Corrosão pelos depósitos salinos nos geradores de vapor (comunicação breve)
1. INTRODUÇÃO
A presença de impurezas minerais, de que se destacam as de enxofre, vanádio e
sódio, nos combustíveis líquidos tais como os óleos de fuel pesados que são
queimados nos geradores de vapor, traduz-se pela formação de misturas complexas
de sulfatos e vanadatos alcalinos, que arrastadas pelos gases de combustão, são
susceptíveis de se depositar nas superfícies de permuta a alta temperatura [1-
3]. Por vezes, resultam corrosões significativas ao nível dos sobreaquecedores
e aquecedores que podem conduzir a indisponibilidades de material necessário
para a substituição de tubos que só pode efectuar-se quando a tarefa operativa
é concluída [4, 5]. As três etapas destas corrosões são as seguintes: (1)
depósito salino a partir da fase de vapor; (2) equilíbrio entre as fases sólida
e líquida em função da temperatura da superfície e da composição química e (3)
corrosão electroquímica de materiais metálicos na fase fundida.
Estes meios complexos têm composições variáveis e mal conhecidas. Uma primeira
aproximação ao seu estudo consiste em examinar as propriedades respectivas dos
seus constituintes e, mais particularmente, dos vanadatos alcalinos, uma vez
que a experiência tem mostrado que a corrosão é tanto mais agressiva quanto
mais elevada é a relação vanádio/sódio. Num primeiro período, houve interesse
na determinação de propriedades químicas e electroquímicas de metavanadato de
sódio, NaVO3, fundido, o qual é frequentemente detectado nos depósitos, assim
como no comportamento de diversos materiais metálicos nesse meio cuja
interpretação está ligada ao conhecimento dos mecanismos de corrosão [6-8].
Este artigo consiste numa revisão de vários trabalhos sobre a corrosão de
metais em vanadatos fundidos realizados ao longo das últimas décadas pelo
primeiro autor e outros membros do Grupo de Electroquímica de Materiais, MEG,
do Instituto Superior Técnico e pretende resumir as suas principais conclusões.
A necessidade para melhor localizar os fenómenos e de operar a temperaturas
ligeiramente mais baixas compatíveis com as dos tubos de permuta em
funcionamento a cerca de 600 ºC conduziu-nos a considerar um solvente mais
complexo que o eutéctico binário NaVO3 + Na2SO4 (86 % M em vanadato).
2. PROPRIEDADES FÍSICAS ESSENCIAIS DO NaVO3 FUNDIDO
Um estudo preliminar indispensável consistiu na medida da massa volúmica, da
tensão de vapor e da condutibilidade eléctrica do meio fundido em função da
temperatura [9-11].
O conhecimento da massa volúmica é necessário ao estudo das reacções em solução
que faz apelo à noção de concentração molar. Entre 700 e 1000 ºC:
A medida da tensão de vapor mostra que o solvente é estável a alta temperatura.
Entre 980 e 1200 ºC:
Os valores apreciáveis da condutibilidade eléctrica confirmam a hipótese do
carácter iónico do NaVO3 fundido entre 650 ºC e 1100 ºC:
3. ANÁLISE DAS REACÇÕES EM MEIO DE NaVO3 FUNDIDO
Considerações teóricas sobre as reacções ácido-base nos solventes oxigenados
fundidos a propósito do desempenho da partícula O2- solvatada conduzem a
considerar o equilíbrio químico ao nível do solvente NaVO3 sob a forma [12,
13]:
A constante de dissociação correspondente traduz a amplitude da escala de
acidez ou de pO2- (transposição da noção de pH dos meios aquosos):
e do número de unidades de pO2-:
limitando as concentrações da base forte (O2-) e do ácido forte (V2O5) a
valores molares (1 M). Resultados descritos em publicações dos autores [14,
15], com o apoio do Manual 2.1 de Bale e colaboradores [16], permitem-nos
traçar a Figura_1 que indica os valores de potencial e pO2- para os domínios de
acidez e basicidade do metavanadato de sódio fundido.
Os estudos electroquímicos foram conduzidos a 680 ºC usando métodos clássicos
(traçado de curvas de polarização, potenciometria, determinação das correntes
de corrosão) com ajuda duma montagem de três eléctrodos conduzida por um
potenciostato e controlada por um milivoltímetro digital, sendo o eléctrodo de
referência do tipo Rey- Danner [17], baseado no sistema Ag+/Ag.
O domínio de electroactividade, independente do pO2-, é da ordem de 450 mV e
mostra o carácter facilmente redutível do meio (Fig._2). Para o traçado da
Figura_2 recorreu-se ao Manual de Bale e colaboradores [16].
A oxidação anódica do NaVO3 conduz a uma libertação de oxigénio de acordo com
as reacções:
O domínio de acidez deduzido de medidas potenciométricas a corrente nula usando
um eléctrodo de platina onde opera o sistema O2/O2-, traduz-se por uma escala
de pO2- da ordem de 2 unidades. Em meio neutro, tem-se portanto [O2-] = [V2O5]
= 10-1 M, o que implica uma notável dissociação ácido-base (Fig._1).
O comportamento de diversos metais puros estudado por meio do traçado de curvas
de potenciometria e de polarização permitem uma classificação comparativa
desses metais, a oxidabilidade aumentando dos metais nobres Pt, Au, Rh, em
geral isentos de ataque, para os mais corrosivos: cobre e metais refractários.
Recorrendo aos estudos dos autores [4, 8] e a dados compilados da literatura
[18-22] foi possível estimar os potenciais de corrosão e os correspondentes
valores de pO2- para uma serie de metais puros imersos em NaVO3 fundido a 680
ºC (Fig._3), bem como obter informação cinética do comportamento desses metais
por via de curvas de polarização (Fig._4).
4. COMPORTAMENTO EXPERIMENTAL DE DIVERSOS AÇOS E LIGAS
Medidas electroquímicas e estudos de corrosão estáticos e isotérmicos foram
efectuados usando compostos metálicos diversos (aços e outras ligas), de
fabricação industrial, susceptíveis de serem usados nos geradores de vapor [23-
28], tais como ferro-aço ordinário e pouco ligado, aços ferríticos e
martensíticos de crómio e ligas (inconel, incoloy, monel e Ni-Cr 50/50 e 80/
20).
Estes materiais foram testados em NaVO3 puro e modificado pela adição de óxidos
metálicos para alterar o pO2- do solvente. Detalhes dos procedimentos
experimentais e dos materiais utilizados poderão ser consultados nas
referências previamente publicadas [4, 5, 8, 10, 11 e 23-28]. A Figura_5 mostra
curvas de polarização em NaVO3 ácido, a 680 ºC, para aços ferríticos e
martensíticos de crómio, que reproduzem o comportamento típico das curvas de
polarização observadas. A designação dos aços apresentada na Fig._5 segue as
normas AFNOR (Associação Francesa de normalização).
A Tabela_1 indica a composição química dos seis aços identificados e as
correspondentes designações de acordo com as normas actuais.
Meios fundidos de diferente acidez foram também ensaiados com os materiais
referidos, bem como com outras ligas comerciais [2, 6, 9, 15 e 24].
Essencialmente, os resultados obtidos nos trabalhos citados conduziram a
valores para os potenciais de corrosão a variarem de 5 a 75 mV (vs. EAg+/Ag),
como se mostra nas Figuras_4 e 5, e fizeram sobressair os seguintes pontos
principais:
- As ligas são as que apresentam melhor comportamento anticorrosivo,
particularmente as de níquel-crómio 50-50 at%;
- Os aços austeníticos inoxidáveis e refractários têm comportamentos
semelhantes, corroendo-se de forma apreciável, mas menos que os ferríticos e
martensíticos de crómio que têm uma ligeira tendência à passivação em meio
básico;
- Os aços ordinários e pouco ligados são rapidamente e notoriamente corroídos;
- O crómio é certamente o elemento mais favorável para minimizar a corrosão no
vanadato fundido, minimização que progride à medida que aumenta o teor em
crómio dos materiais;
- O níquel é um elemento igualmente favorável mas a minimização da corrosão não
progride à medida que aumenta a concentração de níquel nos materiais testados;
- Molibdénio, nióbio e tungsténio não inibem a corrosão no vanadato fundido,
mas a estabilização por acção do titânio favorece francamente o comportamento
dos aços;
- As amostras metálicas com um baixo teor de carbono (0,03 %) resistem melhor à
corrosão que as amostras com teores de carbono mais elevados (0,1- 0,2 %);
- As conclusões que precedem aparecem directamente ligadas às condições de
oxidabilidade dos elementos puros estudados electroquimicamente [3, 4, 6, 7 e
23];
- O meio fundido NaVO3 ácido (V2O5 =1 M) é o mais corrosivo para a maior parte
dos materiais testados;
- A atmosfera gasosa por cima do banho fundido (pressão parcial variável de
oxigénio) não altera significativamente o comportamento dos materiais;
- A adição ao solvente de óxidos metálicos com carácter básico ou ácido (CaO,
MgO, SiO2, Al2O3, ZrO2), modifica o comportamento à corrosão dos materiais
estudados, parecendo que a acção mais favorável é a provocada pela cal
(protóxido de cálcio).
5. CONCLUSÕES
A exposição apresentada neste artigo constitui um resumo alargado de trabalhos
que o primeiro autor e outros membros do Grupo de Electroquímica de Materiais,
MEG, do Instituto Superior Técnico, têm vindo a desenvolver ao longo das
últimas décadas quer no âmbito das actividades deste grupo, quer noutros
âmbitos, particularmente em cooperação com o Materials Research &
Development Co. (USA) [29].
Trata-se duma aproximação aos mecanismos de corrosão pelos vanadatos alcalinos
fundidos. As conclusões aqui expostas demonstram a acção corrosiva de tais
compostos evidenciando algumas possibilidades de passivação mais afirmativas.
No entanto, deve ter-se em atenção que a noção de passivação não tem
exactamente o mesmo significado em meios fundidos a altas temperaturas, como em
meios aquosos a baixas temperaturas [4].