Q-Model: um modelo bidimensional de maturidade para o e-government
1. Introdução
Não existe uma definição universalmente aceite de e-government. Desde que a
expressão foi introduzida (Office of the Vice-President, 1997), ela tem vindo a
ser usada para descrever perspectivas variadas sobre a utilização das
Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) na esfera do governo e da
administração pública. Relyea (2002) afirma mesmo que o e-government é um
conceito dinâmico de propósito e significado variáveis. A expressão é
comummente usada para referir vários conceitos alternativos ou complementares,
incluindo o uso da Internet na interacção entre a administração e os cidadãos e
as empresas, a reengenharia dos processos da administração pública catalisada
pelas TIC e um símbolo mais ou menos ambíguo da utilização das TIC na melhoria
da eficiência e da eficácia do governo e da administração pública. Apesar desta
questão normativa, o e-government tornou-se um tópico importante para um
espectro alargado de entidades e profissões, incluindo governos em todo o mundo
(aos níveis local, regional e nacional), investigadores, consultores e
fornecedores de TIC.
Os modelos de maturidade definem objectivos gerais para o desenvolvimento do e-
government, tipicamente através da definição de estádios de desenvolvimento a
atingir de forma progressiva. Estes modelos têm sido muito usados, em todo o
mundo, para definir, analisar e avaliar estratégias de desenvolvimento de e-
government. No entanto, quando vistos sob uma nova perspectiva, estes modelos
possuem algumas limitações: confundem objectivos políticos com objectivos
administrativos; não diferenciam claramente entre objectivos de interacção e
objectivos de integração; e não diferenciam entre a coordenação da oferta de
serviços por uma entidade terceira e a verdadeira integração de processos na
administração pública, que permita suportar serviços transversais.
O propósito deste artigo é o de apresentar e discutir o Q-Model: um novo modelo
bidimensional de maturidade para o e-government. A principal ideia que
caracteriza o modelo é a de diferenciar conceptual e graficamente objectivos de
interacção de objectivos de integração. A lógica desta diferenciação é a de que
os objectivos de interacção e de integração, embora se relacionem com
perspectivas complementares de e-government, exibem complexidades de
implementação muito diversas. Embora existam outros modelos, entendemos que o
Q-Model, fazendo a diferenciação descrita, permite uma perspectiva inovadora
sobre o desenvolvimento do e-government que não é favorecida pelos modelos de
estádios-ao-longo-do-tempo existentes. Acresce que o modelo apresentado neste
artigo permite a classificação de um espectro mais alargado de iniciativas e de
formas de e-government, desde o atendimento presencial desintegrado até ao
atendimento multicanal totalmente integrado.
A parte remanescente deste artigo está organizada da forma que se segue. Na
segunda secção apresenta-se o método seguido na investigação. Na terceira
secção analisam-se os principais modelos de maturidade existentes, à luz de
três perspectivas de e-government: a perspectiva das interacções; a perspectiva
da integração; e a perspectiva da democracia digital. Na quarta secção
apresenta-se o Q-Model e descrevem-se os respectivos quadrantes de maturidade
e, na quinta secção, discutem-se as suas vantagens e limitações. Finalmente, na
sexta secção, apresentam-se conclusões acerca do modelo proposto, a sua
validade e aplicabilidade e impacto esperado ao nível do desenvolvimento do e-
government.
2. Método
O Q-Model é o resultado de um esforço de síntese dos modelos de maturidade
existentes. A ideia de base foi a de desenvolver um modelo que permitisse
diferenciar graficamente os objectivos de interacção e de integração presentes
nos modelos existentes, tendo ainda em conta algumas propostas apresentadas por
Vintar, Kunstelj & Leben (2002) no contexto do desenvolvimento de portais
organizados por eventos da vida.
Identificaram-se onze modelos de maturidade propostos por outros autores e
publicados em revistas científicas, actas de conferências, relatórios de
organizações internacionais e relatórios de empresas de consultoria. Estes
modelos de maturidade foram comparados de acordo com os objectivos definidos
pelos respectivos estádios de maturidade. Os objectivos foram classificados de
acordo com três classes independentes: objectivos de interacção (informação,
interacção e transacção); objectivos de integração (coordenação e integração
transversal); e democracia digital. Estas classes são coerentes com três
diferentes perspectivas de e-government: a perspectiva da interacção; a
perspectiva da integração; e a perspectiva da democracia digital.
A perspectiva da interacção aborda o uso das TIC, ou mais especificamente da
Web, na interacção entre a administração pública e os seus clientes e
fornecedores, incluindo cidadãos, empresas e outros organismos governamentais e
não-governamentais. Traduz, essencialmente, uma perspectiva de e-commerce
(Andam, 2003, p. 6), uma vez que diz respeito à utilização das TIC no contexto
da prestação e/ou aquisição externa de informações e serviços por parte de
órgãos isolados da administração pública. Foca-se na eficácia da prestação de
serviços por parte da administração pública. São geralmente considerados três
tipos de interacção: entre a Administração e o Cidadão (G2C ' Government to
Citizen); entre a Administração e as Empresas (G2B ' Government to Business); e
entre diferentes organismos da Administração Pública (G2G ' Government to
Government).
A perspectiva da integraçãotambém se relaciona maioritariamente com a
Administração Pública. Ela pode ser descrita como a reengenharia dos processos
da administração pública tirando partido das TIC. Traduz essencialmente uma
perspectiva dee-business(Andam, 2003, p.7), uma vez que inclui a reengenharia
tanto dos processos internos como dos processos externos da administração
pública. Os principais focos são os da melhoria da eficácia e da eficiência da
administração pública. A administração pública é vista como uma rede de
organismos públicos e privados que necessitam de cooperar para atingir
objectivos comuns, nomeadamente ao nível da prestação de serviços. A centragem
no utilizador constitui um conceito chave ' os diferentes organismos devem
passar a colaborar no sentido de servir as necessidades dos cidadãos e das
empresas. Pressupõe uma importante mudança cultural de uma organização em
grandes silos verticais, que comunicam dificilmente entre si, para processos
transversalmente integrados. A prestação de serviços torna-se independente da
estrutura orgânica da administração pública e ficam disponíveis serviços
orientados a eventos da vida dos cidadãos e a situações de negócio das empresas
(Vintar & Leben, 2002; Dias & Rafael, 2007).
Para além de serem relevantes para promover a interacção com clientes e
fornecedores e o desenvolvimento de processos transversais na administração
pública, as TIC são também relevantes na promoção da participação dos cidadãos
e outros stakeholders nos processos democráticos. Esta constitui uma
perspectiva conceptual claramente diferente das anteriormente apresentadas ' as
abordagens da interacção e da integração aplicam-se essencialmente à
administração pública enquanto esta lida fundamentalmente com a esfera
política. É comummente designada como democracia digital.
As perspectivas de interacção e de integração constituem o âmbito do Q-Model. A
perspectiva da democracia digital esta fora desse âmbito, uma vez que o modelo
visa unicamente a esfera administrativa do governo.
3. Modelos de maturidade
Foram propostos vários modelos de maturidade para o e-government. Alguns destes
modelos foram amplamente citados na literatura, tanto académica como não
académica. Nesta secção, comparam-se onze desses modelos. Seis foram
originalmente desenvolvidos para suportar a análise e definição de estratégias
para o e-government (Deloitte Research, 2000; Baum & Di Maio, 2001; Hiller
& Bélanger, 2001; Layne & Lee, 2001; Wescott, 2001; Andersen &
Henriksen, 2006), enquanto quatro foram propostos como parte de metodologias de
avaliação de e-government (Ronaghan, 2002; Moon, 2002; West, 2004; Wauters,
Nijskens & Tiebout, 2007). Um modelo foi proposto como resultado de um
esforço de síntese de alguns dos modelos anteriores (Siau & Long, 2005).
A Tabela_1 compara os vários estádios de maturidade dos modelos considerados,
excluindo os estádios relacionados com a democracia digital. Importa referir
que, por se tratar de uma representação simplificada, esta tabela não traduz
toda a riqueza semântica dos diferentes modelos analisados: pequenas diferenças
entre os estádios dos vários modelos nem sempre são totalmente representadas; a
classificação de um estádio particular como visando um determinado objectivo
nem sempre representa todos os aspectos referidos pelos autores na descrição
desse mesmo estádio; e a classificação de um estádio num objectivo ou classe
nem sempre é directo. Apesar destas limitações, a comparação apresentada na
Tabela_1 representa de forma apropriada as principais similitudes entre os
diferentes modelos, o que é suficiente para os propósitos enunciados.
Dez dos onze modelos analisados consideram tanto objectivos de interacção como
objectivos de integração. Os objectivos de interacção são tipicamente
considerados nos primeiros estádios, enquanto os objectivos de integração são
tipicamente referidos nos estádios mais avançados. Como muitos governos
(nacionais, regionais ou locais) estão ainda nos estádios iniciais de e-
government, isto permite que os objectivos de integração possam ser vistos como
algo vago que pode ser adiado para o futuro, negligenciando o facto de que a
qualidade da experiência de interacção (e.g. organização por eventos da vida)
pode depender da concretização de objectivos de integração subjacentes. Além
disso, existe um salto cultural significativo entre os primeiros três
objectivos na Tabela_1 (Informação, Interacção, Transacção) e os dois
objectivos seguintes (Coordenação, Integração transversal): além da tecnologia,
a integração depende de uma profunda mudança da forma como os organismos
organizam os seus processos e cooperam uns com os outros.
Embora tal não seja representado na Tabela_1, só cinco dos onze modelos
estudados consideram objectivos relacionados directamente com a democracia
digital. Mesmo nesses, a democracia digital aparece como um objectivo futuro a
atingir se e quando os objectivos de interacção e integração forem atingidos.
Discorda-se claramente desta abordagem. Com efeito, a democracia digital lida
fundamentalmente com a esfera política, enquanto os objectivos de interacção e
de integração se relacionam essencialmente com a administração pública. Embora
as duas esferas de governo se inter-relacionem, elas correspondem a pontos de
vista conceptuais muito diferentes e, assim, devem ser abordados separadamente.
Nada impede que sejam obtidos muito bons resultados do ponto de vista da
democracia digital (e.g. voto electrónico, participação política,
transparência) com poucos ou nenhuns resultados dos pontos de vista da
interacção online ou da integração dos serviços.As conclusões anteriores
sugerem que um novo modelo de maturidade pode ser útil: um modelo onde os
objectivos de interacção e de integração possam ser representados de forma
independente entre si e do qual estejam ausentes considerações relativas à
democracia digital. O Q-Model foi desenvolvido para ser esse modelo.
4. O Q-Model
4.1. Definição do modelo
O Modelo de Quadrantes, ou Q-Model, é um modelo bidimensional de maturidade
para o e-government. O modelo define nove quadrantes de maturidade do e-
government determinados pela intersecção de duas variáveis discretas
representadas ao longo de dois eixos ortogonais (ver Figura_1): um eixo
vertical com três estádios de maturidade de interacção (presencial, online e
multicanal); e um eixo horizontal com três estádios de integração (dispersa,
coordenada e transversal). Os estádios de interacção do modelo diferem dos
objectivos de interacção usados na análise dos modelos de maturidade efectuada
na Secção 3, porque se pretendeu permitir a representação de um espectro mais
alargado de iniciativas em termos de interacção no e-government' da interacção
presencial à interacção multicanal. Aplicam-se as seguintes correspondências: o
estádio presencial inclui os objectivos de informação e interacçãoda Tabela
1;oestádio online corresponde ao objectivo transacção da mesma Tabela. No que
respeita aos objectivos de integração, os estádios coordenada e transversal
correspondem aos objectivos decoordenaçãoe integração transversal da Tabela.
Os três estádios de interacção são definidos como segue:
Presencialrefere-se a qualquer prestação de serviços públicos que inclua pelo
menos uma interacção obrigatória feita através da deslocação física do cidadão
ou representante da organização cliente a um balcão de atendimento físico da
administração pública. Inclui todas as transacções que não possam ser
completadas integralmente a distância e por meios digitais, embora o possam ser
em parte. Inclui igualmente, por maioria de razão, todas as prestações de
serviços que estejam disponíveis unicamente através de balcões físicos da
administração pública.
Onlinerefere-se a qualquer prestação de serviços públicos que possa ser
totalmente feita a distância, recorrendo a meios digitais. Inclui todas as
transacções que possam ser feitas totalmente online, incluindo a submissão,
pagamento e entrega de resultados, sempre que aplicáveis. Inclui igualmente as
transacções que, embora não sendo totalmente realizadas através de meios
digitais, não implicam a deslocação física do cidadão a um balcão de
atendimento (e.g. submissão e pagamento online com entrega de resultados por
correio tradicional).
Multicanalrefere-se a qualquer prestação de serviços públicos que, além de
poder ser feita totalmente online, pode ser efectuada recorrendo a canais
alternativos de atendimento, no todo ou em parte, de uma forma integrada e no
melhor interesse do cidadão. Tanto canais digitais como não digitais podem ser
considerados. Diferentes canais podem estar disponíveis em diferentes passos da
prestação de serviços.
Os três estádios de integração são definidos como segue:
Dispersa refere-se a qualquer prestação de serviços públicos que não evita a
necessidade de o cidadão ou representante da organização cliente contactar
directamente diferentes organismos ou departamentos da administração pública no
âmbito de um evento da vida ou situação de negócio. Tipicamente, refere-se à
prestação isolada de serviços por parte de um único organismo da administração
pública, isto é, uma prestação de serviços que é feita por um organismo
independentemente de outros serviços de outros organismos que, do ponto de
vista do cidadão, são necessários para a conclusão do processo.
Coordenada refere-se a qualquer prestação de serviços públicos organizados por
eventos da vida ou situações de negócio que é oferecida através do front office
de uma entidade intermediária, pública ou privada, que actua como um procurador
do cidadão junto dos vários organismos ou departamentos da administração
pública que são relevantes para a conclusão do processo. O front office da
entidade intermediária requisita os diferentes serviços em nome do cidadão,
escondendo mas não evitando a natureza dispersa da prestação de serviços.
Transversalrefere-se a qualquer prestação de serviços públicos organizados por
eventos da vida ou situações de negócio que se sustenta na existência de
processos (workflows) transversais aos back offices dos vários organismos
envolvidos nessa prestação de serviços. Implica uma profunda reengenharia dos
processos de negócio da administração pública.
Além dos modelos de maturidade apresentados na Secção 3, aplicaram-se no Q-
Model algumas ideias originalmente propostas por Vintar, Kunstelj & Leben
(2002) como parte da sua análise da prestação de serviços através de portais
organizados por eventos da vida. Nesse contexto, estes autores usaram dois
eixos para representar os quatro níveis originais de sofisticação online usados
por Wauters, Nijskens & Tiebout (2007) com três níveis de integração
(dispersão, coordenação e integração). No Q-Model, aplicou-se a proposta de
utilizar eixos diferentes para representar variáveis independentes e adaptaram-
se os níveis de integração originalmente propostos por Vintar, Kunstelj &
Leben (2002).
4.2. Os nove quadrantes
O Q-Model é directamente aplicável a serviços concretos. Um conjunto de
organismos, um organismo ou um departamento da administração pública é
classificado num ou mais quadrantes dependendo de como os serviços que presta
são classificados usando o modelo. Uma estratégia de e-government é
classificada dependendo dos seus objectivos em termos de interacção e de
integração dos serviços.
Segue-se uma breve descrição de cada um dos nove quadrantes do modelo:
-QCC refere-se à prestação presencial de serviços públicos efectuada de uma
forma dispersa. Inclui a forma tradicional de prestação de serviços pela
administração pública: os cidadãos ou representantes de organizações clientes
necessitam de se deslocar fisicamente a diferentes departamentos governamentais
de forma a obterem os diferentes serviços relacionados com um único evento da
vida ou situação de negócio. Neste cenário, o QCC pode ser considerado como um
quadrante de non-e-government. Mas o QCC pode incluir igualmente situações em
que os serviços são prestados parcialmente online, mas em que são necessárias
visitas à administração pública para completar a transacção. Neste outro
cenário, o QCC pode ser visto como um quadrante de e-government emergente.
-QCB refere-se à prestação presencial de serviços públicos de uma forma
coordenada, isto é, refere-se à prestação de serviços organizados por eventos
da vida ou situações de negócio através de um ponto de contacto único que
articula os serviços dispersos existentes. A tecnologia é usada para facilitar
a interacção entre esse ponto de contacto, ou entidade coordenadora, e os
vários prestadores de serviço que possuem a informação ou o know-hownecessários
para a prestação do serviço. As lojas one-stop shop ou, no caso português, as
lojas do cidadão de segunda geração, constituem exemplos típicos de iniciativas
classificáveis neste quadrante.
-QCA refere-se à prestação presencial de serviços públicos transversalmente
integrados. Da perspectiva dos cidadãos e das empresas, o QCA é idêntico ao
QCB: os serviços são prestados através de um único ponto de contacto (one-stop
shop). No entanto, tal é conseguido de forma diferente: no QCB existe um
organismo coordenador (procurador do cliente) que esconde a natureza dispersa
da prestação de serviços, enquanto no QCA se pressupõe a existência de
processos transversais aos back offices, isto é, que atravessam as fronteiras
dos diferentes organismos envolvidos. A tecnologia é usada para garantir a
interoperabilidade entre esses organismos. Embora a eficácia possa ser a mesma,
pelo menos tal como vista pelos clientes, a mudança do QCB para o QCA permite
importantes ganhos de eficiência na administração pública.
-QBCrefere-se à prestação online de serviços públicos de uma forma dispersa.
Inclui o objectivo mais comum de e-government: oferecer serviços totalmente
transaccionais através do sítio Web de um único departamento da administração
pública, de forma desintegrada de serviços prestados por outros departamentos.
Assim, em termos de interacção, o QBC corresponde directamente ao objectivo
transacção da Tabela_1: prestação online de serviços completamente
transaccionais.
-QBB refere-se à prestação online de serviços coordenados. Uma entidade
coordenadora oferece serviços organizados por eventos da vida ou situações de
negócio através de um portal do cidadão ou de um portal da empresa. A
tecnologia é usada tanto para a prestação dos serviços como para facilitar a
interacção entre a entidade que gere o portal e os vários departamentos da
administração pública que contribuem para a prestação dos serviços oferecidos.
Os portais do cidadão de âmbito nacional constituem exemplos típicos deste tipo
de iniciativas.
-QBA refere-se à prestação online de serviços públicos transversalmente
integrados. Tal como no caso do QCB e do QCA, a diferença para o QBB reside na
forma como os serviços orientados a eventos da vida são prestados: o QBA
pressupõe a existência de processos de negócio totalmente transversais.
-QAC refere-se à prestação de serviços dispersos através de qualquer canal de
atendimento, a qualquer hora e em qualquer lugar. A integração entre os
diferentes canais é obrigatória no sentido em que a disponibilização de um novo
canal não deve obrigar à duplicação dos meios utilizados para a prestação dos
serviços, isto é, o processo de back office deve manter-se o mesmo,
independentemente dos canais que possam ser usados.
-QABrefere-se à prestação multicanal de serviços coordenados. Os serviços
prestados por uma entidade que actua como procurador do cidadão e que se
organizam por eventos da vida passam a estar disponíveis através de balcões
one-stop shope de portais do cidadão ou da empresa, mas também através de
outros canais digitais ou não digitais, quer em alternativa ou de forma
complementar, dependendo dos serviços e canais concretos que sejam
disponibilizados.
-QAA refere-se à prestação ubíqua de serviços públicos transversalmente
integrados. Representa o objectivo último em termos de maturidade de interacção
e de integração. Serviços completamente transversais são oferecidos através de
múltiplos canais, a qualquer hora, em qualquer lugar e usando qualquer
plataforma.
5. Discussão
Todos os modelos de maturidade apresentados na Secção 3 incluem estádios que
dizem respeito a objectivos de interacção. No entanto, para a maioria desses
modelos, o objectivo final em termos interacção é a transacção. A prestação de
serviços multicanal nunca é considerada. O Q-Model vai um passo mais além:
considera a evolução da prestação de serviços transaccionais online,
tipicamente feita através da Web, para a prestação de serviços através de
diferentes canais, alternativos ou complementares, digitais ou não digitais.
Dez dos onze modelos de maturidade apresentados na Secção 3 referem tanto
objectivos de interacção como de integração. No entanto, para vários destes
modelos, os objectivos de integração não são facilmente distinguíveis dos
objectivos de interacção. Mesmo quando esta distinção é clara, a integração
tende a aparecer nos estádios mais avançados, como se fosse dependente dos
objectivos de interacção anteriores. Esta não é necessariamente a forma como os
desenvolvimentos acontecem. Com efeito, é perfeitamente possível atingir
objectivos de integração com poucos ou nenhuns resultados em termos de
interacção online. Veja-se, por exemplo, o caso das Lojas do Cidadãos de
segunda geração, em Portugal. Ao diferenciar entre objectivos de interacção e
de integração e ao permitir que os mesmos sejam combinados em nove diferentes
quadrantes, o Q-Model sugere que podem ser seguidos diferentes caminhos de
maturidade entre o QCC ' o estádio inicial de non-e-government ' e o QAA ' o
estádio último em termos de maturidade de interacção e de integração no e-
government.
Ao contrário da maioria dos modelos de maturidade apresentados, o Q-Model
diferencia claramente a coordenação da integração transversal. Embora esta
distinção possa não ser facilmente percebida pelos clientes finais dos
serviços, ela é muito relevante do ponto de vista da administração pública: a
integração transversal tem um potencial significativamente maior de redução do
tempo de prestação dos serviços e de produzir ganhos de eficiência. No entanto,
porque é mais complexa, necessita também de mais tempo e de mais investimento
para ser bem sucedida. Para além dos aspectos técnicos, os factores humanos e
organizacionais são cruciais: a integração transversal pressupõe uma mudança
radical da forma como se trabalha na administração pública ' independentemente
da questão da interoperabilidade tecnológica, os diferentes departamentos devem
apreender a comunicar uns com os outros.
O modelo de Layne & Lee (2001), um dos modelos mais citados, diferencia
entre integração vertical e integração horizontal: a primeira respeitando à
integração entre diferentes níveis de governo dentro do mesmo sector; e a
segunda relativa a integração entre diferentes funções do governo. Embora os
dois tipos de integração possam ser diferentes e, dependendo dos casos
concretos, possam ter dificuldades de implementação diferentes, ambas se
referem ao mesmo tipo transformação, de silos isolados para processos
integrados. Além disso, um estádio não precede necessariamente o outro ou
envolve maior maturidade: depende da natureza dos organismos envolvidos e dos
serviços concretos que sejam considerados. Acresce que a questão relevante não
é tanto se a integração é vertical ou horizontal mas sim se os serviços são
orientados a eventos da vida, de forma eficaz e eficiente. Por estas razões,
não se incluiu esta distinção no Q-Model.
O Q-Model baseia-se em nove quadrantes de maturidade do e-government, definidos
na intersecção de três estádios de interacção e três estádios de integração.
Porque as fronteiras dos estádios e dos quadrantes é difusa, uma iniciativa de
e-government pode endereçar ou ser classificada em mais do que um quadrante. O
QBB e o QBA, por exemplo, podem ser endereçados simultaneamente por um portal
do cidadão que ofereça serviços que sejam integrados transversalmente. Noutro
exemplo, o desenvolvimento de arquitecturas de interoperabilidade pode
endereçar genericamente todos os três quadrantes QxA, independentemente dos
objectivos de interacção que sejam estabelecidos, se os houver. Pode igualmente
potenciar o desenvolvimento de iniciativas QxB, facilitando a comunicação entre
a entidade coordenadora da prestação de serviços e os vários back offices
relevantes.
No Q-Model, o QAA constitui o estádio mais avançado em termos de maturidade de
interacção e de integração. Não obstante, para determinados tipos de aplicação,
ele pode não ser alcançável ou pode não ser adequado fazê-lo. Em alguns casos,
perseguir objectivos QAA pode ser inapropriado, porque o público-alvo ou as
próprias instituições não estão preparados, porque não existem os recursos
necessários ou porque a tecnologia necessária não está disponível ou
suficientemente madura. Assim, uma estratégia que vise um quadrante diferente
do QAA não é necessariamente uma má estratégia. Depende da envolvente e da
aplicação concreta.
Cindo dos onze modelos estudados na Secção 3 incluem objectivos relacionáveis
com a democracia digital. Excluímos estes objectos do Q-Model porque os mesmos
se relacionam com uma questão normativa diferente: a esfera política. Como
referido anteriormente, podem ser obtidos padrões de alto nível em termos de
democracia digital com poucos ou nenhuns resultados em termos de interacção e
de integração. Mas o oposto também é verdadeiro: podem ser alcançados bons
resultados em termos de interacção e de integração num ambiente não
democrático. Ainda assim, concorda-se que os objectivos de interacção e de
integração podem ter um impacto no processo democrático, nomeadamente em termos
de transparência e de accountability do governo e da administração pública
(Dias & Moreira, 2008).
6. Conclusões
Foram propostos vários modelos de maturidade para o e-government. No passado,
estes modelos revelaram-se muito úteis para apoiar a definição, analisar e
avaliar estratégias e iniciativas e-government em todo o mundo. Alguns deles
foram amplamente citados por autores académicos e não académicos. No entanto,
possuem algumas limitações quando analisados ??sob uma nova perspectiva: nem
sempre diferenciam entre objectivos de interacção e integração; misturam
objectivos da administração pública com objectivos da esfera dos processos
democráticos; não abordam a interacção multicanal; e não distinguem entre
coordenação e integração transversal. O Q-Model resolve estas limitações
definindo nove quadrantes de maturidade do e-government, definidos pela
intersecção de três estádios de maturidade da interacção (presencial, online e
multicanal) e três estádios de integração (dispersa, coordenada e transversal).
Ao fazê-lo, o modelo permite uma nova visão sobre o desenvolvimento do e-
government que complementa as visões permitidas pelos modelos existentes.
O Q-Model foi inicialmente definido para permitir uma análise comparativa de
arquitecturas de interoperabilidade no e-government. As arquitecturas foram
classificadas de acordo com os seus objectivos em termos de interacção e de
integração. A mesma abordagem pode ser usada para classificar outros tipos de
iniciativas de e-government. O Q-Model é directamente aplicável à prestação de
serviços concretos pela administração pública e, indirectamente, a países, à
administração pública como um todo, aos seus organismos, aos respectivos
departamentos e às estratégias por eles seguidas. Uma entidade pode ser
classificada em mais do que um quadrante, dependendo da forma como os serviços
que presta são classificados usando o modelo. Uma estratégia de e-government é
classificada de acordo com os seus objectivos em termos de maturidade de
interacção e de integração.
A principal contribuição do Q-Model é a de representar de uma forma clara o
facto de diferentes caminhos de maturidade poderem ser seguidos entre um
estádio inicial de non-e-government e um estádio final em termos de maturidade
de interacção e de integração no e-government. Ao contrário dos modelos
existentes, o Q-Model não sugere que os resultados em termos de interacção
precedem os resultados relacionados com a integração, embora assuma que
resultados nestas duas áreas são essenciais para atingir níveis elevados de
maturidade. Também diferentemente dos modelos existentes, o Q-Model permite a
classificação de iniciativas de e-government que, sendo relevantes, não tenham
impacto ao nível de objectivos de interacção. Devido a estas características,
acredita-se que o Q-Model pode ter um impacto relevante na redefinição de
estratégias de e-government, alterando o foco do desenvolvimento da simples
interacção para uma abordagem que equilibre os objectivos de interacção com os
objectivos de integração. Isto é especialmente relevante dado que os governos
tendem a adiar os objectivos de integração pelo facto de estes serem mais
difíceis de alcançar e terem uma visibilidade menos imediata.