Efeito da moenda fina das amostras de terra na determinação dos teores de azoto
total e carbono total e orgânico
INTRODUÇÃO
Em química analítica as análises de terra incidem normalmente sobre a fracção
inferior a 2 mm, designada de terra fina. No entanto, a Norma ISO 11464,
relativa ao prétratamento de amostras para análises físicoquímicas, preconiza
que, para tomas de terra inferiores a 2 g, é necessário moer uma subamostra
representativa da terra, até que esta passe na sua totalidade num peneiro de
malha ≤ 0,25 mm.
Esta operação, que visa obter uma boa homogeneidade da amostra e, portanto, uma
maior precisão dos resultados é, no entanto, uma tarefa assaz morosa e
limitadora do rendimento do trabalho laboratorial, especialmente quando se
analisam várias dezenas de amostras por dia.
A determinação do carbono (orgânico e total) e do azoto total por combustão
seca, num analisador elementar emprega tomas de terra de cerca de 0,5 g, pelo
que a moenda da amostra se torna necessária.
Em projectos internacionais em que estes parâmetros são analisados é cada vez
mais solicitada a determinação do carbono e do azoto por combustão seca, de
acordo com normas internacionais que possam ser usadas por todos os
laboratórios participantes: ISO 10694 -para o carbono total e orgânico ' e ISO
13878 ' para o azoto total. Nalguns desses projectos é dispensada a moenda
fina das amostras, noutros ela é obrigatória. Por vezes é mesmo dispensada a
moenda na análise de um dos parâmetros, mas obrigatória para a determinação do
outro parâmetro (ICP Forest Manual 2006), o que parece um contra-senso, dado
que ambos são lidos simultaneamente no mesmo analisador elementar.
Houba et al. (1993) estudaram o efeito de diferentes graus de moenda (2; 1;
0,5; 0,25 e 0,15 mm) quer na determinação das concentrações total' e
disponível' de um vasto con-junto de macro e de microelementos, quer noutros
parâmetros do solo, tais como o car-bono orgânico, pH, carbonatos, etc., em 11
solos representativos dos Países Baixos. Para o carbono e azoto totais estes
autores observaram que apenas em 3 dos 11 solos a moenda levava a diferenças
significativas (p≤0,05) no teor daqueles parâmetros. No entanto, mesmo nesses
três solos os valores obtidos eram muito similares independentemente do
diferente grau de moenda, sugerindo os auto-res que as diferenças
significativas eram principalmente resultantes de uma variância muito pequena
dos triplicados analisados. Aqueles autores analisaram o carbono total por
combustão seca, o azoto total pelo método de Kjeldahl e os carbonatos pelo
método volumétrico.
O estudo, que se apresenta, teve como objectivo avaliar a possibilidade de
efectuar a determinação carbono total e orgânico, bem como do azoto total
directamente na fracção fina da terra (< 2 mm), com poupanças significativas no
tempo e custo das análises, sem com isso alterar significativamente os
resultados analíticos. Para tal, em vários solos de Portugal Continental,
procedeu-se à quantificação daqueles parâmetros na terra fina (< 2 mm) e na
terra fina moída (< 0,15 mm ) e estudou-se o efeito dos dois graus de moenda
nos resultados obtidos.
MATERIAL E MÉTODOS
Solos
Utilizaram-se amostras de sete solos de Portugal Continental, derivados de
diferentes rochas mãe. No Quadro 1 apresentam-se algumas das suas principais
características físico-químicas.
Quadro 1-Solos usados no estudo e algumas das suas características físico-
químicas
Tratamentos experimentais
Neste estudo aproveitaram-se os mesmos solos e tratamentos ensaiados em estudos
similares para outros parâmetros (Dias et al.2002 e 2007). De cada amostra
composta de solo, homogeneizada, retiraram-se 5 subamostras com cerca de (125
± 25) g, que foram secas a (36 ± 1) ºC.
Em cada subamostra, colocada dentro de um saco duplo de plástico, procedeu-se à
destruição manual dos agregados, batendo com um pilão sobre uma tábua de
plástico pousada sobre o saco de terra. Esta foi depois crivada por um crivo de
2 mm de malha em polietileno de alta densidade.
Em seguida, cada subamostra foi dividida, pelo sistema dos quartos cruzados, em
duas porções: uma delas não sofreu mais nenhuma manipulação, sendo designada
de tratamento T1 (< 2 mm); a outra porção foi completamente moída, usando um
moinho de bolas em ágata, até passar num crivo de 0,15 mm em nylon. De maneira
a evitar que a moenda fosse demasiado fina a amostra foi primeiro crivada. A
porção que ficava no crivo foi então moída durante 10 a 20 minutos, depois
crivada e assim sucessivamente até que mais de 95% do material passasse pelo
crivo. Esta porção foi designada de tratamento T2 (< 0,15 mm). Analisaram-se
70 subamostras (7 solos x 2 tratamentos x 5 repetições).
A utilização de um crivo de malha 0,15 mm em vez de 0,25 mm, como estipula a
norma ISO 11464, deveu-se ao facto de se empregarem neste estudo amostras de
terra de um estudo similar feito anteriormente para os metais pesados (Dias et
al., 2002), cuja análise por digestão com água régia implica a moenda até 0,15
mm (de acordo com a ISO 11466). No entanto, se para uma moenda até 0,15 mm não
forem encontradas diferenças significativas, também não será de esperar que as
haja com uma moenda até 0,25 mm.
Determinações analíticas
O azoto total foi analisado segundo a Norma ISO 13878 -Determinação do teor de
azoto total na terra após combustão seca a uma temperatura de pelo menos 900 ºC
(1350 ºC no presente caso), na presença de gás oxigénio, num analisador
elementar LECO CNS. Os produtos de combustão são óxidos de azoto (NOx) e azoto
molecular (N2). Depois de transformar todas as formas de azoto em N2, o teor de
azoto total é medido utilizando a condutividade térmica.
O carbono total foi analisado segundo a Norma ISO 10694 ' Oxidação, por via
seca, do carbono total presente na amostra em CO2, por aquecimento do solo a
uma temperatura de pelo menos 900 ºC (1350 ºC no presente caso), num
analisador elementar LECO CNS. A quantidade de dióxido de carbono libertado é
então medida utilizando um método de detecção por infravermelhos.
O teor de carbono orgânico foi calculado a partir da diferença entre a
quantidade de carbono total (determinado pelo LECO CNS) e a quantidade de
carbono inorgânico presente na forma de carbonatos.
Os carbonatos totais foram determinados volumetricamente, segundo a Norma ISO
10693 -Adição de ácido clorídrico 4M à amostra de terra, com consequente
decomposição dos carbonatos presentes. O volume de dióxido de carbono
produzido é medido num calcímetro e comparado com o volume de dióxido de
carbono produzido por carbonato de cálcio puro.
Os resultados analíticos destes três parâmetros são expressos na terra seca a
105ªC.
A humidade das amostras foi determinada pela norma ISO 11465.
Na textura (análise mecânica) determinaram-se os lotes de areia grossa, areia
fina, limo e argila utilizando, respectivamente, o método de crivagem, o método
de sedimentação e decantação e o método da pipeta para os dois últimos lotes.
O pH (H2O) foi determinado potenciometricamente na suspensão solo:água na
proporção 1:2,5 (m/v);
A capacidade de troca catiónica foi determinada somando as bases de troca e a
acidez de troca obtidas pelo método de Mehlich;
O material de vidro usado nas análises foi previamente mergulhado em HCl a 2,5%
durante um mínimo de 12 horas, sendo passado de seguida duas vezes por água
desmineralizada. Também os crivos de 2mm em polietileno de alta densidade
foram mergulhados em HCl a 5% durante 1 hora e lavados de seguida com água
desmineralizada. Os crivos em nylon de 0,15 mm de abertura foram limpos com ar
comprimido.
Controlo de qualidade
A qualidade das análises foi monitorizada pela participação no programa de
avaliação de laboratórios analíticos de Wageningen relativo aos solos (WEPAL
Soil Program).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise de variância dos resultados analíticos (ANOVA tipo II) mostrou que o
factor solo teve um efeito altamente significativo (p≤0,001) na variação dos
resultados (Quadro 2), confirmando ser adequado para este tipo de estudo.
Quadro 2 -Tabela resumida de análise de variância relativa ao teor total de
azoto e carbono e de carbono orgânico no conjunto dos sete solos utilizados no
estudo -Valores de F calculados
Em termos globais verificou-se que não existe efeito significativo (p> 0,05) da
moenda sobre a concentração total de azoto e carbono, nem sobre o teor de
carbono orgânico.
O efeito médio da interacção solo × moenda não se mostrou significativo
(p>0,05), ou seja, o efeito médio da moenda sobre os parâmetros analisados não
dependeu das características do solo.
No Quadro 3 e nas Figuras 1 a 3 apresentam-se os teores de azoto total,
carbono total e carbono orgânico nos diferentes solos estudados, consoante o
grau de moenda.
Quadro 3' Teores totais de azoto e carbono e de carbono orgânico nos diferentes
solos estudados, consoante o tipo de moagem
Figura 1' Teor de azoto total nos diferentes solos estudados consoante o tipo
de moenda.
Figura 2' Teor de carbono total nos diferentes solos estudados consoante o tipo
de moenda.
Figura 3' Teor de carbono orgânico nos diferentes solos estudados consoante o
tipo de moenda.
Procurou-se avaliar se a moenda fina da amostra levaria a um aumento da
precisão dos resultados, ou, dito de outra maneira, se o facto de se fazer a
análise sem moer finamente a terra levaria a uma maior variância dos
resultados.
Efectuou-se, assim, o teste de homogeneidade das variâncias correspondentes a
cada grau de moenda, para cada um dos sete solos.
Como se pode observar no Quadro 4, não se verificou uma influência sistemática
do grau de moenda sobre a precisão (medida pela variância) dos resultados
analíticos.
Quadro 4-Efeito da moenda fina das amostras sobre a precisão dos resultados
analíticos para os sete solos estudados.
No caso do azoto, dos sete solos estudados apenas no solo B ' um Luvissolo
férrico (LVfr) ' a moenda a 0,15 mm levou a um aumento significativo (p ≤ 0,05)
da precisão dos resultados. Mas pensamos que essa diferença significativa se
deve à variância muito pequena dos quintuplicados analisados, quer num, quer
noutro tratamento.
Também no caso do carbono total e orgânico a moenda fina das amostras levou a
um aumento significativo (p ≤ 0,05) da precisão dos resultados apenas num dos
sete solos ensaiados (o Podzol). Este solo apresenta um teor muito elevado de
areia grossa (74%) que terá dificultado a obtenção de uma toma homogénea de
terra para análise.
CONCLUSÕES
Os resultados obtidos sugerem que, na determinação do azoto total, carbono
total e carbono orgânico é dispensável a moenda fina das amostras, podendo a
análise ser feita directamente na terra fina (< 2 mm).
No entanto, no caso de amostras em que se visualiza uma elevada proporção de
areia grossa ou uma nítida segregação da matéria orgânica relativamente à
fracção mineral, a moenda poderá ser aconselhável para garantir uma boa
reprodutibilidade dos resultados.