Estudo estratigráfico dum novo afloramento da Formação de Cabaços (Oxfordiano)
na região da Serra do Bouro (Caldas da Rainha)
INTRODUÇÃO
Estudo estratigráfico recente dum conjunto de níveis do Jurássico Superior
expostos num pequeno corte na região da Serra do Bouro, a Noroeste das Caldas
da Rainha (Fig. 1), permitiu identificar pela primeira vez nesta zona a
existência em afloramento da Formação de Cabaços (Oxfordiano), a unidade
litostratigráfica basal do Jurássico Superior na Bacia Lusitânica. A
referenciação do corte geológico agora estudado foi feita há alguns anos, no
decurso de reconhecimentos de campo no âmbito da revisão da cartografia da
zona, da responsabilidade de Giuseppe Manuppella (ex-IGM) e que a primeira
autora do presente trabalho acompanhou; o conhecimento do local fica, pois, a
dever-se àquele colega. Uma nota preliminar referente a esta ocorrência foi
apresentada por Azerêdo et al. (2010), expondo-se neste trabalho dados mais
completos e as conclusões do estudo realizado.
O afloramento tem dimensão restrita e é afectado por tectonização local, mas
foi possível fazer a caracterização de campo, diferenciar e amostrar dez
níveis, alguns dos quais descontínuos. Estes níveis correspondem a calcários
argilo-detríticos (localmente brechóides), margas, arenitos e arenitos
brechóides, todos em geral ferruginosos. Foi efectuada análise macroscópica,
petrográfica (arenitos) e da microfácies (calcários), bem como o estudo dos
ostracodos soltos (margas); estes são, em geral, abundantes a muito abundantes
e estão deformados, recristalizados, desgastados, representados frequentemente
por moldes internos. Nos resíduos de lavagem das margas, além dos ostracodos,
estão sempre presentes oogónios de carófitas e pequenos gastrópodes.
Os dados obtidos demonstram, inequivocamente, afinidade sedimentar,
micropaleontológica e biostratigráfica dos depósitos estudados com outros da
Formação de Cabaços, amplamente conhecidos na bacia (e.g., Choffat, 1893a,b;
Ruget-Perrot, 1961; Ramalho, 1970, 1971, 1981; Wilson, 1979; Leinfelder, 1983;
Wright, 1985; Rocha et al., 1996; Azerêdo et al., 1998, 2000, 2002a,b; Cabral
et al., 1998, 1999; Cabral & Colin, 2002; Azerêdo & Cabral, 2004). Esta
Formação assenta em descontinuidade sobre as unidades do Jurássico Médio,
nalguns locais de idade caloviana, noutros de idade batoniana e é sobreposta
pela Formação de Montejunto, datada por amonites do Oxfordiano médio e
superior. A Fm. de Cabaços é constituída por diversos tipos de fácies de
ambientes continental, lacustre de águas doces a salobras e margino-marinho de
salinidade variável, predominando calcários argilo-ferruginosos e margas com
abundantes carófitas e ostracodos, acompanhados por alguns outros grupos de
fósseis, a que se associam diferencialmente calcários pedogénicos, argilitos
lignitosos, carvões, laminitos microbianos e, localmente, arenitos.
Fig._1 – A) Mapa de localização do corte estudado na Serra do Bouro e esboço
simplificado da cartografia geológica local, a partir da Folha 26-D,Caldas da
Rainha, da Carta Geológica de Portugal à escala 1:50.000, Serviços Geológicos
de Portugal (ZBYSZEWSKI et al., 1959); a legenda está simplificada e adaptada à
nomenclatura cartográfica actualizada constante da base de dados do ex-IGM/
LNEG. B) Pormenor do local de afloramento visualizado por meio do “Google
Earth”.
ENQUADRAMENTO GEOLÓGICO E TRABALHOS ANTERIORES
A região de estudo integra-se no bordo ocidental da Bacia Lusitânica, na região
das Caldas da Rainha, na parte norte do flanco oeste da estrutura diapírica
(Fig.1; coordenadas do corte 39º26’35’’ N; 9º11’06’’ W). A Serra do Bouro (a
Noroeste das Caldas da Rainha e a Norte da Lagoa de Óbidos) é essencialmente
constituída por formações carbonatadas, com intercalação de arenitos, e
corresponde a um relevo do tipo cuesta inclinando para Noroeste, delimitado por
falha a Sul e Sudeste; ao longo do limite tectónico, calcários do Jurássico
Médio, imprecisamente datados (Batoniano-Caloviano? – vejam-se Choffat, 1880;
Ruget-Perrot, 1961; Guéry, 1984) contactam com a Formação de Dagorda. Para
Oeste/Noroeste, há passagem em aparente continuidade a níveis superiores da
série do Jurássico Superior.
Na Notícia Explicativa da Folha 26-D (Caldas da Rainha) da Carta Geológica de
Portugal à escala 1:50.000, Zbyszewski & Almeida (1960) consideravam que a
Formação de Cabaços não aflorava na região abrangida por aquela Folha, mas
assinalavam o reconhecimento desta unidade em subsuperfície (prospecção
geofísica), no sinclinal de A-dos-Francos, a Oeste da Serra dos Candeeiros.
Zbyszewski & Almeida (1960) referem o Jurássico Superior da Serra do Bouro
como “Lusitaniano” (Oxfordiano superior-Kimmeridgiano), abrangendo as unidades
(Camadas na designação da época) de Montejunto e de Alcobaça: calcários e
margas com Lopha solitaria (Sowerby,1824) e alguns outros moluscos (Formação de
Montejunto), a que se sucede alternância de grés, margas e calcários com
diversos bivalves, gastrópodes e polipeiros (Formação de Alcobaça). Guéry
(1984), retomando Choffat (1880) e Ruget-Perrot (1961), menciona apenas
Batoniano-Caloviano? e Kimmeridgiano na Serra do Bouro, embora saliente que “a
ausência de bons fósseis datadores não exclui a presença de Oxfordiano”. Apenas
Canérot et al. (1995) assinalam a ocorrência, não na Serra do Bouro mas próximo
(na zona da Amoreira, a Sul; Fig._1), de níveis correlativos da Fm. de Cabaços:
calcários argilosos com carófitas e ostracodos, que recobrem em contacto
ravinante brechas, também referidas pelos autores nas proximidades da Foz do
Arelho e interpretadas como sedimentares (colapso no abrupto de falha do bordo
ocidental do vale tifónico); as brechas possuem cimento calco-argiloso
semelhante ao material constituinte dos calcários da Fm. de Cabaços (Canérot et
al., op. cit.).
O afloramento da Fm. de Cabaços agora identificado tem reduzida expressão
espacial e vertical, localiza-se em zona afectada por falhas e está inserido em
mancha cartográfica que, na Folha 26-D e respectiva Notícia Explicativa
(Zbyszewski & Almeida, 1960), integra conjunto globalmente atribuído às
Formações de Montejunto (Oxfordiano médio e superior) e de Alcobaça
(Kimmeridgiano). Na restante área abrangida pela Folha 26-D, além daquelas
ocorrências muito locais acima referidas, esta unidade só aflora para Leste da
depressão das Caldas da Rainha, e de forma restrita: nomeadamente, nas zonas de
Vale de Ventos (Serra dos Candeeiros, no extremo Nordeste da Folha, em
afloramento que se prolonga para a Folha 26-B) e de Nataria (a Oeste de Rio
Maior e a Sudoeste daquela serra; corte PO-16 da CPP).
Refira-se, ainda, que segundo Caetano (2004), na sondagem de Gaiteiros-1,
localizada nesta região (zona axial da área deprimida), apesar de se registar
continuidade na composição mineralógica das formações de Candeeiros e de
Montejunto (designações informais do autor), há alguma oscilação nos teores de
elementos na fracção carbonatada em profundidades consideradas como
correspondentes à passagem Candeeiros-Cabaços, ou seja na descontinuidade
Jurássico Médio-Oxfordiano.
DESCRIÇÃO DA SUCESSÃO ESTUDADA
O estudo que aqui se apresenta foca-se num pequeno corte (designado SBO) em
depósitos do Jurássico Superior, exposto ao longo dum caminho rural, a Norte
das grandes pedreiras em exploração na zona de Zambujeiro (Jurássico Médio;
Fig._1). No conjunto, a espessura dos níveis aflorantes é da ordem de 6,70m,
não podendo a espessura estratigráfica ser rigorosamente estimada devido a
lacunas na continuidade da observação (falha, variações laterais com truncatura
de camadas, alteração local). Observa-se, em síntese, o seguinte:
1) Parte inicial do corte (~ 2,0 m): níveis bastante afectados pela
tectonização local e cuja continuidade lateral é interrompida por falha. O
nível basal (SBO-1A) está muito pouco exposto, correspondendo a calcário
conglomerático-nodular de cimento margoso, com aspecto pedogénico (Est. I/1;
Est. III/1): a observação em lâmina delgada confirma nodulização pedogénica,
vestígios de brechificação interna, fendas, raras estruturas atribuíveis a
rizotubulações com recristalização posterior, sendo a maior parte da rocha
formada por microsparite neomórfica e micrite; ocorre ferro em fendas e como
pigmentos, além de microcubos de pirite. O nível torna-se gradualmente mais
margoso para o topo, ainda nodular, cinzento-esbranquiçado, irregular, tipo
caliche (SBO-2A; Est. I/1). Lateralmente, este conjunto desaparece, truncado
pela falha. Para o outro lado desta, observam-se dois níveis igualmente
descontínuos e mal expostos (SBO-1B e SBO-2B), que parecem equivalentes
laterais dos anteriores mas apresentam variação litológica/micropaleontológica:
SBO-1B é um arenito argilo-ferruginoso, fino a médio com raros grãos mais
grosseiros, sobretudo de quartzo mas, também, de calcário pedogénico
(micrítico/microsparítico com textura neomórfica), raras palhetas de mica e
raros fragmentos de bivalves; SBO-2B é margoso, mas ao contrário de SBO-
2 contém resíduo de lavagem com ostracodos de água doce-salobra (Est. II),
sendo Sinuocythere pedrogaensis Cabral & Colin, 2000 a espécie mais
representada; estão ainda presentes escassos a raros exemplares de Darwinula n.
sp.1, D. n. sp.3, Timiriasevia aff. uptoni Timberlake, 1988, sensu Mette, 1995,
Gen. ind. n. sp. M-1 e juvenis de Theriosynoecum sp. (único nível do corte em
que ocorrem). Este conjunto é sobreposto por arenito ferruginoso levemente
argiloso, castanho-amarelado, que varia de fino a grosseiro/brechóide (SBO-3A e
SOB-3B), mais saliente, em cuja superfície de estratificação se observa o
espelho da falha (Est. I/1). Os grãos, maioritariamente de quartzo, não se
distribuem uniformemente na matriz (ferruginosa e carbonatada), há leitos com
maior percentagem de clastos e outros com clastos dispersos; os médios a
grosseiros são rolados e sub-rolados, os mais finos angulosos e subangulosos.
2) Após o plano de falha, observam-se os seguintes níveis, de baixo para cima
(~ 4,70 m):
– Camada em cunha de arenito calcário/calcário detrítico aparentemente (i.e.,
no campo) nodular, de facto (observação petrográfica) correspondente a arenito
brechóide/quase brecha de cimento carbonatado (SBO-4; 0,50 m; Est. I/2), que
contém: litoclastos de calcário pedogénico (quer detrítico com laivos de
matéria orgância escura e de micrite laminar, atribuíveis a rizoconcreções,
quer microsparítico/sparítico com cristais arredondados, típicos de calcretos),
clastos de calcário micrítico/microsparítico, de intra-onco-oomicrite e sparite
packstone e de oosparite grainstone, rizotubulações atravessando a matriz
carbonatada, Trocholina sp. rolada e micritizada e, ainda, clastos siliciosos,
maioritariamente de granulometria grosseira e média, angulosos, subangulosos e
sub-rolados (Est. III/2). Este nível é sobreposto por margas ferruginosas
castanho-encarniçadas, com laivos esbranquiçados (SBO-5 e SOB-5T; ~ 0,80 m;
Est. I/2), as quais forneceram microfauna de ostracodos de água doce-salobra
(Est. II), próxima da do nível SBO-2B, representada por moldes internos de
poucos exemplares de Darwinula n. sp. 1, D. n. sp. 2, D. n. sp. 3, Gen. ind. n.
sp. M-1 e, em maior abundância, S. pedrogaensis; alguns moldes internos mal
conservados parecem corresponder a Gen. ind. n. sp. O-16.
– Conjunto (~ 1,40-1,45 m) constituído por: nível espesso de arenito brechóide
argilo-ferruginoso na base (SBO-6A), mal calibrado, com fragmentos de vegetais
e de carvão e, além dos grãos de quartzo (subangulosos, angulosos e, menos
frequentes, sub-rolados), grandes litoclastos de calcário intraoosparítico
grainstone; passa a arenito argilo-ferruginoso mais fino, em camada de
espessura decimétrica variável (SBO-6B), cujo topo é marcado por contacto
erosivo irregular com o nível suprajacente, também de arenito, formando um
leito ondulado irregular, que exibe laminações planares, onduladas e micro-
ripples (SBO-6C); Est. I/3. Sucede calcário detrítico (extrabiointramicrite
wackestone, com grãos de quartzo angulosos e subangulosos de granulometria
média a fina, raros mais grosseiros sub-rolados), com intraclastos e bioclastos
por vezes escurecidos e revestidos por envelope ferruginoso, ou ainda exibindo
periferia “arredondada”, provavelmente devido à bioturbação evidente. Contém
frequentes gastrópodes (alguns grandes), bivalves, ostracodos (abundantes),
alguns oogónios de carófitas e possíveis pequenos fragmentos de caules, rara
Pseudocyclammina sp., estruturas atribuíveis a tubos de anelídeos do tipo
Terebella sp., alguns fragmentos de vegetais e fenestrae; a porosidade
fenestrada está em geral preenchida por ferro, o qual também ocorre em laivos e
observam-se, ainda, aglomerados de pirite (SBO-6D; Est. I/3; Est. III/3-4): Os
dois últimos níveis desaparecem lateralmente, em direcção ao plano de falha.
– Dois conjuntos margosos bem expostos (0,35-0,40 m e 0,80 m), o primeiro de
cor acastanhada (SBO-7-B e SBO-7-T) e o segundo acinzentado (SBO-9-B e SBO-9-
T), intercalados por nível em bisel de calcário argilo-ferruginoso (SBO-8);
Est.I/4. Este corresponde a biomicrite wackestone com clastos escuros, grãos de
quartzo e fenestrae; contém gastrópodes (frequentes), oogónios e possíveis
fragmentos muito pequenos de caules de carófitas, ostracodos (muito
abundantes), raros miliolídeos e textularídeos de diminutas dimensões. As
quatro amostras margosas forneceram microfauna rica em ostracodos de água doce-
salobra (Est. II), com associações quase sempre dominadas por S. pedrogaensis.
No primeiro conjunto identificou-se S. pedrogaensis, Darwinula n. sp.3, D. n.
sp.2, Gen. ind. n. sp. M-1, Septacandona azeredae Cabral & Colin, 2002, T.
aff. uptoni e Klieana n. sp.3; no segundo conjunto, a associação é parecida com
a anterior mas tem menor diversidade (ausência de S. azeredae, T. aff. uptoni,
Klieana n. sp. 3), destacando-se ainda mais o predomínio de S. pedrogaensis
(centenas de exemplares) e também de D. n. sp.3. De salientar a presença,
apenas no último nível (SBO-9-T), de Timiriasevia guimarotensis Schudack, 1998
(in Schudack, 2000).
– Calcário acinzentado fossilífero, detrítico-ferruginoso, com fenestrae e
fissuras de dissolução/rizogénicas? ferruginizadas e estruturas de bioturbação,
formando camada com cerca de 0,20-0,30 m de espessura (SBO-10; Est. I/5).
Corresponde a bioextramicrite wackestone, com grãos de quartzo finos a médios,
angulosos e subangulosos e raros mais grosseiros sub-rolados, sendo a micrite
grumosa em certas zonas. Apresenta raros fragmentos de caules e abundantes
oogónios de carófitas (várias espécies), ostracodos muito abundantes
(fragmentos de valvas e carapaças), Heteroporella lusitanica (Ramalho, 1970)
pouco frequente, bivalves (raros), Terebella sp. e Koskinobullina socialis
Cherchi & Schroeder 1979 (Est. IV/1-4).
DISCUSSÃO
Os litotipos brechóides com clastos de calcário e Trocholina são,
provavelmente, equiparáveis às brechas referidas por Guéry (1984) e Canérot et
al. (1995); os últimos autores também mencionam existência de arenitos,
sobrejacentes às brechas. Os clastos de calcário identificados nos níveis
brechóides abrangidos pelo presente estudo, em particular os de calcário
calciclástico/oolítico, correspondem a litotipos comuns no Jurássico Médio; o
foraminífero do género Trocholina é igualmente frequente nesta série, sendo
especialmente abundante na sua parte superior. Estes factos sugerem que estes
elementos são provenientes de unidades do Jurássico Médio.
As características agora identificadas na sucessão exposta no corte estudado e,
em particular, nos calcários argilo-ferruginosos detríticos e margas
intercaladas, permitem concluir que estes depósitos correspondem a um
testemunho residual da Fm. de Cabaços – nomeadamente, pela abundância de
carófitas e ostracodos na generalidade dos níveis e presença, ainda que pouco
frequente, da dasicladácea H. lusitanica, e pela composição da associação de
ostracodos (veja-se adiante). O calcário nodular com evidências pedogénicas e
os arenitos ferruginosos são também, à excepção dos elementos bréchicos
retomados do Jurássico Médio litotipos compatíveis com outros que, por vezes,
ocorrem intercalados naquela Formação noutras zonas da bacia, embora com menor
expressão do que os níveis repletos de carófitas e de ostracodos (e.g.,
Ramalho, 1971; Leinfelder, 1983; Azerêdo et al., 2000, 2002a,b). A conhecida
“Brecha da Arrábida”, que ocorre sobre a superfície de desconformidade
Jurássico Médio-Jurássico Superior na região de Sesimbra, é diferente, em
termos litológicos e petrográficos (e.g., Ramalho, 1971; Leinfelder, 1983).
Quanto a H. lusitanica, além de presença característica e exclusiva na Fm. de
Cabaços, na Bacia Lusitânica, é o seu único elemento com algum potencial
datador (Oxfordiano médio; Ramalho, 1970, 1971, 1981), ocorrendo
consistentemente na parte intermédia da unidade.
A fauna de ostracodos encontrada na Serra do Bouro, tipicamente de água doce –
salobra, é similar à reconhecida em níveis desta Formação noutros locais,
nomeadamente em Memória e Vale de Ventos, na Serra dos Candeeiros, em margas/
margas ferruginosas sobrepostas a conglomerados e a calcários pedogénicos e
intercaladas com calcários e calcários argilo-ferruginosos com clastos negros,
gastrópodes, carófitas, ostracodos (Cabral et al., 1999; Colin et al., 2000;
Cabral & Colin, 2002; Azerêdo et al., 2002a). Quase toda a fauna
reconhecida na Serra do Bouro foi, até agora, apenas identificada em níveis
atribuídos à Fm. de Cabaços. Exceptuam-se T. guimarotensis, referida em fácies
límnicas a salobras do Kimmeridgiano da Mina da Guimarota, Portugal, e da
Formação Morrison, EUA (Schudack, 2000) e também perto da Ponta de Sagres,
Portugal (Helmdach & Ramalho, 1976); e T. aff. uptoni conhecida em fácies
lagunares/sabkhas, no Bajociano superior/?Batoniano inferior da Tunísia (Mette,
1995), originalmente descrita no Batoniano de Inglaterra em meio oligo a meso-
halino (Timberlake, 1988) e agora descoberta pela primeira vez em Portugal
(exemplares com características um pouco diferentes das dos ingleses). S.
azeredae, D. n. sp. 3 e Theriosynoecum sp. são espécies encontradas nos níveis
basais de Memória e Vale de Ventos. D. n. sp.1 e D. n. sp. 2 estão presentes
nos mesmos níveis basais, mas apenas em Vale de Ventos. Em Memória ocorre
também Gen. ind. n. sp. M-1, Gen. ind. n. sp. O-16 e o género Timiriasevia
(provavelmente T. guimarotensis), representado na Serra do Bouro por duas
espécies que surgem separadas, em níveis diferentes. K. n. sp. 3 é apenas
conhecida em Vale de Ventos, mas já na parte mais alta da Formação de Cabaços.
S. pedrogaensis é a espécie mais abundante na Serra do Bouro e das mais
representadas ao longo de toda a Fm. de Cabaços na região de Pedrógão (Cabral
et al., 1998; Barron et al., 1999; Azerêdo et al., 2002a; Azerêdo & Cabral,
2004), onde, na parte superior da série, constitui associações quase mono-
específicas e onde varia de ornamentação, de quase lisa a muito reticulada,
provavelmente com o aumento da salinidade. A grande maioria dos espécimens da
Serra do Bouro são reticulados, o que sugere para este local, um meio oligo a
meso-halino.
Os estudos detalhados anteriormente desenvolvidos sobre a descontinuidade
Jurássico Médio-Jurássico Superior e sobre a Fm. de Cabaços, com
estabelecimento de comparações e correlação a nível de toda a Bacia Lusitânica
(e.g., Azerêdo et al., 2000, 2002 a,b), permitem comparar com segurança os
níveis da Serra do Bouro com o conjunto da Formação. Além das características
principais acima referidas, é possível verificar alguns outros aspectos de
pormenor que acentuam a semelhança daqueles níveis com os da parte inferior a
intermédia da Fm. de Cabaços, nomeadamente noutras zonas relativamente próximas
da agora estudada, para além dos cortes referidos da Serra dos Candeeiros.
Assim, saliente-se, por exemplo, o seguinte:
– Em Nataria, a Sudeste da região de estudo e a Oeste de Rio Maior (corte PO-16
da CPP, originalmente descrito por Gomes, 1963a; reestudado, sobretudo ao nível
das microfácies, por Azerêdo et al., 2000), ocorre, na parte inicial do
Jurássico Superior ali presente (que não corresponde à base da série, em falta,
muito provavavelmente devido à existência de falha), um calcário brechóide com
clastos negros (pedogénico?), sucedido por calcários bio-intraclásticos por
vezes com clastos negros, ostracodos, gastrópodes, carófitas e H. lusitanica,
entre outros elementos.
– Um pouco mais para Sul, na Serra d’El-Rei (corte PO-18) e em Rocha-Forte
(ambos da CPP, descritos respectivamente, por Gomes, 1963b e Prestat, 1963;
reestudados, sobretudo ao nível das microfácies, por Azerêdo et al., 2000), na
base da Fm. de Cabaços há: calcários, calcários margosos e margas com
intercalações de níveis brechóides com clastos negros e de calcreto, presença
de quartzo euédrico e detrítico, ostracodos, carófitas, gastrópodes, H.
lusitanica, Pseudocyclammina sp., textularídeos, Porostromata, entre outros
elementos (Serra d’ El-Rei); conglomerado com clastos negros (pedogénico?), a
que se sucedem calcários bioclásticos, níveis com clastos negros, ostracodos,
H. lusitanica, K. socialis, Porostromata, gastrópodes, bivalves (Rocha-Forte).
CONCLUSÕES
Estudo estratigráfico recente dum conjunto de níveis do Jurássico Superior
expostos num corte agora descrito na região da Serra do Bouro, a Noroeste das
Caldas da Rainha, permitiu identificar pela primeira vez nesta zona a
existência em afloramento da Formação de Cabaços (Oxfordiano). Estes níveis
correspondem a calcários argilo-detríticos (localmente brechóides), margas,
arenitos e arenitos brechóides, todos em geral ferruginosos. O conjunto de
características identificadas nas litofácies da sucessão estudada e, em
especial, a biofácies dos calcários argilo-ferruginosos detríticos e margas
intercaladas – H. lusitanica, carófitas, fauna abundante de ostracodos de água
doce-salobra (dominada por S. pedrogaensis) – permitem concluir com segurança
que os depósitos em causa correspondem a um testemunho residual daquela
Formação na região referida. Dos resultados obtidos neste estudo destaca-se,
ainda, a descoberta pela primeira vez em Portugal da espécie de ostracodo T.
aff. uptoni Timberlake, 1988, conhecida na Tunísia, em níveis mais antigos
(Mette, 1995).