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EuPTCVAg0254-02231999000200005

EuPTCVAg0254-02231999000200005

variedadeEu
ano1999
fonteScielo

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O GOSTO A ROLHA EM VINHOS - ESTADO ACTUAL DOS CONHECIMENTOS

-A CORTIÇA NO CONTEXTO SÓCIO-ECONÓMICO PORTUGUÊS O centro geográfico da produção suberícola, apesar das várias tentativas feitas no sentido de introduzir esta espécie noutras zonas do Globo, resumese à área do Mediterrâneo Ocidental, na qual se incluem Portugal, Espanha, Itália, algumas zonas do sul da França, Marrocos, Tunísia e Argélia. No conjunto dos países produtores, admite-se que exista uma área de montado da ordem dos 2,5 milhões de hectares. Desta, cerca de 40% pertencem a Portugal. O valor médio da produção de cortiça nacional varia entre 130 000 e 190 000 toneladas/ano, sendo 75% de cortiça amadia (a primeira cortiça de reprodução é designada por secundeira e as restantes por amadias) e 25% de cortiça virgem (cortiça obtida no primeiro descortiçamento), o que corresponde a 53% da produção mundial de cortiça (Ferreirinha, 1983; Borges, 1990; Carvalho, 1990; Lee e Simpson, 1993; Lobo, 1993). Em termos absolutos, Portugal é seguido, a uma distância significativa, pela Espanha, país que detêm 20% da superfície total de montado (Ferreirinha, 1983; Lee e Simpson, 1993; Lobo, 1993). No que diz respeito a produtos de cortiça, o peso ibérico é, ainda, mais significativo, dado que a produção conjunta dos dois países representa, em média, cerca de 80% do total, cabendo a Portugal aproximadamente 52% e a Espanha 27%. Portugal é também um dos principais compradores de cortiça no mercado internacional, transformando a indústria portuguesa a matéria prima produzida em outros países (incluindo cerca de 60% da cortiça espanhola) (Ferreirinha, 1983; Carvalho, 1990). Segundo os dados da ANIEC (Associação Nacional dos Industriais e Exportadores de Cortiça), em 1995 produziram-se no mundo 319 000 toneladas de cortiça, tendo Portugal produzido, nesse ano, 178 000 toneladas. As rolhas de cortiça natural, representam 60% do total da exportação corticeira portuguesa. na zona Norte de Portugal são produzidas cerca de 30 milhões de rolhas por dia (Ramalho de Almeida, 1996).

Hoje, com uma vasta gama de produtos, a indústria portuguesa de cortiça exporta uma parte substancial da sua produção e está presente em mais de cem países que compram e apreciam as suas manufacturas. Ocupando lugar relevante na indústria transformadora portuguesa, com mais de 880 unidades fabris (Carriço et al., 1994), na sua maioria pequenas e médias empresas, a indústria corticeira concentra-se, fundamentalmente, nos concelhos ribeirinhos da margem sul do Tejo e, principalmente, na parte norte do distrito de Aveiro.

Fornecendo mais de 15 000 (Carriço et al., 1994) postos de trabalho directo e muitos milhares de outros em actividades a ela ligadas, sobretudo nos transportes, comércio, banca e seguros, sendo não mais a indústria corticeira um sector primitivo e atrasado.

A indústria portuguesa da rolha de cortiça tem vindo a atravessar, nos tempos recentes, algumas dificuldades. Os produtos alternativos que têm vindo a surgir, como as rolhas de aglomerado de cortiça, as rolhas em matéria plástica ou em cerâmica e as embalagens desprovidas de rolha (tipo “tetrapack”), não serão certamente substitutos da rolha de cortiça natural, a qual desempenha um papel importante na conservação e envelhecimento do vinho de qualidade engarrafado, mas contribuem para um decréscimo da sua utilização (Lima, 1990; Milheiro da Costa, 1983).

É actualmente bem nítida, em todo o Mundo, a crescente exigência do consumidor e preferência pelo consumo de vinhos de elevada qualidade, o que passa também pela qualidade da rolha. Hoje, como no passado, é a rolha de cortiça natural um produto nobre, que representa uma valorização notável no contexto sócio-económico português (Lima, 1990; Milheiro da Costa, 1983).

Os problemas suberícolas têm vindo a merecer, desde a década de 80, uma maior atenção tanto por parte das entidades oficiais, como por parte das empresas portuguesas, tendo sido atribuído financiamento para projectos de investigação e fomento no campo suberícola e indústria transformadora. Como resultado das pesquisas laboratoriais chegou-se, pela primeira vez em muitos anos, a conclusões inovadoras no campo das rolhas de cortiça natural. Assim, existem hoje em Portugal fábricas de rolhas de cortiça natural tão bem apetrechadas que podem oferecer o produto em condições de acabamento até pouco impossíveis (Lima, 1990; Milheiro da Costa, 1983). Entre as inovações, sublinha-se o papel dos novos processos de secagem das rolhas, que permitem um controlo da uniformidade do processo, bem assim como as melhores condições de acondicionamento que facilitam os modernos transportes por contentores.

A CORTIÇA COMO SUBSTRACTO BIOLÓGICO Por definição a cortiça é o parênquima suberoso originado pelo meristema subero-felodérmico (felogene) do sobreiro (Quercus suber L.), constituindo o revestimento do seu tronco e ramos (Anónimo, 1970). A cortiça é assim, um tecido vegetal, constituído por células mortas dispostas em parênquima suberificado. O felogene (tecido meristemático, com capacidade de divisão celular) tem uma espessura unicelular e gera células de cortiça (felema, ou súber) para o exterior. Para o seu interior, o felogene origina um outro tecido, a feloderme (células semelhantes às da madeira), que normalmente é constituída por poucas fiadas de células e é quantitativamente menos significativa. O felema, o felogene, e a feloderme constituem no seu conjunto a periderme. Quantitativamente, a periderme é constituída na sua quase totalidade pelo súber (Borges, 1990; Pereira, 1993; Rosa, 1993).

O interesse industrial do felema do sobreiro, assim como a possibilidade da sua exploração, são devidos a um conjunto de características invulgares que este tecido apresenta, comparativamente a outras espécies arbóreas. A mais importante especificidade da felogene do sobreiro, e que permite a exploração industrial da cortiça, é a sua longevidade. O tecido suberoso do sobreiro é homogéneo e caracterizado, do ponto de vista do seu aproveitamento industrial, por excelentes propriedades físicas, mecânicas e químicas (Borges, 1990; Rosa, 1993).

As propriedades industriais procuradas na cortiça, tais como a muito baixa condutibilidade térmica, a impermeabilidade relativa e a elasticidade, não são devidas apenas à elevada proporção das células suberificadas que o súber do sobreiro apresenta, mas também à natureza e espessura das paredes celulares suberificadas e ao arranjo estrutural das células. A grande quantidade de tecido suberoso produzida tem espessura suficiente para o fabrico de peças maciças tão grandes como rolhas para garrafas de vinho, ainda o produto mais valioso da sua transformação industrial (Pereira, 1993).

A composição química da cortiça tem vindo a ser estudada desde alguns anos. Guillemonat (1960) agrupou os componentes químicos da cortiça em cinco grandes grupos: os componentes cerosos, constituídos essencialmente por alcanos e álcoois de cadeia longa, triterpenos e outros componentes parafínicos de cadeia longa, os taninos, um grupo de substâncias englobando compostos fenólicos, a suberina, um polímero de ácidos gordos cujas funções carboxílicas estão esterificadas com resíduos fenólicos, estando as ligações de éster entrecruzadas, a celulose, um polímero de glucose com ligações β1,4 e a lenhina, um polímero de massa molecular elevada em que estão presentes três unidades monoméricas diferentes: álcool conífero, phidroxicinâmico e sinapílico. Segundo Pereira (1992) a comparação entre os resultados obtidos nos diferentes trabalhos sobre a constituição química da cortiça de Quercus suber L. é dificultada pelas diferentes metodologias usadas para extracção dos diferentes componentes químicos, mas os valores médios apontam para uma composição química que, em termos percentuais é, sensivelmente, a seguinte: Suberina - 40%; Lenhina - 27%, Celulose e outros polissacáridos - 18%, Taninos e substâncias cerosas - 14%, elementos minerais – 1,2%.

-PROCESSAMENTO INDUSTRIAL DA CORTIÇA O aproveitamento industrial da cortiça envolve várias fases de tratamento, desde a recolha na árvore até à venda ao consumidor. A cortiça é extraída do tronco do sobreiro habitualmente no Verão, com uma periodicidade mínima legal de nove anos. O primeiro descortiçamento das árvores produz uma cortiça chamada virgem, com uma superfície exterior muito irregular, apresentando sulcos longitudinais profundos. Descortiçamentos sucessivos dão origem a cortiça com a superfície mais uniforme, chamada cortiça de reprodução. A primeira cortiça de reprodução é designada por secundeira e as restantes por amadias. São estas últimas as de maior valor do ponto de vista do aproveitamento industrial (Carvalho, 1993; Pereira, 1993).

Previamente à laboração industrial, a cortiça sofre uma secagem lenta ao ar, em pilhas. O objectivo da secagem prévia (estágio) é a redução da humidade das pranchas de cortiça que, na altura da tiragem varia aproximadamente entre 15 e 35% do peso seco. Para além da eliminação da seiva, durante este período ocorre também a oxidação dos polifenóis e a estabilização da textura da cortiça. A maioria dos industriais considera que o tempo ideal para esta secagem seria um ano, mas, na realidade, são mais frequentes períodos de secagem de cerca de seis meses. Excepcionalmente, este período é mesmo reduzido a mês e meio. empresas, porém, que consideram desnecessária esta secagem prévia e que cozem as pranchas de cortiça bruta independentemente do tempo que estiveram a secar ao ar (Pereira, 1993).

Após o estágio, as placas de cortiça sofrem um processo de cozedura seguido de um período de secagem que antecede o fabrico (maturação). A cortiça crua é cozida em água em ebulição, em caldeiras abertas, de dimensões e capacidades variáveis, normalmente acondicionada em fardos (operação designada primeira cozedura ou, simplesmente, cozedura). O peso da cortiça por “caldeirada” varia entre 400 e 5000 kg (Lobo, 1993). Na cozedura mergulha-se os fardos de cortiça em bruto na água em ebulição durante um período de cerca de uma hora a uma hora e meia. Esta operação permite melhorar as características físico-mecânicas, aumentar a espessura da cortiça, melhorar a compacidade da massa da cortiça por fecho dos poros, e destruir fungos, bicho da cortiça, insectos e vermes (Lobo, 1993). A cozedura funciona também como uma extracção aquosa dos taninos e sais minerais que a cortiça contém (Borges, 1990). Cerca de 13% em peso da cortiça são substâncias que podem ser extraídas com água (Lobo, 1993). O baixo rendimento desta operação extractiva é atribuída ao curto tempo de cozedura (Pereira, 1979).

Após a cozedura, as pranchas de cortiça em fardos sofrem um período de repouso, designado por maturação. Durante a maturação consegue-se aplanar as pranchas de cortiça, a sua estabilização dimensional e ainda a redução da humidade. A duração deste repouso varia significativamente, dependendo da indústria ser preparadora ou também fazer a brocagem de rolhas. Sempre que se considera ter decorrido demasiado tempo desde a primeira cozedura, sendo o factor primordial a descida em demasia da humidade das pranchas, a cortiça é sujeita a um segundo processo de cozedura, a “escalda” ou “rescalda”, com a duração de 15 a 30 minutos, imediatamente antes de ser brocada. As condições ambientais de secagem das pranchas, após cozedura, condicionam o desenvolvimento microbiano sobre a cortiça durante o período de maturação.

Após o repouso, a cortiça é classificada por grupos de calibres e por classes de qualidade. Nesta fase estão envolvidas quatro operações: o traçamento, o recorte, a calibragem e a classificação, a qual permite separar as pranchas em classes de qualidade.

A qualidade da cortiça depende, em grande parte, dos defeitos nela existentes.

De entre os defeitos normalmente apresentados, aquele que mais problemas causa à posterior utilização deste material é o “verde”. O termo “verde” é aplicado à cortiça com elevado teor de humidade (cerca de 400-500%) no seio de cortiça com teor de humidade normal (cerca de 6-8%) e surge quer em cortiça virgem, quer em cortiça amadia, qualquer que seja a sua qualidade.

Árvores numa mesma região, com as mesmas condições de solo e ambientais, apresentam comportamentos diferentes e árvores que produziram cortiça com “verde” num determinado descortiçamento podem produzir, na extracção seguinte, cortiça normal (Rosa, 1993). A detecção deste defeito é possível após o corte das pranchas. Depois da secagem, o “verde” sofre uma contracção muito superior à que ocorre na cortiça normal circundante, o que faz com que as pranchas de cortiça com “verde” não possam ser imediatamente utilizadas no fabrico de rolhas, uma vez que estas não seriam adequadas à vedação de garrafas. A fim de possibilitar a sua utilização industrial, as pranchas de cortiça com “verde” são secas ao ar durante períodos bastante longos (Rosa, 1993).

A chamada “mancha amarela” cortiça (“yellow spot”) é outro possível defeito que pode afectar ocasionalmente os sobreiro, sendo causado por um fungo (Armillaria mellea), e que se verifica principalmente na produção de cortiça Norte Africana. Este defeito na perspectiva do aproveitamento industrial compromete a utilização da cortiça afectada (Borges, 1990), mas é facilmente identificado durante a escolha manual. Segundo alguns autores, a contaminação da cortiça por este fungo poderá ser responsável pela transmissão ao vinho, através da rolha, de um gosto a ranço, butírico, que o torna impróprio para consumo (Pes e Vodret, 1971).

-FABRICO DAS ROLHAS Os passos iniciais do processo de produção de rolhas resumem-se no seu essencial em: (a) formação do traço a partir da prancha; (b) brocagem do traço para obtenção do “esboço da rolha”, (c) secagem intermédia da rolha “esboçada”; (d) rectificação com do corpo da rolha; (e) rectificação com dos topos da rolha (Rosa, 1993).

Finalizada a série de tratamentos para correcção superficial do corpo da rolha brocada segue-se a lavação. Segundo o método antigo, usado ainda em algumas unidades industriais, as rolhas são imersas primeiramente num banho de cal clorada (“chlorinated lime”). Depois são imersas num banho de ácido oxálico e, finalmente, lavadas em água limpa e centrifugadas durante 15-20 minutos, com o objectivo de se eliminar grande parte da água. O cloro activo existente na cal clorada é um oxidante com o qual se procura obter a desinfecção e branqueamento das rolhas.

O cloro residual resultante deste processo pode contribuir para a formação de compostos clorofenólicos, por reacção com uma fonte de fenol proveniente da cortiça, ou da degradação da lenhina. Estes compostos clorofenólicos podem ser metilados pela acção de diversos microorganismos (Wurdig, 1975; Maujean et al., 1985; Rigaud et al., 1984) dando origem a cloroanisóis, os quais podem difundir da rolha para o vinho, alterando assim as qualidades sensoriais deste produto e originando o defeito conhecido por “gosto-a-rolha”.

Verificou-se experimentalmente que se a madeira for submetida a um tratamento com hipoclorito de sódio (solução a 5%) originam-se triclorofenóis na ordem dos ppm (Saxby, 1992). Face a estes resultados tem vindo a ser preconizado o abandono de produtos clorados no tratamento das rolhas e nos processos de higienização das caves e material vínico.

Dos processos alternativos, desenvolvidos para eliminar a utilização de produtos clorados, a lavação à base de peróxido de hidrogénio é a mais utilizada. Neste método as rolhas são tratadas, sucessivamente, com amónia, peróxido de hidrogénio e água. Porém, também aqui o controlo deve ser rigoroso, dado que este oxidante possui um potencial de oxidação bastante superior ao do cloro. Uma tecnologia industrial poderá provocar uma oxidação demasiado forte, tanto no interior da rolha, alterando a estrutura lenhificada de suporte, como no exterior, destruindo os ácidos gordos e as ceras, componentes fundamentais para o efeito vedante da cortiça (Borges, 1990).

Após a lavação, segue-se a operação, não menos importante, de secagem, onde se pretende a diminuição e a estabilização da humidade das rolhas até valores entre 6 e 9%. A indústria corticeira dispõe de vários processos, desde a simples secagem ao sol, passando por estufas contínuas, até à secagem em vácuo (Borges, 1990).

Seguidamente, as rolhas são submetidas a uma triagem, com vista a eliminar rolhas com defeitos estruturais ou de fabricação que possam ser prejudiciais a uma vedação perfeita, e ainda com o objectivo de agrupar as rolhas por classes de qualidade que reflectem o seu grau de porosidade. Esta escolha poderá ser feita primeiramente por máquinas electrónicas que operam a velocidades de 800 a 1200 rolhas/hora e finalmente processadas visualmente uma a uma por operários experimentados (Borges, 1990).

Na etapa final a rolha é submetida a uma série de tratamentos de revestimento e embelezamento superficiais, utilizando parafinas, silicones e ceras, com o objectivo de obter rolhas com um nível de lubrificação adequado ao bom funcionamento da máquina de rolhar (Borges, 1990).

A rolha acabada é seguidamente embalada e armazenada. O acondicionamento e embalagem devem assegurar a preservação das características das rolhas durante um tempo de armazenamento de, pelo menos, 4 a 6 meses. A embalagem se realizada sob atmosfera de SO2, pode evitar recontaminações no produto final visto que este gás inibe o desenvolvimento microbiano geralmente associado ao processo (Davis et al., 1982; Castera-Rossignol, 1983).

Embora o processo de cozedura e o tratamento pós-cozedura destruam parcialmente a flora microbiana naturalmente presente na cortiça ou proveniente do desenvolvimento fúngico verificado durante o primeiro período de estágio, a cortiça é rapidamente colonizada por microrganismos, particularmente por fungos, sempre que estes encontram um ambiente de humidade e temperatura propícios ao seu desenvolvimento, especialmente no período de maturação. A permanência na cortiça das espécies pioneiras, ou a sua substituição por uma sucessão de espécies com origem e ecologia diferente, depende essencialmente da influência das condições ambientais, do inoculo presente no ambiente circundante, e obviamente da pressão selectiva que a cortiça, pelas suas características físicas e químicas, pode exercer num ou noutro nicho ecológico (Moreau, 1979). A esterilidade, no sentido microbiológico de ausência de germes numa dada quantidade de produto, nunca é atingida na cortiça (Castera-Rossignol, 1983).

A importância do desenvolvimento microbiano sobre as pranchas de cortiça é controversa, havendo autores que consideram a colonização das pranchas como parte essencial do processo de maturação da cortiça, e outros que consideram a actividade microbiológica a grande responsável pelo aparecimento de compostos passíveis de provocar o “gosto-a-rolha” no vinho.

Além disso, aos bolores é ainda atribuída a responsabilidade pelo aparecimento de doenças respiratórias nos trabalhadores da indústria corticeira (suberose) cujo o veículo parece ser a dispersão aérea de esporos (nomeadamente de Penicillium glabrum) e de de cortiça, dispersão esta que ocorre especialmente durante o traçamento das pranchas de cortiça (Alvim Ferraz, 1996). Em resposta a estes problemas desenvolveu-se a ideia de que durante todo o processamento industrial, a cortiça e as rolhas devem ser protegidas de qualquer contaminação microbiana. Contudo, a tradição da indústria corticeira indica que as pranchas de cortiça apenas estão prontas para passarem à fase de preparação das rolhas, depois de se apresentarem completamente cobertas por um fungo branco, rosado à luz. Não existe suporte científico que justifique uma alteração drástica do processo industrial de forma a eliminar toda a actividade microbiológica. Tradicionalmente o desenvolvimento de Chrysonilia sitophila (Danesh et al., 1997) sobre as pranchas de cortiça em maturação era sinónimo de qualidade, pelo que o papel deste fungo deve ser investigado, mais ainda quando resultados de análises à diversidade microbiana em diferentes unidades fabris mostraram sempre um domínio claro deste fungo no processo de maturação, e uma rápido desaparecimento em todas as amostras de rolhas de cortiça colhidas após rectificação do corpo da rolha (Silva Pereira et al., 1999a).

O “GOSTO A ROLHA” EM VINHOS O verdadeiro gosto a rolha num vinho é raro, e facilmente identificado pelos enólogos (Riboulet, 1982; Carvalho, 1990; Anónimo, 1996). Tem no entanto havido um uso indiscriminado desta designação e Riboulet (1989) após uma vasta análise de vários trabalhos consagrados ao “gosto a rolha”, sublinha a ambiguidade desta expressão. Refere vários gostos com características organolépticas distintas: o autêntico gosto a rolha, o gosto a cortiça, o gosto a mofo, o gosto decorrente dos tricloroanisóis e os falsos gostos a rolha, todos eles, em muitas situações, chamados “gosto a rolha”.

Segundo os enólogos, o número de alterações deste tipo tem crescido significativamente e afecta todos os tipos de vinho (Châtonnet, 1994). O “gosto a rolha” provoca nas empresas produtoras de vinho perdas económicas significativas, assim o controlo do processo de preparação das rolhas assume importância crescente, uma vez que é urgente clarificar quais os passos dos processos, quer da indústria corticeira, quer da indústria vitivinícola, que podem estar na origem de defeitos deste tipo. A proporção de garrafas afectadas por este defeito varia entre 0,5 a 6% (Lee e Simpson, 1993), sendo o valor médio mais frequentemente considerado 2%. Segundo Riboulet (1989), o autêntico gosto a rolha caracteriza-se por um gosto a ranço, butírico, que torna o vinho impróprio para consumo. Normalmente este defeito organoléptico é atribuído à “mancha amarela” da cortiça, a qual se encontra geralmente nas zonas mais húmidas da base do tronco.

O gosto a cortiça é mais frequente, embora fugaz, desaparecendo durante o envelhecimento, e fundindo-se com o aroma do vinho. Como a cortiça não é inerte pode ceder ao vinho elementos aromáticos que vão participar nas características organolépticas deste. Riboulet (1982, 1989) isolou 83 substâncias voláteis na cortiça e Rigaud et al. (1984), mencionam cerca de meia centena de produtos deste tipo, a maior parte dos quais coincide com as substâncias referidas por Riboulet (1982). Este tipo de gosto pode ser reproduzido laboratorialmente adicionando-se ao vinho cortiça macerada. O gosto a cortiça é mais perceptível nos vinhos contidos em recipientes pequenos (maior concentração das substância aromáticas cedidas pela cortiça) e nos casos em que a cortiça é mais porosa, por ser maior a superfície de contacto vinho/cortiça (Riboulet, 1989).

Os aromas a mofo resultam, normalmente, do desenvolvimento de microrganismos na rolha. Vários autores têm atribuído ao metabolismo microbiano a presença de compostos aromáticos susceptíveis de migrar para o vinho, influindo na sua composição química e, consequentemente, nas suas características sensoriais (Ribéreau-Gayon et al., 1998).

Com vista, a clarificar o significado do “gosto a rolha”, e a afastar desta classificação desvios organolépticos que podem ter uma origem distinta (advir por exemplo, de acidentes de natureza enológica, ou de contaminação da rolha por compostos aromáticos nos locais de armazenamento do vinho), no âmbito do Projecto Quercus (Anónimo, 1996), foi elaborada uma “roda de aromas” que identifica e define 5 grandes famílias de desvios organolépticos encontrados no vinho e passíveis de serem transmitidos pela rolha: vegetal, conífero, mofo, musgo e químico. Esta definição permite distinguir os falsos “gostos a rolha”, e constituir assim um índice rigoroso de classificação homogénea para o auxílio de todos os provadores.

O “gosto a rolha” tem vindo a ser associado a vários compostos químicos identificados no vinho. Durante a década de 70 os estudos de Gerber (1968, 1979), em Actinomyces, e os de Kaminski et al. (1974), em Aspergillus e Penicillium, demonstraram a produção por estes microrganismos de octenos, octanóis e octanonas, substâncias voláteis que determinam o odor típico a fungo, e podem afectar as propriedades organolépticas de um vinho. Entre os compostos detectados em vinhos afectados com “gosto a rolha” citamos a título de exemplo o guaiacol (Maga, 1978), 1-octeno-3-ona e 1-octeno-3-ol (Lee e Simpson, 1993) e os cloroanisóis (Tanner e Zanier, 1983). Todos estes compostos odoríferos são produtos metabólicos comuns de bolores.

Buser et al. (1982), relacionaram o “gosto a rolha” em vinhos com a presença do composto 2,4,6-tricloroanisol (2,4,6-TCA). Outros cloroanisóis (tetra e pentacloroanisol) têm sido identificados como co-responsáveis pelo gosto a rolha (Tanner e Zanier, 1981, 1983; Dubois e Rigaud, 1981; Rigaud et al., 1984; Maujean et al, 1985). Châtonnet (1994) confirma os resultados de Buser et al., (1982), nos vinhos com “gosto-a-rolha”, e refere que o odor mais intenso se deve ao 2,3,4,6 - tetracloroanisol (TeCA) e ao 2,4,6-TCA. O pentacloroanisol é considerado muito menos aromático e responsável por odores mais “fenólicos” do que “a mofo”. O seu limiar de percepção olfactiva é de 4 µg/L (Châtonnet et al., 1994). Os cloroanisóis e compostos relacionados possuem limites de detecção em água, vinho, ou noutros produtos alimentares extremamente baixos, por exemplo para o 2,4,6-TCA o limite de percepção organoléptica num vinho branco é de 4 ng/L (Anónimo, 1996). Contudo a concentração destes compostos necessária para induzir defeito num vinho depende da sua composição (Riboulet, comunicação pessoal), pelo que se torna difícil analisar o problema numa perspectiva de quantificação. A título de exemplo, os níveis médios de alteração (defeito) para o 2,4,6-TCA, e para o TeCA, geralmente bastante mais elevados que os níveis de percepção organoléptica, são 10 ng/L e 150 ng/L, respectivamente (Ribéreau - Gayon et al., 1998).

Os cloroanisóis (“mouldy, musty, earthy flavour”) são hoje em dia considerados a causa principal do “gosto a rolha” (Saxby, 1992). Contudo a detecção destes compostos num vinho não significa que estejamos na presença do verdadeiro “gosto a rolha” onde obrigatoriamente a rolha participou nessa contaminação, de facto as mesmas características organolépticas podem advir de causas diferentes (Ribéreau-Gayon et al., 1998), e não é rara a detecção de cloroanisóis na atmosfera de adegas de vinhos, e em vinhos conservados em tonéis de madeira que nunca entraram em contacto com uma rolha (Châtonnet et al., 1994). É importante definir quais as possíveis fontes de contaminação quer por clorofenóis, quer por cloroanisóis que podem coexistir durante o processamento industrial da cortiça até à rolha acabada, com o objectivo de clarificar a verdadeira contribuição da cortiça no problema do “gosto a rolha”.

Rigaud et al. (1984) demostraram que é possível existirem tricloroanisóis e pentacloroanisóis em pranchas de cortiça antes da transformação, cuja origem atribuem aos tratamentos anti-fúngicos, realizados no montado, com produtos que englobam na sua constituição clorofenóis que posteriormente por acção de microrganismos podem ser convertidos no respectivo cloroanisol. Contudo, em Portugal não existe conhecimento deste tratamento e esses produtos são proibidos. Duncan et al. (1997) analisaram amostras de cortiça colhidas directamente da árvore e apenas detectaram TCA em 1% a 2% das amostras, e sempre abaixo dos limites de percepção para este composto, verificaram ainda que a dispersão destes compostos na árvore mostra uma clara concentração na base do tronco, o que corresponde a uma zona de cortiça de fraca qualidade que não é utilizada no fabrico de rolhas. Estes autores verificaram ainda que a concentração em TCA decresce para cerca de metade após o processo de cozedura. Este facto parece reforçar a hipótese anteriormente levantada por Riboulet (1982) que atribuía uma importância significativa ao tempo de secagem da cortiça na floresta, uma vez que o encurtamento desse tempo reduz a “lavagem” da cortiça pela chuva e os processos químicos que eliminariam uma parte dos taninos e sais minerais.

Este autor considera que tempos de secagem mais longos são, de facto, uma medida profilática eficaz contra o aparecimento do “gosto a rolha”. O mesmo autor admite ainda a possibilidade de factores genéticos do sobreiro, bem como factores determinados pelas condições de crescimento, poderem igualmente influenciar as características da cortiça e o posterior aparecimento de substâncias odoríferas transmissíveis da rolha para o vinho.

O aparecimento dos clorofenóis na cortiça, ou mesmo na rolha de cortiça, pode ocorrer, quer por reacção directa dos produtos resultantes da degradação da lenhina com o cloro resultante dos produtos usados nos tratamentos de branqueamento das rolhas (Buser et al., 1982; Saxby 1992), quer pelo uso inadequado de preservantes e desinfectantes industriais cuja constituição engloba compostos clorofenólicos (Ahlborg e Thunberg, 1980). É importante compreender que os clorofenóis, cujo o limite de percepção em água ronda os 2µg/L, não são directamente responsáveis pelo gosto a rolha. É necessário que os clorofenóis sejam metilados por acção de microrganismos para originarem o respectivo cloroanisol.

Châtonnet et al. (1994), referem o facto de a cortiça não ser a única responsável pelo “gosto a rolha” dos vinhos engarrafados, dado que este defeito organoléptico pode ocorrer também em vinhos acondicionados em tonéis e barris, e portanto a contaminação do vinho com “gosto a rolha” ocorreu por processos completamente independentes da rolha. Estes autores explicam que numerosos agentes utilizados na limpeza e desinfecção em enologia contêm cloro, sob a forma de Cl2, HClO ou ClO-, capaz de reagir com os fenóis, dando assim origem aos policlorofenóis. A utilização de desinfectantes clorados no tratamento de recipientes vínicos em madeira, nos quais se detectam compostos fenólicos livres ou ligados, seria, em sua opinião, uma via indirecta de produção importante de cloroanisóis responsáveis pelo gosto a rolha” nos vinhos armazenados.

A contaminação das rolhas de cortiça com cloroanisóis pode ocorrer, mesmo após o engarrafamento, por migração directa destes compostos voláteis, quando existentes no ar ambiente, para a rolha de cortiça, sem intervenção de crescimento fúngico directamente sobre a cortiça, o que foi observado por Châtonnet et al. (1994) na atmosfera das caves de envelhecimento dos vinhos e nos locais de armazenamento das rolhas. A contaminação com cloroanisóis foi detectada em diferentes tipos de produtos, sem nunca ter ocorrido intervenção da cortiça. Tindale (1987) mostrou que os produtos desinfectantes usados na limpeza dos cascos de navios eram ricos em clorofenóis, originando contaminações com cloroanisóis caso as condições ambientais proporcionassem o desenvolvimento de microrganismos com essa capacidade. Tindale et al.

(1989) isolaram uma série de bolores capazes de produzir cloroanisóis a partir dos clorofenóis presentes em contentores de cartão usados como embalagem para frutos secos.

A compreensão dos mecanismos que podem estar na origem do aparecimento do “gosto a rolha” implica o conhecimento da diversidade da microbiota associada ao processo de fabrico das rolhas.

Lacey (1973), e Ávila e Lacey (1974) estudaram a diversidade da microbiota numa fábrica produtora de rolhas de cortiça e verificaram que as espécies dominantes de bolores eram Penicillium glabrum, Penicillium granulatum, Aphanocladium album, Mucor plumbeus e Monilia sitophila (Chrysonilia sitophila). Detectaram ainda a presença minoritária de Trichoderma sp., Oidiodendron sp., e Cladosporium. Lefebvre et al. (1983) em pranchas de cortiça importadas por França detectou que o género de bolor maioritário era o Penicillium sendo a espécie dominante o Penicillium glabrum.

Danesh et al. (1997) isolaram o fungo Chrysonilia sitophila a partir de diferentes amostras de cortiça, e verificaram a presença constante deste fungo nas várias etapas do processamento fabril de rolhas, sendo a espécie dominante durante a maturação das pranchas de cortiça.

Alguns autores analisaram a diversidade microbiológica da cortiça após o seu transporte para a Austrália e França e referem de forma consistente a presença da espécie P. glabrum, detectando com menor incidência os géneros Trichoderma, Monilia (Chrysonilia), Cladosporium, Paecilomyces, e Aspergillus (Moreau, 1978; Schaeffer et al., 1978; Davis et al., 1981; CasteraRossignol, 1983; Lefebvre et al., 1983; Fumi e Colagrande, 1988). Segundo Silva Pereira et al. (1998) a diversidade microbiológica detectada nas fábricas reflecte a diversidade passível de contaminar as pranchas de cortiça durante o seu processamento industrial. Estes autores dão especial importância à fase de maturação, e ao domínio da espécie C. sitophila nesse período. Na opinião destes autores, após o processamento e durante o transporte das rolhas, as oscilações de humidade e temperatura irão favorecer o desenvolvimento das espécies mais bem adaptadas a actividades de água baixas, favorecendo largamente a colonização da cortiça pelo género Penicillium, e conduzindo a conclusões erróneas quanto à diversidade microbiota associada de facto ao processo industrial. A diversidade microbiota associada à cortiça não é estática, e segundo Moreau (1979) a evolução das diferentes sucessões microbianas, onde as espécies pioneiras podem ou não persistir, depende apenas das condições ambientais circundantes à cortiça que favorecem uma ou outra sucessão de microorganismos. Também segundo este autor, a presença quase universal do género Penicillium como bolor contaminante de rolhas de cortiça é facilmente justificada uma vez que a cortiça constitui um nicho ecológico, pelas suas propriedades físico-químicas, favorável a estas espécies.

Segundo Moreau (1979), e Lefebvre et al. (1983) a elevada incidência de P.

roqueforti, Aspergillus sp., e Streptomyces sp., detectada em rolhas extraídas de garrafas deve-se à recolonização destas rolhas no ambiente das adegas, onde estes fungos são geralmente encontrados com frequência elevada. Moreau (1979) refere o facto do crescimento da espécie P. roqueforti, residente nas adegas, ser estimulado na presença de anaerobiose e vinho, contrariamente às espécies P. granulatum, e P. glabrum que após duas semanas em contacto com o vinho perdem viabilidade, mas durante o período de sobrevivência são espécies passíveis de produzirem metabolitos que podem difundir da rolha para o vinho.

Pelo referido anteriormente torna-se evidente a complexidade da diversidade microbiológica associada à cortiça, e a óbvia dificuldade de comparação directa entre as espécies isoladas nos diferentes trabalhos, uma vez que a amostra de cortiça a caracterizar microbiologicamente não é sempre a mesma, e os processos de isolamento também variam.

A capacidade de alguns microorganismos produzirem compostos químicos que induzem num vinho o “gosto a rolha” tem sido investigada. Lee (1990) refere que rolhas contaminadas com P. granulatum, e P. glabrum comunicaram a um vinho branco neutro o “gosto a rolha”. Maujean et al. (1985), ao estudarem rolhas para champanhe, em cujo fabrico se utiliza uma cola à base de caseína, demonstraram a formação de 2,4,6-TCA por um fungo do género Penicillium em presença de metionina e compostos clorados. Estes autores verificaram que alguns fungos do género Penicillium são capazes de sintetizar 2,4,6-triclorofenol em presença de cloro livre ou incorporado na metionina, um dos aminoácidos que entra na composição da caseína.

-Trabalhos recentes de Jäger et al. (1996) mostraram que a produção de cloroanisóis, por metilação do clorofenol correspondente, geralmente associada a metabolismos fúngicos, pode estar associada também à contaminação da cortiça por leveduras. Estes autores demonstraram que na estrutura intracelular da cortiça as hifas detectadas nos tecidos interiores haviam colapsado e não mostravam actividade fisiológica, a maioria dos esporos de fungos acumulados nas lenticelas também não mostravam sinais de viabilidade celular. Assim, apenas foram detectados com viabilidade nas lenticelas leveduras e bactérias protegidas por uma camada de substâncias mucosas ou filamentosas.

A possível influência de C. sitophila no desenvolvimento do “gosto a rolha” no vinho e nas propriedades físicas da prancha, durante o seu processo de maturação após cozedura, foi estudada por Silva Pereira et al. (1998).

Verificou-se que, a maturação das pranchas de cortiça levada a cabo por C.

sitophila não resultou na produção de rolhas de qualidade, quer na perspectiva física (ensaios de relaxação, resistência à compressão, e humidade), quer na pesquisa química de compostos associados ao gosto a rolha, como seja a presença de cloroanisol, guaiacol, e 1-octeno-3-ol. Silva Pereira et al.

(1999b) em testes efectuados em meio líquido suplementado com 2,4,6triclorofenol, C. sitophila degradou cerca de 90% do 2,4,6-triclorofenol adicionado, mas o rendimento da produção em 2,4,6-tricloroanisol esteve abaixo dos 0.03%. Com base nestes resultados, e de acordo com o actual estado de conhecimento, em relação a esta via metabólica de destoxificação, é muito pouco provável que durante o período de maturação das pranchas de cortiça aquele fungo, mesmo na presença de uma fonte de cloro e fenol, possa produzir 2,4,6-TCA em quantidades que possam passar para o vinho provocando desvios organolépticos desagradáveis.

Existe não um, mas sim diversos gostos a rolha, podendo vários compostos orgânicos ser considerados como responsáveis pela ocorrência deste defeito no vinho. Por outro lado, as origens possíveis do “gosto a rolha”, apesar dos esforços contínuos na sua pesquisa, ainda não foram completamente elucidadas.

É difícil a atribuição deste problema a apenas uma causa, na verdade o “gosto a rolha” resulta muitas vezes da acção cumulativa de vários compostos químicos, sendo contudo o mais fortemente associado, e pelo seu baixo limiar de percepção organoléptica, o 2,4,6-TCA. A concentração necessária de cada compostos volátil, ou mesmo a concentração resultante da acção sinergética de diferentes compostos, necessária para induzir defeito num vinho depende ainda das próprias características deste produto, como o tempo de envelhecimento, o teor em álcool e as castas de uvas intervenientes (RibéreauGayon et al., 1998).

Silva Pereira et al. (1999b), demonstraram que a C. sitophila possui a capacidade de restringir a recolonização da cortiça após a cozedura, inibindo o desenvolvimento de algumas espécies de bolores dos géneros Penicillium e Cladosporium. Este potencial de C. sitophila, mais evidente uma vez que este fungo parece não estar associado à produção de cloroanisóis em quantidades que possam induzir o gosto a rolha num vinho, pode ser explorado pela indústria produtora de rolhas, não para restringir o desenvolvimento de outros bolores, mas também por possivelmente demonstrar esta mesma capacidade em relação a bactérias e leveduras. O aspecto macroscópico de C.

sitophila corresponde à descrição do bolor branco que cobria completamente as pranchas de cortiça em maturação, e que era usado como um indicador tradicional de qualidade.

A origem do gosto a rolha no vinho, e no que diz respeito à rolha, pode ser investigado em duas fases distintas do processo. Na rolha acabada, com 6% de humidade, tratada com peróxido de hidrogénio (branqueamento), e com parafinas e ceras (impermeabilização), a probabilidade de ocorrer novo desenvolvimento microbiano, é muito baixa, desde que se mantenham as condições de baixa humidade adequadas ao bom armazenamento. Di Falco e Sampó (1992) mostraram que as rolhas tratadas, mesmo quando inoculadas, não desenvolviam na sua superfície bolores. Por outro lado, se o armazenamento das rolhas for efectuado em contentores não permeáveis a compostos voláteis, a contaminação por migração directa destes compostos para as rolhas também é eficazmente reduzida.

A etapa do processo a que indústria produtora de rolhas de cortiça deve sujeitar a estrito controlo, e investigação, é a etapa de maturação das pranchas de cortiça, onde deve assegurar um processo controlado, garantindo a não contaminação dos produtos de cortiça com compostos associados ao “gosto a rolha” no vinho, e deve evitar a contaminação da cortiça por bolores oportunista e produtores destes compostos. Se a indústria efectuar este tipo de controlo, o problema da contaminação de uma rolha acabada pelos compostos químicos responsáveis pelo “gosto a rolha” passa a ser muito mais uma responsabilidade dos distribuidores, e dos utilizadores deste produto.

Fica pois patente que o verdadeiro “gosto a rolha” é muito raro e que todos os outros poderão ser causados por negligências várias na fabricação, armazenamento e transporte de rolhas, bem como por contaminações sofridas durante o fabrico e armazenamento do vinho. Estes defeitos, segundo a generalidade dos autores, poderão ser diminuídos ou mesmo eliminados se a produção de rolhas for cuidada e a sua utilização correcta, dado que ainda não se conhece nenhum material que reuna as características específicas de uma boa rolha de cortiça para vedar um vinho de qualidade (Lima, 1990).


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