Comunidades de Asphodelus bento-rainhae P. Silva: diversidade, ecologia e
dinâmica serial
Notas do Herbário Florestal do INIAV (LISFA): Fasc. XXXV
Comunidades de Asphodelus bento-rainhae P. Silva : diversidade, ecologia e
dinâmica serial
Silvia Ribeiro *, Fernanda Delgado **, Maria Dalila Espírito-Santo ***
* Eng.ª Biofísica, Centro de Botânica Aplicada à Agricultura, Instituto
Superior de Agronomia silvia.sbenedita@gmail.com
** Professor adjunto, Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de
Castelo Branco fdelgado@ipcb.pt
*** Invª. Coordenadora, Centro de Botânica Aplicada à Agricultura, Instituto
Superior de Agronomia dalilaesanto@isa.utl.pt
Introdução
A espécie Asphodelus bento-rainhae P. Silva (P. Silva, 1956) é um endemismo
lusitano considerado "Em Perigo Crítico de Extinção" de acordo com critérios de
ameaça IUCN. É também uma espécie prioritária (1840) para conservação e
incluída na Convenção de Berna.
Tem uma área de distribuição muito localizada, ocorrendo apenas na vertente
norte da serra da Gardunha, dos 490 aos 850 m.s.m (DÍAZ LIFANTE & BENITO
VALDÉS, 1996; COTRIM et al., 2002) em carvalhais mistos de Quercus pyrenaica,
Quercus robur, castinçais de Castanea sativa, em pomares de Prunus avium
(terraços e taludes) e em algumas áreas de pinhal de Pinus pinaster. Em 1996,
Pinto Gomes et al., associou o A. rainhae a habitats de orla nos quais a luz é
necessária para a floração, constatando que o fogo parece estimular a
perpetuação da espécie.
A área de ocorrência designada por Sítio Serra da Gardunha apresenta solos
profundos, geologicamente derivados de metamorfismo de contacto dos xisto-
grauvaques, menos frequentemente de granitos (ADESGAR, 2004).
A variabilidade genética intra-populacional é baixa, resultado das baixas
percentagens germinativas in situ, comprometendo a adaptabilidade da espécie a
alterações que ocorram na natureza; pelo contrário a reprodução vegetativa é a
forma preferencial desta espécie se preservar anualmente (COTRIM et al., 2002;
ICN, 2006; DELGADO, 2010).
As comunidades estudadas inserem-se nas séries de carvalho-negral (Holco
mollis-Querco pyrenaicae S.) e de sobreiral (Poterio agrimonioidis-Querco
suberis S.).
Os principais objectivos deste estudo são:
- estabelecer a relação entre a presença de Asphodelus bento-rainhae e as
diferentes etapas seriais envolvidas;
- comparar a diversidade florística das comunidades de Asphodelus bento-rainhae
em situações de carvalhal, castinçal e cerejal e avaliar as respectivas
consequências para conservação.
Metodologia
A área de distribuição de A. bento-rainhae insere-se no Distrito Zezerense
(Subsector Surbeirense, Sector Beirense, Subprovíncia Luso-Extremadurense,
Província Mediterrânica Ibérica Central) (Rivas-Martínez, 2007). Do ponto de
vista bioclimático, a área de estudo insere-se no andar mesomediterrânico
superior de ombrótipos sub-húmido a húmido. Seguiu-se o enquadramentio
sintaxonómico proposto por Rivas-Martínez (2002a).
Foram efectuados 25 inventários segundo a metodologia fitossociológica
desenvolvida por Braun-Blanquet (1979) modificada por Géhu & Rivas-Martínez
(1981). Foi aplicado o conceito de área mínima (a menor área representativa da
comunidade) de acordo com Mueller-Dombois & Ellenberg (1974).
As comunidades de A. bento-rainhae, foram comparadas em 4 parcelas de 200 m2 de
carvalhal (40º07'46,2''N; 7º30'42,8''W;574 m.s.m), castinçal (40º07'27,0''N;
7º31'58,8''W;658 m.s.m) e cerejal (40º07'26,6''N; 7º31'11,1''W;721 m.s.m). As
parcelas de carvalhal têm estado sujeitas ao longo do tempo, a fogo e gestão
florestal (corte), enquanto que as parcelas de castinçal não foram alvo de
qualquer mobilização ou alteração há mais de 30 anos. Por sua vez, o cerejal é
produzido em modo biológico não lhe estando associada qualquer utilização de
herbicidas.
A diversidade específica, foi avaliada pelo cálculo do índice de Shannon (1949)
(H'), equitatibilidade (J) e riqueza específica. Estes índices são uma medida
de diversidade local, conhecida também por diversidade alpha ou intra-habitat.
Permitem, pois, estimar a diversidade das comunidades inventariadas.
O índice de Shannon não tem limites superiores estabelecidos (no entanto é
sensível à presença de espécies de fraca cobertura) e é tanto maior quanto
maior for o número de espécies, o seu grau de abundância e a aproximação da
distribuição das mesmas. Este índice mede a probabilidade de um indivíduo,
retirado de uma amostra constituída por s espécies e n indivíduos, pertencerem
a um determinado taxa (Magurran, 1988).
A partir do cálculo do índice anterior, pode ser calculada a equitatibilidade
(J), que traduz a relação entre a diversidade real e a diversidade máxima
teórica. Varia entre zero e um e quanto mais próxima de um for a
equitatibilidade mais equilibrada é a distribuição das espécies na comunidade.
Valores de equitatibilidade próximos de zero significam que todos ou quase
todos os indivíduos são da mesma espécie.
Resultados
Verificou-se que A. bento-rainhae ocorre em comunidades de clareira de bosques,
seja em mosaico com comunidades arbustivas, seja com prados vivazes, no
subcoberto e clareiras dos bosques de Quercus pyrenaica ou Castanea sativa, nas
encostas N, NE e NW da serra da Gardunha. Assim, reconhece-se o enquadramento
na aliança Agrostion castellanae da classe Stipo-Agrostietea castellanae
(Quadro 1). Observam-se características como Dactylis glomerata subsp.
lusitanica, Centaurea aristata e Rumex acetosella subsp. angiocarpus (Quadro
1). Ocupa solos derivados de granito e xisto de textura franco-arenosa a
franco-argilosa. O A. bento-rainhae permanece nos taludes do cerejal biológico,
não se verificando aqui, contudo, a ocorrência de muitas das espécies
características de Stipo-Agrostietea castellanae.
Quadro 1 - Comunidades de Asphodelus bento-rainhae (ifs 1 a 5; 6 a 9:
fragmentos) (Stipo giganteae-Agrostietea castellanae, Agrostietalia
castellanae, Agrostion castellanae)
Os valores de riqueza e diversidade florística mais elevados (figura 1)
verificaram-se nas comunidades de A. bento-rainhae em carvalhais. Este facto
poderá ser explicado pela possibilidade de nestes bosques existir um maior
banco de sementes, sendo que, estes constituem o bosque natural potencial neste
território biogeográfico. Por outro lado, estes carvalhais apresentam um
mosaico de vegetação mais diversificado alternando, muito frequentemente, com
as suas várias etapas seriais arbustivas e herbáceas, traduzindo-se assim, numa
maior diversidade de espécies.
Figura 1 - Gráficos de diversidade (riqueza específica, índice de Shannon e
equitatibilidade) nas parcelas de carvalhal (com gestão florestal), castinçal
(sem alteração há mais de 30 anos) e cerejal biológico, da serra da Gardunha
De acordo com a Figura 1, verifica-se que apesar de os valores de riqueza e
diversidade florística no castinçal e cerejal se revelarem equivalentes,
salienta-se o elevado interesse conservacionista do castinçal estudado. Este
apresenta uma maturidade fitocenótica muito elevada, ao mesmo tempo que o seu
elevado grau de cobertura reduz bastante a entrada de luz, limitando assim, o
desenvolvimento de espécies anuais e heliófilas. Por outro lado, nas parcelas
de cerejal, as comunidades de A. bento-rainhae contactam muito frequentemente
com comunidades anuais de Helianthemetea guttatae, favorecidas pela mobilização
do solo e pela exposição solar. Contudo estas comunidades anuais são de
reduzido valor para conservação.
Esquema sintaxonómico
Apresenta-se de seguida o esquema sintaxonómico das comunidades inventariadas
ou identificadas na zona de estudo
STIPO GIGANTEAE-AGROSTIETEA CASTELLANAE Rivas-Martínez, Fernández-González
& Loidi 1999
Agrostietalia castellanae Rivas-Martínez in Rivas-Martínez, Costa,
Castroviejo & Valdés-Bermejo 1980
Agrostion castellanae Rivas Goday 1957 corr. Rivas Goday & Rivas-
Martínez 1963
Comunidades de Asphodelus bento-rainhae
CALLUNO-ULICETEA Br.-Bl. & Tüxen ex Klika & Hadač 1944
Ulicetalia minoris Quantin 1935
Ericion umbellatae Br.-Bl., P. Silva, Rozeira & Fontes 1952 em.
Rivas-Martínez 1979
Ericenion umbellatae Rivas-Martínez 1979
Erico australis-Cistetum populifolii Rivas-Goday 1955
CYTISETEA SCOPARIO-STRIATIRivas-Martínez 1974
Cytisetalia scopario-striati Rivas-Martínez 1974
Genistion floridae Rivas-Martínez 1974
Cytisetum multifloro-eriocarpi Rivas Goday 1964 nom. mut..
Ulici europaei-Cytision striati Rivas-Martínez, Báscones, Díaz,
Fernandez-González & Loidi 1991
Genisto falcatae-Adenocarpetum anisochili Castro Antunes, Capelo, J.C.
Costa & Lousã in Costa, Capelo, Lousã, Antunes, Aguiar, Izco & Ladero
2000
QUERCETEA ILICIS Br.-Bl. Ex A. & O. Bolòs 1950
Quercetalia ilicis Br.-Bl. Ex Molinier 1934 em. Rivas-Martínez 1975
Quercion broteroi Br.-Bl., P. Silva & Rozeira 1956 em. Rivas-Martínez
1975 corr. V. Fuente 1986
Quercenion broteroi
Sanguisorbo agrimonioidis-Quercetum suberis Rivas Goday in Rivas
Goday, Borja, Esteve, Galiano, Rigual & Rivas-Martínez 1960 nom. mut.
Holco mollis-Quercetum pyrenaicae S. Br.-Bl., P. Silva &
Rozeira 1956
Querco rotundifoliae-Oleion sylvestris Barbéro, Quézel & Rivas-
Martínez in Rivas-Martínez, Costa & Izco 1986
Asparago aphylli-Quercetum suberis J.C. Costa, Capelo, Lousã &
Espírito-Santo 1996
Pistacio lentisci-Rhamnetalia alaterni Rivas-Martínez 1975
Ericion arboreae Rivas-Martínez (1975) 1987
Phillyreo angustifoliae-Arbutetum unedonis Rivas Goday & Galiano in
Rivas Goday et al. 1959
Conclusão
A gestão dos habitats onde ocorre Asphodelus bento-rainhae é fundamental para a
preservação da espécie bem como para a conservação da biodiversidade associada
às suas comunidades. Deste ponto de vista, há maior interesse em conservar as
áreas de carvalhal e castinçal sendo, assim, útil promover uma maior ligação
entre as mesmas, através de corredores ecológicos e zonas tampão que garantam
um continuum naturale e melhorem a sua conectividade.
Será importante promover a sustentabilidade económica do cerejal favorecendo ao
mesmo tempo a conservação do A. bento-rainhae, sendo que a gestão dos habitats
onde a espécie ocorre é fundamental para a sua preservação, bem como da
comunidade de que faz parte.
Por outro lado, tendo em conta a diversidade florística associada às parcelas
de carvalhal bem como o facto de esta espécie ter o seu ótimo desenvolvimento
em clareiras e orlas de bosque, será importante privilegiar a gestão dessas
clareiras e bosques em especial do carvalhal de Quercus pyrenaica climatófilo
na Serra da Gardunha.