ESTUDOS DE OPTIMIZAÇÃO E DIVERSIFICAÇÃO
DA "UVADA"
INTRODUÇÃO
A uvada era um doce tradicional da região Oeste cuja elaboração ocorria
normalmente durante a vindima e meses seguintes.
A recuperação da receita tradicional permitiu constatar que este doce era
elaborado com mosto concentrado, designado "arrobe", com um resíduo
seco solúvel cerca de 60%, ao qual era adicionado maçã numa quantidade
de cerca de 450g/kg de arrobe. Utilizavam-se os mostos de castas para
vinhos, nomeadamente Fernão Pires e Periquita e maçãs de variedades
regionais Repinaldo, Malápio e Bravo Esmolfe (Caldeira, 1995). A
recuperação do doce permitiu constatar que se trata de um produto bastante
ácido, com uma riqueza considerável em açúcares redutores, bastante
caramelizado, dado a tecnologia de fabrico utilizada, o que se traduz nos
elevados teores em 5-hidroximetilfurfural (5-HMF), sendo também um produto
rico nalguns catiões como sejam o cálcio, o potássio e o magnésio (Caldeira,
1995).
Dos produtos gelificados de uvas, as geleias foram os mais estudados por
investigadores franceses (Chassant, 1940; Mourgues e Olivieri, 1983;
Mourgues et al., 1986; Olivieri et al., 1986a, 1986b), americanos (Quinlau
et al., 1974; Flora, 1977a, 1977b) e portugueses (Matias, 1993; Leitão, 1995;
Sousa et al., 1995; Sousa et al., 1997; Gaspar et al., 1998).
Em relação aos doces de uva existem apenas alguns dados fornecidos por
investigadores franceses que estudaram a produção de doces a partir das
castas Carignan, Macabeo, Alicant, Muscat e Macabeo (Olivieri et al., 1986a,
1986b; Mourgues et al., 1988). Nestes trabalhos os doces foram preparados
em sistema fechado (sob vácuo e com uma temperatura de aproxidamente
60ºC) a partir de polpa e polpa concentrada, à qual adicionaram pectina,
sacarose e ácido cítrico de acordo com o esquema tecnológico de preparação
de doces (Gava, 1978; Garcia e Macias, 1988). De modo diferente, a uvada
é um doce elaborado sem adição de qualquer elemento exógeno às matérias
primas (sumo de uva e maçã), obtido por cozedura em sistema aberto, com
temperaturas superiores a 100ºC, apresentando tradicionalmente um resíduo
seco compreendido entre 72 a 75%. Neste doce, os agentes edulcorantes e
gelificantes são fornecidos pelas próprias matérias-primas a partir do qual o
doce é fabricado (Caldeira, 1995). O trabalho já realizado sobre uvadas
(Caldeira, 1995) mostrou que o resíduo seco solúvel final do doce bem como
a quantidade de maçã utilizada na sua produção são dois factores com muita
influência nas características fisico-químicas e sensoriais do doce.
A produção de uvada tem interesse, na medida em que se insere na estratégia
de diversificação de produtos da fileira vitivinícola, permitindo também uma
eventual utilização de excedentes de maçã e ainda a recuperação de um doce
tradicional.
Assim, o presente trabalho tem como objectivos, continuar a recuperação da
uvada e procurar compreender que factores poderão permitir alguma
diversificação deste doce. Para tal, proceder-se-á numa primeira fase à
optimização da formulação em relação à percentagem de maçã e ao teor de
resíduo seco solúvel, com base na metodologia das superfícies de resposta
(RSM), utilizando as características físico-químicas e as respostas sensoriais
como variáveis dependentes. Numa segunda fase, este trabalho pretenderá
avaliar a influência da utilização de diferentes castas de uva (usadas
habitualmente para vinificação) e de diferentes variedades de maçãs nas
características físico-químicas e sensoriais das uvadas Com carácter
exploratório, este trabalho pretenderá também avaliar da posibilidade de
utilização de castas de uva de mesa para o fabrico da uvada.
MATERIAL E MÉTODOS
Ensaios efectuados
Ensaio 1 - Delineamento
Este ensaio foi realizado com o objectivo de optimizar a formulação da
uvada em função de dois factores, que se revelaram determinantes e influentes
na sua composição (Caldeira, 1995), designadamente a percentagem de maçã
utilizada no fabrico do doce e o resíduo seco solúvel final do doce.
Para esse efeito, utilizou-se um desenho experimental que possibilitou a
avaliação simultânea das duas variáveis influentes que se pretendia estudar:
percentagem de maçã (x 2) utilizada no fabrico do doce e o resíduo seco
solúvel final do doce (x1). A escolha dos limites dos valores destas variáveis
foi efectuada a partir do trabalho anterior (Caldeira, 1995).
O desenho experimental consistiu num "Central Composite Rotatable Design"
(CCRD), com duas variáveis, incluindo cinco repetições do ponto central
(Montgomery, 1991) apresentando-se no Quadro I a matriz das experiências
efectuadas. As uvadas foram todas produzidas a partir de mosto concentrado
da casta Fernão Pires e de maçã Golden Delicious.
-Ensaio 2 - Delineamento
O ensaio 2 tinha como objectivo avaliar a influência da utilização de diferentes
mostos e de diferentes variedades de maçãs nas características fisco-químicas
e sensoriais das uvadas.
Para esse efeito montou-se uma experiência factorial cruzada, com dois
factores: variedade de maçã e mosto concentrado de diferentes castas, com
duas repetições de cada modalidade experimental, de acordo com o esquema
apresentado no Quadro II.
S - Mosto concentrado da casta Seminário, F - Mosto concentrado da casta Fernão Pires,
G - Maçã Golden Delicious, V - Maçã Querina, 1 e 2 correspondem às repetições
efectuadas da mesma experiência
Ensaio 3
O ensaio 3 não obedeceu a nenhum delineamento e teve um carácter
exploratório. Este ensaio pretendia avaliar da possibilidade de utilização das
castas de uva de mesa em comparação com uvadas feitas a partir da casta
Fernão Pires, e fazer uma primeira avaliação de quais as implicações sensoriais
dessa diversificação, uma vez que tradicionalmente este doce era feito com
as castas utilizadas para o fabrico de vinho.
Assim foram elaboradas várias uvadas com maçã Golden delicious e variando
a casta que originava o mosto concentrado conforme o Quadro III.
Preparação das uvadas
Com base na recolha de receitas tradicionais (Caldeira,1995) adoptou-se o
seguinte esquema na produção de uvadas
-Preparação do mosto concentrado até resíduo seco cerca de 60% (arrobe)
⇓
Adição de maçã descascada e triturada
⇓
Cozedura até concentração final pretendida
⇓
Enchimento imediato em boiões de vidro
⇓
Arrefecimento imediato
Para cada ensaio a maçã foi previamente descascada, triturada e adicionada
ao mosto concentrado (arrobe), homogeneizando-se bem a mistura. A mistura
foi levada à ebulição numa placa eléctrica a 200 ºC em sistema aberto e
agitando sempre até se atingir o resíduo seco solúvel, determinado por leitura
no refractómetro Abbé.
Para as experiências do ensaio 1 usaram-se as quantidades estabelecidas no
plano da experiência (Quadro I) e nos ensaios 2 e 3 usaram-se as condições
optimizadas no ensaio 1.
Determinações analíticas efectuadas
Mostos concentrados
pH - o pH do mosto concentrado foi determinado por potenciometria, método
único do O.I.V. (OIV, 2005)
Resíduo seco solúvel - determinado por refractometria (CT 31, 1985 a)
tendo-se utilizado um refractómetro do tipo Abbé (Carlo Zeisse 51542). A
percentagem de resíduo seco solúvel expressa em sacarose, foi obtida por
leitura directa com consequente correcção da temperatura.
Açúcares redutores - doseados por titulação de oxidação-redução, de acordo
com o método de Luff-Schoorl, conforme descrição da Norma Portuguesa
NP-1420 (CT31, 1987). Os resultados são expressos em percentagem de
açúcar.
Acidez total - determinada por titulação potenciométrica de acordo com a
Norma Portuguesa NP-1421 (CT31, 1977). Os resultados são expressos em
g de ácido tartárico por 100g de produto.
5-Hidroximetilfurfural (5-HMF) - determinado pelo método colorimétrico
descrito na Norma Portuguesa NP-3268 (CT31, 1990), tendo-se efectuado
previamente a diluição de 5 g de mosto concentrado em água destilada até
perfazer um volume de 100 ml, determinando-se o seu teor com base numa
curva padrão previamente estabelecida. Os resultados são expressos em g de
5-hidroximetilfurfural por 100g de produto.
Pectinas - Para a extracção das pectinas adoptou-se o método descrito por
Robertson (1979), tendo-se efectuado as modificações descritas em Moreira
(1997b). O doseamento das pectinas foi efectuado com base na determinação
do teor de ácido galacturónico, através de um método colorimétrico, utilizando
como reagente o meta-hidroxidifenil.
Maçã
A análise fisico-química das maçãs foi efectuada sobre a parte comestível
(polpa), visto apenas ser esta que é utilizada na preparação das uvadas. Com
excepção da determinação do pH, para a realização de todas as restantes
análises foi necessário proceder previamente à preparação da amostra, de
acordo com o método descrito na Norma Portuguesa NP-783 (CT31, 1985b),
sendo o filtrado submetido às determinações analíticas que a seguir se
descrevem. Para cada determinação físico-química foram analisadas 3
amostras (3 maçãs), sendo o resultado obtido para cada uma, a média de 3
análises.
pH - determinado directamente na maçã triturada, por potenciometria, com
um eléctrodo próprio para alimentos sólidos.
Açúcares redutores - doseados por titulação de oxidação-redução, de acordo
com o método de Luff-Schoorl, para conforme descrito pela Norma
Portuguesa NP-1420 (CT31, 1987). Os resultados são expressos em
percentagem de açúcar.
Acidez total - determinada por titulação potenciométrica de acordo com a
-Norma Portuguesa NP-1421 (CT31, 1977). Os resultados são expressos em
g de ácido málico por 100g de produto.
Pectinas - Para a extracção das pectinas da maçã adoptou-se o método
descrito por Robertson (1979), tendo-se efectuado as modificações descritas
em Moreira (1997b). O doseamento das pectinas foi efectuado com base na
determinação do teor de ácido galacturónico, através de um método
colorimétrico, utilizando como reagente o meta-hidroxidifenil.
Uvadas
Todas as análises físico-químicas foram realizadas, com excepção do pH,
sobre uma amostra de uvada preparada, de acordo com a Norma Portuguesa
NP- 783 (CT31, 1985b). As determinações de cada formulação de doce
incidiram em três amostras, sendo o resultado de cada amostra a média de
duas análises.
Resíduo seco solúvel/ Açúcares redutores/ pH/Acidez total - Todas estas
determinações foram efectuadas segundo a descrição feita para os mostos
concentrados e maçãs.
5-Hidroximetilfurfural (5-HMF) - no ensaio 1 aplicou-se o método
colorimétrico descrito na Norma Portuguesa NP-3268 (CT31, 1990), tendose efectuado previamente a diluição de 5 g de uvada em água destilada até
perfazer um volume de 100 ml, determinando-se o seu teor com base numa
curva padrão previamente estabelecida. Os resultados são expressos em g de
5-hidroximetilfurfural por 100g de produto. No ensaio 2 a quantificação
deste composto foi feita por HPLC adaptando-se o método descrito em Alves
(1999).
Análise sensorial efectuada
Ensaio 1 e ensaio 2
A avaliação sensorial das uvadas foi realizada por um painel formado por 10
provadores, sendo este painel constituido na sua maioria por elementos do
painel utilizado num trabalho anterior (Caldeira et al., 1996), os quais
apresentaram boa capacidade discriminatória para o doce, ácido e dureza.
No entanto, face à existência de novos provadores, procedeu-se ao treino do
grupo de prova, o qual consistiu numa primeira fase, na avaliação da
capacidade de identificação dos 4 gostos elementares e discriminação
quantitativa do doce e ácido. Numa segunda fase, o treino foi relativo ao tipo
de ficha de prova utilizada, descritores utilizados e sua aplicação ao caso
concreto das uvadas.
As uvadas foram classificadas com base em atributos visuais, olfactivos e
gustativos. Os atributos classificados foram: intensidade da cor (IC),
intensidade de aroma (IA), sabor doce (SD), sabor ácido (SA), intensidade
de sabor (IS), dureza (D), espalhabilidade (E), aceitabilidade da textura (AT)
e equilíbrio global (EG).
Na ficha de prova cada provador pontuou os atributos, numa escala não
estruturada com 8 divisões. A classificação de cada atributo foi dada pela
colocação, pelos diferentes provadores, de uma marca na escala, sendo o
resultado (resposta) um valor numérico, compreendido entre 0 e 9 cm, obtido
a partir da medição da distância, em cm, desde a extremidade esquerda da
linha até à marca.
As sessões de prova foram realizadas na sala de prova da Estação Vitivinícola
Nacional, tendo sido avaliadas em cada sessão 4 ou 5 formulações. As
amostras foram apresentadas, de forma aleatória, em boiões de vidro. Os
provadores dispunham, para a realização da prova, de uma colher para a
degustação e de uma bolacha para avaliação da espalhabilidade do doce.
Ensaio 3
Para a avaliação das uvadas deste ensaio, realizou-se uma prova de ordenação
(Touraille, 1990) dos 9 doces, recorrendo a um painel de 20 provadores,
tendo-se realizado previamente uma sessão de treino deste tipo de ficha, com
doces comerciais. Pediu-se aos provadores para ordenarem os produtos em
função da equilibrio global, da intensidade do sabor ácido e do sabor doce,
e da dureza.
Análise estatística dos resultados
Ensaio 1
Neste trabalho utilizou-se a metodologia das superfícies de resposta (RSM)
para descrever os parâmetros resultantes da análise físico-química e sensorial
das uvadas. Desta forma, assumiu-se que cada um desses parâmetros (variáveis
dependentes) (a, b, c, ...) são função de duas variáveis independentes (x1, x2)
(Giovanni , 1983).
a = f1 (x1, x2) , b = f1 (x1, x2), (...)
Estas relações podem ser descritas por uma equação polinomial de segundo
grau que nos permite obter as relações lineares, quadráticas e as interações
das duas variáveis independentes:
-Nesta equação, Y representa os parâmetros de resposta (a, b, c, ...) e b0, bi,
bii, bij são os coeficientes de regressão e xi as variáveis independentes.
Efectuou-se uma análise de regressão múltipla entre cada parâmetro analisado
e os níveis das variáveis independentes de acordo com a equação anterior,
mediante o método "Stepwise", o qual consiste na introdução de todas as
variáveis, com eliminação sucessiva daquelas com F< 4. Para a realização
destes cálculos utilizou-se o programa Statgraphics - Statistical graphics
systems vs 5.0, (STCS inc., Rockville, USA)
Na optimização da formulação da Uvada, utilizou-se a equação obtida para
o parâmetro de resposta Equilíbrio Global, a qual foi derivada parcialmente
em ordem às duas variáveis independentes, de forma a poder determinar-se
o máximo da função, isto é, os valores de x1 e x2, para os quais o equilíbrio
global apresenta cotação máxima.
Ensaio 2
No ensaio 2 procedeu-se a uma análise de variância a dois factores utilizandose os resultados das determinações físico-químicas e sensoriais Quando se
detectou efeito significativo do factor em estudo, procedeu-se à comparação
das médias, pelo teste da mínima diferença significativa, para um nível de
significância de 5%. Estas análises foram efectuadas no programa Statgraphics
- Statistical graphics systems vs 5.0, (STCS inc., Rockville, USA).
Ensaio 3
Face ao elevado número de produtos em comparação, as uvadas foram
apresentadas aos provadores de acordo com um desenho experimental em
blocos incompletos avaliando-se a significância das diferenças com base
numa estatística não paramétrica, conforme metodologia descrita em Touraille
(1990).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Caracteristicas fisico-químicas das matérias primas: mosto concentrado e maçã
Nos Quadros IV e V apresentam-se algumas das características fisico-químicas
das matérias-primas usadas no fabrico das uvadas dos ensaios 1 e 2,
designadamente os mostos concentrados e as maçãs.
Os mostos concentrados Fernão Pires apresentam características similares às
determinadas em trabalhos anteriores (Caldeira, 1995; Caldeira et al., 1996)
O baixo teor de pectinas que o mosto concentrado contém, facilmente se
compreende se tivermos em consideração que a uva é um fruto pobre em
pectinas (0.2 a 1% de acordo com McCready, 1970), em que a película é a
parte do bago que detém a maior percentagem, consequentemente apenas
uma pequena parte passa para o mosto, nomeadamente 9 a 17% do teor
existente na uva.
-Os elevadores teores de 5-hidroximetilfurfural que o mosto concentrado
apresenta (6g 5-HMF/kg açúcares) será resultante da sua tecnologia de
produção ou seja, concentração em sistema aberto.
Os resultados obtidos para a composição físico-química da maçã encontramse dentro dos valores médios apresentados por Money e Christian (1950),
Fourie (1992) e Moreira (1997a).
Os resultados apresentados nos Quadros IV e V permitem constatar que a
maçã constitui a principal fonte de pectinas para o fabrico do uvada. No
entanto, o teor de pectina total apresentado (0.13-0.41%, expresso em ácido
galacturónico) é inferior aos 1.6% apresentados em McCready (1970),
assemelhando-se ao teor encontrado por Southgate (1976).
Também da análise dos resultados dos Quadros IV e V se deduz que a
principal fonte de açúcar deste doce provêm do mosto concentrado.
Ensaio 1 - Optimização da formulação das uvadas
Características fisico-químicas das uvadas obtidas
As características fisico-quícas das 13 uvadas, preparadas no ensaio 1, são
apresentadas no Quadro VI.
-O valor de pH obtido para as treze formulações de Uvada é muito semelhante,
variando entre 3.2 e 3.3, isto é, praticamente constante para o doce em
estudo.
Quando se compara o resíduo seco solúvel determinado para cada formulação
de uvada, com aquele que se pretendia atingir, e que se encontra referido no
desenho experimental, verifica-se pelos resultados apresentados que essa
diferença é no máximo de ± 2 %, o que constitui uma aproximação excelente
dada à dificuldade e erro inerente a esta determinação durante a elaboração
do doce.
As uvadas apresentam maiores teores em resíduo seco e em acidez total do
que outros doces de uva (Olivieri et al., 1986a,1986b), sendo esta uma das
características tradicionais deste doce (Caldeira, 1995).
Como seria de esperar as formulações de Uvada nº 1, 3, 13, que correspondem
aquelas que foram sujeitas a uma maior concentração, possuem em simultâneo
um teor mais elevado de acidez e açúcares.
Relativamente aos resultados obtidos para as formulações do ponto central
(formulações nº 5,6,7,8 e 9), a variabilidade existente é muito pequena,
verificando-se mesmo para um dos parâmetros físico químicos (acidez total)
a não existência de diferenças, como se pode observar através do desvio
padrão e coeficiente de variação apresentado no Quadro VII.
O teor de 5-HMF existente em cada uvada (Quadro VI), resulta, por um
lado, daquele já existente na mistura inicial de maçã e mosto concentrado e
que se pressupõe provir apenas do mosto concentrado e por outro do 5-HMF
produzido durante a elaboração do doce. Na Figura 1 pode-se verificar o
acréscimo do teor de 5-HMF em função do tempo de cozedura, observandose entre os dois primeiros tempos de cozedura (18 e 20 min.) um acréscimo
significativo. Pelo contrário, a partir dos 26 minutos de cozedura até aos 64
minutos, o acréscimo de 5-HMF oscila entre entre 0,21 e 0,28 g por 100 g,
com excepcção de uma formulação. Após os 64 minutos observa-se um
acréscimo nítido do teor de 5-HMF, com o tempo de cozedura.
Para cada parâmetro físico-químico analisado, apresentam-se no Quadro VIII
as respectivas equações polinomiais, que indicam as relações entre os
resultados físico-químicos obtidos e as duas variáveis independentes estudadas
(resíduo seco solúvel e percentagem de maçã).
A equação explicativa das variações da acidez total das uvadas, em função,
do resíduo seco solúvel (x1) e da percentagem de maçã (x2), apresentou um
coeficiente de determinação de 0.99. Este resultado evidencia que as variáveis
independentes estudadas influenciam a acidez total. A percentagem de maçã
apresentou um efeito linear e quadrático e o resíduo seco solúvel um efeito
quadrático. De facto ao concentrar o doce, aumenta-se o seu resíduo seco
solúvel, aumentando o teor de todos os constituintes, inclusivé os ácidos, o
que explicará o efeito do resíduo seco solúvel.
Embora a maçã utilizada nestes ensaios apresente um baixo valor de acidez,
quando comparada com o arrobe (mosto concentrado), a sua percentagem
influencia a acidez total das uvadas, porque ao ser adicionada ao arrobe vai
provocar um decréscimo da acidez total da mistura inicial, a partir
aproximadamente dos 40% de adição.
A variabilidade encontrada para o pH das uvadas, em função das variáveis
independentes estudadas é explicada em 90.0% pela equação apresentada no
Quadro VIII.
De acordo com esta equação, verifica-se que a percentagem de maçã (x2),
através da sua variação quadrática e da interacção com o resíduo seco solúvel
(x1), permite explicar a variabilidade observada no valor de pH. O efeito do
resíduo seco solúvel no teor final do pH, resulta do facto de ocorrer o
aumento do teor em ácidos com a concentração e consequente decréscimo do
valor de pH. No que se refere à percentagem de maçã, um aumento da sua
percentagem na composição do doce provoca um aumento no valor de pH,
devido ao baixo valor de acidez que a maçã Golden delicious utilizada
nestes ensaios contém.
A equação polinomial explicativa da variação dos açúcares redutores, em
função do resíduo seco solúvel e da percentagem de maçã (Quadro VIII),
apresenta um coeficiente de determinação de 0.87.
Esta equação mostra-nos que a variável resíduo seco solúvel é a única variável
responsável pelas alterações ocorridas no teor de açúcares redutores,
influenciando de forma quadrática positiva. Se considerarmos duas
formulações que apresentam inicialmente o mesmo teor de resíduo seco
solúvel, aquela que for submetida a uma maior concentração, ou seja,
apresentar um teor de resíduo seco solúvel final mais elevado, certamente
apresentará um teor mais elevado de açúcares redutores.
A variabilidade ocorrida no teor de 5-hidroximetilfurfural, em função das
variáveis independentes estudadas (x1-resíduo seco solúvel; x2-percentagem
de maçã) é explicada em 82 % pela equação apresentada no Quadro VIII.
Pode-se verificar que o resíduo seco solúvel contribui de forma quadrática
positiva para as alterações registadas no teor de 5-hidroximetilfurfural das
uvadas. Esta variável colabora ainda com a percentagem de maçã, através da
sua interacção, nas alterações ocorridas neste parâmetro físico-químico. A
influência do resíduo seco solúvel nos teores de 5-hidroximetilfurfural resultará
dos mecanismos de degradação térmica dos açúcares em meio ácido (Hurrel,
1982). Assim , para o mesmo teor de resíduo seco solúvel inicial, quanto
maior for o resíduo seco solúvel que se pretende atingir, maior é a duração
do tratamento térmico (maior concentração) e consequentemente maior será
o teor de 5-hidroximetilfurfural apresentado pelas uvadas.
Relação entre as respostas sensoriais e as variáveis independentes
Para cada parâmetro sensorial analisado (Quadro IX) apresentam-se as
respectivas equações polinomiais (Quadro XI), que indicam as relações entre
os resultados sensoriais obtidos e as duas variáveis independentes estudadas
(resíduo seco solúvel e percentagem de maçã).
Pela observação da pequena amplitude dos resultados obtidos para cada um
dos seguintes atributos sensoriais: intensidade de aroma (IA), sabor doce
(SD), sabor ácido (SA) e intensidade de sabor (IS), pode-se concluir que os
provadores embora nas sessões de treino tivessem demonstrado boa capacidade
discriminatória na avaliação quantitativa de soluções ácidas e doces, quando
os dois sabores coexistem como no caso da uvada, esta avaliação torna-se
mais complexa, daí a dificuldade em avaliar cada um dos parâmetros referidos
anteriomente para as diferentes formulações. A pontuação obtida para o sabor
doce encontra-se acima do ponto médio (4.5), oscilando para as diferentes
uvadas entre 5.11 e 6.20 e relativamente ao sabor ácido os resultados obtidos
encontram-se situados abaixo do ponto médio, entre 3.38 e 4.62. Esta pequena
variabilidade dos resultados obtidos para o sabor doce e ácido não está de
acordo com os resultados físico-químicos determinados para estes parâmetros
(Quadro VI), não se tendo obtido nenhuma correlação entre as determinações
físico-químicas e sensoriais.
No entanto, para os restantes atributos, em especial na avaliação da dureza
e da espalhabilidade, os provadores apresentaram boa capacidade
discriminante. A análise dos resultados obtidos para estes dois parâmetros,
revelou que eles variam de forma inversa, enquanto que a aceitabilidade da
textura e o equilíbrio global parecem variar de forma idêntica.
Através do cálculo da média e do desvio padrão e coeficiente de variação
dos parâmetros sensoriais para as formulações do ponto médio (Quadro X),
verificou-se que a variação existente é pequena, o que revela uma boa
coerência por parte dos provadores.
De modo semelhante apresentam-se no Quadro XI as equações polinomiais
que descrevem cada uma das respostas sensoriais em função do resíduo seco
solúvel (x1) e da percentagem de maçã (x2), que constituem as variáveis
independentes em estudo.
As equações polinomiais obtidas para as respostas sensoriais: IA, SD, SA e
IS não são adequadas para explicar a variabilidade destes parâmetros em
função das variáveis independentes, pois apresentaram coeficientes de
determinação muito baixos, considerando-se apenas que os modelos obtidos
são satisfatórios quando o valor deste coeficiente é superior a 0.7. Esta
situação resulta do facto do painel não se ter revelado discriminatório para
estes 4 parâmetros.
A equação polinomial que explica o comportamento da dureza do doce, em
função das variáveis independentes, resíduo seco solúvel (x1) e da percentagem
de maçã (x2), apresenta um coeficiente de determinação de 0.98.
-Como se pode observar, ambas as variáveis estudadas influenciam a dureza
da uvada, percebida sensorialmente, de uma forma linear e positiva para a
percentagem de maçã (x2) e de uma forma linear negativa e quadrática positiva
para o resíduo seco solúvel(x1).
A dureza percebida sensorialmente pelos provadores, revelou-se um parâmetro
discriminante para as diferentes uvadas, sabendo-se que este parâmetro se
encontra positivamente correlacionado com a dureza instrumental (Moreira,
1997b)
No caso da espalhabilidade e de acordo com a equação determinada, o
resíduo seco solúvel (x1)parece ser a variável que mais contribui para a
explicação da variabilidade deste parâmetro, infuenciando de uma forma
linear e quadrática. No entanto, a percentagem de maçã (x2) também infuência
a espalhabilidade quando associada ao resíduo seco solúvel, o que facilmente
se compreende, pois se a percentagem de maçã afecta a dureza também
afectará a espalhabilidade do doce, na medida em que estes dois parâmetros
texturais estão directamente relacionados, variando no entanto de forma
inversa.
A variabilidade da aceitabilidade da textura, em função das variáveis
independentes em estudo é dada em 95% pela equação apresentada no Quadro
XI.
Verifica-se através desta equação que a aceitabilidade da textura varia em
função de ambas as váriáveis em estudo, resíduo seco solúvel (x1) e
percentagem de maçã (x2), de uma forma linear e quadrática e ainda pela
interacção que se estabelece entre elas.
Equilíbrio Global (EG) : optimização
O equilíbrio global constituiu o parâmetro mais importante da análise sensorial,
pois foi através da sua maximização, que obtivémos a fórmula óptima de
uvada.
A equação que descreve o seu comportamento em função das variáveis
independentes, resíduo seco solúvel (x1) e percentagem de maçã (x2), tem um
coeficiente de determinação de 0.91.
Esta equação é muito semelhante à apresentada anteriormente para a
aceitabilidade da textura. Assim, à semelhança do que aconteceu para o
parâmetro anterior a variabilidade do equilíbrio global é devida aos efeitos
lineares, quadráticos de ambas as varáveis independentes e ainda à interacção
que ocorre entre elas.
Para encontrar o valor para cada uma das variáveis independentes estudadas
que conduzem ao valor máximo do equilíbrio global, derivou-se a equação
polinomial estabelecida para o EG da Uvada em ordem a cada uma das
variáveis. Tendo-se igualado ambas as equações parciais obtidas a zero e
resolvido posteriormente o sistema de duas equações a duas incógnitas, a
solução obtida foi a seguinte:
Variáveis independentes
Valores óptimos
x1 - Resíduo seco solúvel
67
x2 - Percentagem de maçã
Atendendo aos limites de variação das variáveis independentes considerados
neste trabalho, verifica-se que a combinação dos valores, do resíduo seco
solúvel e da percentagem de maçã que maximizam a equação do equilíbrio
global, encontram-se muito próximos dos valores das formulações do ponto
central do desenho experimental, que apresentam 70 e 40, respectivamente.
Ensaio 2 - Influência do mosto concentrado e da variedade de maçã nas
características fisico-químicas e sensoriais das uvadas
No ensaio 2 preparam-se uvadas de acordo com a formulação optimizada no
ensaio 1, variando os factores mosto e variedade de maçã de acordo com o
desenho experimental apresentado nos materiais e métodos.
As características fisico-químicas das uvadas apresentam-se no Quadro XII.
Todas as uvadas foram preparadas de acordo com a formulação optimizada
do ensaio 1, apresentando portanto um resíduo seco solúvel de 67 %.
-Foi realizada uma análise de variância aos resultados, cujo resumo é
apresentado no Quadro XIII, a qual permitiu verificar a influência do mosto
utilizado nas caracteristicas fisico-químicas nomeadamente nos valores de
pH, acidez total e de 5-hidroximetilfurfural, verificando-se que as uvadas,
obtidas a partir de mosto concentrado Seminário apresentavam relativamente
às uvadas obtidas a partir de mosto Fernão Pires valores significativamente
mais elevados de pH, mais baixos de acidez total e de 5-hidroximetilfurfural.
A maçã apenas influenciou significativamente a variável acidez total,
verificando-se que as uvadas processadas com maçãs de variedade Querina
apresentaram uma acidez mais elevada.
As uvadas foram avaliadas sensorialmente conforme se descreveu nos
materiais e métodos. Os resultados obtidos são apresentados no Quadro XIV.
-A análise dos resultados da prova organoléptica mostrou que o mosto
Seminário permitiu obter uvadas significativamente diferentes das uvadas
obtidas a partir de Fernão Pires nomeadamente no que respeita à intensidade
da cor, gosto doce e ácido e dureza. Apesar das diferentes caracteristicas
sensoriais foi possível obter doces equilibrados o que se reflecte na ausência
de efeitos a nível do equilíbrio global. A maçã, influenciou significativamente
a textura das uvadas obtidas, conforme se pode observar nos Quadros XIV
e XV. Assim as uvadas elaboradas com maçãs Querina apresentaram uma
maior dureza e menor espalhabilidade, não tendo essas diferenças
desiquilibrado os doces obtidos conforme se pode observar pelos resultados
do equilibrio global.
Ensaio 3 - Possibilidade de utilização de castas de uva de mesa para a
produção de uvadas
Este ensaio teve um caracter exploratório e pretendia avaliar da possibilidade
de utilização de castas de uva de mesa para a produção de uvadas, aumentando
a possibilidade de diversificação deste produto.
Assim, as uvadas foram elaboradas, de acordo com a formulação optimizada,
utilizando-se uma mistura de 420g de maçã e 580g de mosto concentrado
e realizando-se a cozedura dos doces até um resíduo seco solúvel final de
67%.
Tendo em conta o caracter exploratório deste ensaio apenas se procedeu à
avaliação sensorial das uvadas, designadamente uma prova discriminativa de
ordenação.
Os resultados obtidos (Quadro XVI) permitiram verificar que em termos de
equilíbrio global não era possível distinguir de forma significativa as diferentes
uvadas. No entanto, os doces apresentaram diferenças significativas no que
respeitava a intensidade do sabor ácido, do sabor doce e da dureza,
apresentando-se no Quadro XV a ordenação média atribuida pelos provadores
às diferentes uvadas.
Os resultados sugerem a possibilidade de utilização das castas de uva de
mesa, dado que não foi possível distinguir as uvadas em função do equilibrio
global. Por outro lado, os efeitos significativos detectados nos parâmetros
sensoriais sugerem a possibilidade de obter produtos com características
diferentes sem que o equilíbrio global seja comprometido. No entanto, a
ordenação dos doces em função dos parâmetros sensoriais não parece detectar
uma influência óbvia da casta, parecendo que a proveniência da casta também
pode desempenhar um papel importante nesta diversificação. Assim, futuros
trabalhos serão necessários para clarificar esta questão.
CONCLUSÕES
Os objectivos propostos para este trabalho foram alcançados, tendo-se
conseguido determinar a formulação óptima de uvada, através da maximização
da equação obtida para o equilíbrio global, parâmetro este avaliado pela
análise sensorial e que apresentou um elevado coeficiente de determinação
(R2 = 0.91). A formulação óptima correspondeu a uma uvada com um resíduo
seco solúvel de 67% e a uma percentagem de maçã de 42%.
Relativamente às respostas físico-químicas a percentagem de maçã influenciou
significativamente a acidez total e pH o que será devido ao efeito de diluição
que a maçã provoca ao ser adicionada ao mosto concentrado, devido à sua
baixa acidez. Para as restantes respostas físico-químicas, açúcares redutores
e 5-hidroximetilfurfural, o resíduo seco solúvel constitui o principal
responsável pelas variações observadas nestes parâmetros.
A aplicação da formulação optimizada noutros ensaios permitiu verificar da
possibilidade de utilização de mostos de outras castas e de outras variedades
de maçã para a elaboração de uvadas sensorialmente equilibradas embora
com características sensoriais diferenciadas. De modo particular realça-se o
facto de as uvadas de mosto Seminário permitirem obter uvadas com menor
intensidade de cor e com menores teores em 5-hidroximetilfurfural.