Plantas Tintureiras
INTRODUÇÃO
Desde sempre que o Homem foi atraído
pelas mais variadas cores, produzidas pela
natureza, o que terá levado a querer aplicá-las
como matérias corantes nos têxteis (Feller,
1986) que produzia. Foi tal a importância
que veio a caracterizar esta actividade,
que a história nos revela que o processo
de extracção de corantes vegetais fez parte
integrante da vida humana desde tempos
ancestrais e que se transformou mesmo numa
importante actividade económica em várias
culturas e civilizações.
As substâncias corantes eram obtidas a
partir de flores, sementes, frutos, cascas,
madeiras e raízes de plantas através de
diversos processos físico-químicos cujo
objectivo era a obtenção de uma substância
que fosse solúvel no meio líquido onde era
mergulhado o material a tingir.
As cores obtidas directamente da natureza
podiam ser divididas em duas categorias: as
muito caras, devido à dificuldade de obtenção
e à necessidade de tintureiros experientes, e
as menos dispendiosas, fáceis de obter por
extracção da flora local. Assim, as cores
mais requisitadas, enquanto elementos
diferenciadores de um estatuto social elevado, eram a púrpura, o azul, e certos tons de
vermelho. A utilização destas cores requeria
a habilidade de tintureiros e artesãos com
conhecimento dos métodos de extracção e
fixação, normalmente secretos, e que foram
sendo transmitidos entre várias gerações de
tintureiros.
Neste contexto, vários foram os factores
que influenciaram a cor do vestuário
medieval e renascentista, de entre os quais
se citam os demorados e extensos processos
de tingimento e a necessidade de mãode-obra especializada, que na maioria das
vezes levavam a resultados desiguais. Daí
que, embora as classes mais desfavorecidas
tivessem acesso e pudessem dispor de
uma variedade de cores, provenientes de
fontes vegetais mais baratas, existentes na
flora local, as cores vermelha, púrpura, e a
maioria de tons de azul não se encontravam,
certamente, entre elas, tal como acontecia
com o verde, o cor-de-rosa, o cor-de-laranja,
o cinzento, o amarelo ou o dourado. Assim,
a cultura e o comércio de plantas e animais
raros, mas preciosos como substâncias
corantes, tiveram sempre enorme importância
socio-económica para muitas comunidades
espalhadas pelo mundo.
A partir de 1690, os procedimentos
utilizados para tingir, eram artesanais e
semi-industriais e eram realizados através
de normas que estabeleciam quais as
plantas que poderiam ser utilizadas para
obter uma determinada cor. Neste contexto,
com o tempo, tornou-se possível produzir
um alargado leque de cores, utilizando
as mesmas substâncias corantes naturais,
com recurso à utilização de diferentes sais
metálicos, que veio preencher a necessidade
humana de dominar e utilizar a cor na arte,
nos ofícios, nas manifestações rituais, enfim,
em múltiplas situações quotidianas.
O objectivo global deste trabalho consistiu
no estudo de algumas plantas tintureiras mais
utilizadas como corantes para tingir têxteis,
em Portugal, entre os séculos XVI e XVIII.
Estas plantas, pertencentes a famílias muito
diversas, foram produzidas nos territórios
nacionais e tiveram grande importância na
economia da época.
Tingimento de vermelho
Garança
História do uso
A arte de tingir com a garança, ou
granza, também designada por ruiva-dostintureiros-da-índia, (Rubia cordifolia L.)
parece ter tido origem no Oriente e, através
dos impérios egípcio e persa, ter atingido a
civilização greco-romana. O nome vulgar
ruiva é atribuída a várias espécies de Rubia
que podem ser utilizadas em tinturaria, mas
a mais importante é a Rubia tinctorum L.
(Figura 1) que foi cultivada desde a antiguidade. Era um corante muito popular no
Médio Oriente tendo sido identificado em
tecidos encontrados não só em túmulos
egípcios, como também no deserto da Judeia
(Forbes, 1964).
O tingimento com a ruiva permitia obter
tecidos de um vermelho intenso e brilhante,
especialmente em fibras de algodão e linho,
conhecido por “vermelho-da-turquia” (Turkey
red), processo no qual o cálcio é incorporado
no complexo do corante, sem paralelo com
outros corantes vermelhos.
A alizarina foi o primeiro corante a ser
sintetizado na segunda metade do século
XVIII, o que levou a que o material natural
rapidamente desaparecesse do mercado.
Em Portugal, no “Regimento da Fábrica
dos panos de 1690”, é referida a utilização
de “granza” para tingir de vermelho podendo
ser adicionado pau-brasil para obtenção de
outros tons de vermelho.
A garança, Rubia tinctorum L., é uma planta
herbácea perene, cujas raízes são usadas em
tinturaria, distribuída por uma vasta área
geográfica, que se encontra naturalmente no
Sudeste da Europa até Oeste dos Himalaias.
As raízes de certas espécies foram exploradas
como fonte de corante para tingir têxteis. Para
além da espécie asiática (garança-indiana
- Rubia cordifolia L.), a garança-europeia
(Rubia tinctorum L.) foi a mais importante
para a produção comercial, e de tal forma,
que foi introduzida na Índia como uma fonte
corante de qualidade superior.
Na cultura desta planta, com o intuito
de aumentar o conteúdo de corante, foram
feitos esforços para aumentar o volume das
suas raízes, o qual depende não só do tipo de
planta mas, sobretudo, do tipo de solo. Para
se obter um alto teor de corante nas raízes, é
necessário um solo alcalino (rico em cálcio),
pelo que é frequente efectuar-se uma calagem
e adicionar substratos calcários (Fao, 2006)
aos solos onde é feita a cultura desta planta.
Nos Países Baixos, produtores importantes, o
cultivo era rigorosamente regulamentado.
Obtenção da matéria corante
Após a colheita, as raízes eram secas em
grandes celeiros com ar quente. A casca eralhes retirada e a camada contendo o corante
era moída, comprimida e crivada. A partir
daí, várias qualidades de garança ficavam
assim disponíveis com granulometrias mais
ou menos finas (Karr, 1936), sendo a de
melhor qualidade aquela em que a casca e
a parte lenhosa da raiz eram removidas. As
raízes secas sem esta separação constituíam
uma categoria secundária. Os resíduos do
processo de separação eram vendidos com
qualidade inferior sob o nome de mul. Os
Forais contem inúmeros regulamentos
referentes à indústria do vestuário com o
intuito de exigir a melhor qualidade para o
tingimento dos tecidos.
Nas raízes da garança-europeia (Rubia
tinctorum L.) encontra-se uma mistura complexa de antraquinonas, sendo maioritárias
a alizarina, a purpurina, a pseudopurpurina,
e (Tabela 1) glucósidos de alizarina – ácido
rubieritrico, mas a separação e purificação
destes produtos requer primeiro uma hidrólise
dos percursores glucósidos existentes nas
raízes. O ácido rubierítrico é hidrolisado
em alizarina e glucose por aquecimento
com ácido mineral diluído. Com o tempo a
pseudopurpurina descarboxila, em purpurina,
quando a raiz seca é armazenada. No entanto,
este processo além de não ser muito rápido
não é completo. A purpurina presente no
corante forma-se durante o processo de
secagem da planta, sendo diminuta a quantidade existente naturalmente na planta, e
é considerada um produto indesejável na
alizarina extraída da ruiva, pelo que lhe
diminui o valor comercial.
Método de tingir
As substâncias tintureiras provenientes das
várias espécies de Rubia pertencem ao grupo
dos corantes ao mordente que precisam de um
tratamento prévio com um sal metálico. Os sais
metálicos mais usados são o alúmen e alguns
compostos de ferro. Em muitos procedimentos
é recomendado, o uso de sais de cálcio
especialmente quando se pretende conseguir
uma coloração mais rápida e um maior brilho.
A alizarina origina uma cor vermelha
intensa após conversão numa laca insolúvel,
pela adição de alúmen e de uma base. A
adição de diferentes mordentes no tingimento
da lã, seda, algodão e linho com a garança,
permitia obter várias cores. Estas tonalidades
podiam variar entre vermelho, rosa, laranja,
lilás e castanho. Assim, com a aplicação
de sais de alumínio podiam obter-se azuisavermelhados; com sais de cobre obtinhase a púrpura escura, com sais de estanho e
alúmen conseguia-se o laranja-amarelado e o
vermelho alaranjado-escuro produzia-se com
o mordente de cobre (Tabela 1).
Outras rubiáceas corantes
Por outro lado, existem outras plantas tintureiras que contêm alizarina e antraquinonas
como principais corantes, nomeadamente as
pertencentes a outras espécies de Rubia e
aos géneros Galium, Relbunium, Morinda
e Oldenlandia (Graff, 2004). Para além da
alizarina, as Rubiáceas, apresentam outras
substâncias corantes, nomeadamente a
munjistina, a pseudopurpurina, a purpurina, a
xantopurpurina e a rubiadina. A presença ou
ausência de uma ou mais destas substâncias
e a proporção entre elas, indicam qual o
material vegetal que foi utilizado (Wouters,
2001).
No género Relbunium são esperados,
principalmente, a xantopurpurina, munjistina,
purpurina e pseudopurpurina. A ausência de
alizarina em espécies do género Relbunium
é típica e representa uma diferença decisiva
entre a Rubia tinctorum (Europeia) e as
espécies de Relbunium. Embora diversas
variedades de Rubiáceas tenham sido usadas
como tintureiras por todo o mundo, apenas as
mais conhecidas e melhor investigadas são
referidas por Wouters (2001).
Açafrão-bastardo
História do uso
O açafrão-bastardo (Carthamus tinctorius
L. - Figura 2) é usado desde a antiguidade
para tingimentos vermelhos. Referencia-se
que antes do séc. XVIII o açafrão não foi
importado pela Europa (Levey, 1955), no
entanto, no início do séc. XVII, podem ser
encontrados vários textos, com descrições
que o mencionam. O uso do açafrão vermelho
foi muitas vezes interdito por regulamentos
municipais. No entanto, para têxteis mais
baratos, algodão e linho, o uso desta espécie
parece ter sido usado frequentemente.
O açafrão-bastardo é uma planta herbácea
anual (um cardo), bem adaptada às condições
temperadas e subtropicais. É uma erva
de caule esbranquiçado e folhas alternas
espinhosas. É nativa do oeste da Ásia,
sendo cultivada na China, Índia, Pérsia,
Egipto e Europa do Sul, incluindo Portugal,
na zona do Algarve, onde é conhecida por
açaflor. Apesar de ter sido suplantada pelo
lírio-dos-tintureiros, ainda continua a ser a
mais utilizada na Ásia Menor, onde existem
diferentes variedades.
Obtenção da matéria corante
Os capítulos das flores são colhidos
completamente frescos para serem cuidadosamente secos à sombra (a luz directa
destrói a substância corante). Ficando cor-de-laranja. Antes do tingimento, as pétalas
são primeiro amassadas com água para se
remover a substância corante amarela, que
é solúvel em água, prensando-se depois a
massa em forma de bolos e colocando-se a
secar.
O tradicional método indiano de processamento de secagem das flores inicia-se com
a remoção dos pigmentos amarelos solúveis
em água, envolvendo repetidas lavagens em
água acidificada durante vários dias.
Existem duas qualidades no mercado:
lavado e não lavado. A variedade europeia
é não lavada e menos valiosa, mas as
variedades persas, de melhor qualidade, tal
como as egípcias e de Bengala são lavadas.
O corante é obtido das flores amareloavermelhadas por lavagem em água. A
matéria corante é formada pela cartamina
(Fao, 2006) (Tabela 2) e pela cartamona.
Além de cartamina, o açafrão-bastardo
contém o “açafrão-amarelo” solúvel em
água e açafrão A e B, cuja composição é
ainda desconhecida. No processo primário
tradicional, os últimos pigmentos são deliberadamente removidos das flores da planta
de açafrão por lavagem em água, de modo a
permitir a utilização desejada como corante
vermelho do material.
A variedade vermelha escura contém
principalmente cartamina vermelha; a variedade amarela contém neocartamidina e menos
cartamina, enquanto que a variedade laranja
contém cartamona, bem como cartamina.
A cartamina não é solúvel em água sendo
apenas parcialmente solúvel em álcool etílico
e metílico. É insolúvel em éter. Dissolve-se
com uma cor laranja, a frio, em hidróxidos
alcalinos diluídos, carbonato de sódio e
amoníaco, e é precipitada em soluções alcalinas por ácidos. Com o ácido sulfúrico
origina uma solução vermelha turva que,
depois de aquecida a 100ºC, origina com
água um precipitado violeta, que é solúvel
em soluções alcalinas, com uma coloração
verde. A cartamina é muito sensível à hidrólise e é convertida numa cartamina sem cor
(Schweppe, 1986).
Método de tingir
• Vermelho
Antes do tingimento, as pétalas de
açafrão bastardo são lavadas com água até
a substância corante amarela estar completamente removida. A massa residual é tratada
com uma solução alcalina para extrair a
substância corante (cartamina). As pétalas do
açafrão bastardo são filtradas e o filtrado é
neutralizado com um ácido fraco.
O linho e o algodão podem ser corados
directamente nesta solução corante. São
produzidos lindos vermelhos e rosas, que
são, no entanto, de fraca estabilidade à luz.
No caso da seda, é muitas vezes adicionado
alúmen.
• Amarelo
O extracto aquoso das pétalas de açafrão
bastardo pode ser usado em seda ou lã que,
quando mordentadas com alúmen, origina
amarelo alaranjado e, quando o mordente é o
cobre, obtém-se acastanhado e acastanhadoescuro (Schweppe, 1986).
Líquenes que tingem de vermelho
Urzela
História do uso
A urzela (Roccella tinctoria DC.- Figura
3), é outra “planta tintureira” cujo conhecimento na arte do tingimento é muito
antigo (possivelmente desde a civilização
mesopotâmica)
sendo
referido
por
Theophrastus, filósofo e naturalista grego
(371-287 a. C.) como originando uma cor
muito mais bela do que a púrpura. A partir
deste líquen preparava-se uma tintura cuja
cor era de um vermelho-violáceo.
Desde muito cedo, foi referida nas viagens
atlânticas do séc. XV, tendo sido colhida
desde aquela época, em rochas e penedos nos
arquipélagos atlânticos e, particularmente,
nos Açores e Cabo Verde. A sua exploração
económica foi uma importante fonte de
rendimento para os Açores, tendo atingido o
seu apogeu no século XVI (Faria, 1991).
A urzela é um líquen que apresenta a cor
verde-acinzentada.
O espaço geográfico de localização deste
líquen foi muito ampliado desde aquela
época, sendo a Roccella tinctoria a que
se pode encontrar nas ilhas Canárias, nos
Açores, Madeira, Marrocos, e nas ilhas de
Cabo Verde, nas costas África Ocidental e
do Sul.
Obtenção da matéria corante
A orceína é preparada colocando os líquenes
durante dois dias em soluções de amoníaco
(antigamente era utilizada a urina como fonte
de amoníaco), misturados com cal apagada
e deixados em fermentação durante seis semanas. Depois desta maceração amoniacal e
fermentação obtém-se a substância corante,
a orceína.
O princípio corante extraído da urzela é
uma substância incolor, o ácido lecanórico,
que é convertido após oxidação em orceína,
uma substância cristalina de cor vermelhoacastanhado (Figura 4), sendo portanto
obtida de diferentes variedades de líquenes
da família das Roccellaceae. A orceína é uma
mistura de hidroxi-orceínas, amino-orceínas
e amino-orceíniminas. A Tabela 3 apresenta
as estruturas químicas dos principais componentes da orceína e em que β e γ se referem
a isómeros do mesmo composto. Como a
orceína é um corante tóxico o seu uso foi
proibido na União Europeia.
Método de tingir
Com este corante tingia-se a lã e seda,
directamente em tons de vermelho, castanho
e azulado até violeta. Mordentados com
sais de estanho permitia a obtenção de tons
vermelhos e com alúmen originava os tons
violetas. Este corante é muito pouco sólido
e era utilizado para imitações de púrpura
já na Roma Antiga através da utilização
em conjunto com outros corantes, obtidos
em diferentes banhos, para economizar os
corantes mais dispendiosos como o quermes,
a cochonilha.
Madeiras corantes
Pau-brasil
História do uso
Desde a Idade Média até ao séc. XVIII
o pau-de-sapam desempenhou um papel
muito importante como corante vermelho
para têx-teis. Era obtido originalmente do
cerne da madeira Caesalpinia sappan L.,
uma pequena árvore originária do sudoeste
da Ásia, tendo sido introduzida na China
(Faria, 1991).
Com a descoberta do continente americano,
foram encontradas outras espécies de árvores
que também forneciam um corante vermelho
de qualidade superior e que veio substituir o
que provinha da Índia.
O pau-brasil foi o primeiro recurso comerciável detectado pelos Portugueses no
continente americano, num espaço inicialmente baptizado de Terra de Vera Cruz. O
seu nome vulgar, pau-brasil, ficou ligado à
maior Nação de língua portuguesa.
Do pau-brasil obtinha-se um extracto
vermelho que era utilizado em tinturaria,
para tingir de vermelho, e competindo com
outras matérias-primas tintureiras produtoras
dessa cor, nomeadamente a grã (obtido da
cochonilha), o quermes, a rúbia, o sanguede-dragão, etc.
A sua utilização como matéria corante em
tinturaria foi, a partir do fim séc. XVII, interdita
e, nalguns casos, vigiada (“Regimento da
fábrica dos panos de 1690”).
Ao longo dos anos, têm sido citadas como
provenientes de vários países as espécies
Caesalpinia echinata Lam. (Figura 5) proveniente do Brasil, a C. violacea (Mill.) Standl.
proveniente da Jamaica, Guatemala, México, Caraíbas e Cuba e a Haematoxylyum
brasiletto H. Karst. originária da Venezuela,
Colômbia e Califórnia, como fontes de madeiras que forneciam corantes vermelhos conhecidos pau-brasil.
As madeiras vermelhas podem ser divididas
em dois grupos de acordo com a solubilidade
das substâncias corantes presentes nas
madeiras.
As substâncias corantes insolúveis em água
contêm santalina como principal matéria
corante. A madeira de sândalo (Pterocarpus
santalinus L. f.), nativa da Índia e também
conhecida como sangue-de-dragão, a madeira
vermelha de Angola e a madeira vermelha
da África Ocidental, pertencem a este grupo
(Fao, 2006).
A brasilína, um composto neoflavonóide,
é a principal matéria corante das madeiras
vermelhas solúveis. A este grupo de corantes
da madeira pertencem o pau-brasil, o paude-pernambuco, o pau-da-jamaica, o pauda-nicarágua, que são os mais conhecidos e
frequentemente usados em várias partes do
mundo.
Obtenção da matéria corante
De acordo com vários processos, para
extracção do corante em pó, os troncos do
pau-brasil eram divididos em pequenas
porções e raspados.
Um dos processos mais utilizados era
complexo, mas originava um produto puro
de boa qualidade. Consistia em evaporar em
calor brando e até à secura um cozimento de
pau-brasil. O resíduo era dissolvido em água
e o líquido resultante filtrado e agitado com
óxido de chumbo. A mistura era evaporada à
secura em banho-maria e a matéria resultante
era, então, posta em digestão com álcool
etílico a 90%, durante 24 horas. A solução
alcoólica era filtrada e evaporada em lume
brando até o líquido obter uma consistência
xaroposa. Nessa fase era diluída com água à
qual era adicionada gelatina. Procedia-se a
uma nova filtragem e recuperava-se o corante
da gelatina tratando-o com álcool, onde este
é solúvel, não dissolvendo a gelatina. Após
uma última filtragem a solução alcoólica era
evaporada à secura, obtendo-se finalmente
o corante que era utilizado na tinturaria do
algodão, da seda e da lã.
A principal substância corante – a brasilina
– está presente em quase todas as madeiras
vermelhas solúveis. A substância corante
é um neoflavonóide que é oxidada por um
processo de fermentação e oxigénio em
brasileína (Tabela 4). Esta é solúvel em
água, álcool etílico, éter etílico e soluções
alcalinas. Dissolve-se para originar uma cor
amarela que se transforma gradualmente
em vermelho, mas não é facilmente solúvel
nos vulgares solventes orgânicos. Em
soluções alcalinas dissolve-se com uma
coloração vermelho pálido, que se torna
castanha quando exposta ao ar. Dissolve-se
em ácido sulfúrico concentrado com uma
coloração amarela baça e uma fluorescência
esverdeada.
Método de tingir
Existiam dois métodos que se utilizavam
vulgarmente no tingimento dos têxteis: o da madeira “cortada”, onde a matéria corante já tinha
sido oxidada, e era colocada num recipiente e o
do corante que é extraído com água morna, onde
o líquido era uma solução corante concentrada.
Este corante tingia a lã, seda e algodão, em
tons alaranjados, com mordentes metálicos
de estanho e alúmen, tons acastanhados, com
mordentes de crómio e cobre. Sabe-se que estes
tingimentos desvaneciam muito.
Dragoeiro
História do uso
O termo de sangue-de-dragão foi aplicado
desde épocas antigas à resina colorida
vermelha obtida a partir de diferentes espécies de plantas de quatro géneros distintos:
Croton, Dracaena, Daemonorops e Pterocarpus provenientes de várias origens
geográficas, respectivamente da América
do Sul, do Sudeste Asiático e do Médio
Oriente.
No comércio externo português no
século XV, o sangue-de-dragão foi uma
das matérias-primas tinturiais utilizadas
e surgia ao lado da grã, de produção
continental, nas listas de produtos exóticos
exportados pelos portugueses para a Europa
(Faria, 1991).
O sangue-de-dragão atingia elevados
preços, em tinturaria, constituindo nos
tempos iniciais de povoamento europeu
das ilhas dos Açores, Cabo Verde, Madeira,
Canárias e Ilhas selvagens um importante
produto de exportação.
Dracaena draco L. apresenta como nome
comum – dragoeiro (Figura 6), uma planta
originária de ilhas Macaronésicas no Oceano
Atlântico norte perto da Europa e do norte
de África.
O dragoeiro pertence à classe Liliopsida,
ordemAsparagales, família das Dracaenaceae,
sendo comum nos arquipélagos atlânticos
das Canárias, Madeira, e Açores, atingindo
centenas de anos de idade e produzindo
plantas de grandes dimensões.
Obtenção da matéria corante
A resina do sangue-de-dragão é obtida
fazendo incisões no caule da planta e
recolhendo a seiva. O dragoeiro deve o seu
nome à cor da sua seiva depois de oxidada
por exposição ao ar: forma uma substância
pastosa de cor vermelho viva que foi
comercializada na Europa com o nome de
sangue-de-dragão.
O sangue-de-dragão é uma substância
resinosa que contém 90% de compostos
fenólicos (Tabela 5) incluindo proantocianidinas (B-1 e B-4), catequinas, epicatequinas e
um alcalóide – a taspina. É inodora, insípida,
dura, friável e inflamável. É solúvel em
álcool, éter e óleos. É também utilizada no
preparo de vernizes alcoólicos para produzir
uma cor vermelho rubi (Langenheim, 2003).
Plantas que tingem de amarelo
Lírio-dos-tintureiros
História do uso
Antes da descoberta da América, em 1492,
era o corante mais usado na Europa Ocidental.
Existem dúvidas quanto à introdução do
lírio-dos-tintureiros na Europa, embora haja
fortes possibilidades de ter sido introduzido
no Império Romano. Depois da descoberta
da América o lírio-dos-tintureiros (Figura 7)
foi ali introduzido, podendo ser encontrado
ao longo das costas colonizadas.
O lírio-dos-tintureiros, de nome vulgar
gauda ou gonda (Reseda luteola L.), é uma
erva anual, geralmente erecta, frequente
nos campos, searas, caminhos e pousios de
Portugal. Originária do oeste da Ásia, Europa
e Norte de África Macaronésica (Goffer,
1980).
“O regimento da Fábrica dos Panos de
1690”, refere o seu uso na tinturaria, em
Portugal.
Obtenção da matéria corante
Após a floração a planta era colhida
aparecendo no mercado em feixes de plantas
secas. Estas eram fervidas em água à qual
se adicionava potassa e urina para facilitar
a extracção do corante. A solução corante
obtida era filtrada e utilizada para tingir.
Das folhas e caules da Reseda luteola
L., ou do lírio-dos-tintureiros extrai-se um
corante amarelo, puro e estável, utilizado em
tinturaria para tingir seda e lã. O princípio
corante maioritário é a luteolina (Tabela 6),
contendo outros corantes flavonóides dos
quais se destaca a apigenina.
Método de tingir
Tal como a maioria dos corantes orgânicos,
o lírio-dos-tintureiros é um corante ao
mordente. Todos os materiais têxteis podem
ser tingidos com ele, obtendo-se vários tons
de amarelo quando mordentados com estanho,
alaranjados quando é usado com alúmen,
verde azeitona quando mordentados com
ferro, e acastanhados quando mordentados
com crómio. Os tingimentos devem efectuarse a uma temperatura inferior a 70ºC para
evitar a absorção de corantes contaminantes
como a apigenina.
Giesta-dos tintureiros
História do uso
São inúmeros os escritos que referem o
facto da Genista tinctorum L. (Figura 8)
conter uma substância corante amarela, e que
foi usada no tingimento da cor amarela, na lã,
desde a pré-história. A giesta-dos-tintureiros
era o único corante amarelo vegetal usado
antes da importação do lírio-dos-tintureiros
e outros corantes amarelos para a Inglaterra,
no início da Idade Média (Mell, 1936).
A giesta-dos-tintureiros, Genista tinctorum
L., é uma planta que pode ser encontrada nos
pastos, matas, geralmente em solos ácidos,
em quase toda a Europa. Provavelmente
originária do Centro Oeste da Ásia, está
também estabelecida nos Estados Unidos.
Obtenção da matéria corante
As folhas e ramos são fervidos com água e o
extracto resultante é usado para o tingimento.
A principal matéria corante é a luteolina
e a genisteína, encontrando-se esta última
na forma de glucosído da genistína, que se
hidrolisa por acção de ácidos diluídos em
genisteína e glucose (Tabela 7). A genisteína
é solúvel em água, álcool e éter e em bases
originando uma cor amarela pálida.
Método de tingir
Tal como muitos outros compostos
“flavonóides” a giesta-dos-tintureiros é um
corante ao mordente. Existe uma estreita
semelhança com as propriedades de tingimento
entre a giesta-dos-tintureiros e o lírio-dostintureiros, mas o poder de tingimento do
primeiro é notoriamente mais fraco.
Outra diferença torna-se aparente quando
o crómio era usado como mordente, a giesta
dos tintureiros confere um tom mais baço e
acastanhado.
A lã tem que ser pré-mordentada com
alúmen, obtendo-se um amarelo alaranjado,
mas depois da descoberta do estanho como
mordente, era usado para se conseguir uma
cor amarela mais brilhante.
Como a cor produzida é o amarelo esverdeado, era frequentemente usado para tingir
de verde num “suporte” de índigo ou anil
(mas o lírio-dos-tintureiros é usado quando
se quer uma cor amarela brilhante).
Depois dos têxteis serem corados de
azul, iniciava-se o segundo processo de
tingimento. O têxtil azul era tratado com
um mordente (alúmen, caparrosa ou verde
espanhol) e depois corados na decocção dos
ramos da Genista. Para tingir de verde a seda,
o processo é inverso (Graaff, 2004).
Açafrão
História do uso
O açafrão (Crocus sativus L. - Figura 9)
é uma substância corante usado desde a
antiguidade, principalmente no próximo e
extremo Oriente. Ganhou grande popularidade na Europa onde foi cultivado desde
a idade Média sendo ainda hoje cultivado e
usado no tingimento em amarelo para lã e
seda, no entanto, em menor escala do que
o lírio-dos-tintureiros e fustete. O açafrão
também foi usado como pigmento em
iluminura na Europa, bem como na Índia e
na Pérsia (Barkeshli, 1999).
Como o açafrão era uma mercadoria
muito cara, muitas vezes era adulterado
com substâncias corantes menos caras, tais
como o açafrão-da-índia ou açafrão bastardo
(Curcuma longa L.). Na Pérsia o açafrão
já era cultivado muito antes da era cristã e
daí foi introduzido na China por nómadas
mongóis (Bender, 1947).
O açafrão é extraído dos estigmas secos
das flores de Crocus sativus L. foi nativo
da Grécia, Turquia e Irão, mas actualmente
apenas cultivado desde a Europa Ocidental
até à Ásia. Também foi extraído da Gardenia
jasminoides J. Ellis designado vulgarmente
como jasmim-do-cabo, existente na Indochina até ao Japão; Crocus sativus L. é uma
planta perene que floresce no Outono e é
adaptável a uma grande variedade de climas
desde os temperados aos sub-tropicais. Os
solos variam desde os arenosos aos argilosos
mas bem drenados.
Obtenção da matéria corante
Os estigmas do Crocus sativus L. eram
secos, depois moídos até pó e muitas vezes
prensados em pequenos bolos. O material
moído é facilmente solúvel em água – a
crocetina é um dos poucos corantes directos
que ocorrem na natureza.
A principal matéria corante amarela
presente nos estigmas do açafrão e nos frutos
do jasmim-do-cabo é a crocina (Tabela 8),
um glucósido da crocetina. Além da crocina,
os frutos do jasmim-do-cabo contêm pigmentos como iridóides e flavonóides (Sujata,
1992). A crocetina – é produzida através de
hidrólise, a partir da crocina (Tabela 8), por
acção de ácidos diluídos quentes. A crocetina
é um pó vermelho amorfo, facilmente solúvel
em água e álcool e solúvel em soluções
alcalinas originando uma cor vermelhaalaranjada. A crocetina é facilmente solúvel
em ácido sulfúrico concentrado, originando
uma cor azul fraca. Com acetato de chumbo
a crocetina origina um ligeiro precipitado
castanho (Colour Índex, 1982).
Método de tingir
Os têxteis são tingidos num banho corante fervente de açafrão sem a adição de mordentes,
4mas também é possível tingir com a
adição de mordente. Neste caso o têxtil tem
de ser pré-mordentado com uma solução de
alúmen, obtendo-se a cor amarela brilhante.
Madeiras corantes
Fustete
História do uso
No passado, várias árvores existentes nas
florestas, ou plantadas, foram utilizadas no
tingimento, quer em comunidades locais,
quer como fonte de corantes referidas em
tratados internacionais. Exemplos incluem, a
Maclura tinctoria (L.) Steud. que se estende
desde a América Central e Sul, de onde se
extraía o “fustete”; Cotinus coggygria Scop.
(Figura 10), originária do sul da Europa
à China de onde se extraía uma substância
designada por “fustete-novo”; e Quercus
velutina Lam., originária da América do
Norte de onde se extraía o quercitron. Os
corantes amarelos surgiram no mercado em
períodos diferentes.
O fustete-novo também designado por
madeira-amarela-da-hungria ou sumagre foi
usado desde a Antiguidade, particularmente
para obter misturas de cores como laranja e
verde. Plínio, em “História Natural”, menciona o seu uso como corante para tingir
de amarelo. No entanto, como apresentava
desvanecimento à luz foi substituído, depois
da descoberta da América, por fustete e
quercitron que apresentavam maior resistência à luz.
Depois da descoberta da América, o fustete
foi introduzido na Europa no início do séc.
XVI, no entanto, raramente era mencionado
nos manuscritos dos corantes no séc. XVII,
em conjunto com o pau-brasil. Este corante
era usado na Europa para tingir de preto ou
de verde. Após os sécs. XVIII e XIX o seu
uso aumentou face ao lírio-dos-tintureiros.
No séc. XX, passou a ser usado em conjunto
com o fustete-novo e o lírio-dos-tintureiros.
O quercitron, também designado por
carvalho-preto, foi também um produto
proveniente da parte oriental do norte da
América e Canadá e introduzido na Europa
no séc. XVIII.
As árvores têm um crescimento natural,
podendo ser por vezes cultivadas quando
utilizadas para corantes. As folhas e os galhos
raramente são usados para obter as cores
castanhas e pretas enquanto que o cerne da
madeira é usado para obter as cores amarelas
e laranja.
Obtenção da matéria corante
A extracção do corante é realizada a partir
do cerne da madeira, através da redução, em
pequenos pedaços, que são colocados num
saco e extraídos em água quente. Depois do
processo de extracção, o líquido limpo depois
de depurado é utilizado no tingimento.
O principal material corante do fustetenovo é a fisetina, uma hidroxiflavona
presente na madeira como um glucosído
juntamente com o ácido tânico. Durante
o processo de tingimento o ácido tânico
divide-se originando fustina e um resíduo
de glucose. Podemos também encontrar
como componente minoritário a sulfuretina.
A fisetina é facilmente solúvel em álcool
etílico, acetona e ácido acético. É, contudo,
insolúvel em água, éter etílico, benzeno e
clorofórmio.
O fustete apresenta outras hidroxiflavonas
como principais substâncias corantes: a
morina, a maclurina e o kamferol enquanto
que o quercitron apresenta a quercitrina, a
quercetina entre outros.
Método de tingir
O banho do corante, que continha a madeira
corante fervida em água e depois de filtrado
era utilizado no tingimento da lã ou da seda
(Kremer-pigmente, 2006).
Este corante é um corante ao mordente
podendo utilizar-se, por exemplo, sais de
alúmen, cobre (Kremer-pigmente, 2006).
As cores obtidas variam consoante o mordente usado: com alúmen obtinha-se a cor
alaranjada; com cobre o castanho-avermelhado escuro, obtendo-se com crómio a
cor vermelha acastanhada (Tabela 9); ou o
amarelo sem a utilização de mordentes. As
cores apresentavam uma boa resistência à
lavagem, mas uma baixa luminosidade.
No regimento da Fábrica dos Panos de 1690
é referido a adição de sumagre ao lírio-dos-tintureiros para obtenção de outros tons de amarelo.
Plantas que tingem em azul
Pastel-dos-tintureiros
História do uso
O corante índigo ou anil pode ser extraído
de várias espécies de plantas do género
Indigofera, originárias dos trópicos, e de
Isatis tinctoria L. originária da Europa. A
espécie existente na Ásia era a Indigofera
tinctoria L. e as existentes na América
Central e do Sul era a Indigofera suffruticosa
Mill. (anil) e em África a Indigofera arrecta
Harv. (índigo-de-natal), enquanto a espécie
existente na Europa era a Isatis tinctoria L.
(pastel-dos-tintureiros).
Até o fim do século XVI, quando o índigo
se tornou mais disponível através das rotas
do comércio do Extremo Oriente, o pasteldos-tintureiros era a única fonte de corante
azul disponível na Europa (Balfour, 1998).
As primeiras referências à cultura do pastel
em Portugal datam de 1445 (28 Agosto) numa
carta de privilégio passada por D. Afonso V
ao Infante D. Henrique, onde lhe é conhecido
o exclusivo da exportação daquela cultura
(Faria, 1991).
O pastel-dos-tintureiros, nome comum
da planta Isatis tinctoria L., constituiu um
dos principais produtos de exportação dos
Açores, no seu período inicial de colonização
(séc. XV e XVI), originando um activo
comércio entre as ilhas e a Flandres. Este
comércio, cedo transformado em monopólio
da coroa portuguesa, era tão importante que
foi criado o cargo de “lealdador do pastel”
com o objectivo de garantir a qualidade e o
peso das “bolas” exportadas. Desse tempo
ficaram vários traços na toponímia açoriana,
sendo comuns as designações de Canada do
Engenho e Engenho, referindo os locais onde
se situavam as instalações de preparação do
pastel. No Faial a memória da sua cultura
é perpetuada na designação do lugar do
Pasteleiro, arredores da cidade da Horta
(Stainsfille, 2006).
A cultura, recolha, tratamento e exportação
desta tintureira atingiu valores elevados
no século XVI, seguido de uma grande
decadência a partir do último quartel do
século XVII. A decadência registada ficou a
dever-se essencialmente à concorrência feita
pelo anil produzido nas colónias espanholas
da América Central de onde era trazido para a
Europa. No entanto, a crise interna provocada
pela dominação Filipina e a especulação de
produtores e comerciantes são apontados
como factores simultâneos ou de antecipação
à crise geral provocada pela introdução
do índigo tropical e do anil, pondo assim
termo a um importante e irreversível ciclo
económico insular.
O extracto fermentado das suas folhas era
usado como corante azul em tinturaria. A sua
utilização actual limita-se à tinturaria artística
e à produção de tecidos orgânicos (produzidos
sem recurso a produtos sintéticos).
O pastel-dos-tintureiros é uma planta anual
ou bienal, raramente perene, da família das
Cruciferae ou nativa da Europa e do sudoeste
da Ásia, mas naturalizada em quase toda
a zona temperada e subtropical. Pode ser
cultivada em qualquer tipo de solo, embora
prefira solos ligeiros. Necessita de elevada
humidade para germinar e de boa exposição
solar para atingir o máximo desenvolvimento,
embora tolere algum ensombramento. Era
semeada em alfobre e depois plantada em
regos, a planta não podia ser cultivada com
sucesso no mesmo terreno em anos seguidos
(agr.unipi.it, 2006).
Obtenção da matéria corante
O método de preparação a partir da planta
pouco mudou ao longo do tempo. As folhas
da planta do pastel eram colhidas duas vezes
por ano, mergulhadas em água, durante 9 a
14 horas, e trituradas num engenho constituído por uma atafona movida por uma
vaca ou burro, e moldadas em bolas que
eram deixadas fermentar. A fermentação, que
produzia um cheiro pútrido intenso, levava
ao desdobramento dos pigmentos corantes
contidos nas folhas. Este licor fermentado é
retirado e arejado para que se dê a oxidação
do corante à forma oxidada, corada, que
precipita. A camada líquida superior é
decantada e o restante aquecido para parar
a fermentação. O licor é filtrado e a pasta
resultante depois de seca está pronta para
ser distribuída. As bolas fermentadas eram
depois deixadas a secar até atingirem um
grau reduzido de humidade, sendo depois
encaminhadas para as tinturarias (madehow.
com, 2006).
O corante, que na planta se encontra na
forma de um glucósido, é hidrolisado a glucose
e à forma leuco, que é solúvel em água.
As folhas e caules são ricos em glucósido indicana que ao decompor-se por fermentação produz indigotina, o princípio activo
do corante azul índigo (Tabela 10). O
pastel-dos-tintureiros, depois de seco, é uma
substância terrosa, sem cheiro ou sabor, de
cor azul-escuro, ganhando um brilho violeta
acobreada quando esfregado, contendo, além
da indigotina, numerosas outras substâncias
corantes e impurezas inertes. A indigotina
é insolúvel em água, daí o seu interesse em
tinturaria, dissolvendo-se apenas em ácidos
fortes.
Método de tingir
O pastel-dos-tintureiros não é solúvel
em água; para ser dissolvido, deve sofrer
uma transformação química. Um processo
de tingimento usado na Europa, consistia
em dissolver o índigo em urina. A urina
reduzia o índigo, insolúvel em água, a uma
substância solúvel conhecida como índigo
branco ou leuco-indigo, que produzia uma
solução amarelo-esverdeada. Os tecidos (a
lã e a seda) tingidos nesta solução ficavam
tingidos de azul, após o índigo branco oxidar
e transformar-se em indigo azul. Após o séc.
XIX a urina foi substituída por ureia sintética.
No processo de tingimento os tecidos
podiam ser mordentados com alúmen para se
obterem os azuis, ou cobre ou crómio para a
obtenção dos tons cinzentos (Tabela 10).
CONCLUSÕES
Neste trabalho, realizámos uma recolha
bibliográfica sobre algumas plantas tintureiras
cultivadas ou plantas espontâneas locais, que
foram utilizadas como corantes têxteis entre
os séculos XVI a XVIII.
Do exposto, podemos verificar a existência,
no Ocidente, de determinadas plantas
tintureiras, como a garança (Rubia tinctorum
L.) ou o fustete novo (Cotinus coggygria
Scop.) que foram usadas no tingimento
para obtenção da cor vermelha e amarela,
respectivamente. No entanto, a partir do
séc. XVI, quando as trocas comerciais
se intensificaram, foram introduzidas no
Ocidente outras plantas tintureiras, provenientes do Oriente, como a rubia (Rubia
cordifolia L.) que tingia de vermelho ou
o fustete (Maclura tinctoria (L.) Steud.)
que tingia de amarelo respectivamente e
possibilitaram a obtenção de mais e variadas
cores para os tecidos da época.
Verificámos também a existência de
substâncias, provenientes de madeiras
como a madeira do sândalo (Pterocarpus
santalinus L.f.), originária da Índia e o
dragoeiro (Dracaena draco L.), originária
das Ilhas Macaronésicas, que apresentam
composição química diferente para o mesmo
nome corante: sangue-de-dragão.
As plantas tintureiras deram um importante
contributo tornando-se num recurso procurado e originando fluxos de comércio internacional. Portugal, no quadro da sua vocação
ultramarina, forneceu os mercados europeus
oferecendo-lhes matérias-primas que se
desenvolvem nas novas terras descobertas. O
sangue de dragão, a urzela, o pau-brasil e o
pastel são alguns dos produtos de troca que
marcaram não só a passagem dos portugueses
como o seu interesse por estes lucrativos
produtos tintureiros.
Posteriormente, com o aparecimento e
comercialização dos corantes de síntese, e
a consequente baixa de competitividade dos
corantes naturais, a sua utilização declinou
até à sua quase extinção. Muitos dos procedimentos artesanais e semi-industriais, foram
quase perdidos.
Contudo, aquelas substâncias e as práticas
que lhes estavam associadas sempre foram
consideradas como fazendo parte de um
tempo glorioso que começava a ser ofuscado
pelo vertiginoso desenvolvimento das
indústrias químicas que, no século XIX, as
iam remetendo para uma actividade cada vez
mais residual e que são hoje recuperadas,
entre outras, por questões patrimoniais.