Seleção de Espécies Lenhosas Adequadas às Técnicas de Engenharia Natural
Introdução
A engenharia natural (EN) foi desenvolvida na Europa central depois da segunda
guerra mundial e na Europa mediterrânica nos últimos vinte anos. É uma
importante técnica que permite compensar os desequilíbrios induzidos nos
ecossistemas por processos artificiais ou mesmo naturais.
A EN na Europa tem o seu papel bem identificado desde a sua aplicação pelo
Eng.º Hugo Meinhard Schiechtl, nos Alpes Orientais Austríacos, a partir da
segunda metade do século passado. A área alpina e a Europa central foram as
regiões onde, durante muitos anos, se experimentou a EN, se acompanhou a
execução das suas obras e se fez a monitorização post-opera, de forma mais
alargada (SCHIECHTL, 1973). O conhecimento acumulado sobre as técnicas da EN e
dos seus materiais construtivos - vivos, que são o seu elemento distintivo,
ficou limitado a esta área geográfica e ao seu clima específico até a última
década do século passado.
A partir de 1998 a EN teve uma larga difusão na Europa meridional, nomeadamente
na Itália central e meridional, baseando-se no conhecimento até aí adquirido e
em alguns dos pressupostos que dele advinham (CORNELINI e SAULI, 2005). No
entanto muitos aspetos decorrentes da adaptação das técnicas de EN a esta área
geográfica conduziram a novas, interessantes e originais experiências.
A EN é reconhecida como uma técnica de diminuto impacte ambiental, sendo
considerada uma ferramenta de recuperação da degradação ambiental,
possibilitando que os desequilíbrios induzidos aos ecossistemas possam ser
compensados. No entanto, para se garantir um menor impacto será necessário
eliminar, dos projetos de EN e das suas obras, os materiais sintéticos,
substituindo-os por biodegradáveis. Simultaneamente, e na procura do mesmo
objetivo, é decisiva a integração ecológica das obras de EN no ambiente
envolvente. A seleção das espécies deve estar de acordo com a fitocenose do
lugar e com as séries possíveis de sucessões ecológicas (SCHIECHTL, 1973; SAULI
e CORNELINI, 2002).
As experiências de EN têm sido realizadas sobretudo em zonas ribeirinhas ou em
áreas alpinas, locais onde não há períodos de seca prolongados e,
consequentemente, o stress hídrico não é uma limitação à utilização de estacas
vivas, sendo estas o principal material de construção das obras de EN na
estabilização e consolidação das encostas.
As experiências em clima mediterrânico - Itália Meridional, em encostas áridas
ou afastadas dos rios, têm demonstrado que o uso de estacas não é viável,
propondo em seu lugar, como material alternativo de uso mais abrangente,
plantas lenhosas com o caule enterrado.
A aplicação da EN nas encostas secas de Portugal pode beneficiar dos resultados
obtidos nas experiências desenvolvidas noutros países de clima mediterrânico;
no entanto, as plantas aí utilizadas com sucesso não pertencem à flora
portuguesa, sendo por isso necessário encontrar as que melhor se adequam a
Portugal.
O objetivo deste trabalho é a definição de um conjunto de plantas lenhosas da
flora portuguesa que se qualificam como (i) adequadas para aplicação em obras
de EN e (ii) presumivelmente adequadas, carecendo de um maior conhecimento
através da realização de trabalhos de investigação.
Métodos
Para a definição do conjunto de plantas lenhosas da flora portuguesa adequadas
às técnicas de EN serão seguidos os três passos metodológicos propostos pelo
"brainstorming" (BEZZI e BALDINI, 2006):
identificação do problema, definição dos requisitos das espécies a utilizar
nas técnicas de EN em Portugal;
fase divergente, determinação de pressupostos que aparentemente contêm
soluções com resultados positivos: seleção das espécies candidatas;
fase convergente, avaliação dos pressupostos com base em critérios técnico-
científicos que levem à escolha das soluções mais adequadas ao problema:
avaliação e diferenciação das espécies candidatas.
Depois de ter identificado o problema, definindo os requisitos das espécies
lenhosas a utilizar na consolidação e estabilização de taludes, através da
consulta da bibliografia disponível para a Europa e Portugal continental,
determina-se um grupo de espécies candidatas, potencialmente adequadas para
aplicação em obras de EN, ou seja, as referidas na bibliografia como
evidenciando uma boa capacidade de reprodução vegetativa. Fechar-se-á esta fase
divergente incluindo, no grupo das candidatas, outras espécies, resultantes do
conhecimento decorrente da experiência profissional no parque nacional do
Vesúvio (BIFULCO, 2001) e de outras experiências em Portugal continental
(COSTA, com. pess.). Seguidamente, na fase convergente, serão definidos os
critérios de base sob os quais as espécies candidatas serão avaliadas.
Proceder-se-á à subdivisão das espécies em classes, designadamente em (i)
espécies que podem ser consideradas desde já adequadas para aplicação em obras
de EN em Portugal e (ii) espécies presumivelmente adequadas, carecendo no
entanto de subsequente trabalho de investigação.
Identificação do problema: caracterização do material vivo a aplicar em obras
de engenharia natural na estabilização e consolidação de encostas
A_escolha_do_material_vivo:_sementes,_plantas,_estacas
Nas obras de EN são usados diversos materiais com diferentes características
(SCHIECHTL, 1973; SAULI e CORNELINI, 2002) que podem ser:
Materiais construtivos vivos: plantas, estacas, sementes.
Materiais mortos: pedras, postes de madeira, pregos, têxteis de fibra
vegetal.
Outros materiais orgânicos, como o estrume, ou sintéticos, como as geogrelhas
de plástico.
Na fase de projeto a análise das propriedades técnicas dos materiais é um dos
seus principais elementos orientadores.
A EN define "estaca" como um elemento vivo, parte do caule de uma planta que,
cortada e enterrada parcialmente no solo, seja capaz de emitir raízes e
posteriormente folhas (Figura 1) e "planta" como um elemento inteiro, completo
nas suas partes, com raízes, caules e folhas.
Figura 1 - Estacas de Atriplex halimus, Vitex agnus-castus, Nerium oleander e
Tamarix gallica (fotografia - Cornelini)
Nas obras de estabilização e consolidação do solo os materiais mais utilizados
são as estacas e as plantas. Este tipo de obras pode ser acompanhado com ações
de proteção contra a erosão (SCHIECHTL, 1973; SAULI e CORNELINI, 2002) através
da realização de vários tipos de sementeira.
Embora fora do âmbito deste trabalho de investigação refere-se que as sementes
de espécies herbáceas, das famílias de leguminosas e gramíneas, são utilizadas
principalmente nas obras de revestimento vegetativo e proteção contra a erosão
superficial. As sementes de espécies arbustivas são aplicadas com menor
frequência, recorrendo-se a estas quando há reconhecida facilidade de
germinação. O uso de sementes de difícil germinação que necessitam de
tratamentos específicos é raro e restringido a casos para os quais não se
encontrem alternativas.
Não se exclui da realização de obras de EN, plantações e sementeiras realizadas
segundo as tradicionais práticas silvícolas, com recurso a plantas lenhosas,
provenientes de viveiro, e/ou sementes de plantas lenhosas, contudo a aplicação
deste tipo de técnicas, nas práticas de EN, é muito escasso (SCHIECHTL, 1973;
CORNELINI e SAULI, 2005).
As estacas de plantas lenhosas e as sementes de herbáceas são os principais
materiais vivos em uso nas obras de EN. Nos Alpes, as estacas mais utilizadas
são varas de cerca de 1 m de comprimento que podem ter até 8 cm de diâmetro. As
experiências mencionadas por SCHIECHTL (1973, 1992), com estacas de salgueiro
colocadas diretamente no terreno, sem aditivos ou fertilizantes, revelam que a
capacidade de enraizamento de uma estaca aumenta com a sua idade (usualmente
utilizam-se caules de 2 ou 3 anos), o diâmetro e o número de nós com gemas.
Esta conclusão tem sido basilar na escolha das dimensões das estacas para os
trabalhos de EN.
SCHIECHTL (1973, 1992) e SCHIECHTL e STERN (1992) forneceram resultados
devidamente referenciados, provenientes de anos de experiências, relativos às
espécies usadas na Europa central, proporcionando dados sobre as percentagens
de enraizamento, o volume radicular e o volume da folhagem. Experimentou ainda
(SCHIECHTL, 1973) uma modalidade de diferente posicionamento das estacas no
terreno, pouco comum naquela época. Trata-se do enterramento da estaca
inclinada 10º relativamente ao plano horizontal, consequentemente, pouco
profunda. Com este posicionamento Schiechtl conseguiu o enraizamento das
estacas ao longo do todo o seu caule, usufruindo das gemas caulinares e não
apenas das referentes ao corte basal, promovendo um volume de raízes emitidas
muito superior ao de uma plantação vertical. Posteriormente esta metodologia
foi adotada em todas as obras de EN, sendo um dos seus aspetos caracterizadores
(Figuras 2 e 3).
Figura 2- Estacas de Salix myrsinifolia dois anos após implante (adaptado de
SCHIECHTL, 1973)
Figura 3- Estaca de Salix caprea três meses após implante (parque nacional do
Vesúvio)
SCHIECHTL (1973) define diversos esquemas de trabalho para as obras de EN: a
quase totalidade destes esquemas de trabalho usa, como material de construção
vivo, sementes, sobretudo de herbáceas, e/ou estacas de várias dimensões. O
único caso para o qual as plantas são explicitamente indicadas como único
material de construção vivo, é a técnica chamada "faixas de vegetação com
plantas" (nome em alemão: Heckenlangenbau nach Schiechtl; nome em italiano:
Sistemazione com messa a dimora di siepe sec. Schiechtl). Este esquema é uma
alteração à técnica "faixa de vegetação com estacas", considerada mais
relevante por SCHIECHTL (1973). Na execução da última técnica referida a
plantação não se faz de forma tradicional, verticalmente, mas, em analogia com
o esquema que Schiechtl tinha já usado com as estacas (Figuras 4 e 5),
enterradas em 2/3 do seu comprimento total e com o caule disposto sobre de um
plano de escavação sub-horizontal (na prática acima de 10º em relação ao plano
horizontal).
Figura 4- Raízes adventícias ao longo do caule duma planta enterrada (adaptado
de FLORINETH, 2004)
Figura 5- Raízes adventícias ao longo do caule de Colutea arborescens 15 meses
após enterramento (parque nacional do Vesúvio)
Para executar este tipo de esquema, as plantas a utilizar têm de suportar o
enterramento do caule e ter a capacidade de emitir raízes adventícias ao longo
deste. A faculdade de uma planta resistir ao enterramento do seu caule não é
uma propriedade comum para a maioria das espécies. Frequentemente o caule,
quando enterrado, apodrece e a planta deteriora-se e acaba por morrer.
A humidade no solo é um fator limitante ao enraizamento das estacas e SCHIECHTL
(1973), na sua experiência alpina, refere o mês de Maio como o mês crítico, até
ao qual tem de estar garantido o desenvolvimento de um sistema radicular que
permita ultrapassar o período seco que se lhe segue. Esta limitação é menos
decisiva em locais ou regiões onde a humidade do terreno é assegurada, quer
pela presença da toalha freática ou de rios e ribeiras, ou quando os períodos
secos são muito curtos. No entanto esta restrição torna-se o maior obstáculo ao
sucesso da EN em clima mediterrânico.
Pode-se confirmar esta dificuldade nas primeiras experiências de EN levadas a
cabo no parque nacional do Vesúvio. No fim do Inverno de 1988 foram aí
plantadas estacas de Salix alba e Salix alba ssp. vitellina, segundo os
esquemas de Schiechtl. Na primavera seguinte deu-se a rebentação radicular (ao
longo de mais 1 m) e de nova folhagem, mas após o período de estio todas as
estacas secaram, apesar dos salgueiros escolhidos serem autóctones e das
estacas terem sido cortadas em árvores muito próximas do local de utilização.
No período primaveril a experiência revestiu-se de um grande êxito, mas a
secura de Junho a Setembro, reforçada pela existência de um solo vulcânico,
rico em elementos minerais, mas muito poroso, não permitiu que as estacas
sobrevivessem ao verão.
Depois deste primeiro insucesso, optou-se por utilizar plantas em lugar das
estacas, em todas as aplicações de EN no parque nacional do Vesúvio (BIFULCO,
2001). Nestas obras, as plantações não foram executadas como habitualmente, as
plantas foram enterradas numa extensão importante do caule (mais de um metro,
sempre que possível), deixando exteriormente apenas 10 cm. Os caules enterrados
sub-horizontalmente contribuíram, com efeitos imediatos, para a consolidação do
terreno atuando como uma escora. Este efeito fez-se sentir posteriormente,
ainda com maior intensidade, através do enraizamento, não só da extremidade
radicular, mas ao longo do caule. Desta forma foi possível resolver e
ultrapassar o problema dos longos períodos de estio mediterrânico, utilizando
espécies como: Fraxinus ornus, Coronilla emerus, Colutea arborescens, Ligustrum
vulgare.
As obras de EN continuaram no parque nacional do Vesúvio, onde o autor C.
Bifulco foi diretor de 1997 até 2005, coordenando uma equipa de técnicos e
trabalhadores que se especializou na execução de obras de EN. O êxito das obras
de EN aí realizadas desde 1998, ainda hoje verificável, testemunha o bom
resultado do uso de plantas em lugar das estacas, em clima mediterrânico e em
solos sujeitos à seca estival.
Do atrás exposto considera-se que as características das espécies lenhosas,
árvores e arbustos, necessárias à utilização como material vivo nas obras de EN
(especificamente aquelas que visam a estabilização das encostas) são as
seguintes:
estacas de espécies com uma boa capacidade de propagação vegetativa;
plantas de caule resistente ao enterramento com faculdade de rebentação
radicular na sua extensão.
Seleção_das_espécies_para_projetos_de EN
Devem registar-se à partida as diferenças entre o processo que leva à
determinação das espécies adequadas às técnicas de EN - objetivo deste
trabalho, e o processo que leva à escolha, de entre as plantas adequadas, das
mais indicadas para um determinado local, numa situação específica - objetivo
do projeto. Para que não se confundam estes dois objetivos, considera-se útil
discutir, brevemente, os critérios que devem ser tidos em conta no processo de
seleção das espécies num projeto de EN.
A escolha das espécies é de crucial importância quando se pretende promover a
integração ecológica das obras de EN no ambiente envolvente. Assim, o primeiro
critério de seleção das espécies recairá sobre as que se encontram em harmonia
com a fitocenose do lugar e com as séries possíveis de sucessões ecológicas
(SCHIECHTL, 1973; SAULI e CORNELINI, 2002). O estudo da fitocenose é um
instrumento facilitador da análise e da descrição da paisagem e possibilita
ainda detetar, evidenciando, eventuais problemas do local que devem ser
investigados com profundidade. Numa obra de EN a escolha das espécies
(herbáceas, arbustivas e arbóreas) permite contribuir, por um lado para
acelerar a evolução da sucessão ecológica favorecendo a constituição de um
bosque de espécies autóctones, ou por outro lado, para o estabelecimento de
pastagens permanentes (SCHIECHTL, 1973). Quando a área de intervenção é um solo
nu, nomeadamente resultante de uma escavação ou de um deslizamento, as
informações serão recolhidas em parcelas de amostragem próximas ou em situação
semelhante, permitindo identificar as plantas da associação previamente
existente e quais as suas séries evolutivas, de modo a tentar reconstruir um
ecossistema análogo. A posterior monitorização da obra permitirá a verificação
dos pressupostos ecológicos do projeto, o assinalar de eventuais erros e a
necessidade de uma intervenção de manutenção corretiva.
As condições edafo-climáticas do local de intervenção são outro fator essencial
a considerar na seleção das espécies num projeto de EN. O tipo de solo e o
bioclima (nomeadamente o termotipo que mede a intensidade do frio invernal e a
amplitude térmica anual e o ombrotipo que mede a relação entre pluviosidade e
temperatura) são fatores que caracterizam o tipo de vegetação potencial e
permitem prever a ação dos agentes que influenciam os fenómenos erosivos, sendo
por isso elementos essenciais a ter em conta.
A prática da EN desenvolvida na Europa central permitiu a elaboração de listas
de plantas (SCHIECHTL, 1973; FLORINETH, 2004; CORNELINI e SAULI, 2005) que
respondem com maior eficácia aos diferentes tipos de solos (ácidos, salinos,
áridos), amplitudes térmicas, humidade dos solos e intensidades luminosas.
Outros aspetos importantes na escolha das espécies a utilizar em projetos de EN
são as suas propriedades tecnológicas, que se apresentam resumidas em listas de
plantas, usualmente ordenadas pela importância dos seus elementos
caracterizantes, e são:
capacidade de reprodução por via vegetativa;
capacidade de emissão de raízes caulinares adventícias;
resistência à submersão (por períodos que podem ser prolongados);
capacidade de consolidação do solo;
resistência a ações mecânicas (corte e tração) por parte do sistema
radicular;
resistência das plantas ao arranque.
Estas propriedades tecnológicas das plantas não são, em regra, relevantes para
os botânicos, mas fornecem dados fundamentais para a sua utilização como
materiais de construção necessários a qualquer obra de engenharia. O conjunto
destas propriedades, físicas e tecnológicas, são o âmbito principal de estudo e
de investigação da EN.
No entanto, frequentemente, não está disponível, como seria de esperar,
material de propagação de todas as espécies que advêm do estudo
fitossociológico (SCHIECHTL, 1973). Embora a opção mais correta seja a
utilização de plantas autóctones, ecologicamente mais bem adaptadas, a
existência de material de propagação dessas espécies é muitas vezes difícil. Um
fator condicionante, frequentemente incontornável, é a indisponibilidade de
grandes quantidades de material de propagação, sobretudo quando existem prazos
a cumprir que não podem ser dilatados.
Devido à dificuldade em encontrar as espécies ecologicamente mais adequadas
disponíveis em quantidades suficientes, as plantas selecionadas para as obras
de EN têm sido, na realidade, as ecologicamente mais plásticas. Esta
característica é um elemento de crucial importância e determinante nas escolhas
que se fazem nos projetos de EN. Uma ampla adaptabilidade ecológica permite
reduzidas exigências de balanço trófico, de disponibilidade de água e de
temperatura, fazendo da espécie uma pioneira.
Na Europa central uma dessas espécies é o Salix purpurea, largamente utilizada
não só pela sua plasticidade, mas também pela capacidade de enraizamento das
suas estacas que ronda os 100% (SCHIECHTL, 1992). A EN utiliza de uma forma
generalizada estacas de espécies com capacidade de propagação agâmica, ou
vegetativa, diretamente colocadas em obra; a utilização de espécies que possuem
esta capacidade é um garante da disponibilidade de uma grande quantidade de
materiais vivos de fácil recolha. Por fim, a utilização de espécies plásticas
diminui a possibilidade de insucesso da obra. Estas razões podem ter sido a
causa dum uso, talvez excessivo, do S. purpurea, em detrimento de outras
espécies.
O uso preponderante de espécies plásticas e pioneiras não é um obstáculo à
reconstrução de uma série de vegetação. SCHIECHTL (1973) acompanhou a evolução
de 106 das suas obras; verificando quais as espécies presentes após um
intervalo de tempo variável de 2 a 14 anos. Os resultados obtidos referem-se a
um total de 480 espécies, que se distribuíram da seguinte forma: 28 árvores, 41
arbustos, 329 herbáceas (graminoides e não graminoides), 82 criptogâmicas.
Nestas obras, Schiechtl só tinha utilizado 124 espécies, um quarto do total
encontrado. Schiechtl refere também que algumas das espécies pioneiras usadas
já não existiam no momento da monitorização. As 356 novas espécies encontradas
são a prova dos benefícios da EN que possibilita uma evolução natural a partir
de um estado inicial, resultado de uma intervenção humana.
Para entender a dinâmica dos ecossistemas, resultantes das técnicas de EN,
deve-se ter presente que as obras referidas por Schiechtl foram realizadas em
taludes de estradas e autoestradas, em solos nus ou pedregosos, carentes de
húmus, muito pouco férteis, íngremes, sensíveis à erosão, resultantes de
escavações ou deposições de terrenos. Em situações como estas é muito difícil a
instalação de vegetação sem intervenção humana, agravando-se em condições de
clima árido ou semiárido.
Nestes casos, a utilização da EN e das suas técnicas parece ser a melhor
solução para evitar processos erosivos e alcançar, em pouco tempo, uma decisiva
cobertura vegetal. Se por outro lado, o impulso inicial dado por espécies
pioneiras num solo nu, com a produção de biomassa e a ativação dos processos
pedogenéticos, proporciona uma melhoria das condições edáficas e permite a
aceleração da sucessão ecológica, por outro, nestes tipos de solos, resultantes
de escavações ou de depósitos de terreno, a probabilidade de afirmação imediata
das espécies clímax é praticamente nula por falta de adequadas condições
edáficas.
Os critérios referidos neste subcapítulo são os que têm de ser considerados no
projeto de uma qualquer obra de EN; o objetivo deste trabalho, a escolha das
espécies lenhosas da flora portuguesa adequadas à utilização em EN, segue um
processo complementar que agora será desenvolvido.
Fase divergente, espécies lenhosas portuguesas para potencial aplicação em
obras de Engenharia Natural: análise bibliográfica
Existem muitas diferenças entre a flora portuguesa e as da Europa central e
centro-meridional. São muitas as plantas referenciadas como adequadas às obras
da EN que não se encontram em Portugal. O Salix purpurea, espécie amplamente
aplicada na Europa central pelas suas características de versatilidade e
adaptabilidade (SCHIECHTL, 1973), só existe em Portugal numa limitadíssima área
centrada no parque natural do Douro Internacional (BINGRE et al., 2007). Outros
exemplos podem ser encontrados como o Alnus cordata ou a Colutea arborescens,
espécies muito úteis em obras de EN da Itália meridional (BIFULCO, 2001),
porque fixam o azoto atmosférico e melhoram as características do solo, e
ainda, Fraxinus ornus e Coronilla emerus. No entanto todos os exemplos
referidos estão ausentes da flora portuguesa.
Nesta fase divergente pretende-se determinar um conjunto de espécies lenhosas,
da flora do continente português, que aparentem ser boas candidatas à aplicação
em obras de EN. No processo que se segue não se colocam objeções ou limitações
à validade das candidaturas. Os critérios técnicos para definir o resultado
desejado serão discutidos e aplicados na fase seguinte, chamada convergente.
De acordo com o exposto, trata-se de selecionar um amplo leque de espécies
lenhosas que, sendo da flora portuguesa, se revelem adequadas às obras de EN.
As espécies a selecionar nesta fase divergente deverão ter as seguintes
características:
ter capacidade de propagação vegetativa por estaca;
sendo plantas, permitir o enterramento do caule em cerca de 1m, sem
comprometer a sua viabilidade e garantir a produção de raízes adventícias ao
longo deste.
Posteriormente, na fase convergente, far-se-á uma avaliação que permitirá
selecionar dentro das espécies candidatas quais as mais adequadas.
PIOTTO e DI NOI (2001) disponibilizam um quadro de amplas informações sobre a
capacidade de propagação por via vegetativa de determinadas espécies de
árvores e arbustos da flora mediterrânica; CORNELINI e SAULI (2001, 2005)
listam as principais espécies autóctones selecionadas para as intervenções de
EN na Sardenha e as plantas adequadas às obras de EN, abrangendo já as recentes
experiências desenvolvidas na Itália meridional; BIFULCO (2001) refere as
espécies utilizadas no parque nacional do Vesúvio.
No processo de aproximação às espécies candidatas, cruzaram-se as informações
atrás referidas com as da flora de Portugal continental (CASTROVIEJO et al.,
1986; UTAD, 2007; BINGRE et al., 2007), tendo-se considerado três tipos de
espécies e géneros botânicos:
as espécies presentes na flora portuguesa;
os géneros presentes na flora de Portugal, nos casos em que a capacidade de
reprodução vegetativa era atribuída ao género sem distinção de espécie;
as espécies da Europa central e centro meridional, quando a flora portuguesa
referia outras espécies do mesmo género.
Sendo o objetivo deste trabalho a definição de um conjunto de plantas lenhosas
da flora continental portuguesa adequadas às obras de EN, géneros e espécies da
Europa central e centro meridional devem ser substituídos por espécies da flora
portuguesa que possam justificadamente ser consideradas análogas. Operando esta
substituição, no âmbito de um mesmo género, serão preferidas: (i) as espécies
da flora portuguesa de ampla difusão geográfica, prescindindo daquelas com
distribuição limitada; (ii) as espécies inermes em detrimento das espinhosas,
tendo em conta a facilidade de transporte e manipulação; (iii) as espécies que
apresentem testes efetuados em Portugal sobre a sua capacidade de enraizamento,
com resultados mais satisfatórios em detrimento das que evidenciem resultados
insatisfatórios.
Dados particularmente interessantes sobre o enraizamento de estacas foram os
obtidos através dos projetos realizados pela Direção Regional de Agricultura e
Pescas do Algarve (MARTINS, 2000; COSTA et al., 2000; DRAP ALGARVE, 2000).
As espécies do género Salix são fundamentais nas obras de EN realizadas na
Europa central e centro-meridional. De realçar que os salgueiros da área alpina
e do centro europeu foram amplamente utilizados e testados (SCHIECHTL, 1973;
SCHIECHTL, 1996; SCHIECHTL e STERN, 1992), tendo-se verificado para todas as
espécies, excetuando o Salix caprea, uma capacidade de propagação vegetativa
variável, segundo a espécie, de um mínimo de 20% até um máximo do 100%.
Consequentemente considera-se que todas as espécies de salgueiros autóctones,
com ampla difusão territorial, excluindo o Salix caprea, podem integrar as
espécies candidatas.
Nesta fase, dita divergente, em que se pretende elencar um abrangente número de
espécies passíveis de constituir soluções com resultados positivos é importante
que a recolha da informação seja diversificada. Assim, considerou-se vantajoso
conhecer a opinião de um experiente entendido em flora portuguesa sobre as
plantas que apresentem um carácter pioneiro e/ou provável capacidade de
propagação vegetativa e que se concretizou através de uma entrevista. As
espécies sugeridas por José Carlos Augusta da Costa, professor do Instituto
Superior de Agronomia (com. pess.) passaram a integrar o conjunto das
candidatas.
Fase convergente: Critérios de seleção das espécies mais adequadas à EN em
Portugal continental
Na prossecução deste trabalho pretende-se avaliar a adequação das espécies
pertencentes ao conjunto das candidatas às técnicas praticadas pela EN em
Portugal.
Para proceder a esta avaliação as informações disponíveis são (i) o grau de
distribuição territorial da espécie em Portugal continental e (ii) a existência
de dados bibliográficos - em publicações que se referem, (ii.a) a Portugal
continental ou (ii.b), ao resto da Europa - sobre a capacidade de enraizamento
da espécie por via vegetativa.
A distribuição geográfica, na Flora Ibérica (CASTROVIEJO et al., 1986), é
definida por províncias (Minho, Douro Litoral, Trás os Montes, Beira Litoral,
Beira Alta, Beira Baixa, Estremadura - com Lisboa e Setúbal, Ribatejo, Alto
Alentejo, Baixo Alentejo, Algarve) e em cada uma delas a espécie pode estar
presente ou não; na Flora digital de Portugal (UTAD, 2007) é apresentado um
"mapa de distribuição do taxon em Portugal continental", subdividido
geograficamente de acordo com a caracterização fitoclimatológica de João do
Amaral Franco, no qual a espécie é, ou não, graficamente representada; no Guia
de campo (BINGRE et al., 2007), quando a espécie é considerada autóctone, a
distribuição é esquematizada num mapa de Portugal continental, sem subdivisões
geográficas predefinidas, ficando a área de distribuição colorida, em contraste
com aquela onde a espécie não está presente.
As três fontes não têm, por vezes, distribuições concordantes. Nestes casos,
considerando que os diferentes autores podem referir-se a diferentes herbários
e coleções, e ainda, a dados específicos de seu conhecimento, utilizar-se-á uma
distribuição geográfica resultante da união das distribuições dos diferentes
autores.
Sobre a capacidade de enraizamento de espécies da flora portuguesa (ii.a) por
via vegetativa, disponibilizam dados MENDES et al. (2008), FARIA et al. (2008),
COSTA et al. (2000), DRAP ALGARVE (2000), MARTINS (2000).
A maioria das experiências mencionadas descreve, entre outros ensaios
experimentais, a percentagem de enraizamento de estacas de pequena dimensão (10
cm de comprimento e acerca de 1 cm de diâmetro), plantadas verticalmente, em
ambiente controlado (temperatura e humidade), com rega e, muitas vezes,
estimuladas com hormonas. SANDE SILVA (2002) apresenta dados interessantes
sobre o comprimento das raízes de algumas espécies observadas na natureza.
Indicações sobre espécies, de outras regiões europeias (ii.b), adequadas à EN
são referidas por ARANZAZU-PRADA e ARIPZE (2009), FLORINETH (2004), DE LUCA e
MOLINARI (2003), SAULI et al. (2002), SCHIECHTL (1973, 1992).
Estes textos referem o uso de estacas da flora centro-meridional europeia, nas
dimensões preconizadas por Schiechtl e colocadas no terreno de acordo com as
técnicas por ele definidas.
A globalidade dos textos citados fornece dois tipos de dados:
dados de carácter qualitativo relativos à capacidade de propagação
vegetativa:
- boa, média, má;
- possível, frequente, difícil;
- adequada, não adequada;
dados de carácter quantitativo: percentagens de enraizamento resultantes das
experiências dos autores ou, referências bibliográficas por estes utilizadas.
Os dados mais pormenorizados de SCHIECHTL (1973, 1992) referem-se às espécies
usadas na Europa central, resultantes de experiências no terreno por longos
períodos e em anos sucessivos, incluindo percentagens de enraizamento, volume
radicular e volume da folhagem.
PIGNATTI e CROBEDDU (2005) apresentam diferenças relevantes nos dados de
enraizamento de estacas para algumas espécies lenhosas mediterrânicas, quando
comparados com a restante bibliografia. Esta diferença deve-se ao facto de se
tratar de estacas de material não lenhificado, cortadas de plantas mães
rejuvenescidas, ou seja, obtidas de uma estaca do ano anterior. Verifica-se
neste caso que o enraizamento é superior ao de estacas recolhidas de uma planta
mãe com cerca de 20 anos.
CORNELINI e SAULI (2005) e FLORINETH (2004) fornecem também indicações
qualitativas sobre a capacidade das espécies emitirem raízes caulinares
adventícias.
Depois da recolha dos dados bibliográficos, a avaliação das espécies incluídas
nas candidatas teve em conta as seguintes condições:
Existência de referências bibliográficas sobre a espécie nas publicações
portuguesas ou europeias, diferenciando entre presença de referência positivas
(REF) ou referências inexistentes ou insatisfatórias (enraizamento <50% ou
propagação vegetativa difícil) (REF) .
Distribuição geográfica da espécie, distinguindo entre espécies de média ou
ampla difusão (DIF), com uma distribuição geográfica superior a um terço do
território de Portugal continental, e espécies de reduzida difusão (DIF).
Existência de resultados positivos sobre o enraizamento da espécie nas
publicações portuguesas, discriminando entre presente (POR) e ausente (POR).
As espécies listadas são avaliadas pelas suas características e, de acordo com
o conjunto de atributos que lhe estão associados, é possível determinar da sua
adequabilidade à EN. Exemplificando: as espécies distribuídas em todo o
território continental português, descritas como tendo, em Portugal, estacas
com boas percentagens de enraizamento, serão as adequadas para uso em obras de
EN, podendo ser consideradas como espécies já confirmadas para esta utilização;
por outro lado, espécies com limitada distribuição, mesmo que bem referenciadas
ao nível do seu enraizamento, só poderão ser úteis aos trabalhos de EN em
determinadas áreas, o que as torna menos interessantes; espécies com limitada
distribuição e insatisfatórias referências bibliográficas terão um interesse
muito reduzido.
Do referido conclui-se que os estudos de campo devem centrar-se nas espécies
mais interessantes do ponto de vista da sua abrangência territorial e sobre as
quais a bibliografia não permite definir o sucesso da capacidade de
enraizamento.
Tendo Portugal continental, na maioria do seu território, um clima
mediterrânico (MESQUITA, 2005), as estacas só poderão ser utilizadas com êxito
nas aplicações de EN perto de rios, nas outras áreas é necessário usar plantas
com o caule enterrado. Por isso será prioritário testar as espécies que tenham
boa distribuição geográfica e cuja capacidade de emissão de raízes caulinares
adventícias não esteja ainda confirmada. Será então sobre estas espécies que se
devem centrar os ensaios experimentais a levar a cabo.
Para descrever as condições e as ações que se seguem é mais eficaz o uso de
dois instrumentos da álgebra booleana: o diagrama de Veitch e a árvore de
decisões.
O diagrama de Veitch (Figura 6) representa-se através de uma caixa, dividindo-
se o seu universo segundo uma ou mais condições e as suas complementares
negações; neste caso, de acordo com as condições resultantes da avaliação
realizada para a qualificação das espécies candidatas. À medida que o número n
das condições vai crescendo o universo das eventualidades do diagrama de Veitch
vai-se subdividindo em potências de 2 para n. Considerou-se em primeiro lugar a
intersecção de 2 condições: presença (REF) ou ausência (REF) de referências
bibliográficas positivas e a ampla (DIF) ou limitada (DIF) difusão geográfica,
o que resultou em 4 (22) divisões. Seguidamente introduziu-se a condição:
presença (POR) ou ausência (POR) de resultados positivos sobre enraizamento nas
publicações portuguesas, dando origem a 8 (32) divisões. Cada divisão
representa um procedimento, consequência do conjunto de condições que se
intersectam. No caso em que diferentes condições impliquem ações iguais, estas
agrupam-se.
Figura 6- Diagrama de Veitch - LEGENDA: Referências bibliográficas sobre o
enraizamento: presença (REF) ou ausência (REF); Distribuição geográfica: média
e ampla (DIF) ou reduzida (DIF); Dados positivos sobre o enraizamento
publicados em Portugal: presentes (POR) ou ausentes (POR).
As simplificações evidenciadas no diagrama de Veitch dão origem à árvore de
decisões, exposta na Figura 7, que permite separar, sem sobreposições, o
tratamento da informação, obtendo-se uma subdivisão simplificada das espécies
candidatas. Assim, seguindo as evidências gráficas do diagrama, apresenta-se a
árvore de decisões que minimiza o número de testes a efetuar.
Figura 7- Árvore de decisões - LEGENDA: Referências bibliográficas sobre o
enraizamento: presença (REF) ou ausência (REF); Distribuição geográfica: média
e ampla (DIF) ou reduzida (DIF); Dados positivos sobre o enraizamento
publicados em Portugal: presentes (POR) ou ausentes (POR);
Resultados
Os resultados da fase divergente são sintetizados no quadro seguinte (Quadro 1)
que apresenta a lista das espécies candidatas. Na coluna "Género" está patente
o género das espécies que resultaram da análise bibliográfica e da entrevista
ao Prof. José Carlos Augusta da Costa; na coluna "Referências" estão elencadas
as fontes de informação sobre as espécies selecionadas. Quando a capacidade de
reprodução vegetativa está associada ao género, na coluna "Espécie
selecionada", é indicado "spp.". Quando as espécies selecionadas pertencem à
flora portuguesa, na coluna "Espécie da Flora Portuguesa candidata" o seu nome
é repetido; quando não pertence, são consideradas outras espécies análogas,
como já referido na fase divergente. Na última coluna indicam-se outras
referências bibliográficas sobre a espécie.
Quadro 1 - Resultados da fase divergente
A análise dos atributos das espécies candidatas, avaliadas de acordo com o
descrito no subcapítulo 2.3, resulta neste quadro 2, onde as espécies se
encontram subdivididas de acordo com as categorias definidas no diagrama de
Veitch e na árvore de decisões.
Quadro 2 - Resultados da fase convergente
Chama-se à atenção que entre as Espécies adequadas (1) se encontram sobretudo
plantas ripícolas, testadas pela DRAP Algarve e pelo ISA de Lisboa e as já
consideradas adequadas pelas referências europeias. No conjunto das espécies
candidatas há duas, Vitis vinifera ssp. sylvestris e Rosa canina que, apesar
das diminutas informações recolhidas nos textos consultados, são historicamente
conhecidas, no mundo da viticultura e da floricultura, pelas suas capacidades
de reprodução vegetativa.
Chama-se ainda à atenção que, entre as espécies acima referidas, se encontram
Populus alba e Populus nigra,consideradas espécies de rápido crescimento pelo
Decreto-lei 175/88, desde que exploradas em rotações inferiores a dezasseis
anos, não sendo esta uma condição que se aplique às típicas intervenções de EN.
No entanto no que se refere ao Populus alba a situação complica-se. Esta é
considerada uma espécie autóctone em Portugal, segundo CASTROVIEJO et al.
(1986) e UTAD (2007), não o sendo de acordo com BINGRE et al. (2007). De facto
faz parte do anexo I do Decreto-lei 565/99, onde se listam as espécies não
indígenas de Portugal, sendo considerado como espécie não invasora e,
consequentemente, não sendo interdita a sua introdução em natureza. No entanto,
tendo em conta tudo o que foi citado e aplicando o princípio da precaução,
propõe-se o uso, em lugar do Populus alba, de outras espécies indígenas
adequadas aos fins da EN.
Do conjunto das Espécies provavelmente adequadas (2) incluem-se plantas
presentes nos matos e que desfrutam de uma ampla distribuição em Portugal.
Sobre estas existem referências da sua capacidade de propagação vegetativa na
Europa, mas com informações limitadas, ou mesmo ausentes, relativas à sua
utilização em Portugal. Nestes casos dever-se-ia confirmar a sua adequação
através da constituição de ensaios experimentais que permitiriam comprovar os
dados já adquiridos. As espécies deste grupo, se confirmada a sua adequação,
sendo de larga difusão, poderiam ser utilizadas em obras de EN, com o objetivo
de estabilização e consolidação de solos, incluindo as áreas não ripárias, num
extenso território de Portugal continental.
De entre as Espécies adequadas a áreas limitadas (3) há plantas presentes em
Trás-os-Montes: Cornus sanguinea, Euonymus europeus, Ligustrum vulgare e Salix
triandra, na Beira Litoral e no Douro Litoral: Cornus sanguinea e Salix repens.
Estas espécies não precisam de ser testadas, podendo já ser utilizadas nas suas
áreas territoriais. Salix repens, em conjunto com outras espécies herbáceas,
pode ter aplicações muito úteis na fixação das dunas litorais. No caso de
futuros estudos indicarem que espécies endémicas da flora dos Açores e da
Madeira são adequadas às obras de EN, então estas deverão pertencer a este
grupo.
Da lista de Espécies a confirmar posteriormente (4) constam plantas amplamente
disseminadas em Portugal, mas que apresentam informações muito limitadas ou
pouco satisfatórias sobre as suas capacidades de propagação vegetativa. Nestes
casos não parece vantajosa, no curto prazo, a constituição de ensaios
experimentais tendo em conta que os resultados obtidos, sendo pouco
previsíveis, têm menor probabilidade de serem frutuosos, podendo
posteriormente, num prazo mais alargado, proceder-se à realização de campos de
ensaio para estas espécies. Neste grupo estão também presentes espécies típicas
da flora mediterrânica que apresentam dados de enraizamento em estaca muito
variáveis, apenas positivos nas experiências citadas por PIGNATTI e CROBEDDU
(2005), desenvolvidas com estacas de plantas mães rejuvenescidas.
No conjunto das Espécies provavelmente desadequadas (5) estão agrupadas as
plantas com reduzida distribuição em Portugal, sem testes ou com resultados
insatisfatórios nos testes efetuados em Portugal. Nestes casos não teria
qualquer interesse planear ensaios, mesmo a longo prazo, considerado o uso
limitado que estas espécies poderiam ter, mesmo que viessem a obter resultados
positivos.
Tendo em conta que os trabalhos de investigação nesta matéria são exigentes em
recursos financeiros, propõe-se que as espécies a testar sejam apenas as mais
significativas, deduzidas a partir das seguintes considerações já só incidentes
sobre as Espécies provavelmente adequadas:
Do elenco de espécies provavelmente adequadas, as que têm menor número de
referências bibliográficas são: Coronilla glauca, Phillyrea angustifolia e
Daphne gnidium, não tendo sido por isso consideradas.
Para a concretização do efeito de consolidação do terreno é importante a
profundidade atingida pelas raízes das plantas; sendo referido, para a
Lavandula stoechas ssp. Luisieri, a existência de raízes muito pouco profundas
(SANDE SILVA, 2002), considera-se esta espécie menos interessante face a outras
para este propósito.
Entre as espécies restantes é Celtis australis a que apresenta uma mais
limitada distribuição geográfica em Portugal, consequentemente menos
interessante;Corylus avelana foi deixada ao lado sendo disponíveis plantas com
especialização na produção do fruto e por isso com cultivar que podem ser
diferentes das plantas de origem silvestre.
De acordo com o exposto e tendo como objetivo a sua utilização na consolidação
das encostas, as quatro espécies sobre as quais existe maior interesse em
testar a sua capacidade de enraizamento caulinar adventício, são as referidas
no Quadro 3:
Quadro 3 - Espécies a submeter a ensaios
Conclusão
Não existem limitações significativas à execução das obras de EN em ambientes
húmidos, ou seja, perto de rios e linhas de água ou onde se registam chuvas
frequentes; pelo contrário, a implementação de obras de EN em áreas sujeitas à
seca estival, como no caso do clima mediterrânico, fica limitada, tendo sido
poucas as experiências em que se conseguiram amplos êxitos positivos.
A revisão da bibliografia permitiu a comparação de dados obtidos através de
experiências com diferentes abordagens, quer no que se refere ao ambiente onde
foram desenvolvidas, quer aos materiais de propagação utilizados. Ou seja, em
ambiente controlado foram utilizadas sobretudo estacas verdes, finas e curtas,
colocadas em posição vertical e com aplicação de hormonas de enraizamento; por
outro lado, nas experiências de campo, foram colocadas estacas lenhosas, com
acerca de um metro de comprido e diâmetros superiores a três centímetros, em
posição sub-horizontal, sem utilização de hormonas. A mesma revisão
bibliográfica permitiu ainda constatar importantes diferenças na percentagem de
enraizamento das estacas em ambiente controlado, quando estas são cortadas de
plantas mães jovens ou rejuvenescidas, ou quando são cortadas de plantas mães
com mais de 20 anos.
A EN apresenta uma vasta série de modelos de intervenção ricos em pormenores
construtivos, não parecendo necessário aprofundar esta matéria. Para este facto
contribuiu também a entrada no mercado de novos materiais "mortos"
desenvolvidos pela indústria, no entanto estes mesmos materiais tornam a EN
menos natural. O desafio da EN é a definição de espécies das floras dos
diferentes países e regiões, a utilizar principalmente em situações onde os
períodos de estio funcionam como um importante fator limitante. O aumento do
conhecimento nesta última linha de ação poderá tornar a EN uma ferramenta muito
útil no combate à desertificação.
Os resultados obtidos da análise do conhecimento pré-existente propõem, como
rumo a seguir na prossecução destes estudos, o alargamento das pesquisas sobre
o enraizamento caulinar adventício, já realizadas no parque nacional do
Vesúvio, ou efetuadas por FLORINETH (2004) ou ainda, indicadas por CORNELINI e
SAULI (2005).
Tendo em conta a importância dos fenómenos de erosão, deslizamentos e
desmoronamento acontecidos no passado recente na Madeira, mas também nos
Açores, e tendo em consideração as particularidades da flora e dos endemismos
destas ilhas, seria também útil aprofundar a pesquisa sobre as características
de propagação daquelas espécies, com o intuito de se poderem desenvolver nestas
regiões aplicações da EN.
O estudo do enraizamento caulinar adventício será o objetivo de ensaios
experimentais a levar a cabo sobre as quatro espécies provavelmente adequadas,
determinadas no parágrafo anterior. Pretende-se ainda em 2012 iniciar ensaios
utilizando as quatro espécies referidas, em diferentes condições: em substrato
de turfa e vermiculite (i) no viveiro do Instituto Superior de Agronomia (ISA)
em Lisboa; no campo, em solos de origem basáltica (ii) e calcária (iii), ainda
na Tapada de Ajuda, no perímetro do ISA e, em solos de origem xistosa (iv) e
granítica (v), em terrenos geridos pelo Município de Santo Tirso (NUT Grande
Porto), no lugar da Ermida e no Monte Padrão. Do resultado destes ensaios se
concluirá da adequação destas espécies da flora do continente português a obras
de Engenharia Natural.
A Engenharia Natural é uma área que merece ser melhor conhecida, experimentada
e utilizada em Portugal, no continente e nas ilhas. Numa altura de recursos
escassos mas de grandes preocupações ambientais, nomeadamente no que respeita à
conservação da biodiversidade, a utilização dos recursos endógenos no que
respeita às espécies da flora portuguesa e ao trabalho nacional parece ser uma
combinação a explorar com todas as vantagens. Falta conhecimento e
experimentação. Pretendemos com este trabalho sistematizar algum conhecimento e
lançar as bases lógicas dessa experimentação.