Editorial
A abordagem integrativa deste volume temático é a pesca artesanal. Aspectos
sociais, econômicos e de manejo da pesca costeira artesanal de pequena escala
têm um papel importante em comunidades pesqueiras. Os modos de vida dos
pescadores artesanais e de pequena escala estão integrados em um contexto amplo
de tendências ambientais e socioeconômicas relevantes para o manejo de áreas
costeiras. A sustentabilidade pode ser assegurada desde que seja dada a devida
atenção aos pescadores artesanais, contribuindo para a sua participação mais
efetiva e fortalecendo seu empoderamento e participação na governança de áreas
costeiras. Também o conhecimento plural e o conhecimento ecológico tradicional
dessas comunidades devem ser considerados na gestão da zona costeira,
juntamente com a valorização social das comunidades de pesca artesanal. Este
número temático representa uma visão geral de alguns temas atuais de gestão da
pesca artesanal e das suas implicações para os ambientes costeiros. Dada a
complexidade das questões acima aludidas, o objetivo deste volume não é ser
tematicamente ou tampouco geograficamente completo. Um total de 15 artigos,
todos revisados por pares, oriundos do Brasil (9), Portugal (3), Espanha (1),
Moçambique (1) e Indonésia (1), cobrem diferentes assuntos em torno da temática
da pesca artesanal.
O primeiro artigo, intitulado A pesca enquanto atividade humana: pesca
artesanal e sustentabilidade, de autoria de Marco Pais Neves dos Santos, Sónia
Seixas, Raphael Bastos Mareschi Aggio, Natalia Hanazaki, Monica Costa,
Alexandre Schiavetti, João Alveirinho Dias e Ulisses M. Azeiteiro, é uma
monografia sobre a relação humana com os recursos pesqueiros marinhos, mais
especificamente sobre a evolução histórica da relação portuguesa e brasileira
com esses recursos. A abordagem integradora deste trabalho é a pesca artesanal
sustentável.
No segundo artigo, A importância dos conhecimentos e dos modos de vida locais
no desenvolvimento sustentável: estudo exploratório sobre o impacto da Reserva
Natural das Ilhas Berlengas (Portugal) na comunidade piscatória, António João
Farinha Ribeiro dos Santos, Ulisses Miranda de Azeiteiro, Fátima de Sousa e
Fátima Alves apresentam os resultados de um estudo exploratório feito por um
grupo multidisciplinar de pesquisadores sobre o impacto da Reserva Natural das
Ilhas Berlengas sobre o modo de vida de seus habitantes locais, mais
especificamente sobre a sua comunidade piscatória local, como evidenciado por
suas concepções e representações. O estudo teve como objetivo analisar as
interações culturais, sociais e econômicas entre a reserva e a população local,
sendo um elemento fundamental da estratégia de conservação da biodiversidade e
gestão sustentável.
Ana Delicado, Luísa Schmidt, Susana Guerreiro e Carla Gomes, em Pescadores,
conhecimento local e mudanças costeiras no litoral Português, discutem as
mudanças climáticas como um dos grandes desafios que as sociedades humanas
estão enfrentando. As comunidades costeiras são particularmente vulneráveis,
pois as suas casas e meios de subsistência estão cada vez mais expostos a
riscos de erosão costeira e aumento do nível do mar. Pescadores que vivem na e
da costa têm uma perspectiva privilegiada das mudanças costeiras. Devido à
atividade que desenvolvem, os pescadores têm conhecimentos que, apesar de não
serem técnicos, baseiam-se na experiência e são específicos para aquele local.
Apesar de ter sido bem documentado na literatura científica, o papel do
conhecimento local - leigo, ecológico, indígena, ou mesmo conhecimento de
atores sociais, como tem sido diversamente descrito na literatura - no
planejamento e decisões relacionadas ao ambiente ainda não está claro.
O quarto artigo é de autoria de Carlos Norman Barea, Guerrero Daniel Ortega
Albarral e Carmen González e intitula-se Áreas de Proteção Marinha de Pesca em
Andaluzia. Trata-se de um estudo comparativo de áreas marinhas protegidas para
a pesca (AMPP) no sul da Espanha. Os autores concluíram que a administração das
pescas deverá promover iniciativas de proteção, tendo em mente a gestão
compartilhada ou co-gestão e plano de gestão integrada da zona costeira.
O quinto artigo, intitulado Discussões do conselho deliberativo da Reserva
Extrativista de Canavieiras, Bahia, Brasil: da gestão pesqueira à ambiental,
por Leriane Silva Cardozo, Micheline Flôres Porto, Patrícia Carla Barbosa
Pimentel, Jaqueline Sicupira Rodrigues, Alexandre Schiavetti e Sofia Campiolo é
sobre Reservas Extrativistas. Os autores identificam e analisam as discussões
que ocorreram sob o conselho deliberativo da Reserva Extrativista de
Canavieiras (sul da Bahia, Brasil), que influenciaram e/ou influenciam as
decisões sobre as atividades de pesca, em um processo de tomada de decisão
participativa. A identificação e análise da discussão do Conselho Deliberativo
em relação às atividades de pesca e de gestão ambiental, bem como os princípios
da boa governança, permitiram a compreensão da relação de responsabilidade e
responsabilização, aspectos ligados à governança ambiental em áreas protegidas.
O sexto artigo, Influência da precipitação nas pescarias artesanais tropicais
- o estudo de caso da região norte de Moçambique, de Antonio Mubango Hoguane,
Ezidio da Lucia Cuamba e Tor Gammelsrød, pode contribuir para prever a produção
pesqueira e, assim, melhorar as medidas de gestão da pesca artesanal, através
do estabelecimento de quotas de pesca sustentáveis. Os resultados da pesquisa
contribuem para melhorar a nossa compreensão da influência climática na pesca
artesanal e, assim, fornecer insights de sua vulnerabilidade e capacidade de
adaptação à mudança climática.
No sétimo artigo, A análise da cadeia produtiva dos catados como subsídio à
gestão costeira: as ameaças ao trabalho das mulheres nos manguezais e estuários
brasileiros, por Tatiana Walter, John Wilkinson e Patrícia de Araújo e Silva,
apresenta uma aplicação do contexto analítico de sistemas agroalimentares
localizados associados à Sociologia Econômica na análise de questões
relacionadas com a pesca artesanal, tendo como perspectiva uma abordagem
sistêmica e territorializada, que é central para a gestão costeira. Assim, a
cadeia produtiva extrativista do marisco foi analisada em oito municípios no
litoral da Bahia, de uma forma teórica e analítica diversificada, o que permite
a compreensão dos diferentes fenômenos que afetam o trabalho das mulheres nessa
produção, incluindo aqueles da dinâmica territorial.
No artigo Articulação e encaminhamento das questões da pesca artesanal: uma
análise do fórum da pesca do litoral norte do Rio Grande do Sul, Brasil,
Loyvana Perucchi, Rumi Kubo e Gabriela Coelho-de-Souza analisam a gestão da
Pesca pelo Fórum do Litoral Norte do Rio Grande do Sul, com ênfase na sua
capacidade de articular as questões relacionadas às embarcações de pesca
profissional nos ambientes lagunares, estuarinos e marinhos. As autoras
concluem que o Fórum Pesca do Litoral Norte do Rio Grande do Sul é uma área de
implementação de gestão compartilhada, que foi incentivada pelo governo e pela
representação adequada dos pescadores. No entanto, as exigências para ser
associado com a gestão de recursos comuns e territórios compartilhados, que
estão sendo apropriados por segmentos da sociedade apoiada pela lógica da
propriedade privada, são fixadas por acordos institucionais envolvidos na
gestão compartilhada e estão atualmente em disputa na sociedade.
O nono artigo, intitulado Gestão da pesca artesanal na costa da Paraíba: uma
abordagem utilizando o processo analítico hierárquico, por Eugenio Pacelli
Nunes Paulo Júnior, Henrique Josias de Amorim Xavier, Roberto Sassi e de
Ricardo Souza Rosa, é um estudo que tem por objetivo caracterizar a gestão na
pesca artesanal e estimular o desenvolvimento de alternativas sustentáveis,
através de processos de construção social e de políticas com a participação de
atores sociais envolvidos na pesca. O potencial da pesca tem sido afetado
devido à perda dos recursos naturais em ambientes aquáticos, especialmente
devido à sobrepesca. A análise da gestão de recursos torna-se um fator
relevante, já que a atividade de pesca em si pode causar impactos negativos
locais. Este assunto tem sido tratado em todo o mundo, enfatizando a
importância de uma abordagem mais ampla, que abrange os diversos setores da
gestão pesqueira. Assim, o problema está além das questões ambientais,
envolvendo também os aspectos socioeconômicos e políticos, como representado na
pesca ao longo do litoral do estado da Paraíba, Nordeste do Brasil.
O décimo artigo, intitulado Mecanismos socioecológicos e práticas tradicionais
de pesca na comunidade caiçara da ilha Diana (Santos, Brasil) e suas
transformações, de Fernanda Terra Stori, Nivaldo Nordi e Denis Moledo de Souza
Abes, é sobre os aspectos de resiliência e sustentabilidade em sistemas
socioecológicos para adaptação a momentos de crise, que têm sido amplamente
discutidos na comunidade científica. Os autores escolheram para analisar o caso
da comunidade caiçara tradicional de Ilha Diana (município de Santos, Brasil),
que tem estado relativamente isolada do mundo comercial até hoje e agora passa
por uma transformação considerável devido à poluição do estuário, ao declínio
da pesca artesanal e à expansão do complexo industrial e portuário de Santos -
Estado de São Paulo. Os autores concentraram-se na identificação dos aspectos
da cultura caiçara, nos mecanismos sociais e nas práticas tradicionais de
gestão de recursos pesqueiros e suas transformações.
Keuwy Sousa Rocha, Rayane Vieira da Silva e Rodrigo Randow de Freitas, autores
de Uma análise da percepção ambiental e transformação socioeconômica de uma
comunidade de pescadores artesanais em região estuarina no sudeste do Brasil
tiveram como objetivo analisar se a atividade de cultivo era realmente um
transformador socioeconômico para a realidade de uma associação de pescadores
(considerando também a percepção socioeconômica e ambiental dos piscicultores
sobre o cultivo). Apesar das características negativas, a aquicultura mostrou
complementar a renda da associação dos pescadores, trazendo melhorias
consideráveis na qualidade de vida local e transformando a realidade
socioeconômica dos produtores (tendo em conta seus rendimentos). Porém essas
melhorias não estão acarretando mudanças em relação à alfabetização, à
infraestrutura instalada, à qualidade da água do rio, e a cursos de
treinamento. Isto mostra que embora tenham ocorrido mudanças em relação à
renda, outros problemas ainda permanecem com a introdução desta atividade.
Irendra Radjawali, em Conservação e desenvolvimento local: recursos pesqueiros
no Arquipélago de Spermonde na Indonésia analisa e discute o projeto de
reabilitação e manejo de recifes de coral na Indonésia. A pesca Live reef food
fish (LRFF) é um dos mais importantes meios de subsistência para as pessoas
das comunidades das ilhas costeiras do arquipélago Spermonde, na Província de
Sulawesi do Sul, Indonésia. No entanto, a pesca LRFF e o comércio são
considerados uma ameaça para o ecossistema recifal devido à sobrepesca e ao uso
de cianeto como um método de aumentar as capturas. Este artigo analisa a
eficácia do desenvolvimento de uma iniciativa de conservação conhecida como
COREMAP (Coral Reef Rehabilitation and Management Project), que visa a
proteger, reabilitar e manter a utilização dos recifes de coral e seus
ecossistemas associados na Indonésia.
O décimo terceiro artigo, intitulado Análise das práticas de biossegurança no
cultivo de tilápias (Oreochromis niloticus) em região estuarina no sudeste do
Brasil, de autoria de Mayara da Costa Assis e Rodrigo Randow de Freitas, é
sobre a aquicultura (cultivo de tilápias) e pescadores tradicionais. Os autores
analisaram as práticas de biossegurança que são desenvolvidos na APESAM
(Associação de Pescadores de São Mateus), na comunidade de pescadores
tradicionais chamada Pedra D'água, em São Mateus, ES, Brasil. Os resultados
mostraram que o norte do Espírito Santo, apesar do seu potencial para o
desenvolvimento da cultura da tilápia, tem algumas deficiências relacionadas ao
uso de melhores práticas de gestão, saúde e biossegurança, que estão entre os
principais desafios para a expansão desta atividade, bem como deficiências
relacionadas com a assistência técnica prestada pela cidade por agências de
fomento e da aquicultura.
No artigo Potencialidade social e econômica da pesca e maricultura no sudeste
do Brasil, por J.B. Teixeira, A.C. Lima, F.P. Boechat, R.L. Rodrigues e R.R.
Freitas, os autores fornecem informações detalhadas quanto aos aspectos
econômicos e sociais da pesca e aquicultura no Espírito Santo (sudeste do
Brasil). Essa informação pode contribuir para a definição de áreas estratégicas
para o desenvolvimento da pesca e aquicultura de forma sustentável, subsidiando
a formulação de políticas públicas. O principal resultado encontrado pelos
autores foi o de identificar a necessidade de instituições públicas do Estado e
dos municípios para estabelecer políticas de incentivo permanente para a pesca
e aquicultura, com linhas de crédito de acordo com o perfil do pescador
tradicional. O fortalecimento da associação entre pescadores e governo, a
identificação de limitações e a adaptação devem ser a pauta principal para
permitir o desenvolvimento da sustentabilidade da pesca/aquicultura e a redução
das desigualdades sociais.
Por fim, temos uma nota técnica intitulada Conservação da zona estuarina dos
rios Goiana e Megaó no nordeste do Brasil: uma análise das estratégias adotadas
pelas comunidades de pescadoras, de autoria de Amanda Braga de Melo Fadigas e
Loreley Gomes Garcia, sobre as estratégias adotadas por uma comunidade de
pescadoras para proteger seu território em zona estuarina no nordeste
brasileiro. As autoras verificaram que as mulheres dirigiram seus esforços para
uma gestão sustentável dos recursos pesqueiros e para uma ação política eficaz
para obter a criação da Reserva Extrativista Acaú-Goiana. A análise mostrou que
as comunidades locais, como essas pescadoras, são fundamentais para a
conservação costeira, dado o seu conhecimento sobre o meio ambiente e a sua
participação nos processos de gestão.
Este número temático representa uma contribuição para um conhecimento mais
sólido sobre a pesca artesanal. Trata-se de uma ferramenta que esperamos ser
útil para as comunidades de pesca costeira, pesquisadores, bem como para
diferentes instituições, tomadores de decisão, atores sociais, ONGs ambientais
(organizações não-governamentais) e associações ambientais, ajudando-os a tomar
decisões bem informadas e com embasamento científico em relação às suas futuras
estratégias de sustentabilidade e de empoderamento destas comunidades
pesqueiras costeiras.
Além deste número temático, a RGCI - Revista de Gestão Costeira Integrada
continua a receber manuscritos abordando este tema. Sua importância em todo o
mundo, independentemente do clima, ambiente ou cultura, é indubitável e
acreditamos que a academia precisa reivindicar seu papel como um dos
interessados em questões da pesca artesanal. A observação, relato e tradução
científica (juntamente com ações in situ positivas) são a nossa contribuição
crucial para o estabelecimento da justiça social, econômica e ambiental para as
pessoas das zonas costeiras.
Finalmente, gostaríamos de aproveitar a oportunidade para prestar nosso
agradecimento a todos aqueles que contribuíram para este volume temático da
RGCI - Revista de Gestão Costeira Integrada e agradecemos calorosamente a todos
os autores que submeteram seus manuscritos para a consideração de inclusão
neste volume. A análise dos artigos submetidos (27 manuscritos) foi efetuada
por 6 dezenas de avaliadores independentes e credenciados, aos quais
agradecemos pelo tempo que dedicaram a este processo. As críticas e sugestões
que efetuaram foram essenciais para os autores melhorarem os manuscritos e,
assim, ampliarem o nível científico dos artigos publicados.