A Pesca enquanto Atividade Humana: Pesca Artesanal e Sustentabilidade
1. Introdução
A Zona Costeira e as Pescas encontram-se ameaçadas por problemas ambientais e
seus impactos e pressões antrópicas que alteram o equilíbrio ecológico e
ambiental (Carvalho et al., 2012), a biodiversidade e a abundância e
distribuição das populações de peixes (Pierce et al., 2012). As zonas costeiras
são ambientes de biogeoquímica, dinâmica ecológica, habitat e sócio
ambientalmente frágeis, caracterizados pela complexidade da gestão biológica,
conservacionista e governança (compatibilização de interesse dos múltiplos
agentes envolvidos - Paramio, 2012; Pita et al., 2012), e gestão e
sustentabilidade do esforço de pesca e sobrepesca (Pierce et al., 2012). A
integridade bioecológica (distribuição, estrutura e funcionamento),
biodiversidade, conservação, manutenção de stocks e produtividade piscícola
exigem uma gestão sustentável destes ecossistemas e da atividade pesqueira
(gestão do esforço de pesca e sobrepesca) (Pierce et al., 2012). A Gestão
Baseada nos Ecossistemas, na sua aplicação às Pescas, (Garcia & Cochrane,
2005; FAO, 2005-2012 ; Curtin & Prellezo, 2010) integra instrumentos que
promovem a Sustentabilidade, considerando ainda a manutenção das condições de
resiliência (sócio)ambiental essenciais na garantia dos designados Serviços de
Ecossistema, neste caso biorecursos marinhos, particularmente os recursos
pesqueiros.
Os pescadores da Pequena Pesca, denominada também por Pesca Artesanal, utilizam
pequenas embarcações de reduzidas autonomias de operação e comprimento de fora-
a-fora e usam modelos singulares e diversificados de exploração (considerada
sustentável) dos biorecursos marinhos litorais. A atividade pesqueira nas
pequenas Comunidades Piscatórias está alicerçada na Pesca Artesanal, que em
2007 abrangia, no continente português, cerca de 91% da frota de pesca
portuguesa (Viegas, 2010). A Pesca Artesanal é toda direcionada para o consumo
humano e, para Viegas (2010), na Pequena Pesca estão envolvidas categorias de
valores intangíveis, como sejam os valores cénicos únicos proporcionados pelas
suas actividades diferenciadas; os diversos saberes (saber-saber, saber-ser,
saber-estar e saber-fazer); e a biodiversidade, considerada o garante das
condições de permanência da vida no planeta. Para salvaguardar estes valores
intrínsecos, os modelos de desenvolvimento aplicados à Pequena Pesca não se
podem restringir à componente económica, uma vez que estes valores são
incomensuráveis.
Neste artigo pretende-se enquadrar o tema Pescadores Artesanais e Gestão
Costeira, integrando-o numa visão mais abrangente, que é a da relação humana
com os biorecursos marinhos, particularmente os recursos pesqueiros e a
Sustentabilidade, nomeadamente a Sustentabilidade da Pesca Artesanal.
2. Evolução da relação portuguesa com os recursos marinhos
2.1. O Nascer do Reino
A História de Portugal interliga-se com a das pescas, e com a dos recursos
marinhos. São vários os elementos pré-históricos que testemunham a presença de
grupos humanos junto da costa, em épocas e períodos distintos, fazendo a
recoleção dos recursos cedidos pelo mar, bem como os documentos históricos que
atribuem às pescas grande importância por altura da fundação da nacionalidade
(Barros, 1885:319; Medeiros, 2006:156).
Segundo Baldaque da Silva (1891:XXIV-XXV), no primeiro século da monarquia
portuguesa as pescas estavam limitadas às águas interiores, e quanto muito à
zona costeira, porque o litoral sempre sujeito às razias dos árabes, ainda não
era povoado, e até uma costa importante, como era a do sul do reino, só em 1249
foi libertada por D. Afonso III, expulsando definitivamente do Algarve o
domínio mourisco.
No entanto, a pesca marítima parece ter sido, desde sempre, incentivada,
designadamente através da concessão de determinados privilégios. Testemunho
disso é, por exemplo, o Foral da Ericeira, concedido por D. Fernando Rodrigues
Monteiro, Mestre de Avis, em 1229. Está expresso nesse documento que a
povoação constava principalmente de pescadores; e estes, sem distinção de
idade, eram isentos de encargos nos primeiros quatro anos em que se dessem à
sua indústria (Barros, 1914:447). Várias são as referências que apontam para a
prática de pesca marítima em todos os litorais abrigados do Entre-Douro-e-Minho
[8], bem como de outros trechos costeiros. Destacamos o Foral outorgado a Viana
da Foz do Lima (atual Viana do Castelo), por D. Afonso III, em 18 de junho de
1258, onde se reporta a existência de movimentos comerciais (marítimos e
piscatórios) anteriores à própria nacionalidade, em virtude deste Foral
contemplar vários impostos sobre artigos importados (e.g., de França), e sobre
o peixe desembarcado na vila, transacionado por portugueses ou estrangeiros,
estando estes últimos obrigados ao pagamento à coroa da dízima, ou seja, de uma
décima do valor de todas as importações vindas pelo mar (Sampaio, 1979:55-59).
Pelo exposto, e tal como advoga Moreno (1992:22), no âmbito da atividade
marítima das cidades portuárias do Entre-Douro-e-Minho, a atividade naval dos
primeiros séculos não se limitou apenas às tarefas artesanais da pesca, embora
estas prevalecessem. Para o autor, no reinado de D. Sancho I (1154-1211),
principia o ritmo comercial de longa distância, tendo como eixo polarizador a
cidade do Porto.
Segundo Sampaio (1979:59-60;71-72), também as primeiras inquirições realizadas
a norte do rio Mondego, onde a estrutura fundiária era mais fragmentária,
comprovam a existência de povoados costeiros dedicados à pesca marítima, ainda
que em reduzido número (sobretudo em locais abrigados), como na foz do Neiva ou
na margem direita do rio Cávado, ou na margem esquerda deste rio, onde existia
uma pesca fluvial por piscarias e cambôas [9] (inquirição de 1220), ou em
Vila do Conde, onde foram contabilizados mais de sessenta barcos de pesca
(pinácias), e em Matosinhos, onde a atividade piscatória de nível comercial
(exportação) era forte tanto em mar como no rio Leça (inquirição de 1258).
De facto, por esta altura a pesca fluvial era muito importante, não só porque a
orla litoral era muito fustigada pelo corso e pirataria (principalmente
proveniente do norte de África), mas também devido a dificuldades de
comunicação que condicionavam o envio do peixe de mar para o interior: ao peixe
do mar que era comercializado no interior acrescia o custo de transporte
(deslocação e portagens [10]) e de conservação (salga), o que naturalmente
encarecia o produto final, sendo que não era garantido que chegasse ao destino
em perfeitas condições sanitárias. Acrescia ainda o perigo de saque, bastante
comum nessa época. Por outro lado, ainda que em parte, essa transferência de
pescado também pode ser vista de forma concorrencial ao próprio senhorialismo,
já que as pescas eram normalmente um direito senhorial ( )exercido pelo rei
ou delegado por ele nos titulares e corporações religiosas, que em virtude de
favor ou doação régia, ou em resultado do património, faziam da pesca uma
espécie de caça reservada em toda a área dos respetivos condados, dioceses,
castelos e mosteiros, que constituíam então a divisão da propriedade e do
poderio em Portugal (Baldaque da Silva, 1891:XXIII).
Salienta-se que, com base neste modelo redistributivo - doação ou presúria -,
que constituía um dos sustentáculos das classes nobre e eclesiástica, a
propriedade pertencia, na maior parte dos casos, à classe senhorial (Marques,
1997:91-95), e como tal o acesso aos recursos não era igualitário, até porque
considerava-se que os espaços aquáticos limítrofes aos seus domínios terrestres
representavam uma extensão dos seus domínios senhoriais, ou seja, era um
prolongamento da sua propriedade (Madureira, 2001:7).
A desigualdade no acesso aos recursos nestes primeiros tempos após a fundação
da nacionalidade, e durante todo o medievalismo, é visível no trabalho de
Azeiteiro & Tavares (2004:597), quando referem que aos monarcas,
autoridades religiosas e grandes senhores feudais era reservado o direito de
usufruírem do primeiro peixe pescado, ou seja, o peixe representava um bem de
utilização particular, o que aponta para uma elevada importância atribuída aos
recursos marinhos, e até pressupõe alguma dependência dos mesmos, já que é
através da sua existência que se formulam relações de poder através dos quais
se superiorizam uns e se submetem outros.
Pode mesmo dizer-se que havia uma valorização diferenciada do pescado: espécies
mais vulgares, como a sardinha, eram tipicamente para consumo do povo; espécies
menos frequentes e mais nobres eram destinadas às classes mais privilegiadas,
não só através do dízimo que os pescadores tinham que pagar, mas também porque
o seu valor monetário (que apenas os ricos podiam suportar) eram uma mais-valia
para quem os pescava. Exemplo supremo do que se referiu é o caso do solho
(esturjão), também denominado por peixe ou pescado real, não tanto pela
excelência, e bondade deste corpulento peixe, quanto porque em todas as
pesqueiras que pertenciam à Coroa no Douro e Tejo, sempre ele era reservado
para a mesa Real (Viterbo (1799: 216, baseando-se em Doc. de Pendorada de
1329).
Durante o período medieval as pescarias não foram dominantes nas estruturas
económicas do país, isto, por exemplo, por comparação com o estímulo verificado
por altura do Estado Novo. No entanto, mostraram-se relevantes, contribuindo
com impostos para a coroa e como motor de outras atividades económicas a
montante e a jusante das pescas, como o comércio internacional, a construção
naval e a extração de sal (Varela, 1996:57). Não podemos negligenciar que já em
1472 Portugal tinha o monopólio das pescarias do Cabo Branco na costa ocidental
africana (Coelho, 2000:69).
Com minudência, não será abusivo dizer que o início da intensificação da
litoralização tem origem neste período, devido à necessidade de laborar junto
à costa marítima, quer fosse nas pescas, construção naval (Marques, 1997:193),
apanha de algas ou extração de sal (Dias et al., 2012:227); e também devido ao
fator Descobrimentos, que, segundo Varela (1996) retardou o interesse no
desenvolvimento da pesca costeira [11], considerando que, por altura da
expansão portuguesa, o foco da ciência náutica não radicava na melhoria das
artes de pesca e da tecnologia de conservação do pescado, mas, como era
natural, na melhoria da estrutura das embarcações (para passar da navegação
costeira à oceânica, e ultrapassar as dificuldades dos baixios, ventos fortes e
correntes marítimas desfavoráveis), da capacidade de artilharia (maior número
de boca de fogo), da capacidade de transporte (transportar mais toneladas),
técnicas de navegação (navegação astronómica, através da melhoria do astrolábio
e quadrante), e cartografia, de que é exemplo o Mapa do Atlas de 1519, de Lopo
Homem-Reinés, que incorporava todas as informações meteorológicas e
oceanográficas recolhidas em viagens marítimas até essa data (Albuquerque,
1985:180). O fator descobrimentos terá sido determinante para a fixação de
população no litoral, vinda do interior, que naturalmente queria embarcar em
busca das riquezas anunciadas do mundo por descobrir [12]. Atente-se que, tal
indica o João José Alves Dias, o numeramento de 1527-32, mandado realizar por
D. João III, com base numa divisão administrativa organizada em seis comarcas
(sendo que uma era o reino do Algarve), e que para cada uma se elaborou um
arrolamento, regista no final do século XV e inícios do século XVI um tremendo
aumento populacional. A expressão, havia gente para tudo Todo o país crescia,
evidencia claramente essa elevada densidade humana (Dias, 1996:210). Entre 1495
e 1545 foram criados 16 novas vilas que resultaram em 15 novos municípios,
sendo que anteriormente, em igual período, entre 1445 e 1495, só tinham sido
criadas 4 novas vilas, que resultaram em 4 novos concelhos (Dias, 1996:180).
Entre muitas situações, que concorreram para a dilatação demográfica, podemos
aqui reclamar o reforço do dispositivo de trabalho humano, com base no
contingente de escravos africanos e asiáticos que começavam a chegar,
particularmente em Lisboa, e até contabilizar os Judeus expulsos de Espanha,
que cobriam em número significativo todo o território nacional, mas sobretudo
os locais de comércio/capitais, e ajudavam a compensar quem de livre vontade se
queria aventurar no mundo por explorar no Além-mar.
Verificamos até aqui uma total ausência de processos Participativos ou de
Governança, de ausência de uma efetiva consciencialização ambiental. No
entanto, existia dependência dos recursos marinhos, já que a diversidade do
habitat marinho e fluvial, no tamanho e quantidade de espécies existentes,
representou o principal fator de riqueza das comunidades costeiras, das
populações localizadas ao longo das várias bacias hidrográficas, e de toda a
estrutura hierárquica e governativa de Portugal. Só no final do período
medieval, altura em que já existia a arte de xávega [13](Madureira, 2001), é
que começaram a fazer-se sentir as primeiras preocupações que, pelos conceitos
e terminologia atual, podemos considerar como ambientais, devido à escassez de
algumas espécies, sobretudo fluviais [14], que teriam continuidade nos séculos
seguintes (Azeiteiro & Tavares, 2004:597-598).
Concluímos que as raízes históricas da pesca, desde cedo vinculadas a uma pesca
artesanal e também comercial, e aos centros salineiros (salga da pescada, atum,
cavala e sardinha), sempre estiveram ligadas à posição geográfica e contornos
de Portugal [15], que o colocam amplamente em contacto com o mar, e às suas
condições climatológicas, que favoreceram e potenciaram a extração salina (Dias
et al., 2012). Neste período, as pescas e a extração de sal são indissociáveis,
e em conjunto foram basilares para a asserção da estrutura económica medieval
litorânea.
2.2. Os Descobrimentos
Quando Oliveira Marques (1997) aborda os motivos da expansão, entre os quais
alcançar ouro e prata, aumentar o comércio e evitar a desvalorização da moeda,
minorar a escassez de trigo, atacar as férteis searas marroquinas, e
controlar diretamente os povos do Islam, refere que nas primeiras viagens
marítimas se alargam sistematicamente as áreas piscatórias, e considera por
isso que as pescas podem também ser consideradas um dos motivos da expansão
(não como causa, mas uma consequência positiva da expansão, no sentido de
potenciar ao máximo o uso dos recursos).
A dilatação da área de pesca comercial poderá ter resultado num desinvestimento
ou retrocesso da pesca artesanal, por força da repartição de verbas, porque,
segundo o autor, uma hipótese de investigação ainda pouco estudada pela
historiografia, mas totalmente possível, é o facto de grande parte da indústria
de pesca estar nas mãos do rei, de burgueses ricos e senhores feudais, ( )
cujos conselheiros podem ter planeado um alargamento permanente das águas
"territoriais"[deve entender-se áreas de pesca], [e porventura] ( )
as migrações de peixe e de baleias forçaram os barcos de pesca a segui-las
(Marques, 1997:233). Também se pode verificar um desinvestimento na pesca
artesanal através da progressiva diminuição de pescadores artesanais em
Portugal, porque, como era natural, os pescadores eram dos mais interessados
[16], e procurados, para integrar as tripulações dos navios direcionados às
grandes navegações.
No mesmo sentido, de forma ainda mais perentória, Vitorino Magalhães Godinho
refere que a área de pesca aumentou substancialmente com o passar da segunda
metade do século XV (Godinho, 1950:33). Desenvolve-se a pesca comercial e não a
artesanal, porque, para o autor, a progressão das viagens marítimas foi
proporcional à descoberta de novas áreas de pesca, dando como exemplo o
sucedido junto à costa marroquina, junto das Canárias, ao longo do litoral
atlântico sariano (Godinho, 1983:127-133).
Por influência da expansão, e do que isso significava para a nobreza
portuguesa, intensifica-se a construção de portos e estaleiros, e a ampliação e
melhoramento dos portos já existentes (são construídos ou remodelados os portos
de Vila do Conde, Azurara, Porto, Aveiro, Pederneira, Lisboa, Setúbal, Vila
Nova de Portimão e Tavira), e as atividades portuárias, nomeadamente a
indústria naval, o que consubstanciado foi determinante para a intensificação
do êxodo para o litoral (Medeiros, 2006:156).
Esta situação redimensionou positivamente os efetivos das pescas e modificou a
estrutura do trabalho, tanto em Lisboa como em todo o litoral português, em
prol dos estaleiros, por exemplo, ( ) criou-se um número fixo de carpinteiros
navais e de calafates vinculados à respetiva taracena e gozando de um conjunto
de privilégios, tendo, em contrapartida, de apresentar completa disponibilidade
para servirem quando fossem chamados (Marques, 1997:193). Em termos de
efetivos humanos associados às pescas, tanto comercial como artesanal, sabe-se
que em meados do século XVI existiam em Lisboa quase 2000 pescadores, 200
mulheres regateiras que adquiriam peixe para revenda, 140 vendedoras de pescado
(só vendiam), 8 lavapeixes, e 50 escamadeiras da Ribeira (Brandão, 1990 [1552]:
28-29;79-80;209-210).
A literatura nacional e internacional não deixa qualquer dúvida sobre o
protagonismo dos navegadores/pescadores portugueses no Ocidente, durante o
século XV. Por exemplo, Lewis & Runyan (1985:155) e Fuson (1987:230)
classificam os pescadores como muito trabalhadores e lutadores, capazes de
entrar mar dentro de forma destemida na perseguição dos cardumes de bacalhau, e
ainda lhes atribuem a proeza, antes de 1492, de terem reaberto a rota dos
vikings para a Islândia, Gronelândia e Labrador. Também Baldaque da Silva
(1891:427), refere que o pescador foi sempre, em todos os paizes e em todas as
epochas, um obreiro incansável, destemido e prestabilíssimo, mas humilde e
desventuroso.
Imediatamente a seguir à descoberta da Terra Nova possivelmente por João Vaz
Corte-Real e Álvaro Martins Homem, cerca do ano de 1472, abriram-se aí novas
perspetivas para a pesca do bacalhau. É provável que, pescando já em 1504 os
Franceses na Terra Nova, fizessem outro tanto os Portugueses (Andrada e Silva,
1790: 392). Aliás, é possível que essa pescaria se tenha iniciado ainda no
século XV, pois que, em 1506, atingia já tal importância que um Alvará de 14 de
outubro (Liv. d'Alfandega do Porto fol. 46) mandava arrecadar o dízimo desse
pescado da Terra Nova pelos oficiais da Coroa (Lobo, 1812: 338). Tal comprova a
grande apetência dos portugueses pela exploração de novas zonas de pesca, mesmo
distantes.
Posteriormente, tanto D. João III como D. Sebastião ordenaram às frotas
pertencentes aos portos do Minho, Douro, e Aveiro que fossem explorar a
designada Terra Nova, porque os impostos eram altamente lucrativos para os
cofres da coroa. Marca o início de uma pescaria mais intensiva, por comparação
com o antecedente (e.g. Norte da Europa), levada a cabo por quase todos os
países ocidentais, sem qualquer regulamento, que como veremos mais à frente,
quando abordarmos o Estado Novo, quase levou à extinção da espécie (Gadus
morhua).
No entanto, não se pode dizer que existiu uma exploração abusiva dos recursos
neste período, mesmo no caso concreto do bacalhau do Atlântico Noroeste, porque
a pescaria do Bacalhau, e todas aquelas, que se faziam na nossa Costa,
ocupavam, e davam a subsistência a uma grande parte dos nossos Portugueses
(Lobo, 1812:339-340), ou seja, as pescarias que se fizeram de forma crescente
até à governação filipina, altura em que a marinha e as pescas entraram em
declínio, permitiram melhorar as condições alimentares do povo da Península,
sobretudo dos mais carenciados e, no caso português, foi mais um contributo
positivo para dar resposta à progressão demográfica (Medeiros, 2006:157), que
como vimos dilatou-se no início do século XVI. Por outro lado, igualmente
importante é a visão do rei D. Sebastião, consentânea com o que já vinha a ser
prática do antecedente no que se refere à captura consciente dos recursos
pesqueiros, nomeadamente os fluviais, porque, segundo Lobo (1812:370), este
monarca tinha presente que a demasiada pequenez da malha nas redes, contribuía
muito para a decadência da pescaria; por esta causa concedeu aos moradores de
Ponte de Lima e seu termo, licença para pescar no rio Lima sáveis e lampreias,
sem embargo da Lei em contrário, contanto que usassem de redes de malha, que
tivesse a bitola determinada pela Câmara.
Verificamos que o processo de capturas é justificável pela necessidade de
alimentar a população, e sustentar os cofres do clero e nobreza (impostos e
comércio). Logo, o interesse na conservação da pesca, emergente no século XVI,
é sustentado através de uma visão profundamente utilitarista, pois visava
proteger os recursos marinhos para evitar o decréscimo das receitas fiscais
(Amorim, 2005:104). Por exemplo, no caso da pesca costeira, e sobretudo da
pesca fluvial, Amorim (2005a:105) diz-nos que os Forais Manuelinos
condicionavam a utilização de artes de pesca que ameaçavam o crescimento ou
frequência das espécies, e a lei da caça e pescaria, de 1565, preparada por
D. João III, estipulava as malhagens e calendários de defeso, entre outros
aspectos, alertando os senhorios das pescas, fidalguos ou cavaleyros e
pessoas heclegiastiquas, proprietárias das áreas de pesca e não pescadores,
para as perturbações no crescimento das espécies, prevenindo eventuais
afrontamentos.
Chegamos a uma dura realidade. Se era o interesse económico que levava às
capturas, era o mesmo interesse económico que levava à implementação de medidas
de defesa dos recursos marinhos, por isso serem pontuais e diminutas, mas ainda
assim louváveis, tal como observa Medeiros (2006:162-163, apud Almeida
(Fortunato de), 1928:343-344): em 1610 uma postura camarária proibia que os
pescadores de Setúbal utilizassem determinadas redes, os chinchorros, que
prejudicavam a "criação dos peixes; por tomarem a ova e criação miúda
que se criava ( ), por os arrastarem pelo chão, que estava de baixo de água, e
que era causa por onde se perdia a dita criação e ova"; por várias
vezes, como foi o caso de uma determinação da Câmara de Lisboa, datada de Maio
de 1634, "se proibiu também o uso das redes tartaranhas, de arrastar e de
malha miúda, porque àquele sistema de pescar se atribuía a falta de peixe, que
por vezes era muito sensível.
Naturalmente, esta regulamentação, ou outra relacionada, pode ser interpretada
como o emergir de uma consciencialização, de que os recursos marinhos eram
finitos e fundamentais à vida humana, incapazes de corresponder a um consumo
desproporcional, tal como advoga Amorim (2005a:106). Não obstante, em termos
gerais, o interesse económico é o motor que determina toda a atividade, e a
mentalidade economicista negligenciava o que agora muito valorizamos, a
estabilidade biótica dos ecossistemas marinhos (Azeiteiro & Tavares, 2004:
597-598), desde logo porque a população quinhentista menosprezava a importância
nutricional do peixe, considerava-o de pouco alimento, e inclusive utilizava
expressões que ainda hoje se utilizam, como peixe não puxa carroças. Por isso
mesmo, o peixe integrava a dieta alimentar dos mais pobres, e muito pouco a dos
mais ricos [17], que preferiam a proteína animal. Era consumido das mais
variadas formas, fresco (junto aos locais de captura), seco, salgado, fumado ou
em conserva (Marques, 1997:622). No entanto, durante a quaresma e todas as
sextas-feiras, que eram dias de abstinência, o consumo de peixe aumentava, e
nessa altura o dever religioso superiorizava-se aos gostos pessoais ' altura em
que até as classes mais abastadas comiam peixe (Gonçalves, 1978:447).
Um dos melhores trabalhos já realizados sobre a atividade comercial e social na
Lisboa quinhentista, o trabalho de João Brandão (de Buarcos), permite-nos
perceber que a sardinha era a espécie que mais abundava na mesa dos
portugueses, apesar de algumas vezes com reduzidas condições sanitárias,
situação que se prolongou no interior do país até à segunda metade do século XX
(Marques, 1987; Brandão, 1990 [1552]). Um dado importante que permite perceber
a importância da sardinha neste período, na alimentação popular, é a sua
utilização nos arraiais [18]. No entanto, na mesa dos portugueses existiam
outras espécies, que iam desde os mariscos (camarões, berbigões, caramujos,
entre outros) (Brandão, 1990 [1552]:213) aos peixes (linguados, sáveis, cações,
besugos, gorazes, rodovalhos, congros, e peixotas, que é a atual pescada)
(Gonçalves, 1978:447). Podemos aqui reclamar a importância da pesca artesanal
nestes eventos, devido ao ambiente económico e cultural, e pelas
características deste subsistema de pesca, que coloca no mercado pescado
fresco, geralmente de boa qualidade (Souto, 2003:3). Salienta-se que as
referidas más condições sanitárias resultam da morosidade do transporte, de
práticas descuidadas, e da falta de estruturas, e não da procedência do
pescado.
2.3. O Marquês de Pombal
Durante a governação pombalina, altura em que se procurou criar um Estado
Moderno Iluminista, o setor das pescas foi muito contemplado, o que é visível
através das inúmeras infraestruturas construídas de apoio às pescas, como
portos e cais, e reforço em número de embarcações e redes (Madureira, 2001:12).
Nesta altura já existia uma demarcada política de pescas que, como era normal
até início do século XX, não se pautava por valores ecológicos mas por
fundamentos políticos, económicos e de soberania nacional. É disso exemplo, o
condicionamento do abandono da profissão pelos pescadores, a proibição de venda
de barcos a estrangeiros, sobretudo a espanhóis, a criação de infraestruturação
de pesca em pontos-chave no litoral, no sentido de ordenar a orla marítima em
função da defesa estratégica do território (e.g., Vila Real de Santo António),
o forte rigor e a alta execução fiscal, e o monopólio do setor feito através da
criação de companhias (Madureira, 2001:12), como a Companhia Geral das Reais
Pescarias do Algarve (15/1/1773), que tinha exclusividade comercial, e o
objetivo de fomentar e controlar a atividade da pesca no litoral Sul do reino
(e.g., Lobo, 1812).Não obstante, apesar de todo o ênfase colocado nas pescas, e
nas estruturas de suporte, estas ainda evidenciavam subdesenvolvimento.
Segundo Lobo (1812), o decréscimo abrupto da produção e produtividade das
pescas e da construção naval, ocorrido por altura da governação filipina (1580/
1640), ainda não tinha sido recuperado no final do século XVIII, quase em todos
os assuntos das pescas. O autor, que percorreu todo o litoral português,
concluiu que o estado calamitoso das pescas era fruto de um vasto conjunto de
razões morais e físicas: as primeiras, radicavam essencialmente no monopólio de
alguns dos meios de produção (no sentido conferido por Karl Marx), e na pobreza
dos pescadores, o que fazia com que, quando não pudessem ir ao mar (e.g., no
inverno), muitos andassem a mandigar de porta em porta (Lobo, 1812:354), nos
altos impostos e na perspetiva depreciativa da atividade e da profissão, dando
como exemplo as humilhações ocorridas em 1653, em Vianna, feitas aos
pescadores pelos Soldados, Oficiais do Castelo, e por aqueles que cobram os
Direitos do pescado, e que o autor refere terem continuidade Eu as ouvi no
ano de 1789 ( ), 1790 ( ), 1794 (Lobo, 1812:360-362). Aliás, o autor aponta as
violências e vexações como uma das causas mais poderosas da imigração dos
pescadores, sobretudo para a Espanha onde, em 1790, só nas chávegas de
Ayamonte e S. Lucar de Barrameda, já andavam 2500 pescadores portugueses
(Lobo, 1812:370). O autor ainda dá ênfase à falta de formação e conhecimentos
dos pescadores, afirmando que A falta de educação na Arte da pesca é um dos
impedimentos que mais se opõe ao adiantamento [progresso] das pescarias (Lobo,
1812: 358).
Quanto às razões físicas, ou de ordem natural, com fundamento no deficit de
conhecimentos dos pescadores, refere o autor fazer-se uso inconveniente de
algumas artes e técnicas de pesca (e.g., má utilização de artes de pesca ou
utilização desajustada ao tipo de pescaria realizada, o que era danoso para as
espécies e pescas) (Lobo, 1812:374-376). Também o mau estado das barras, um
pouco por todo o país, constituía forte impedimento ao desenvolvimento das
pescas. No Algarve, por exemplo, a barra de Ferragudo era em tempos antigos
tão notável que por ela entravam navios grandes; (...) actualmente está tão
entupida que apenas admite alguns hiates. Em Faro, em 1790, as duas barras
desta cidade, chamadas dos pescadores, uma Barreta e outra Barra Nova, estavam
em muito mau estado (...) que se não houver alguma providência pública, ficarão
completamente aniquiladas. A barra de Tavira (...) já no ano de 1622a dita
barra se tinha fechado e estava inteiramente perdida (Lobo, 1812: 382).
Referem-se ainda a falta de estruturas (tanques) para a lavagem das redes
(vindas do mar) em água doce, e o mau estado das infraestruturas portuárias,
como causa para a degradação de pescas, agricultura e navegação (Lobo, 1812:
383).
Importa ainda referir que, quando Lobo (1812: 376) se refere aos caneiros [19],
arte que considera prejudicial às espécies, pescas e navegação, revela
preocupações ambientais com a sustentabilidade das espécies e das pescas, o que
traduz uma preocupação recorrente pelo menos desde o século XIV: os quais não
somente são prejudiciais á navegação dos rios, mas impedem a multiplicação e
abundância dos peixes que neles se podem pescar, como mostrou a experiencia
naqueles que houve no Douro, Mondego, Zêzere e Tejo.
Em 1785 a economia portuguesa enfrentou uma grave crise, que já há muito se
antevia, e que tinha sido combatida pelas políticas de fomento comercial
pombalinas, sobretudo ao tentar inverter a tendência retrógrada e negativa em
que se encontrava toda a fileira das pescas (diríamos que todo o país). Mais
tarde, em 1792, essa crise atingiu a generalidade dos setores económicos e
afetou as atividades marinhas, arrastando-se até o início do século XIX
(Oliveira, 2008:62).
O segredo para ultrapassar a crise no setor pesqueiro passou pela adoção de
tecnologias piscatórias promotoras de uma maior eficiência na pesca, cujo
objetivo não era que fossem promotoras de uma pesca equilibrada, mas que
permitissem uma maior redução dos custos de exploração e um aumento das taxas
de captura. Refere-se, a este propósito, a introdução de novas artes e
aparelhos de pesca, e malhagens mais apertadas e de maiores dimensões. São
disso exemplo as artes da xávega. Segundo (Amorim, 2001:120) (...) foi uma
tentativa, notável, de optimizar a captura. Um exemplo verificado em meados do
séc. XVIII, foi o da introdução das novas artes da xávega (de arrasto
pelágico, conjuntos de redes ligadas, de grandes dimensões, malha a viés,
grande saco), copiadas ou trazidas pelos catalães para a Galiza e Andaluzia,
transportadas para as costas portugueses, especialmente a sul do Douro e
Algarve, que implicaram um aumento considerável das capturas da sardinha, dando
origem mesmo a uma indústria da conserva e salga.
Apesar da maior eficácia resultar de avanços tecnológicos, não deixa de ser
verdade que, mais uma vez, o Ser humano se serviu da dilatação da capacidade de
capturas para seu sustento, não só alimentar mas também económico, e não teve a
capacidade de fazer uma gestão racional dos recursos. Por isso a arte da
xávega, abundante em toda a costa nos anos 80 do século XIX (Baldaque da Silva,
1891), representa uma pesca artesanal que parece estar condenada a desaparecer
(Souto, 2003:14-15): atualmente apenas é possível encontrá-la [arte da xávega]
entre Espinho e a Praia da Vieira, a Norte do rio Tejo, e na Costa da Caparica/
Sesimbra, a Sul, tendo desaparecido completamente da costa algarvia e da Nazaré
[enquanto atividade económica], onde hoje, aliás, se promove a sua utilização
para fins turísticos (subsidiada pela Câmara Municipal da Nazaré). Reinventou-
se esta arte, agora como produto turístico, ou seja, esta arte durante muitos
séculos alimentou as populações ribeirinhas, agora, como o mesmo conhecimento
dos autóctones, é o turismo que alimenta estas mesmas populações (em decréscimo
acentuado).
2.4. As Revoluções Liberais
Por altura das revoluções liberais continuava o domínio do poder senhorial
sobre a quase totalidade do setor das pescas. Nem sequer a política pombalina,
no que se refere à transferência da governação das pescas do poder senhorial
para a esfera pública (aquelas que não eram concedidas pelo Rei), tinha sido
concluída; apesar de também não ser uma solução brilhante, já que visava
retirar o monopólio ao poder senhorial para o constituir como um direito da
coroa, com primazia da pesca comercial, e não um usufruto dos cidadãos,
princípio orientador da gestão pesqueira (Saetersdal, 1984).
Só na década de 1830, já em contexto liberal, é que a legislação para o setor
anula parte das políticas vigentes (inclusive as pombalinas), libertando o
setor do domínio da jurisdição senhorial, ficando o Estado responsável pela
atividade piscatória. Este é um momento muito importante. Repare-se que até
esta data era como se os peixes antes de nascerem já tivessem dono. Aliás, com
rigor, os peixes até tinham mais do que isso, tinham uma monitorização
personalizada, ainda que não totalmente para a sua preservação (no tempo) [20],
mas para potenciar o lucro na comercialização.
Por coincidência (ou não), a evolução da capacidade de capturas, que
indiretamente permite compreender a evolução do conceito de sustentabilidade,
registou neste período, em meados do séc. XIX, a primeira grande e já moderna
dinamização tecnológica, com introdução de artes de pesca mais eficientes, como
seja a introdução dos cercos com barcos movidos a vapor nas costas algarvias,
que mais tarde se estenderam à costa da Póvoa de Varzim (Amorim, 2001:120), e
que acabaram por afectar espécies nobres, como a pescada (Madureira, 2001:
10).
Não obstante, parte importante desta depauperação das pescas nas costas
portuguesas foi provocada pelos pescadores espanhóis. São disso exemplo os
Convénios de reciprocidade para as pescas que foram realizados entre Portugal e
Espanha (1878 e 1885), que permitiam aos espanhóis fazer capturas em águas
portuguesas e aos portugueses em águas espanholas. Acordo que se revelou
desvantajoso para os portugueses, em oposto aos espanhóis, que por comparação
possuíam uma poderosa frota pesqueira, em número e capacidade, e um grande
número de profissionais a trabalhar no setor. Aliás, a capacidade de capturas
era de tal forma elevada que os espanhóis abasteciam as lotas dos dois lados da
fronteira (tal como ainda hoje fazem), ultrapassando já na altura o limite
sustentável das capturas: por redes de cerco, em Viana do Castelo, na Figueira
da Foz e na parte oriental algarvia; e por redes de arrasto, na Póvoa de
Varzim, ambas as artes movidas a vapor (Cavaco, 1976:227, apud Amorim, 2001:
120-121).
Salientam-se, pela positiva, algumas indagações formuladas em textos desse
período, em relação à sustentabilidade destas novas artes de pesca, apontadas
por retirarem o pouco protagonismo ainda afeto à pesca artesanal, e por
destruir o fundo marinho e afastar as espécies. De facto, a alteração do
paradigma vigente, em Portugal, pode interpretar-se nas palavras de Inês
Amorim, na obra coordenada por Madureira (2001:10): Se, actualmente, o grande
desafio é o da resolução do esgotamento alarmante dos stocks piscícolas, no
sentido de um desenvolvimento sustentado e de gestão dos recursos pesqueiros,
na altura [finais do século XIX inicio século XX] as questões de conservação
dos stocks e equilíbrio ecológico são questões a desabrochar. Em pormenor,
esta incipiente consciencialização ambiental, revelada através da crítica às
novas artes de pesca, reflete já um acompanhar das tendências internacionais,
pois está em harmonia com as formulações teóricas iniciadas nesta altura no
âmbito da abusiva utilização dos recursos pesqueiros no Báltico e Mar do Norte
(Amorim, 2005b:6).
Em 1878 procedeu-se à regulamentação formal do setor, através da Criação da
Comissão Central de Pescarias. É desta altura a distinta obra Baldaque da
Silva, intitulada Estado actual das pescas em Portugal comprehendendo a pesca
maritima, fluvial e lacustre em todo o continente do reino, referido ao anno de
1886(1891), cuja leitura aponta para um total desinteresse pelos objetivos
ambientais, por comparação com as preocupações que se começavam a formular com
a Comissão Kiel (1870) (Castro, 1997:359), e para um elevado interesse no
fomento das pescarias de bacalhau em alto-mar e, sobretudo, para a necessidade
de constituir quadros de efetivos suficientes para sustentar a produção
nacional em situação de guerra, ou seja, mais uma vez se verifica a intenção de
apostar na pesca comercial em detrimento da pesca artesanal (Madureira, 2001:
10).
Mas o Comandante Baldaque da Silva (1891) também se pronuncia sobre a
importância das pescas para Portugal, reforçando a sua componente social,
comercial e industrial, económica e científica, quantificando para o ano de
1886 que cada português consumiu 3,66 kg de pescado nacional (para esta equação
foram subtraídas as exportações ao total capturado). Refere ainda que, apesar
do espírito de pescador mandar capturar até ao último peixe (nesta altura de
1886), não podem ser totalmente culpabilizados por tão acutilante vontade de
capturas, por serem o elo mais fraco de uma nação que lhes imprimia (ou até
obrigava) esse espírito de atuação. Isto é, o excesso de capturas, no limite da
sua capacidade, produzia riqueza para alguém, mas não para eles, que sempre
viveram em parcas condições, tal como esclarece o autor ao longo de todo o
trabalho.
Por altura das revoluções liberais, num quadro de grave crise politica, social
e de dificuldades económicas (custear a guerra civil), e ainda a recuperar das
invasões napoleónicas, é visível uma maior estagnação do investimento no
conhecimento do oceano, porque, com rigor, para compreender este marasmo, no
que se refere ao desenvolvimento do estudo do oceano, é necessário recuar aos
séculos XVII e XVIII, período de emergência de novas potências marítimas
(Holanda, França e Inglaterra), que de certa forma ofuscaram a ciência
portuguesa: de uma posição privilegiada, até então influenciadora, passa a
receber as influências destas potências emergentes.
Não obstante, em contrabalanço do quadro negativo verificado no século XVII e
XVIII, e da crise social, politica e económica do século XIX, alguns
investigadores fizeram um trabalho individual notável, nomeadamente o zoólogo
José Vicente Barbosa du Bocage, que durante o século XIX realizou importantes
descobertas científicas, algumas das quais, após publicação internacional,
instigaram investigadores estrangeiros a conhecer a riqueza biológica das águas
portuguesas (e.g., Dias, 1997:174).
Quase a finalizar o período monárquico é imperioso referir a atividade
científica do rei D. Carlos na área da oceanografia, profundamente
influenciado, entre outras, pelas campanhas do Príncipe Alberto do Mónaco (de
quem era amigo) e pelos trabalhos de Barboza du Bocage. Tendo como preocupação
central as pescas, sobretudo a comercial, desenvolveu ações de elevada
relevância no conhecimento do oceano adjacente a Portugal, designadamente nos
campos da ictiologia, da ornitologia, da batimetria, e das oceanografias
física, química e geológica. Convicto de que as águas portuguesas deveriam ser
estudadas por cientistas portugueses, a bordo de navios oceanográficos
portugueses, durante onze anos de pesquisa, desde 1986 até 1907, o monarca
realizou a bordo dos sucessivos quatro yatch Amélia, doze campanhas
oceanográficas ao largo da costa portuguesa.
A grande preocupação de D. Carlos com as pescas ficou demonstrada, entre
outras, com o Decreto Real de 17 de agosto de 1901, em que se reconheceu a
necessidade de elaborar Cartas de Pesca (e.g., Dias, 1997: 176-177; Dias, 2002)
e com estudos sobre as condições favoráveis para a pesca do atum, e ( )
pronunciou-se rigorosamente sobre os problemas da pesca com arrastões a vapor e
emitiu pareceres sobre a escassez drástica de sardinhas nas costas da Bretanha
(Carvalho et al., 2009:9). No que se refere às Cartas de Pesca, um documento
oficial de 1904 revela que a visão que então se tinha sobre o assunto tinha
profundas bases científicas. Essas cartas deviam ter como base duas
componentes: uma não dependente do tempo, que inclui, entre outras, a
batimetria e a litologia submarina; outra, dependente do tempo, que reflete as
características oceanográficas (temperatura, salinidade, etc.) e a
variabilidade das espécies biológicas, principalmente as que têm interesse
comercial (Dias,
1997: 177).
Estas tinham como objetivo aumentar o conhecimento dos recursos marinhos da
costa portuguesa, e assim, contribuir para maximizar o rendimento da indústria
e comércio da pesca, uma das principais actividades económicas do país
(Carvalho et al., 2009:8-9). Desenvolveu estudos pioneiros e com elevado rigor
científico, que beneficiaram a pesca artesanal e comercial, não só por causa do
seu interesse científico mas também porque o estudo da biologia podia levar a
uma exploração mais racional dos recursos, e as suas coleções reais ainda hoje
constituem um invulgar acervo biológico e técnico. Através da implantação de
estações de sondagem registou temperaturas, profundidades, natureza dos
sedimentos; recolheu espécimes; fez observações pessoais acerca da distribuição
geográfica, do comportamento, e do valor económico das espécies capturadas,
assim como dos métodos utilizados na sua captura (Faria et al., 2010:85).
Realizou um arrasto profundo em 1899, ao largo do Cabo Espichel, à profundidade
de 1856 metros, ( ) onde foram recolhidas espécimes de Gnathophausia,
Pasiphaea, pequenos moluscos e foraminíferos (Carvalho et al., 2009:14).
Desenvolveu estudos sobre as condições favoráveis para a pesca do atum, e ( )
pronunciou-se rigorosamente sobre os problemas da pesca com arrastões a vapor e
emitiu pareceres sobre a escassez drástica de sardinhas nas costas da Bretanha
(Carvalho et al., 2009:9). Pelo sua notável atividade no conhecimento do mar
nacional, D. Carlos é justamente considerado como o fundador da oceanografia
portuguesa.
Em 1908, com o regicídio do rei D. Carlos, e a Implantação da República em
1910, a preocupação com as pescas continuou a ser recorrente. Prosseguindo o
trabalho efetuado nos últimos tempos da Monarquia, e apesar de todas as
dificuldades (políticas, económicas, sociais), em novembro de 1910, ou seja, um
mês após a revolução republicana, o comandante Hugo de Lacerda foi encarregue
de produzir um relatório (Lacerda, 1911) preparatório da criação da Missão
Hidrográfica da Costa de Portugal (Dias, 1997: 177), a qual viria a ser
instituída em 1912. Em 1913, Hugo de Lacerda foi nomeado comandante do N.R.P.
Cinco de Outubro (como a partir de 12 de setembro de 1911 se passou a
denominar o antigo iate real Amélia IV), iniciando de imediato os trabalhos
conducentes à produção das Cartas Litológicas Submarinas da Costa de Portugal
e à aquisição de dados oceanográficos (designadamente de temperatura,
salinidade e densidade da água e medições de marés e correntes), consideradas
essenciais para a elaboração das Cartas de Pesca (e.g., Dias, 1997: 177-178).
O facto da primeira carta (Carta Litológica Submarina da Costa de Portugal do
Minho a Espinho) ter sido publicada ainda em 1913, sendo no ano seguinte
produzida a referente a Leixões ao Cabo Mondego, revela bem a Dinâmica e
intensidade impressas aos trabalhos. Segundo Alegria & Garcia (2002) tal
pode indiciar o receio de aproximação da Guerra. O facto é que as cartas
seguintes (Cabo Mondego ao Cabo Carvoeiro e Cabo Carvoeiro ao Cabo Raso) só
viriam a ser publicadas após a Guerra, em 1920.
No período que vai da dinamização tecnológica, ocorrida na segunda metade do
século XIX, até ao início do período do Estado Novo, importa destacar o forte
desenvolvimento da indústria conserveira, pela capitalização da arte de cerco
costeiro ' o que aconteceu devido ao aumento do consumo de conservas
despoletado pela I Guerra Mundial (Madureira, 2001:10). A melhoria das
condições tecnológicas potenciou o aumento do consumo, que se efetivou de forma
a dar resposta às necessidades associadas à guerra, e acabou por levar à
redução da população da sardinha. Temos assim determinantes bélicos a
influenciar a sustentabilidade dos recursos marinhos. O que não tinha
acontecido até ao momento, conforme se percebe nesta nossa concisa incursão
pela história.
2.5. O Estado Novo
Durante a governação de António de Oliveira Salazar é notória a importância
conferida à produção nacional, e dentro desta às pescarias e ao mar (Netto,
1986:22; Garrido, 2009a). É por isso que este período, numa perspetiva
macroeconómica, foi marcado por um protecionismo muito forte na indústria e no
mercado interno português, como se observa na reforma dos direitos
alfandegários de 1929 (Madureira, 1998:783-784).
Salazar delegou em Henrique Tenreiro a gestão das pescarias, e entregou-lhe, em
1953, a presidência do conselho administrativo do Fundo de Renovação e
Apetrechamento da Indústria da Pesca (FRAIP), responsável pelos programas
estatais de renovação das frotas de pesca. Entre 1953 e 1974, Tenreiro definiu
as directrizes da política nacional de pescas, controlou e dispôs sobre todas
as fontes de financiamento dos programas de renovação das frotas,( )tendo sido
responsável por um indiscutível impulso das pescas nacionais através da
consecução de planos de ampliação e renovação das diversas frotas, a começar
pela do bacalhau (Garrido, 2001:849-850).
Exemplo desse sucesso, do ponto de vista económico, é a Campanha do Bacalhau
iniciada na década de 20, à volta de um produto estratégico e estrutural no
consumo, na linha da construção teórica da defesa da autossubsistência
(Garrido, 1997:78), como aconteceu noutras áreas, como é o caso da Campanha do
Trigo, iniciada em 1929. Em termos práticos a campanha do Bacalhau dilatou a
margem de autoaprovisionamento nacional, passando dos 16%, em 1934, para os
75%, em 1966, e traduziu-se numa subida no rating mundial de produção de
bacalhau seco; Portugal deixou de ser o quinto maior produtor, em 1938, para
passar a ser o maior produtor mundial, em 1958 (Garrido, 1997). Para isto
contribuíram não só as ações governativas práticas (leis, regulamentos e
opressão), mas também uma grande propaganda estadista, iniciada ainda nos anos
trinta, realizada através da divulgação de uma memória oficial, eminentemente
historicista mas ilustrativa desta pesca que se viria a designar de
"grande faina" ou "grande pesca".
É um dado novo que não podemos negligenciar: a apropriação de um recurso para
fins de propaganda política. Importa destacar que a intensificação nas
quantidades capturadas, e o facto de se capturar sempre a mesma espécie, o
bacalhau do atlântico (Gadus morhua), contribuiu fortemente para a delapidação
desta espécie nos períodos posteriores. É ainda uma espécie vulnerável e não
estabilizada. Parece-nos que, mesmo sendo as pescas um subsetor prioritário
para o regime, este não dispunha de consciência ecológica na gestão das
pescarias, quer no conjunto, quer no particular, pois, tal como advoga Garrido
(2001:850), em relação a Henrique Tenreiro, Patrão das Pescas e o guardião do
Estado Novo, às pescas era dada importância do produto no abastecimento, a
relevância económica e social do emprego a montante e a jusante da pescaria e o
conteúdo épico da "grande pesca".
Diríamos que se podem encontrar princípios de sustentabilidade, não ambiental
mas social, na obra de Tenreiro a favor dos pescadores e das suas famílias.
Contudo, para isso temos de focalizar uma visão otimista dos factos, sobretudo
para a pesca artesanal, já que o lema do então contra-almirante Henrique
Tenreiro era: ou bacalhau, ou tropa; ou talvez fosse melhor dizer Guerra
Colonial, o que significa certa persuasão forçada na obrigação pela pesca do
bacalhau.
Nuno Luís Madureira, referindo-se às medidas estadistas vocacionadas à
moderação da oferta e estabilização dos preços, para evitar inflações gravosas
e estabilizar a economia, aborda algumas questões que são do ponto de vista da
sustentabilidade das pescas muito interessantes. Referimo-nos à Limitação do
uso da capacidade instalada que, no caso da atividade da pesca da sardinha, se
traduziu na interdição da saída para o mar dos barcos durante os quatro meses
de inverno, período chamado de "defeso", e sobretudo à fixação de
preços enquanto medida acompanhante de políticas e de instituições, cuja
finalidade é encurtar a distância entre o produtor e o consumidor, reduzindo ao
mínimo o circuito de transacções (Madureira, 1998:783). De facto, à luz dos
conhecimentos atuais, esta medida está bastante atualizada, e corresponde ainda
hoje ao que se pretende da revisão da Politica Comum das Pescas (PCP), que vai
entrar em vigor em 01 de janeiro de 2013 (Comissão Europeia, 2011).
A II Guerra Mundial deu um importante impulso tecnológico às pescas. Foram
desenvolvidos meios de deteção submarina recorrendo à eletrónica, surgiram
melhores equipamentos acústicos, melhoraram-se as artes e técnicas de pesca
(e.g., introdução das fibras sintéticas), as embarcações ficaram mais
capacitadas, e os pescadores acumularam novas experiências e conhecimentos
(Santos, 2012). Por exemplo, o Jornal do Pescador, na década de 1960,
evidenciada a capacidade de inovação em Peniche: Peniche uma vez mais na
vanguarda. Um novo aparelho, construído por um português, transforma
radicalmente a vida piscatória daquela vila ( ). Foi com surpresa que vimos o
citado aparelho, cuja denominação é de Alador Duplo V, já montado nalguns
barcos. Mais a frente, ainda na mesma página, o dito Jornal cita um pescador
que já tinha utilizado o novo aparelho: com metade da tripulação fiz melhor do
que fazia com trinta homens e tudo graças ao novo alador ' declarou-nos José
Augusto Pata, mestre da traineira "Zézinha" (Águas, 1968:25).
Fruto da inovação e dos progressos técnicos, de que é exemplo Peniche,
registou-se em Portugal, na década de 1960, o maior pico nos quantitativos de
pesca desembarcada. Não obstante, para analisar a evolução das capturas convém
recuar à década de 1940, que registou cerca de 200 mil toneladas/ano. Depois,
em meados da década de 1950, atingimos cerca de 300 mil toneladas/ano, e um
máximo histórico em 1964, cerca de 415 mil toneladas/ano (Cavaco, 1969:146).
Para este máximo histórico contribuíram as capturas da sardinha e de atum para
o abastecimento da indústria conserveira, localizada junto aos principais
portos de descarga, e a muita mão de obra a trabalhar no setor, que em 1958
terá atingido os cerca de 48.300 pescadores matriculados. Ao longo deste
período, as pescas contribuíam por ano para a economia nacional com cerca de
1,2% (PIB médio) e 1,5% (PIB máximo - em alguns anos) (Medeiros, 2006:161).
No entanto, também foi na década 1960 que, pela primeira vez, a curva da
procura fez uma inflexão na trajetória em curso, levando a uma redução
substancial do peixe capturado. Se em 1964 foram capturadas cerca de 415 mil
toneladas/ano, dois anos depois somente foram capturadas 374 mil toneladas/ano,
fixando-se numa média anual de 350 000 t em 1970-1972 e de 265 000 t em 1977-
1979 (Medeiros, 2006:161). Esta inflexão não resultou da consciência da
necessidade de reduzir as capturas, mas por necessidade, porque se essas
medidas não fossem tomadas muitas espécies seriam extintas de forma
irremediável (Medeiros, 2006:159). Também foi nesta década que decresceu a
frota longínqua associada à captura do bacalhau (Madureira, 2001:12). No
entanto, configura uma clara rutura com o passado, já que constatámos que, em
todos os períodos históricos anteriores, existira um crescimento muitas vezes
incomensurável na capacidade de capturas. Neste momento, a tendência das
capturas está a decrescer.
Segundo Medeiros (2006:162), estes problemas graves ocorridos nos anos 1960 têm
origens antigas, e só ocorreram por nossa própria culpa, por uma deficiente
gestão dos nossos próprios recursos marinhos. Para o autor, durante muito tempo
pescámos na ausência de regulamentação nas capturas, por não definir quotas
máximas de captura, inclusive para cada espécie, evitando assim a sobrepesca. A
nossa única preocupação, e ainda assim de valor, resumiu-se à questão das
malhas das redes, numa linha de preocupações que remonta a séculos um tanto
recuados. Falhamos, igualmente, ao não constituir áreas de reserva e períodos
de defeso (suficientes), nem à atribuição de subsídios de imobilização, a
conceder aos pescadores quando ficasse proibida, sem alternativa, a captura de
determinada espécie. Estas deficiências foram agravadas pela falta de
conhecimentos oceanográficos e de biologia marinha, que só recentemente têm
evidenciado progressos muito sensíveis e eram ainda manifestamente
insuficientes na maior parte da década de 70 (Medeiros, 2006:163). Assim,
porque era permitido à indústria pesqueira o livre acesso aos recursos
piscícolas, sem regulamentos da atividade devidamente estruturados, e sem
prévia avaliação do impacto dessa pesca, conclui-se que a queda generalizada
das capturas após a década de 60 do século XX foi consequência da sobrepesca
biológica e bioeconómica (Sansón, 2002:89-90).
Percebemos que o Estado Novo dependia dos recursos marinhos do ponto de vista
social, económico e político (propaganda) (Sarmento, 2010:39). No entanto,
apesar de ter dado alguma ênfase ao setor, e ter tomado duas medidas que
inconscientemente protegiam as pescas (a redução de intermediários no setor e a
proteção da pesca artesanal), no essencial não promoveu medidas de proteção que
visassem a sustentabilidade dos recursos, que eram explorados mesmo quando
existiam dúvidas quanto à sua necessidade, e nem sequer foi em proveito da
comunidade, princípio geral de gestão pesqueira definido por Saetersdal (1984).
Atente-se que, apesar de a Independent World Commission on the Oceans (IWCO)
(in The International Ocean Institute 1991 Ocean governance: National,
regional, global institutional mechanisms for sustainable development in the
oceans) trazer o conceito de Desenvolvimento Sustentável (DS) para as questões
do Mar na década de 90 do século XX, o debate de como sustentar as pescas já
acontecia há mais de um século, nomeadamente após a criação da Comissão Kiel
(1870), que tinha como objetivo recolher informações sobre as condições
biológicas e físicas que afetavam a fauna piscícola no Báltico e Mar do Norte
(Castro, 1997:359, apud Amorim, 2005b:6).
Sabe-se hoje que o resultado foi nocivo para a pesca comercial, tendo
decrescido entre 1986-2005 a frota e as capturas, 45% e 48%, respetivamente
(MADRP/DGPA, 2007:14), mas também para a pesca artesanal, que viu de forma
muito significativa reduzida a capacidade de capturas, por via da diminuição de
pescadores e embarcações, e consequentemente das vendas em lota. É exemplo a
Comunidade Artesanal de Pescadores da Ericeira, que passou das 70 embarcações
de pesca da década de 1980 para cerca de 12 no final da década de 1990, de
cerca de 250 pescadores ativos em 1985 para menos de 40 em 1998, e das cerca de
400 ton de vendas em lota na década de 1980 para menos de 100 ton na década de
1990 (Souto, 2003:12).
Para esta situação concorreu diretamente a entrada de Portugal na União
Europeia, que, como veremos a seguir, através de medidas como a restruturação e
abate subsidiado da frota pesqueira, ou a produção de legislação reguladora
restritiva (Souto, 2003:24-25), contribuiu ativamente para o abandono da pesca
comercial e para o holocausto da pesca artesanal, tal como advoga Souto
(2003:15): arte xávega parece estar condenada a desaparecer, quer pelas
limitações legais, que não permitem novas autorizações ou licenciamentos
iniciais para esta arte, quer pelos baixos rendimentos que gera, que levaram
mesmo um patrão de xávega da Praia da Vagueira a afirmar que o pior erro da sua
vida tinha sido dar sociedade na companha aos seus filhos, pois os tinha
amarrado àquela miséria!!!.
2.6. O Pós-Estado Novo
Depois do 25 de abril de 1974 formulou-se um pensamento/sentimento que fluía no
sentido de esquecer tudo o que fosse relacionado com o salazarismo. Esta
enunciação, incitada pelos eruditos e praticada pela sociedade, visava a
ocultação da governação de Salazar, considerado o grande culpado pelo atraso
social, económico, e civilizacional de Portugal. E diga-se, foi bem-sucedida. A
sociedade passou uma borracha por cima de quase tudo o que tinha sido feito,
eliminou estruturas em vários setores do Estado Novo, e começou a projetar um
novo país, diferente, tal como refere o Professor Fernando Rosas: a ideologia
do Estado Novo, aparentemente esgotado no longo esforço por durar, saía de cena
sem sequer assegurar continuadores nas principais forças que concorriam à
gestão do novo sistema político: nenhum partido de direita se reivindicaria
formalmente da herança salazarista, bem pelo contrário. Na realidade, antes
ainda de perder a batalha nas ruas, bem antes, o regime tinha-a perdido nas
consciências (Rosas, 2007:18).
No entanto, no processo de saneamento pós-
-revolucionário, as estruturas não foram todas afetadas da mesma forma. Se a
Justiça ficou praticamente imune, pois era fundamental a sua continuidade
funcional, de preferência em sintonia com a nova ordem democrática (sem
constituir ameaça ao movimento revolucionário) (Magalhães, 2005:34; Pinto,
2006:47), as Pescas e o Mar, duas das grandes bandeiras de Salazar, não
tinham a mesma importância, não conferiam a mesma legitimidade à nova ordem,
que apostava o futuro de Portugal na integração europeia, ou seja, via na
Europa a única forma de crescer/desenvolver (pensava substituir o mercado
colonial, perdido com o 25 de abril, pelo mercado europeu).
Em 1977, iniciam-se as negociações, e em 1986 Portugal tornou-se membro efetivo
da CEE (Comunidade Económica Europeia). Consequentemente, foi obrigado cumprir
o determinado pela Politica Comum das Pescas (PCP), nomeadamente as quotas e os
totais admissíveis de capturas (TAC), instituídos pela Revisão de 1983, bem
como a redução da frota, conforme preconizava o Regulamento de 1992,
traduzindo-se na redução da dimensão e estrutura da frota portuguesa, e da
capacidade de capturas, levando milhares de pescadores ao abandono da
profissão, ou seja, traduziu-se na depreciação das pescas, setor protegido por
Salazar, e desde sempre elemento determinante do progresso da nação
Neste processo, de querer esquecer os propósitos do Estado Novo, e apostar tudo
na Europa, verificaram-se algumas perdas para Portugal. Faltou fazer uma
avaliação realista para identificar o que era bom e o que era menos bom. Esta
falha levou ao esquecimento das boas ideias adotadas na gestão das pescarias
durante o Estado Novo, por exemplo, no que se refere (i) à redução dos
intermediários entre a fase de captura e a comercialização do pescado
(Madureira, 1998:783), (ii) à proteção da frota artesanal costeira (Madureira,
2001:12), (iii) à apanha de algas (Sousa-Pinto, 1998; Pereira, 2007:2;
Sarmento, 2010:45) e, (iv) embora em menor dimensão, à extração de sal (Neves,
2005:132; Bastos, 2009:25).
Existem outros fatores que explicam tão acentuada quebra nas capturas. São eles
endógenos ' os resultantes da Revolução de abril de 1974 ', como as alterações
laborais, os ajustes salariais, a falta de competitividade da economia
nacional, algum envelhecimento da frota e alguns desajustamentos internos
derivados dos novos padrões do direito internacional relativo aos oceanos. E a
esses somam-se fatores exógenos, que vêm neste continuum histórico, com
destaque para os choques petrolíferos ocorridos em 1973/74, que agravaram a
situação das pescarias (Medeiros, 2006:163).
A crise dos choques petrolíferos foi complicada para Portugal porque estava
numa situação de dependência de recursos energéticos, tinha de importar a
energia, e tornou ainda mais necessitada a estrutura económica de muitas
empresas, a montante e a jusante do setor das pescas, e consequentemente
encareceu o comércio dos recursos pesqueiros provenientes da pesca longínqua
(Souto, 1998:27). Em resposta, e porque os pescadores tinham de trabalhar para
alimentar as suas famílias, verificou-se um regresso à pesca artesanal (Crespo,
2000:66).
Na expectativa da adesão à comunidade europeia, e devido à criação da
Secretaria de Estado das Pescas, o setor das pescas foi restruturado e dividido
em pesca de arrasto costeiro, pesca do cerco, artesanal e não-agremiada do atum
e do largo (Madureira, 2001:12). No entanto, depois do máximo histórico de
capturas em 1964, e ao contrário do verificado em outros países (Cavaco, 1969:
146), as capturas nacionais nunca mais se aproximaram dos quantitativos dos
anos 60 e a ligeira melhoria registada no início dos anos 80 voltou a cair a
partir de 1986, ano da adesão à CEE (Souto, 2005:online).
Em termos quantitativos, a pesca nacional já contabilizava em 2003 uma redução
em 50% quando comparada como período anterior a 1986, tendo a diminuição sido
muito mais importante em águas internacionais e de países terceiros (70%) do
que em águas nacionais (25%) (Dias, 2003:3). Atualmente, as quantidades
capturadas continuam a decrescer, basicamente desde 1992, o que não acontece
com as rejeições, ou desperdicio de recursos, que aumentam de forma
sustentada desde 2003, tendo atingido um maximo em 2008, representando mais de
oito toneladas/ano (Santos, 2012:57). Depois de 2000, até ao momento,
assistiu-se a uma tendência de estabilização do preço médio de venda em lota, o
que conjugado com o menor volume de capturas, naturalmente reflete menores
ganhos para os pescadores, e consequentemente, a retração da atividade. O
número de embarcações reduziu de forma significativa, nomeadamente as
embarcações sem motor, que entre 1986 e 2010 apresentam um decréscimo da ordem
dos 80% (para isto contribuiu a já referida política de abates de embarcações).
A salicultura, que já vimos representar uma atividade muito importante,
apresenta-se hoje basicamente restrita ao Algarve (90%); Centro (3%) e Alentejo
(7%), e a apanha de algas, atividade preponderante durante o Estado Novo,
salienta-se que no geral a sua evolução é negativa (Santos, 2012:59-61).
Em relação à pesca artesanal, se num primeiro momento ganhou alguns efetivos
provenientes da pesca comercial, por força da crise dos choques petrolíferos de
1973/74, depois de 1980 sofreu uma tremenda redução de atividade, e neste
momento algumas comunidades estão a desaparecer, o que acontece por vários
motivos: a comunidade avieira da Póvoa de Santa Iria (estuário do Tejo) está em
decréscimo acentuado, fruto das restrições impostas pelo Regulamento de Pesca
em vigor desde 1990, e também porque os mais novos abandonam a profissão; os
agricultores-pescadores da Carrasqueira (estuário do Sado), sem nunca
abandonarem a apanha de recursos vivos no estuário, vivem hoje da
complementaridade da agricultura e da pesca; a pesca artesanal de base familiar
da Ericeira está a desaparecer por falta de condições do porto, e pela pressão
de urbanização, local onde cresce a importância da segunda habitação; as
comunidades da arte de xávega estão a morrer porque não conseguem atrair
pescadores jovens e por serem sazonais e economicamente débeis; e também a
designada pesca atípica, como a pesca da lampreia no estuário do Cávado
realizada com galheiro (instrumento de pesca), que está a perder pescadores
profissionais, ainda que esteja a ganhar muitos adeptos de horas vagas, que
muitas vezes de forma ilegal colocam em causa a sustentabilidade desta espécie
(Souto, 2003).
O que é muito negativo. A pesca artesanal, apesar da reduzida contribuição para
o PIB, tem uma elevada importância socioeconómica e cultural para as
comunidades piscatórias (gera emprego direto e indireto), para o setor
turístico, e para a identidade cultural que nos identifica enquanto Nação.
Representa a única alternativa à diminuição da importância dos pesqueiros
tradicionais explorados pela frota longínqua, e contribui para o
desenvolvimento sustentado do setor, porque os pescadores atuam em áreas
ecologicamente sensíveis e conhecem os recursos e ecossistemas que são
necessários preservar, e também porque utilizam artes de pesca tendencialmente
seletivas, mais adequadas para preservação dos recursos haliêuticos.
Não obstante, é uma pesca que ainda continua a ser praticada por um grande
número de profissionais e outros agentes envolvidos ao longo de toda a costa
portuguesa continental, que comporta uma grande diversidade de artes de pesca e
espécies capturadas, e que desembarca pescado com elevada qualidade.
Importa destacar pelo contributo para a sustentabilidade da pesca artesanal o
projeto PRESPO Desarrollo Sostenible de las Pesquerías Artesanales del Arco
Atlántico, coordenado pelo IPIMAR, entre janeiro 2009 e dezembro 2011. Entre
as várias vertentes em desenvolvimento, que eram muitas e muito válidas para a
proteção e manutenção desta pesca, destaca-se o desenvolvimento de modelos bio-
sócio-económicos integrados e dinâmicos, por forma a melhorar a gestão das
pescarias artesanais ao nível do Espaço Atlântico (IPIMAR, 2009).
Concluímos que o refúgio dos pescadores foi sempre a pesca artesanal, o seu
abrigo seguro; e não a pesca longínqua, mais industrializada. E, diga-se, não
foi um abrigo pontual. Foi, antes, uma alternativa quase permanente, já que a
frota portuguesa que era utilizada na pesca longínqua ficou destruturada com a
forçosa redução das capturas por falta de pescado [21] (e.g., readaptação de
embarcações, redes e tenologia) (Madureira, 2001:6).
3. Evolução da relação brasileira com os recursos marinhos
A pesca existe como atividade extrativa compondo a dieta alimentar dos grupos
humanos desde a pré-história da humanidade. No Brasil, grupos pré-colombianos
tais como os chamados povos dos Sambaquis já tinham a pesca como atividade
essencial em seus modos de vida (Cardoso, 2001). No Sul do Brasil, diversos
sítios arqueológicos apontam a importância dos recursos pesqueiros na
sobrevivência e desenvolvimento dos povos litorâneos (Daura-Jorge et al.,
2007).
Também no Sul do Brasil, no final do século XVIII, a partir da colonização
açoriana, a agricultura, principal atividade até o momento, foi sendo
progressivamente abandonada e na segunda metade do século XIX a pesca de
subsistência ganhou espaço, exercendo importante função económica e cultural
(Filomeno, 1989; Lago, 1994). A redução das práticas agrícolas e a
intensificação da pesca de subsistência também são registradas para outras
regiões do litoral brasileiro, entre o final do século XIX e a primeira metade
do século XX. Este mesmo processo já havia ocorrido no continente Europeu, onde
as sociedades pesqueiras tiveram papel central nos processos de acumulação de
capital, na consolidação do capitalismo mercantil nos séculos XV e XVI e na
formação de importantes centros urbanos no Mar do Norte e no Canal da Mancha
(Cardoso, 2001). Com o tempo o número de pescadores foi aumentando e,
consequentemente, as capturas diminuindo (Diegues, 1983). Tal se deu sobretudo
com as espécies costeiras, que também começaram a sofrer com a perda de
habitats, representada pela derrubada e aterro dos mangues ao longo de toda a
costa e pela perda da qualidade das águas estuarinas e costeiras adjacentes.
O surgimento do motor a vapor e depois à combustão, geraram grande impacto na
pesca e a dividiu em dois tipos: industrial e artesanal (Diegues, 1983). São
diversas as definições para estes dois tipos de pesca. Porém, a pesca
industrial pode ser identificada pela alta tecnologia investida, o que resulta
em enorme potencial de exploração. Seu carácter não é mais familiar, mas
puramente produtivo (Diegues, 1983). Motores extremamente potentes, radar,
sonar, embarcações grandes e com alta capacidade de estoque são suas
características marcantes. Já a pesca artesanal mantém diversas semelhanças
àquela realizada até o século XIX (Diegues, 1983), porém agora com embarcações
a motor e redes confecionadas em náilon.
A introdução de produtos sintéticos (ex. náilon, isopor, plásticos) nos
apetrechos de pesca (redes, boias, caixas, telas etc.) ao longo das décadas
pós-II Guerra Mundial, causou outra grande revolução no setor. Houve por um
lado um barateamento dos equipamentos e, por outro, criou-se assim uma fonte de
poluição costeira e marinha, que hoje se apresenta como uma das mais
preocupantes não só no Brasil, mas em todo o mundo. A pesca artesanal não ficou
à margem desse processo. Provavelmente, o exemplo mais emblemático desse
problema é o uso da redinha por catadores de caranguejo que, ao invés da
braçada (enfiar o próprio braço na toca do caranguejo para capturá-lo com a
mão), preferem obstruir a saída da toca com um emaranhado de fios plásticos
para emalhar o animal e, assim, colher com mais facilidade. Essa prática que é
condenada pelas autoridades de pesca no Brasil, mas ainda assim amplamente
usada, e também uma fonte importante de poluição por plásticos, além de
resultar predatória para o recurso vivo.
Neste trabalho, usamos uma definição semelhante a Diegues (1988) na qual a
pesca artesanal é aquela realizada com embarcações miúdas ou de médio porte,
sem instrumentação de bordo e onde a remuneração se faz através da venda do
pescado para atravessadores, peixarias, bancas de peixe ou banca própria,
podendo ocorrer ainda atividades económicas complementares sazonais.
As pescas no Brasil sempre foram praticadas ativamente. Com a chegada dos
colonizadores europeus, a pesca tradicional praticada pelos nativos foi, em
muitos casos, incentivada, tanto para ser transacionada com os brancos, como
para pagar os impostos a que ficaram sujeitos, nomeadamente sobre esse mesmo
pescado. Como refere Frei Vicente do Salvador (1627/1918: 87), pertence-lhes
[aos donatários] também a vintena de todo o pescado que se pesca nos limites
das suas capitanias. Simultaneamente, os recém-chegados exploraram também os
recursos vivos marinhos numa escala de subsistência. As permutas culturais,
relacionadas com as atividades de pesca, que então ocorreram constituem tema
ainda não devidamente estudado.
Como o fazem vários outros autores, Frei Vicente do Salvador (1627/1918) dá
abundantes exemplos que atestam a importância e intensidade das pescarias no
Brasil em finais do século XVI e início do XVII. A titulo meramente
exemplificativo referem-se dois casos: no rio S. Francisco, entra a maré por
ele outras duas [léguas]somente e daí para cima é água doce, onde há tão
grandes pescarias que em quatro dias carregam de peixe quantos caravelões lá
vão(...) (p.103-104); no Rio de Janeiro, no rio chamado Magé(...)nas águas
vivas de mês deJunho, que é ali a força do Inverno, entram por ele tantas
fataças ou corimãs (como os índios brasis lhes chamam), que para as poderem
vencer se juntam duzentas canoas de gente e, lançando muito barbasco machucado
arriba onde chega a maré, quando está preamar se tapa a boca ou barra do rio
com uma rede dobrada. Vai o peixe a sair com a vazante, não pode com a rede
(...), as tiram (...) aos pares, até encher as canoas. (p.211-212).
No contexto das pescas entre os séculos XVI e XIX, a dos cetáceos ocupa posição
de relevo, até por ter estado na origem da primeira regulamentação em relação à
pesca. Até ao começo do século XVII, havia grande carência de um produto que
substituísse o azeite (de oliva), importado, caro e raro no Brasil, mas
essencial para muitas atividades, nomeadamente a iluminação. O óleo de peixe
era uma alternativa mas, principalmente, o dos cetáceos era bastante mais
promissor. Esse óleo era já extraído, embora de forma rudimentar, na Baía.
Aproveitando-se do fato das baleias encalharem próximas às praias,
principalmente nos meses de maio a julho (período em que procuram as águas
quentes do Brasil para procriar), os moradores do litoral aproveitavam para
retirar-lhes a camada de gordura (Ellis 1969:26). Porém, perante a apetência da
sociedade coeva por este tipo de produto, utilizada em muitas atividades
(iluminação, impermeabilização, argamassa para construções, etc.), havia
necessidade de o produzir em escala maior, isto é, passar do aproveitamento
casual e rudimentar para um produção em maior escala. Frei Vicente do Salvador
(1627/1918: 397) esclarece-nos, também, sobre a origem desta pesca: (...) a
vontade a um Pedro de Orecha, biscaínho, que quisesse vir fazer esta pescaria.
Este veio com o governador Diogo Botelho do reino no ano de 1602, trazendo duas
naus a seu cargo de biscaínhos, com os quais começou a pescar e, ensinados os
portugueses, se tornou com elas carregadas, sem da pescaria pagar direito
algum; mas já hoje se paga e se arrenda cada ano por parte de Sua Majestade a
uma só pessoa por seiscentos mil réis (...). Foi ainda no século XVII, por
volta de 1612 e 1614, que surgiram as primeiras armações de que se tem notícia,
erguidas no Recôncavo baiano; após várias contendas, a Coroa classificou a
baleia como peixe real e instituiu o monopólio de sua pesca no ano de 1614 (o
qual perduraria até o início do século XIX, quando, em 1801, esse monopólio
seria definitivamente extinto em toda a Colônia) (Castellucci-Junior, 2005:
135). As pescarias da baleia viria a ser regulamentada em 1765, já no Período
em que o Marques de Pombal era Secretário de Estado do Reino (Primeiro-
Ministro).
As pescas no Brasil foram sendo alvo de sucessivas peças legislativas, o que
denota a importância econômica, social e política que a atividade sempre teve.
Após a aludida regulamentação respeitante às pescarias de baleia na costa
brasileira (12 de fevereiro de 1765), alguns dos marcos importantes foram os
seguintes: 20 de novembro de 1772 - regulamentação da exportação de sal para o
Brasil, para conservar o pescado aqui capturado; 18 de maio de 1798 - alvará
dando liberdade de construir e armar navios para a pesca e transformação de
peixe em toda a costa; 3 de maio de 1802 - alvará concedendo privilégios e
prémios aos que se dedicassem à pesca, e que estabelecia regras para a
construção de embarcações e proibia o uso de aparelhos, então considerados
nocivos à preservação dos peixes; 19 de maio de 1846 - Decreto nº 447 ' que
obrigava à matrícula dos pescadores e embarcações de pesca nas Capitanias dos
Portos, divide os pescadores em Distritos de Pesca, atribui à Marinha a
responsabilidade administrativa do setor e previa a utilização dos pescadores
como instrumentos na defesa do País; Lei de 10 de setembro de 1856,
regulamentada em 1881, - primeiros passos para nacionalização da pesca no
Brasil e efetivação de estudos oceanográficos da costa e também não permitia a
utilização de escravos e estrangeiros, para qualquer serviço, nas embarcações
em número superior à quinta parte da tripulação; Lei n1 478, de 9 de dezembro
de 1897 - nacionalizou todas as atividades marítimas no Brasil (Giulietti &
Assumpção,1995:96).
Pode dizer-se que, até inícios do século XX, a atividade pesqueira no Brasil,
excetuando a pesca da baleia, tinha cunho eminentemente artesanal, sendo na
maior parte de subsistência. A atividade industrial era rudimentar e os volumes
capturados muito modestos. Porém, a importância das pescas era grande. Por
exemplo, no Rio de Janeiro, em 1872, antes da Abolição, o segundo maior grupo
de escravos trabalhava nos ofícios marítimos e o terceiro era o dos pescadores
escravos (Silva, 1998).
Em 1911 foi criada a Inspetoria de Pesca (sob tutela do Ministério da
Agricultura), primeiro serviço oficial a dedicar-se ao setor no Brasil, e que
ficou com a responsabilidade administrativa da pesca (Vianna, 2009:20), o que
pode ser considerado como o início de uma nova fase na atividade pesqueira. Seu
primeiro diretor foi o eminente naturalista Alípio de Miranda Ribeiro.
No rescaldo da Primeira Guerra Mundial, em 1920, perante a necessidade de
redobrar esforços para defender o litoral, e reconhecendo-se que os pescadores
eram o grupo mais indicado para tal tarefa (pois que detinham um profundo
conhecimento dessa área), a Marinha passou novamente a deter a tutela dos
serviços de pesca (Vianna, 2009:20). Na mesma altura (1919-1924), decorreu a
Missão do Cruzador José Bonifácio, que se traduziu em intervenções da Marinha
de Guerra nas comunidades pesqueiras do litoral, com interesses explicitamente
militares, permeados de aspetos sociais e econômicos (escolas primárias,
escolas de pesca, atendimento médico, melhoramento da infraestrutura de apoio
às atividades de pesca etc.). O objetivo principal foi a criação das colônias
de pesca, às quais os pescadores foram obrigados a se associar, sendo, a partir
daí, consideradas reservas da Marinha de Guerra (Callou, 2010:47). Segundo o
autor citado, nesse processo de intervenção toda uma cultura tradicional foi
eclipsada pelos interesses militares.
Já com a instituição do Estado Novo, na era Vargas, o sistema organizacional
dos pescadores voltou a ser modificado. Em 1933, através do Decreto nº. 23.134/
33, a atividade pesqueira passou novamente para a tutela do Ministério da
Agricultura, sendo criada a Divisão de Caça e Pesca. Em 1934, através do
Decreto nº. 23.672 (DOU, 1934) aprova-se o primeiro Código de Caça e Pesca (de
1934). São então fundadas as primeiras escolas de pesca com o objetivo tirar a
pesca do seu primitivismo, modernizando-a (Vianna, 2009:21).
O Decreto-lei nº 291, de 23/02/1938 (DOU, 1938b), designado por Lei da Expansão
da Pesca, criou a taxa de Expansão da Pesca, que recaía sobre os produtos
industriais da pesca procedentes do estrangeiro e, segundo o Art. 1º, era
destinada a desenvolver a pesca e indústrias derivadas, a amparar a classe dos
Pescadores ( ). Determinava, ainda, o recolhimento de 5% do valor total das
vendas em leilão, nos entrepostos federais de pesca, o qual seria aplicado na
criação de condições para, entre outros, se adquirirem motores, acessórios e
embarcações, para se montarem pequenas indústrias de pesca e aproveitamento de
sub-produtos, e para a montagem de pequenos frigoríficos (Art. 13). No mesmo
ano, através do Decreto-Lei nº 794, de 19 de outubro de 1938 (DOU, 1938b), é
aprovado um novo Código de Pesca. Estando-se no início do período ditatorial,
este novo código veio aumentar o controle sobre os pescadores e suas
associações de classe, restringindo alguns aparelhos e embarcações de pesca
Com a 2ª Guerra Mundial, o novo contexto bélico impõe novas modificações.
Através do Decreto-Lei nº 4.830-A, de 15 de outubro de 1942 (DOU, 1942a), as
Colônias de Pesca passam à jurisdição do Ministério da Marinha afim de serem
seus associados, devidamente instruídos, empregados como auxiliares das forças
navais na vigilância e defesa das águas territoriais brasileiras(Art. 1º),
embora O fomento e orientação técnica da pesca, a industrialização e comércio
do pescado, nestas colônias,[continuem na] alçada do Ministério da Agricultura
(Art. 2º). Na sequência, é criado neste Ministério, pelo Decreto-Lei nº 5.030,
de 4 de dezembro de 1942 (DOU, 1942b) a Comissão Executiva da Pesca (CEP.),
com a finalidade de organizar cooperativamente a indústria de pesca, no país.
Em 1946 houve diversas modificações na legislação pesqueira, inclusive o
restabelecimento da Caixa de Crédito da Pesca. Em 1955 foi elaborado o Plano de
Assistência e Amparo aos Pescadores do Nordeste, mas sem resultados
significativos. Nessa época havia inúmeros órgãos atuando na pesca e uma
pulverização da legislação, tornando difícil a coordenação das atividades
pesqueiras, daí a criação em 28 de junho de 1961, através do Decreto-lei nº.
50.872 (DOU, 1961), do Conselho de Desenvolvimento da Pesca (CODEPE),
diretamente subordinado ao Presidente da República, com atribuições
relacionadas à pesquisa, estudo, planejamento, promoção de transformações
estruturais, formação de recursos humanos, expansão dos mercados e
assessoramento do Governo concernente à atividade pesqueira. Em resumo, havia
três órgãos atuando na atividade pesqueira e, mesmo assim, o poder público não
conseguia desenvolvê-la, estando a exigir do Governo uma ação imediata
(Giulietti & Assumpção,1995:97).
Em 1962, pela Lei Delegada nº 10, de 11 de outubro (DOU, 1962), foi criada a
SUDEPE (Superintendência do Desenvolvimento da Pesca), órgão que seria
responsável pela modernização ou industrialização da pesca nacional através
da transformação da pesca artesanal. Com essa finalidade, teve início a atuação
dos chamados incentivos fiscais da pesca, que eram representados principalmente
por deduções tributárias e implantação de unidades de beneficiamento do pescado
(Cardoso, 2001; PROZEE, SEAP/PR, & IBAMA, 2006). Apenas para se ter uma
ideia, entre 1968 e 1970, os incentivos fiscais a 134 projetos aprovados pela
SUDEPE totalizaram a quantia de CR$1.644.379.113,00. Porém, a produção
pesqueira equivalente a estes 3 anos atingiu o valor de CR$1.222.915.000,00, ou
seja, apenas 75% do valor investido. Aliado ao prejuízo financeiro ocorreu
ainda a sobrepesca de determinadas espécies, a pesca predatória de outras e a
destruição de ecossistemas de alta produtividade, o que reduziu o pescado junto
à costa, prejudicando os pescadores artesanais (Cardoso, 2001).
Mesmo sem o retorno dos investimentos, a produção nacional passou de cerca de
300.000, na década de 1960, para 900.000 toneladas por ano na década de 1980, o
que para a infelicidade das indústrias pesqueiras, durou pouco tempo. Já na
década de 1990 a produção não só estagnou como decresceu, o que fez com que,
além dos prejuízos já causados, as embarcações industriais atuassem em águas
mais rasas, disputando e reduzindo a oferta de pescado para os pescadores
artesanais (Cardoso, 2001).
Deste ponto em diante pouco mudou na história da pesca nacional. Em 1989, com a
Lei nº. 7.735, de 22 de fevereiro (DOU, 1989), verifica-se a extinção da SUDEPE
e a criação do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis), tendo sido as funções da primeira transferidas para a
segunda. Em 1998 é criado o DPA (Departamento de Pesca e Aquicultura), órgão
subordinado ao Ministério da Agricultura, mas que em 2003 é extinto para a
criação da SEAP-PR (Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência
da República), também tendo sido as funções do primeiro transferidas para a
segunda (PROZEE, SEAP/PR, & IBAMA, 2006).
Mesmo após os prejuízos patrocinados pela pesca industrial, a pesca artesanal
não apenas sobreviveu como também é responsável por mais de 50% da produção
pesqueira nacional, de acordo com os últimos relatórios do IBAMA. Ainda, de
acordo com o próprio IBAMA, esta estimativa está desfasada, já que até mesmo a
preocupação com os dados produtivos da pesca artesanal e industrial seguiu
rumos distintos. Cada tipo e pesca passaram a ser analisados por diferentes
instituições (IBAMA, 2007).
No mundo todo, essa política pesqueira que incentivou apenas as grandes
empresas, visando sempre a produção industrial em detrimento dos milhares de
pescadores artesanais, superestimou a sustentabilidade dos oceanos e colhe hoje
a preocupação global gerada pelos seus resultados: sobrepesca, estoques
pesqueiros em risco, extinções, perda de biodiversidade e outros fatores que
geram dúvidas quanto ao futuro da pesca e dos pescadores (Pauly et al., 2003;
Worm et al., 2007; Caddy et al., 1998; Halpern et al., 2008; Griffith 2008;
Myers & Worm, 2003). Paralelamente à história da pesca, outros fatores
atuaram como agravantes para o resultado alarmante que vemos hoje. O
crescimento da população humana tem como consequência não só o aumento no
consumo dos recursos, mas também a inserção de cada vez mais poluentes na
natureza (Hardin, 1968).
Os recursos pesqueiros têm estado sobre forte pressão em todo o mundo, seja em
ambientes costeiros ou marinhos (Hutchings & Reynolds, 2004; Myers &
Worm, 2003). Entre as estratégias comumente utilizadas para minimizar as
consequências negativas da excessiva exploração aos recursos pesqueiros e
ambientes costeiros e marinhos estão as Áreas Protegidas Marinhas (Hyrenbach et
al., 2000; Roberts, 1997; Roberts et al., 2003; Worm et al., 2006). No Brasil,
dentre estas áreas protegidas, temos as Reservas Extrativistas Marinhas (RESEX-
Mar) e as Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) que são categorias de
Unidade de Conservação no Brasil, que segundo o Art. 18 da Lei nº. 9.985, têm
como objetivo proteger os meios de vida e a cultura das populações
extrativistas, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais (DOU,
2000).
As RESEX-Mar surgiram a partir da transferência de um modelo de manejo
originário da Amazónia, que deu origem às primeiras Reservas Extrativistas
(RESEX) (Diegues, 2008). No entanto, uma questão legal importante diferencia as
RESEX marinhas das terrestres criadas no contexto amazónico. As RESEX-Mar lidam
com a gestão de recursos que pertencem à coletividade brasileira, pois pela
Constituição de 1988 os recursos marinhos são bens de uso comum do povo (Senado
Federal, 2010).
Assim, os beneficiários das RESEX-Mar se apropriam de um common (recurso comum
do povo), sob a tutela do Estado. Neste sentido, a legislação brasileira não é
clara quando trata da responsabilidade da gestão neste ambiente, uma vez que há
diferentes definições de ordem legal provenientes de diferentes conjuntos de
normas jurídicas. Estas diferentes definições geram dubiedade com relação à
clareza da legislação que embasa a aplicação do modelo RESEX para ambientes
costeiros e marinhos.
Sendo a sustentabilidade dos recursos um dos eixos principais de sua gestão, as
RESEX-Mar dependem fortemente de um adequado manejo dos recursos, considerando
que os mesmos são a fonte primária de sustento de milhares de pessoas
(Vasconcellos et al., 2007). A pesca artesanal, um aspeto da cultura e meio de
vida das populações que a RESEX-Mar busca proteger, tem passado por grandes
mudanças nas últimas décadas (Mathew, 2002). Estas mudanças afetam o modo de
exploração, aumentando a pressão sobre os recursos (Campbell & Pardede,
2006; Hawkins & Roberts, 2004). No entanto, poucos estudos têm sido
conduzidos para avaliar se a pesca artesanal é realmente sustentável (Johnson
et al., 2012), dados os impactos deste modelo de extrativismo sobre os estoques
ou habitats (Jones et al., 2009; Mangi & Roberts 2006; Ruttenberg, 2001).
Desta forma, faltam estudos que demonstrem a sustentabilidade do tipo de
exploração que se dá nestas Reservas.
Existem hoje no Brasil 58 Unidades de Conservação Federais no bioma costeiro/
marinho (ICMBio, 2012). Vinte e duas delas são RESEXs. O sistema federal de
Unidades de Conservação é complementado pelas Unidades Estaduais e Municipais,
de acordo com o previsto na Lei 9985, acima aludida, e com o Decreto nº
4.340, de 22 de agosto de 2002 (DOU, 2002). No entanto, em relação à pesca
artesanal, apesar do status oficial de proteção e da luta das comunidades,
discute-se que em algumas décadas esses territórios podem se tornar os últimos
bastiões de preservação e valorização dessas formas de vida, técnicas
ancestrais e cultura pesqueira.
O Brasil se encontra hoje em uma encruzilhada na qual deverá escolher entre:
continuar sua política de desenvolvimento económico e fechamento de algumas
culturas em reservas, ou de definitivamente adotar o desenvolvimento
sustentável para os ambientes costeiros que ainda guardam a maioria das suas
características originais, como no caso dos territórios da RESEX e RDS e seus
entornos. Para tal, a pesquisa dentro e fora das Unidades de Conservação será
essencial.
4. Sustentabilidade das Pescas e Pesca Artesanal
O conceito de Desenvolvimento Sustentável (DS) foi usado pela primeira vez em
1987 no Relatório Brundtland, intitulado Our Common Future (Brundtland,
1987), elaborado pela World Commission on Environment and Development,
publicado em Portugal com o título O Nosso Futuro Comum (1991). Neste,
postula-se a capacidade Humana em tonar sustentável o progresso, para
assegurar que pode dar satisfação às necessidades presentes sem comprometer a
possibilidade de as gerações futuras poderem satisfazer as de então
(Brundtland, 1991:17). Também reafirma que um mundo onde a pobreza seja
endémica, será sempre dado a catástrofes, ecológicas e de outras índoles, e
sintetiza que o desenvolvimento sustentável não é um sistema fixo de
harmonização, mas antes um processo evolutivo onde a exploração dos recursos, o
sentido dos investimentos, a orientação do desenvolvimento ecológico e as
modificações institucionais sejam consistentes com as necessidades, as
presentes e as futuras (Brundtland, 1991:18).
Neste conceito de DS acrescentaram, posteriormente, outras dimensões a
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD) da ONU e a
Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB). Um dos temas de caráter técnico
que serão tratados na COP10 [22] (CBD) é o da Biodiversidade marinha e
costeira. O conceito de DS e Conservação da Biodiversidade são questões
prioritárias para o meio costeiro e marinho. No que às pescas diz respeito o
conceito de Sustentabilidade (e a dimensão da Conservação da Biodiversidade),
que vai desde a manutenção da integridade biofísica e ecológica dos sistemas à
prestação de serviços de ecossistema, participação socio-ambiental (Viegas,
2010; Carvalho et al., 2012; Pita et al., 2012) e governança (Paramio, 2012;
Pita et al., 2012) aplica-se, em termos gerais, de igual modo (Pierce et al.,
2012).
A gestão das pescas com base nos ecossistemas, pela eliminação das práticas de
pesca lesivas dos habitats e dos biorecursos e recursos pesqueiros explorados,
conjuntamente com o Princípio da Precaução' e as ferramentas complementares
baseadas na área - zonas de veda, áreas marinhas protegidas (AMP) e reservas '
são instrumentos importantes que visam também critérios de Sustentabilidade
(Viegas, 2010). Contudo, para Viegas (2010), o conceito de DS quando aplicado
a sistemas dinâmicos como são as Comunidades Piscatórias e os recursos
pesqueiros que exploram, pode ser considerado um conceito controverso. As
questões da Participação e Governança dos biorecursos marinhos, particularmente
os recursos pesqueiros, foram, para Viegas (2010), fundamentais na definição da
metodologia da sua investigação, nomeadamente o envolvimento e a
responsabilidade dos atores envolvidos. Ainda para Viegas (2010) a
sustentabilidade só ficará assegurada se não for esquecida uma componente
basilar na prossecução desses propósitos: os pescadores artesanais e de
subsistência, inseridos nas suas Comunidades Piscatórias (uma vez mais a
importância dos processos Participativos e Governança ' Carvalho et al., 2012;
Paramio, 2012; Pita et al., 2012). A ausência de participação dos Pescadores
nos processos de decisão limita a sua aceitação das medidas de gestão o que
resulta no não alcance dos objetivos com efeitos negativos nas várias
componentes da Sustentabilidade (ambiental, económica e social) (Viegas, 2010;
Carvalho et al., 2012; Pita et al., 2012). A Sustentabilidade nas suas
componentes de zonas costeiras, marinha, biorecursos, recursos pesqueiros,
comunidades piscatórias, gestão, preservação e conservação é suportada pela
aplicação de diferentes conceitos e ferramentas, tais como os já referidos
princípios de DS, Gestão Baseada nos Ecossistemas (GBE), Gestão Integrada de
Zonas Costeiras (GIZC) e Áreas Marinhas Protegidas (AMP), e que estão na base
da boa Governança (Viegas, 2010; Paramio, 2012; Pita et al., 2012).
Consideramos também fundamental, tal como Alves et al. (2012, online), partir
da desconstrução do desenvolvimento social e ambiental, dando especial
relevância aos aspetos estruturais que o condicionam, nas suas relações e
manifestações sociais, culturais e ambientais, mas, sobretudo, à agência dos
indivíduos, evidenciando os conhecimentos plurais que veiculam e os espaços de
emancipação e democracia participativa que requerem. Neste sentido, parece ser
necessário o desenvolvimento de metodologias/ferramentas e a aquisição de
competências participativas, assim como a capacitação (empowering methods) para
cumprir objetivos de sustentabilidade (Alves et al., 2012, online).
5. Conclusões
No momento atual, em que se vive uma crise ambiental (CA), se (re) definem
estratégias, politicas e medidas de gestão que visam a sustentabilidade,
nomeadamente dos biorecursos, recursos pesqueiros, e em áreas vitais para a
vida e de grande dinâmica biogeoquímica, ecológica e sócio ambiental, as Zona
Costeiras e Marinhas, abordar o tema das comunidades piscatórias (em situação
de vulnerabilidade sócio ambiental face às alterações climáticas) e da pesca
artesanal é de grande pertinência científica e ambiental e socialmente
exigível.
A pesca é quase uma atividade imemorial na costa portuguesa, desde sempre
ligada à posição de Portugal e aos seus contornos, referida em inúmeros
escritos históricos, mas também na costa brasileira, onde, por altura dos povos
dos Sambaquis já a pesca era uma atividade determinante para a fixação
populacional, e fundamental para sobrevivência e desenvolvimento dos povos
litorâneos.
A pesca artesanal, tanto no contexto português, como no brasileiro, têm uma
enorme importância social, local e regional, e tem sido, por tradição, uma
importante fonte de subsistência para muitas populações ribeirinhas, que, na
sua maioria, dependem da pesca e das atividades com ela relacionadas. No
entanto, apresenta contornos diferentes nos dois países. Em Portugal, devido a
limitações legais decorrentes da adesão à União Europeia, nomeadamente
legislação reguladora restritiva e medidas como a restruturação e abate
subsidiado da frota pesqueira, e devido à fraca rentabilidade da atividade, que
gera fracos proveitos económicos e é pouco atrativa para os jovens - motivos
pelo qual os efetivos desta pesca são atualmente escassos e envelhecidos -, a
pesca artesanal encontra-se ameaçada de extinção em muitas das suas formas e
locais de ocorrência, de que é exemplo a arte da xávega realizada na Praia da
Vagueira (Aveiro/Portugal).
No Brasil, a pesca artesanal (ou extrativa) apresenta contornos semelhantes,
limitativos à atividade, desde logo por falta de políticas públicas ou por
falta de clareza da legislação existente (e.g., aplicação do modelo RESEX para
ambientes costeiros e marinhos), fraca competitividade por analogia ao vigor da
pesca industrial, condicionamentos legais à atividade (e.g., áreas de pesca),
perturbações mesmo que pontuais por ocorrência de poluição das águas, por
efluentes domésticos, industriais, agropecuários e derramamentos acidentais de
derivados de petróleo, e sobretudo a baixa qualificação dos pescadores
artesanais, ainda que não represente uma classe tão envelhecida como a
portuguesa. Trata-se, portanto, de uma pesca fustigada em ambos os países,
grosso modo pelos mesmos males.
Não obstante, verificamos que é uma pesca que ainda não sucumbiu à ferocidade
da pesca industrial, que continua a ser largamente praticada tanto em Portugal
como no Brasil e, mais importante, comporta um vasto número de agentes
envolvidos, grande diversidade de artes, embarcações e espécies capturadas, e
ainda, na senda do que foi a sua história, continua a produzir pescado com
elevada qualidade e frescura. No Brasil, em 2006, esta pesca ainda representava
mais de 50% da produção nacional (IBAMA, 2007), e em Portugal, em 2009,
representava 49,4% (pesca polivalente), sendo que é a mais expressiva,
seguindo-se a pesca do cerco (40,0%) e por último a do arrasto (10,6%) (INE,
2010:35).
Atualmente, em Portugal, a pesca artesanal pode estar a passar por um processo
de reinvenção, como a transformação em produto turístico, tal como se observou
em relação à xávega na Nazaré (Portugal). E note-se, pois não deixa de ser
caricato, existem relatos desde o século XVI que dão conta da ocorrência da
pesca com esta arte em quantidade e abrangência territorial, e inclusive
reforçam a importância desta pesca para as populações sobretudo ribeirinhas
(e.g., consumo em espaço urbano pela proximidade dos locais de captura). No
entanto, os pescadores da xávega na Nazaré, que mantêm os mesmos conhecimentos
da arte, e sempre se alimentaram desta pesca, neste momento testam a
possibilidade de serem alimentadas pelos recursos provenientes do turismo. Não
deixa de ser uma pretensão irónica de alteração do paradigma dominante, a qual
não será todavia a mais benéfica para o modus vivendi das populações
ribeirinhas, para a sobrevivência da cultura local e sustentabilidade da pesca
artesanal, nem se afigura alternativa viável à constante redução de companhas
(agremiação de pescadores), visível em todo o litoral português.
Para finalizar, as pressões sobre estoques pesqueiros, muitas delas decorrentes
do aumento de investimentos no setor da pesca industrial, têm-se mostrado
presentes em diferentes partes do globo, e naturalmente em Portugal e no
Brasil. No entanto, não se evidenciaram nas últimas décadas mudanças
significativas que mitigassem a marginalização económica de comunidades de
pescadores, ou impedissem o seu desaparecimento, apesar de ser unanime a
potencialidade da pesca artesanal.
Ampliar os espaços de discussão sobre a articulação entre a pesca,
especialmente a artesanal, e o manejo costeiro, tal como o pretendeu este
ensaio, faz-se fundamental para alcançar uma pesca mais responsável e escorada
por uma gestão sustentada numa perspetiva ecossistémica.