Caracterização da Estrutura e Dinâmica das Populações de Lince Ibérico (Lynx
pardinus): Uma Digressão Exploratória
Introdução
Actualmente, o lince ibérico (Lynx pardinus, Temminck; LI) é uma espécie com
elevado risco de extinção, a viver em remanescentes e pequenas manchas do seu
habitat, em reduzidas populações locais, interligadas (meta populações) ou não.
Esta situação torna quase impossível estudar-se e caracterizar-se populações de
LI, em condições prístinas.
A única via para ultrapassar esta lacuna, é recorrer à informação obtenível nas
condições actuais, e utilizar uma estrutura teórica para estabelecer prováveis
estimativas da estrutura, dinâmica e viabilidade intrínseca das populações de
LI, em seus habitats não alterados. Hipoteticamente, isto fornece informação
passível de maior generalização e mais abrangente aplicabilidade, sempre
necessária em trabalhos de preservação, expansão e eventuais repovoamentos com
a espécie, ou mesmo que seja só para fins comparativos.
Neste enquadramento, este texto é uma aplicação da minha teoria para a
estrutura e dinâmica das populações (Barreto, 2005: Parte I) à informação sobre
a demografia do LI a que tive acesso e se concentra em Gaona, Ferreras e
Delibes (1998). Estes três autores estudam a meta população de LI existente no
sudoeste de Espanha, e aqui compilam e introduzem dados, não só preciosos mas
também provavelmente únicos, a que recorro.
Desenvolvo um esforço no sentido de a) procurar estabelecer os parâmetros
característicos da espécie; b) discernir a sua estratégia bionómica; c) pela
via analítica e simulatória, avaliar a sua viabilidade ou inerente
susceptibilidade à extinção. A abordagem empreendida é genérica, não pressupõe
a fragmentação do habitat, ou constrições devido a sua excessiva exiguidade,
mas, presumidamente, o LI a viver em condições prístinas, ou, pelo menos,
próximo delas.
Como é usual em análise demográfica, considero uma população só de fêmeas, com
ninhadas em que a razão dos sexos é 1:1 (Gaona, et al., 1998:351). Grande parte
da informação utilizada respiguei-a do Quadro 3 dos mesmos autores (Gaona, et
al., 1998:355).
Um breve e único comentário sobre o LI em Portugal. O assunto é controverso, e
não me é possível fazer qualquer contribuição meritória para a polémica acerca
da sua ausência ou presença. O repovoamento com a espécie depende de se vir a
dispor de exemplares para o efeito e habitat adequado com área suficiente,
protegido de qualquer futura destruição e fragmentação. Como o LI é predador de
espécies cinegéticas, nomeadamente o coelho bravo (Oryctolagus cuniculus) a sua
eventual e futura existência, em populações viáveis, não será vista com igual
simpatia por todos.
A estrutura do texto esquematiza-se na Figura 17, cujo visionamento pode ser,
eventualmente, do interesse do leitor antecipar.
Na preparação deste estudo, recorri ao software Scilab para o cálculo numérico,
e ao R para ajustar as regressões apresentadas.
Demografia I: um modelo matricial de estrutura etária
Recorrendo aos valores apresentados por (Gaona, et al., 1998), proponho o
modelo matricial de estrutura etária, para as fêmeas do LI, inserto no Quadro 1
(Barreto, 2005: caps. 6 e 7). Assume: a) que a população está em equilíbrio
dimensional, isto é, atingiu o seu tamanho constante (valor próprio dominante
(λ) igual a 1,0000); b) a estrutura etária estável; c) as condições óptimas em
que todas as fêmeas em idade reprodutiva têm acesso a um território.
Quadro_1
- Modelo matricial de estrutura etária (anual) para fêmeas do LI. Matriz A1
_____________________________________________________
|0__|0__|0,2587|0,6|0,9|0,9|0,9|0,9|0,32|0,3|0__|0__|0|
|0,4|0__|0_____|0__|0__|0__|0__|0__|0___|0__|0__|0__|0|
|0__|0,7|0_____|0__|0__|0__|0__|0__|0___|0__|0__|0__|0|
|0__|0__|0,9___|0__|0__|0__|0__|0__|0___|0__|0__|0__|0|
|0__|0__|0_____|0,9|0__|0__|0__|0__|0___|0__|0__|0__|0|
|0__|0__|0_____|0__|0,9|0__|0__|0__|0___|0__|0__|0__|0|
|0__|0__|0_____|0__|0__|0,9|0__|0__|0___|0__|0__|0__|0|
|0__|0__|0_____|0__|0__|0__|0,9|0__|0___|0__|0__|0__|0|
|0__|0__|0_____|0__|0__|0__|0__|0,9|0___|0__|0__|0__|0|
|0__|0__|0_____|0__|0__|0__|0__|0__|0,6_|0__|0__|0__|0|
|0__|0__|0_____|0__|0__|0__|0__|0__|0___|0,6|0__|0__|0|
|0__|0__|0_____|0__|0__|0__|0__|0__|0___|0__|0,6|0__|0|
|0__|0__|0_____|0__|0__|0__|0__|0__|0___|0__|0__|0,6|0|
A análise desta matriz permite obter a informação sobre a população (e. g.,
Caswell, 2001:90-94) inserta no Quadro 2.
Quadro 2- Estrutura etária estável (EEE) e valores reprodutivos (VR) das
idades, associada ao modelo do Quadro_1
_____________________________________________________________
|_________EEE_________|__________________VR___________________|
| 0,3273 ?1? _________________________|
| 0,1309 _|2,5000_________________________________|
| 0,0916 _|3,5714_________________________________|
| 0,0825 _|3,6808_________________________________|
| 0,0742 _|3,4231_________________________________|
| 0,0668 _|2,8035_________________________________|
| 0,0601 _|2,1150_________________________________|
| 0,0541 _|1,3500_________________________________|
| 0,0487 ?0,5000_________________________________|
| 0,0292 ?0,3000_________________________________|
| 0,0175 ?0______________________________________|
| 0,0105 ?0______________________________________|
| 0,0063 ?0______________________________________|
Na Figura 1, recorrendo à matriz A1, apresento a dinâmica de uma população que
se inicia com 100 indivíduos recém nascidos. Estabiliza com 51 fêmeas, assim
distribuídas pelas idades: 17; 7; 5; 4; 4; 3; 3; 3; 2; 1; 1; 1; 0.
Figura 1 - Dinâmica de uma população que se inicia com 100 recém nascidos,
projectada com a matriz A1
No Quadro 3, insiro a análise da sensibilidade do valor próprio dominante (a
taxa finita de crescimento da população) λ.
Quadro 3 - Análise da sensibilidade do valor próprio dominante da matriz A1,
λ=1. Matriz S1
______________________________________________________________________________
|0,167|0,067|0,047|0,042|0,038|0,034|0,031|0,028|0,025|0,015|0,009|0,005|0,003!|
|0,417|0,167|0,117|0,105|0,095|0,085|0,077|0,069|0,062|0,037|0,022|0,013|0,008_|
|0,596|0,238|0,167|0,150|0,135|0,122|0,110|0,099|0,089|0,053|0,032|0,019|0,011_|
|0,614|0,246|0,172|0,155|0,139|0,125|0,113|0,102|0,091|0,055|0,033|0,020|0,012_|
|0,571|0,229|0,160|0,144|0,130|0,117|0,105|0,094|0,085|0,051|0,031|0,018|0,011_|
|0,468|0,187|0,131|0,118|0,106|0,095|0,086|0,077|0,070|0,042|0,025|0,015|0,009_|
|0,353|0,141|0,099|0,089|0,080|0,072|0,065|0,058|0,052|0,032|0,019|0,011|0,007_|
|0,225|0,090|0,063|0,057|0,051|0,046|0,041|0,037|0,033|0,020|0,012|0,007|0,004_|
|0,083|0,033|0,023|0,021|0,019|0,017|0,015|0,014|0,012|0,007|0,004|0,003|0,002_|
|0,05_|0,020|0,014|0,013|0,011|0,010|0,009|0,008|0,007|0,004|0,003|0,002|0,001_|
|0____|0____|0____|0____|0____|0____|0____|0____|0____|0____|0____|0____|0_____|
|0____|0____|0____|0____|0____|0____|0____|0____|0____|0____|0____|0____|0_____|
|0____|0____|0____|0____|0____|0____|0____|0____|0____|0____|0____|0____|0_____|
A matriz S1 é típica dos estrategas K (Barreto, 2005: cap. 9). A maior
sensibilidade está associada à sobrevivência das recém nascidas (S1(2,1)), isto
é, à ultrapassagem do primeiro ano de vida. No quadro 4, insiro os valores de λ
associados a matrizes idênticas à A1, em que o valor de A1(2,1) foi substituído
por 0,1, 0,2,...0,7.
Quadro 4- Valores de λ para vários valores da taxa de sobrevivência dos recém
nascidos
________________________________________________________
|A1(2,1)|0,1___|0,2___|0,3___|0,4___|0,5___|0,6___|0,7___|
|λ_____|0,8034|0,8936|0,9536|1,0000|1,0383|1,0713|1,1005|
Recorrendo a Barreto (2005:cap. 8), da matriz S1 é possível obter os seguintes
índices:
de crescimento: 0,5844; de regeneração: 0,2712; de sobrevivência: 0,7287.
Demografia II: os parâmetros característicos da população do LI
Escreva-se a equação de Gompertz na forma:
yi = yif Riexp(-ct) (1)
A matriz A1 permite obter as razões "valor inicial/valor final" (Ri)
das variáveis individuais e populacionais do LI (Barreto, 2005: capítulos 1 a
4) e valor do chamado coeficiente de competição (c), na equação de Gompertz,
como se exibe no Quadro 5.
Quadro 5 - Parâmetros característicos da dinâmica individual e populacional do
LI
________________________________________________
|c_____|R-2___|R1____|R2____|R2,67_|R3____|R4,67_|
|0,3920|9,7730|0,3199|0,1023|0,0478|0,0327|0,0049|
Os valores de R-2 e c permitem estabelecer o valor da taxa líquida de
reprodução (Ro) estimada em 2,2435fêmeas/fêmea/longevidadee a duração média de
uma geração: 4,4 anos.
Recorrendo aos mesmos parâmetros, proponho a tabela de vida para as fêmeas de
LI, inserta no quadro 6.
Quadro 6 - Tabela de vida para uma população de LI em equilíbrio dimensional e
estrutural. X=idade; lx=número de sobreviventes; timia=taxa instantânea de
mortalidade no início do ano; tms=taxa média de sobrevivência; tmm=taxa média
de mortalidade; e=esperança de vida
_____________________________________
|x_|lx_|timia?nm|tms___|tmm___|e_____|
|0_|100|0,8936|52|0,4775|0,5225|2,7582|
|1_|48_|0,6038|19|0,6068|0,3932|4,3195|
|2_|29_|0,4080|8_|0,7135|0,2865|5,8383|
|3_|21_|0,2757|5_|0,7961|0,2039|7,0043|
|4_|16_|0,1863|2_|0,8572|0,1428|7,6832|
|5_|14_|0,1259|1_|0,9011|0,0989|7,8874|
|6_|13_|0,0850|1_|0,9320|0,0679|7,7025|
|7_|12_|0,0575|1_|0,9536|0,0464|7,2303|
|8_|11_|0,0388|0_|0,9684|0,0316|6,5598|
|9_|11_|0,0262|0_|0,9785|0,0215|5,7587|
|10|11_|0,0177|1_|0,9854|0,0146|4,8749|
|11|10_|0,0120|0_|0,9901|0,0099|3,9400|
|12|10_|0,0081|0_|0,9933|0,0067|2,9746|
|13|10_|0,0055|0_|0,9955|0,0045|0_____|
Na Figura 2, simulo o crescimento da biomassa de um lince que atinge no estado
adulto 12 quilogramas.
Figura 2 - Dinâmica da biomassa de um LI
Na Figura 3, simulo a curva de sobrevivência do LI.
Figura 3 - Curva de sobrevivência de uma corte de LI
Modelo matricial de estádios
Os modelos matriciais de estrutura etária podem ser considerados um caso
particular dos modelos matriciais de estádios, em que indivíduos de mais de uma
idade são agrupados de acordo com as fases da biologia da espécie.
Frequentemente, a facilidade de manipulação e predicabilidade destes últimos
modelos é superior aos da estrutura etária.
Nesta secção, introduzo um modelo matricial de estádios para o LI, retendo os
outros pressupostos do modelo A1. Estabeleço quatro fases na sua biologia:
estádio 1: recrutamento, compreendendo os indivíduos desde o nascimento até
atingirem o primeiro ano de vida; estádio 2: juvenil, de 1 até aos 2 anos;
estádio 3: reprodutivo: dos 2 aos 9 anos; estádio 4: pós reprodutivo: a fase
terminal da vida até ao limite da longevidade (13 anos). O modelo conceptual é
graficamente representado na Figura 4, e descrito pela matriz A2, no Quadro 7.
Considero projecções anuais.
Figura 4 - Diagrama do modelo matricial de estádios do LI
Quadro_7
- Modelo matricial de estádio (anual) para fêmeas do LI. Matriz A2
_____________________
|0__|0__|0,87__|0_____|
|0,4|0__|0_____|0_____|
|0__|0,7|0,8104|0_____|
|0__|0__|0,0861|0,2466|
A sensibilidade de λ insere-se no Quadro 8. A maior sensibilidade está
associada à fracção dos indivíduos que permanecem na fase reprodutiva, no ano.
Quadro 8 - Análise da sensibilidade do valor próprio dominante da matriz A2,
λ=1,037. Matriz S2
___________________________
|0,1520|0,0586|0,1812|0,0197|
|0,3941|0,1520|0,4698|0,0512|
|0,5839|0,2252|0,6959|0,0758|
|0_____|0_____|0_____|0_____|
A maior sensibilidade de λ está agora associada à permanência das fêmeas no
estádio reprodutivo.
Quadro 9 - Estrutura etária estável (EEE) e valores reprodutivos (VR) das
idades, associada ao modelo do quadro_7
_____________
|EEE___|VR____|
|0,3693|1_____|
|0,1424|2,5924|
|0,4402|3,8402|
|0,0479|0_____|
Da matriz A2 é possível extrair a cadeia de Markov do Quadro 10, onde se
destaca a cheio a sub matriz de transição T.
Quadro 10 - Cadeia de Markov associada à matriz A2. Matriz M1
_______________________
|0__|0__|0_____|0_____|0|
|0,4|0__|0_____|0_____|0|
|0__|0,7|0,8104|0_____|0|
|0__|0__|0,0861|0,2466|0|
|0,6|0,7|0,1035|0,7534|1|
A matriz T permite obter a informação do Quadro 11 (e. g., Caswell, 2001:119).
Quadro 11 - Parâmetros da dinâmica do modelo de estádios A2. medest= tempo
médio de permanência no estádio; var1= variância de medest; espest = esperança
de vida do estádio; var 2=variância de espest; Ro = taxa líquida de reprodução
do estádio
______________________________________
|Estádio|medes|var1|espest|var2|Ro____|
|1_______|1____|0___|3,0___|15,7|1,2848|
|2_______|1____|0___|5,1___|23,5|3,2120|
|3_______|5,3__|22,5|5,9___|23,2|4,588_|
|4_______|1,3__|0,4_|1,3___|0,4_|0_____|
O valor médio de Ro, no quadro 11, é 2,2714, próximo do anteriormente
encontrado (2,2435).
Estocacidade demográfica: abordagem simulatória
Uma equação diferencial escolástica de Ito
Uma equação diferencial para o modelo de Gompertz (eq.(1)) é a seguinte:
(2)
Criemos um processo estocástico de nascimento e morte, assumindo Y(t) como uma
variável aleatória do tamanho da população. Num pequeno intervalo de tempo Δt,
seja a probabilidade de um nascimento igual a cY(t)Δt e a de uma morte a cYln
(Y)/ln(Yf)Δt. Então a equação diferencial estocástica para o crescimento
gompertziano satisfaz a relação seguinte:
(3)
podendo tomar Y(t) valores iguais ou superiores a zero. W representa um
processo de Wiener.
Aplicando o método de Euler à eq. (3), obtenho a equação recorrente seguinte:
(4)
em que ηt~N(0,1).
Na Figura 5, apresento três simulações da variação de uma população de LI, que
já tenha atingido a capacidade de sustentação yf(=10), durante dez anos.
Figura 5 - Simulação estocástica do tamanho de uma população de LI, depois de
ter atingido a capacidade de sustentação (10 indivíduos), durante dez anos,
recorrendo à eq. (4). Δt=0,01
Para elaborar esta subsecção recorri a Allen (2003).
Modelo matricial
O LI sendo uma espécie com elevado risco de extinção, confinado a pequenas
populações, não é imune ao efeito da estocacidade demográfica, pelo que se
justifica uma indagação simulatória e analítica nesta área, embora se presuma
que fosse pouco relevante, na generalidade, para o LI nas condições primevas.
Nesta secção explano a abordagem simulatória.
Para simular o crescimento de uma população de LI sujeita a estocacidade
demográfica, recorro a duas matrizes. A primeira é obtida da cadeia de Markov
eliminando a última coluna da direita (coluna 4) e designo-a por C. A segunda é
obtida da matriz A2, fazendo iguais a zero os elementos das linhas 2 a 4. Será
a matriz F. Estas duas matrizes serão sujeitas a estocacidade seguindo o
procedimento descrito em Caswell (2001:458-459). A matriz C é simulada
recorrendo a uma distribuição multinomial, e a F a uma de Poisson. Considero 10
combinações de F(1,3) e C(2,1). Considerei populações iniciais de uma fêmea em
cada estádio. Para cada uma delas simulei 20 conjuntos de 1000 simulações com a
duração de 100 anos e obtive, para cada uma a média da sobrevivência percentual
e coeficiente de variação associado, conforme exibo no Quadro 12.
Quadro_12
- Sobrevivência percentual média, em 100 anos, de uma população inicial de LI
com uma fêmea em cada estádio, em várias condições de fertilidade (F(1,3)) e
sobrevivência das recém nascidas (C(2,1)). PMS = percentagem média de
sobrevivência até aos 100 anos; CV = coeficiente de variação
________________________________________
|Conjunto|F(1,3)|C(2,1)|P_M_S|CV___|λ___|
|1_______|0,47__|0,4___|0,58_|46,67|0,955|
|2_______|0,47__|0,5___|5,1__|11,15|0,981|
|3_______|0,57__|0,4___|3,5__|14,44|0,977|
|4_______|0,57__|0,5___|19,4_|6,71_|1,007|
|5_______|0,6772|0,4___|13,6_|8,05_|1,000|
|6_______|0,6772|0,5___|39,7_|4,51_|1,033|
|7_______|0,77__|0,4___|27,66|4,57_|1,018|
|8_______|0,77__|0,5___|53,6_|3,06_|1,053|
|9_______|0,87__|0,4___|42,4_|3,91_|1,037|
|10______|0,87__|0,5___|63,7_|2,49_|1,074|
Os valores de PMS e λ permitiram-me ajustar a seguinte regressão:
PMS=67989,83200389λ+196198,1λ2-63784,3λ3
(R2aj = 0,999; F = 4017,02; p=0,0000 ) (5)
Embora a eq. (5) seja um modelo empírico que não acresce inteligibilidade ao
assunto em análise, na Figura 6, exibo os 10 pares de valores do quadro_12, e
os obtidos com ela. São virtualmente coincidentes.
Figura 6 - Valores da percentagem média de sobrevivência até aos 100 anos (PMS)
obtidos por simulação e gerados pela eq. (5)
Na Figura 7, exibo duas simulações, nas condições do conjunto 9, do Quadro_12.
Figura 7 - Duas simulações de uma população inicial de uma fêmea em cada
estádio, sujeita a estocacidade demográfica, durante 100 anos. F(1,3)=0,87 e C
(2,1)=0,4
Estocacidade demográfica: abordagem analítica
Um tratamento mais preciso que o simulatório, da estocacidade demográfica, pode
ser levado a cabo analiticamente, recorrendo aos processos de ramificação ou
arborescentes ("branching processes"), cuja aplicação só recentemente
vem ganhando interesse em ecologia (Kimmel e Axelrod, 2002; Caswell, 2001:cap.
15).
Os processos de ramificação surgiram da procura de solução para o problema de
avaliar a probabilidade extinção das linhagens aristocráticas britânicas, no
século XIX. Foi neste contexto que surgiu o processo de ramificação de Galton-
Watson, o mais antigo e simples, sendo a ele que nesta secção recorro.
A aplicação mais recente dos processos de ramificação estende-se a diversos
domínios da biologia molecular. Para este domínio de aplicação veja-se Kimmel e
Axelrod (2002).
Esta abordagem descreve um grupo de organismos (o nosso caso particular) que
dão origem, casualmente e de acordo a certas regras probabilísticas, a outros
organismos, que por sua vez também proliferam, gerando-se, a partir de cada um,
uma árvore de descendência, e daqui a designação de processo de ramificação ou
arborescente.
Restrinjo a aplicação do processo à avaliação das probabilidades de extinção
das linhagens de cada estádio, seguindo de perto Caswell (2001:493-497).
Na Figura 8, insiro a evolução das probabilidades de extinção de cada estádio
até se atingirem valores estáveis, para o caso de uma população crescendo de
acordo com a matriz A2. As probabilidades de extinção estimadas são as
seguintes:
Estádio 1: 0,9722; estádio 2: 0,9331; estádio 3: 0,9059; estádio 4: 0,9981.
Uma população muito pequena, com estas probabilidades de extinção, só pode ser
salva por estocacidade ambiental favorável ou imigração.
Figura 8 - Probabilidades de extinção dos estádios da população de fêmeas de
LI, sujeitas à dinâmica da matriz A2. O estádio 4 pode-se dizer que tem
extinção garantida
Quadro 13 - Probabilidades de extinção dos estádios da população de fêmeas de
LI, para os valores extremos da Figura 9, da sobrevivência das recém nascidas
__________________________________
|Estádio|A2(2,1)=0,30|A2(2,1)=0,70|
|1_______|0,9924855___|0,7626770___|
|2_______|0,9782850___| 0,6623957_|
|3_______|0,9704071___| 0,5191367_|
|4_______|0,9981418___| 0,9981418_|
Para vários valores de A2(2,1), taxa de sobrevivência das recém nascidas,
estimei as probabilidades de extinção dos estádios de acordo com o exibido na
Figura 9. A influência do valor da taxa de sobrevivência das recém nascidas
aumenta a partir da taxa 0,4, melhorando conspicuamente a probabilidade das
linhagens dos estádios 1, 2 e 3 não se extinguirem. A probabilidade de extinção
do estádio 4 é praticamente insensível a variação da mesma taxa.
Figura 9 - Probabilidades de extinção dos estádios da população de fêmeas de
LI, para vários valores da taxa de sobrevivência das recém nascidas (s)
Estocacidade ambiental
Nesta secção, vou elaborar duas aproximações ao seu tema. Uma genérica e mais
facilmente calculável, e outra recorrendo à matriz A2 (quadro_7).
Na primeira abordagem, recorro ao modelo de Goodman (1993:13), modificado para
mais expedita computação (Belovsky, 1993:37). Este modelo fornece estimativas
do tempo de persistência médio de uma população T, de que se conheça a taxa
intrínseca de crescimento natural r, a sua variância induzida pela estocacidade
ambiental v, e a capacidade de sustentação do local para a população K.
Para duas populações com o mesmo valor de K ou yf, uma crescendo de acordo com
a curva logística e outra segundo a de Gompertz, verifica-se a seguinte relação
(Elseth e Baumgardner, 1981: 270):
r= c ln K (6)
Para discernir os efeitos da capacidade de sustentação e da variância de r, no
tempo de persistência médio de uma população de LI, recorri ao modelo
modificado de Goodman, utilizando a eq. (6).
No Quadro 14, exibo os resultados da aplicação das equações propostas por
Belovsky, procurando cobrir tanto situações de fragmentação do habitat como
primevas.
Quadro_14
- Tempos de persistência (T, anos) associados à maior variância de r (v)
suportada pela população, quando ocorre uma dada capacidade de sustentação (K).
Para maiores valores de v a população extingue-se
_______________________________________________________________________________
|K|2____|10___|20___|30___|40___|50___|60___|70___|80___|90___|100__|500__|1000_|
|T|8____|77___|112__|146__|177__|207__|235__|264__|292__|319__|346__|1266_|2274_|
|v|0,299|0,993|1,291|1,446|1,591|1,687|1,765|1,832|1,889|1,940|1,985|2,680|2,979|
Quanto menor for K, mais susceptível é a população à extinção, e menos
tolerante é à variância de r, o que era esperado. Para K≥10, a relação entre K
e T é virtualmente linear, como comprova a eq. (7).
T=90,60558+2,21109 K (7)
(R2aj=0,998, F=4596, p=0,0000)
Os valores de v, exibidos no Quadro_14 implicam a razão v/r=1,1. Comparando com
a amplitude de valores mencionada Belovsky (1993:54), em que o mínimo referido
desta razão é 1,43, este valor é muito baixo, o que confirma a fragilidade da
persistência da espécie.
Outra possibilidade passa pelo recurso à simulação com a matriz A2 modificada.
Considero os efeitos simultâneos da estocacidade ambiental e da densidade. Para
isso: a) faço s1 ser uma variável com distribuição normal de média 0,4 e
variância 1; a classe 3 é decomposta em duas, uma cujas fêmeas não ocupam
território mas têm possibilidade de ter acesso aos que possam deixar de estar
ocupados (3A) e outra cujos membros dispõem de território e reproduzem-se (3B).
O novo diagrama da estrutura da população insere-se na Figura 10.
Figura 10 - Representação diagramática da população associada à matriz A2,
considerando fêmeas reprodutivas dispondo (3B) ou não (3A) de território
Não disponho de dados da variação ambiental associados ao estudo de qualquer
população de LI, por isso, arbitrariamente e só com propósitos ilustrativos,
como já disse, considero só o efeito da variação ambiental sobre s1
(sensibilidade de λ=0,3941, quadro 8), à semelhança dos autores espanhóis,
assumindo, s1=N(0,4, 1).
Na Figura 11, simulo o efeito do número de territórios na probabilidade de
quase extinção. O efeito é conspícuo.
Figura 11 - Três simulações do efeito do número de territórios disponíveis na
probabilidade de extinção, no período de 50 anos, com uma população inicial de
[4 2 4 3 2] e s1=N(0,4, 1). Para cada valor de territórios disponíveis foram
feitas 1000 simulações. A população considera-se extinta (inviável) quando o
número de indivíduos é inferior a três
Se considerar só s3=N(0,81, 2), a sensibilidade de λ relativamente a esta
variável é 0,6959, a maior, verifica-se a elevada probabilidade da população
ser inviável para os números de territórios considerados (≤10).
Estocacidades ambiental e demográfica
Em benefício da completude da exposição, importa apresentar um modelo que
abarque, simultaneamente as estocacidades ambiental e demográfica. O modelo que
proponho é o seguinte (Barreto, 2005:31, eq.(4.54); Lande et al.,2003:110):
yt+1= yt + yt (c log(yf/yt) + εt) (8)
y = número de fêmeas; c = 0,392, anteriormente estimado; εt = N(0, σ2), em que
σ2=σ2a+σ2d/y (9)
σ2a= variância ambiental; σ2d = variância demográfica.
Importa anotar que a variância demográfica para a população só de fêmeas é
inferior à da população total, abarcando fêmeas e machos (Lande et al.,2003:
11). Para tamanhos da população tais que y> 10 σ2d/ σ2a a estocacidade
demográfica pode ser ignorada (Lande et al.,2003:9).
Em Barreto (2005:31) analiso a estabilidade da eq. (8).
Não disponho de valores das duas variâncias, para qualquer população do LI, por
isso a título meramente ilustrativo, apresento o gráfico da Figura 12,
assumindo, arbitrariamente, σ2a =0,1 e σ2d=0,15, para valores de yf =10, 30 e
50 e a população inicial de uma fêmea.
Figura 12 - Projecções estocásticas de populações de fêmeas de LI, recorrendo à
eq. (9). σ2a =0,1 e σ2d=0,15; yf =10, 30 e 50, sendo a população inicial de uma
fêmea. Três grupos de quatro simulações
Uma alternativa à eq. (8) é a seguinte:
yt+1= yt (exp(c ln(yf)-c ln(yt)) + εt) (10)
Na Figura 13, exibo as diferença "eq.(8)-eq.(10)", para os mesmos
valores de εt. As maiores diferenças ocorrem nos primeiros anos, e com os
maiores valores de yf. Verifica-se "eq.(8)<eq.(10)".
Figura 13 - Diferenças entre os valores dados pelas eqs. (8) e (10), para os
mesmos valores de εt. yf=10, 30 e 50
Na análise da viabilidade de uma população, as curvas da probabilidade
acumulada de extinção, para um período de tempo seleccionado, para vários
valores, por exemplo, da capacidade de sustentação, são instrumentos valiosos
(e.g., Morris e Doak, 2002:45). Recorrendo à simulação, a eq. (11) pode ser
utilizada para estabelecer estas curvas, como ilustro na Figura 14.
Figura 14 - Probabilidades acumuladas de extinção, pelo período de cinquenta
anos, de uma população inicial de uma fêmea de LI, para valores de yf de 1 a
10, sendo σ2a =0,3 e σ2d=0,45. Para cada valor de yf foram realizadas 5000
simulações
O Equilíbrio da territorialidade
O LI exibe territorialidade intra sexual (Gaona et al., 1998:351) pelo que se
justifica não ignorar este aspecto. O meu propósito é estabelecer a proporção
dos territórios disponíveis numa vasta área, que são ocupados pelas fêmeas de
LI (p), numa situação de equilíbrio da população (λ=1).
A minha fonte nesta secção é Lande, Engen e Sæther (2003:80-84), utilizando o
modelo estabelecido em 1987, pelo primeiro autor, que é explanado e deduzido
neste livro.
Nesta inquirição, considerarei duas situações: a) não há dificuldade no
acasalamento; b) os machos são escassos. Presumo que a primeira situação
deveria prevalecer nas populações prístinas de LI. Abordo a segunda por ser a
verificada no sudoeste de Espanha, e ser tida como a principal limitação ao
crescimento de algumas populações da meta população ali existente e estudada
(Gaona et al., 1998:361).
A situação de abundância de machos
Passo a descrever o modelo de Lande aplicável neste contexto.
A taxa de ocupação dos territórios disponíveis p, pode assumir dois valores;
p=1-(1-k)/h se h>1-k (11a)
p=0 se h≤1-k (11b)
k=(1-1/Ro)1/m (11c)
sendo h a proporção da área que é de facto utilizável pela espécie; m é o
número máximo de territórios que uma jovem fêmea pode procurar antes de morrer,
sem encontrar nenhum que possa ocupar. Este parâmetro deve variar com as
condições locais de ocupação e dispersão dos territórios. Ro, a taxa líquida de
reprodução, já foi anteriormente estimada em 2,2435.
Verifica-se aqui a ocorrência de um mecanismo de efeito da Allee, pois para
valores de h iguais e menores que um limiar crítico h*, a população extingue-
se.
Nas minhas simulações com este modelo assumi valores de h de 0,3 a 1, e valores
de m=5, 10, 15, 20. Os valores h* associados a m inserem-se no Quadro 15.
Quadro 15 - Valores de h* tais que h ≤ h* implica a extinção da população
__________________________
|m_|5____|10___|15___|20___|
|h*|0,111|0,057|0,038|0,028|
Exibo na Figura 15 o resultado das simulações. Como era de esperar, maiores
valores de m e h proporcionam populações maiores, em equilíbrio.
Figura 15- Valores da proporção de territórios ocupados, na situação de
equilíbrio (p*), para m=5, 10, 15, 20 (curvas de baixo para cima), quando não
há dificuldade de acasalamento (eq. (11))
Situação de escassez de machos
O modelo de Lande assume agora a forma da equação 12, que só pode ser resolvida
numericamente:
[1-(1-h-hp)m] [1-(1-(1-p) (1-hp)n]Ro=1 (12)
onde n é o número de territórios vizinhos aos de uma fêmea onde ela procura
encontrar um macho para acasalamento.
Na Figura 16, apresento simulações efectuadas com o modelo da eq. (12),
assumindo n=5 e 10.
Figura 16 - Valores da proporção de territórios ocupados, na situação de
equilíbrio (p*), para m=5, 10, 15, 20 (curvas de cima para baixo), quando há
dificuldade de acasalamento (eq. (12)). n=10 (gráfico superior) e n=5
É conspícuo que a falta de machos tem um marcado efeito no valor de p* e pode,
de facto, levar à extinção de uma população se não ocorrer a imigração de
animais provenientes de outros locais, como acontece em Espanha.
Comentários conclusivos
Antes de prosseguir, gostaria que o leitor tivesse presente os propósitos deste
artigo, exarados na introdução, para melhor contextuação do que se segue.
Em benefício da organização, mais conspícua articulação e inteligibilidade
destas considerações conclusivas, exibo o esquema da estrutura do texto, na
Figura 17.
Figura 17 - Descrição diagramática da estrutura do artigo
Como nela se confirma, tudo começa com os dados de Gaona et al. (1998). Em
verdade, não estou em posição de poder comentar, com objectividade e interesse,
os dados destes autores, para além da asserção genérica que reconhece não haver
dados que estejam completamente expurgados de erro. Limito-me a lembrar que a
amostragem de populações com muito poucos indivíduos (raras) é extremamente
difícil e mais sujeita a erros que a de populações mais numerosas. É pois
evidente e trivial que a qualidade dos resultados das minhas elaborações, por
muita correcção teórica, lógica e dedutiva que estas eventualmente tenham, é
fundamentalmente afectada pelo nível de exactidão da informação sobre a
biologia e ecologia do LI, a que recorro. Esta utilização tem implícito que
assumo ser a sua correcção suficiente para os meus propósitos. Sobre dados é
tudo o que tenho por curial dizer.
As questões que agora surgem são duas, e dizem respeito a) à correcção com que
integrei os dados a que recorri nos modelos da minha teoria, b) a objectividade
ou adequação externa (à realidade de que se ocupa) da mesma teoria.
No que respeita à qualidade da minha teoria, não a vou discutir aqui, por ser
deslocado, e remeto o leitor para os comentários e análise que a ela faço em
Barreto (2005), para além dos juízos que sobre ela cada um possa fazer. Limito-
me a dizer que não conheço outra tão abrangente e, simultaneamente, de tão
elevada coerência interna.
O modelo de cuja correcção praticamente tudo depende é a matriz de Leslie (A1),
exibida no Quadro_1. Dispondo-se de dados fiáveis para o efeito, a construção
desta matriz não levanta grande dificuldade e por isso deverá ser altamente
provável que o seu nível de inexactidão a não torne totalmente desinteressante,
e condenada a ser ignorada.
Posto isto, não repugna admitir que os valores estimados dos parâmetros
característicos da espécie também possam ter nível de verosimilitude que os
façam merecedores de aceitação, certamente sempre transitória (trata-se
ciência), até se alcançarem outros mais precisos.
São alguns dos parâmetros atrás mencionados (c, Ro e R-2) que permitem as
análises e simulações subsequentes. Estas dependem não só do trabalho
desenvolvido por mim até então, mas também dos instrumentos a que recorri tanto
do edifício da modelação e análise matricial das populações, como de alguns
modelos propostos por outros autores, devidamente identificados, e tidos como
adequados para o meu labor exploratório, no âmbito da ecologia das populações
de LI. Deixo ao juízo do leitor avaliar da justeza das minhas opções pois,
obviamente, tenho-as como curiais e defensáveis.
Dada a natureza exploratória e genérica deste estudo (não abordei o caso de uma
qualquer população com existência real) omiti estimativas de intervalos de
confiança.
Em meu entendimento, duas evidências da maior relevância emergem do texto: a) a
muito provável fragilidade da sobrevivência das populações do LI, inerente às
suas características e b) a vantagem de se dispor de uma teoria integrada, para
poder dar amplo aproveitamento a informação restrita, que doutra maneira seria
de pouca utilidade e requereria muito mais tempo e recursos para ser
completada. É a capacidade integradora e de descoberta das teorias que permite
a Feynman (1989:45) escrever: "A Natureza utiliza longos fios mas os
bocados mais pequenos permitem revelar a estrutura de toda a tapeçaria".