do eixo da
vibração com a normal à fonte de corrente. Este aspecto já foi estudado [12,
50] e os autores consideraram que desvios até 30º não são significativos. Como
referido na secção 7., a calibração do sistema da AE mede o sinal em fase e em
quadratura precisamente para compensar desvios à ortogonalidade. Naturalmente,
não compensa situações em que a amostra esteja inadvertidamente inclinada ou
apresente relevo significativo.
8.4. Análise de subtratos metálicos com revestimentos orgânicos
A aplicação desta técnica na caracterização da corrosão em sistemas de pintura
tem merecido grande interesse mas o seu uso é bastante limitado. A SVET só
consegue medir a corrente que flui através de defeitos ou descontinuidades no
revestimento orgânico. Além disso, se o revestimento for espesso (> 500 µm), a
sonda estará bastante afastada da fonte de corrente (superfície metálica) e é
possível que não detecte qualquer sinal. Pela mesma razão é raro medir-se algum
sinal em empolamentos dos revestimento orgânicos.
9. COMBINAÇÃO DA SVET COM OUTRAS TÉCNICAS
A SVET mede as correntes iónicas em solução mas não dá informação sobre a
identidade das espécies envolvidas no processo. Isso poderá ser obtido através
de microeléctrodos potenciométricos e amperométricos. Uma vantagem do
equipamento SVET da AE é que a adição de apenas um módulo e respectivos
microeléctrodos é suficiente para a realização de medidas micropotenciométricas
e microamperométricas.
Apresenta-se aqui um exemplo do uso complementar da SVET com a medição
potenciométrica de pH e amperométrica do O2 dissolvido em solução. Neste
exemplo, amostras da liga de alumínio 2024-T3, liga de aplicação bastante comum
em aeronáutica, foram revestidas com um filme produzido pela tecnologia sol-
gel. Isolou-se a amostra deixando apenas uma janela de 3 x 3 mm2 exposta à
solução e produziram-se dois defeitos no revestimento de modo que o substrato
metálico ficasse exposto apenas nesses dois pontos. Deixou-se a amostra corroer
em NaCl 0,05 M durante 20 horas após as quais se adicionou um inibidor de
corrosão, nitrato de cério. A figura_9 apresenta a corrente em solução, o pH e
a corrente de redução de O2 na sonda amperométrica, medidos antes e após a
inibição. As correntes iónicas medidas pela SVET antes da inibição mostram um
pico positivo sobre um defeito, que se passa a chamar anódico, e um pico
negativo sobre o outro defeito, doravante chamado de catódico. O pH da solução
aumentou significativamente sobre o defeito catódico (onde se produz OH-) mas
não se alterou sobre o defeito anódico. A corrente de redução do O2 foi
constante excepto sobre os dois defeitos, onde diminuiu. Esta diminuição deve-
se à menor concentração local de O2 uma vez que este é consumido na superfície
metálica exposta. Verifica-se que a actividade catódica tem lugar nos dois
defeitos, incluindo aquele considerado anódico pela SVET. Existindo O2 em toda
a solução e estando a superfície a um potencial onde ele se pode reduzir, a
reacção ocorrerá, embora a velocidade de reacção possa ser diferente nos dois
defeitos. As medições efectuadas 20 horas após a adição de inibidor mostram
valores constantes e iguais aos do seio da solução, o que é interpretado como
sendo resultado da inibição, que isolou o metal do meio, impedindo qualquer
actividade na superfície da amostra que alterasse a química da solução. O
trabalho completo está publicado em [51] e outros exemplos podem ser
encontrados nas referências [52-53]. Estes resultados revelam o benefício de
combinar as várias técnicas, pois cada uma acresenta uma fracção de informação
que reunida dá uma imagem mais completa sobre o sistema em estudo.
Em todos os exemplos de corrosão apresentados, as amostras corroeram
naturalmente, sem aplicação externa de potencial. Contudo, as amostras podem
ser polarizadas usando um potenciostato enquanto a SVET mede as correntes
resultantes, como mostra a figura_10 para o caso de um eléctrodo de ferro puro
com mapas obtidos a vários potenciais. Ao potencial em circuito aberto,
potencial de corrosão, o eléctrodo apresenta zonas anódicas e catódicas.
Polarizações anódicas ou catódicas promovem, respectivamente, oxidações ou
reduções, com a corrente a variar logaritmicamente com a polarização. O mesmo
procedimento poderia ser realizado com eléctrodos inertes, como platina por
exemplo, em estudos típicos de electroquímica mas, em geral, nesses estudos
pretende-se uma distribuição de corrente uniforme (para as quais as medidas de
SVET não são interessantes) e adiciona-se electrólito de suporte em abundância
para eliminar a componente de migração (precisamente o que é medido pela SVET).
Actualmente, quando a informação localizada interessa em estudos de
electroquímica, tem-se recorrido à microscopia electroquímica (SECM, Scanning
Electrochemical Microscopy) [54].
10. CONCLUSÕES
Pretendeu-se dar a conhecer a técnica SVET e a sua aplicação em estudos de
corrosão. Os exemplos apresentados foram criteriosamente seleccionados para uma
melhor compreensão do princípio de funcionamento da técnica, as
particularidades de que se reveste o seu uso, as vantagens e as limitações. Não
se deu ênfase aos detalhes técnicos ou de operação porque muitos deles são
inerentes ao instrumento usado e interessam principalmente a quem opera o
equipamento. Também não se fez uma revisão bibliográfica dos trabalhos
publicados com a SVET. O leitor interessado poderá consultar as referências
[27, 28]. Espera-se que estas páginas sejam suficientes para se entender a
técnica e as suas especificidades bem como para decidir quando o seu uso é ou
não proveitoso. Termina-se reiterando que a SVET deve ser vista como uma
técnica de visualização da corrosão, poderosa e versátil, mas vincando que o
uso para medidas e cálculos quantitativos deverá ser feito de forma
extremamente cuidadosa e esclarecida.