Efeito da fertilização azotada na cultura do milho na província do Huambo
(Angola)
INTRODUÇÃO
No contexto da agricultura angolana e, em particular da Província do Huambo, a
cultura do milho (Zea maysL.) representa um importante papel socioeconómico,
principalmente na alimentação das populações de baixo rendimento (Henriques,
2008; Henriques et al., 2010). De acordo com indicações da ONG World Vision,
o milho faz parte da dieta diária de cerca de 90% da população do Huambo.
Um dos factores que certamente contribuem para a fraca produtividade de cultura
é a deficiente fertilização.
A compreensão das limitações de fertilidade dos solos tropicais e, em
particular dos angolanos, é facilmente apreendida pela leitura dos trabalhos de
Ucuassapi & Dias (2006) e de Dias et al. (2006). Estes últimos verificaram,
com base em numerosos ensaios em vasos, cuja metodologia foi detalhadamente
justificada por Moreira & Dias (1963), que 92% dos solos angolanos
apresentavam carência de azoto e 94% carência de fósforo, cerca de 88% dos
solos analisados detinham deficiências daqueles nutrientes classificadas como
fortes.
Segundo França et al. (1986), o azoto e o fósforo são os dois nutrientes que
mais limitam a produção de frutos, principalmente a cariopse das gramíneas. De
facto, atendendo ao tipo de solo e ao contexto actual da agricultura na
província, entre vários factores, designadamente, a falta de semente de
qualidade, práticas culturais incorrectas ou inadequadas e a ausência de uma
fertilização equilibrada, são principalmente o teor em azoto e em fósforo os
que mais contribuem para as baixas produtividades da cultura.
Rodrigues (2005) e Henriques et al.(2009) salientaram que atendendo aos solos
da região do Huambo serem predominantemente ferralíticos, por natureza pobres
em nutrientes, principalmente azoto, fósforo, enxofre, cálcio, magnésio, zinco
e boro, só com o recurso a fertilizações químicas aplicadas de forma racional e
sustentável é que se tornam razoavelmente produtivos. Dias et al. (2006) e
Rodrigues (2005) referem ainda que tratando-se duma região com elevadas
precipitações, o azoto deverá ser fornecido, preferencialmente, sob forma de
adubos amoniacais e de modo fraccionado, de forma a contrariar as importantes
perdas por lixiviação.
De acordo com o Manual do Laboratório Químico Agrícola Rebelo da Silva (2006),
o milho tem uma alta sensibilidade à carência do nutriente secundário magnésio
e do micronutriente zinco.
Durante o período anterior à independência, o IIAA-Instituto de Investigação
Agrária de Angola realizou prospecções e ensaios de fertilização que
demonstraram uma resposta positiva da cultura do milho a aplicações de azoto
(Dias, 1973 a, b). Resultados de ensaios conduzidos na Província do Huambo,
entre 2003 e 2005, mostraram que cultivares de polinização aberta podem atingir
uma produtividade de 4 t ha-1 durante a época chuvosa e de 9 t ha-1 durante a
época seca, com uma dose de 100 kg ha-1de N, 50 kg ha-1de P e 25 kg ha-1de K
(Asanzi et al., 2006).
Perante o exposto, há todo o interesse em proceder a estudos e, principalmente,
à divulgação de boas práticas agrícolas, na qual se deve privilegiar uma
adequada adubação.
O trabalho teve como objectivo avaliar, em condições de campo, o efeito de
níveis de fertilização azotada, para as condições agrícolas e socioeconómicas
da região do Huambo, sobre o rendimento da cultura do milho com uma cultivar
melhorada e outra regional.
MATERIAL E MÉTODOS
Área de estudo
Os ensaios decorreram em três regiões da Província do Huambo (Angola):
Bailundo, Chianga e Calenga, distanciados de cerca de 50 km. A localização dos
ensaios e as características edafo-climáticas dos locais escolhidos foram
anotadas em Henriques et al.(2009). No Bailundo, na Chianga e na Calenga, os
solos apresentam texturas areno-limosa, argilosa e argilo-limosa,
respectivamente, e o pH variou, nos 3 locais, entre 5,2 e 5,5. A riqueza dos
solos em fósforo, antes dos ensaios, era, respectivamente, de 3, 43 e 21 mg L-
1. Esta região abrange uma área de 29,827 km2, e apresenta duas estações
climáticas ' das chuvas e de seca ' por ano, com ventos fracos. Devido à sua
altitude, o clima é temperado-tropical, com uma temperatura média anual
inferior a 20 ºC (Diniz, 1991) e precipitação anual média de 1200 mm.
A distribuição da pluviosidade, na Estação Experimental da Chianga durante o
período dos ensaios, foi a indicada na figura 1.
Figura 1 ' Pluviosidade mensal registada na Estação Experimental da Chianga,
durante o período dos ensaios.
Delineamento experimental e análise de dados
Em cada local foram conduzidos ensaios em duas épocas. A primeira,
correspondente à época seca de 2005 (de Junho a Setembro de 2005) e a segunda
época à chuvosa do ano agrícola 2005/6 (de Outubro de 2005 a Maio de 2006).
Com base nos resultados dos ensaios desenvolvidos por Henriques (2008) e
Henriques et al. (2010), nos quais se comparou o comportamento produtivo de
diversas cultivares de milho, seleccionaram-se a cultivar importada ZM521',
pelos bons resultados durante a estação seca, e a cultivar regional Branco
redondo', pelo fácil acesso por parte dos agricultores de baixo rendimento.
Cada ensaio, com uma área total de 544 m2 (32 m x 17,0 m), foi dividido em 30
parcelas de 16 m2 (3,2 m x 5,0 m). As colheitas foram realizadas na área
central de cada parcela, correspondendo a uma área útil de 8 m2. O compasso de
sementeira foi de 25 cm na linha e 80 cm na entrelinha.
O delineamento experimental escolhido foi o de blocos casualizados completos
com 3 repetições, testando-se os seguintes teores de fertilização: 0, 50, 100,
200, e 400 kg ha‑1de azoto.
A semente da cultivar melhorada ' ZM521' ' utilizada nos ensaios foi adquirida
à empresa produtora de semente certificada Seed Co (Harare, Zimbabwe) e a
semente da cultivar local ' Branco redondo' ' no mercado da Província do
Huambo.
Utilizou-se o fertilizante azotado ureia fraccionado em três aplicações, uma de
fundo (na altura da sementeira) e duas de cobertura (30 e 60 dias após
sementeira). Para suprir as necessidades de fósforo, aplicou-se o superfosfato
simples na dose de 100 kg ha-1de P2O5.
Tanto na época chuvosa como na época seca, não foi efectuado qualquer
tratamento fitossanitário. O terreno foi mantido sempre livre de infestantes
retiradas manualmente com ajuda de uma enxada. Durante a época de regadio,
foram feitas regas cada cinco dias.
Em cada repetição determinaram-se os seguintes parâmetros: (A) o peso fresco
total das espigas na área útil (8 m-2); (B) o peso fresco de 10 espigas
escolhidas ao acaso por repetição; (C) o peso fresco em grão (cariopses) das 10
espigas colhidas ao acaso por repetição e (D) o em teor de humidade (%) do grão
obtido nas 10 espigas colhidas ao acaso.
O rendimento (Y kg ha-1) foi calculado utilizando a seguinte equação:
Y = A x (1 - D) x E
A = peso fresco das espigas (kg ha-1)
E= C/B, factor de correcção entre o peso de 10 espigas vs peso em grão das
mesmas 10 espigas.
A análise preliminar da variância dos dados combinados relativos às produções e
ao benefício económico indicou interferência entre épocas e locais. Assim
sendo, os dados referentes a estas duas variáveis são apresentados
separadamente para cada local de ensaio e para cada época.
Para análise económica estipulou-se o preço por kg de grão de 0,35 USD e para o
fertilizante de 800 USD e 900 USD por tonelada para o superfosfato simples e
ureia, respectivamente, valores praticados na altura dos ensaios.
Os dados foram sujeitos a análise de variância através do programa Statistix 8
(Analytical Software, Tallahassee, FL). A comparação entre médias foi feita
pelo teste da mínima diferença significativa para um nível de probabilidade de
0,05. A análise económica do uso de adubo foi feita recorrendo ao programa
Economic dominance analysis methods (Harrington, 1988).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Salientam-se os valores substancialmente maiores da produção da cultivar
importada relativamente à regional, em todos os locais e épocas de cultura. As
produções na época de regadio foram sempre significativamente mais elevadas do
que as da época das chuvas (Figuras 2, 3 e 4).
Figura_2 ' Rendimento de duas cultivares de milho, no Bailundo, em função das
diferentes dosagens de azoto, aplicadas durante a época das chuvas (A) do ano
agrícola 2005/6 (de Outubro de 2005 a Maio de 2006) e a época seca (com
regadio) (B) anterior (de Junho a Setembro de 2005).
Figura_3' Rendimento de duas cultivares de milho, na Chianga, em função das
diferentes dosagens de azoto, aplicadas durante a época das chuvas (A) do ano
agrícola 2005/6 (de Outubro de 2005 a Maio de 2006) e a época seca (com
regadio) (B) anterior (de Junho a Setembro de 2005).
Figura 4 ' Rendimento de duas cultivares de milho, na Calenga, em função das
diferentes dosagens de azoto, aplicadas durante a época das chuvas (A) do ano
agrícola 2005/6 (de Outubro de 2005 a Maio de 2006) e a época seca (com
regadio) (B) anterior (de Junho a Setembro de 2005).
De forma geral, o rendimento da cultura durante a época das chuvas, em resposta
ao azoto, apresentou um máximo para a dose de 200 kg ha-1de N em todos os
locais. Durante a época seca, o rendimento máximo foi obtido em resposta à dose
de 100 kg ha-1de N para Bailundo e Calenga e à de 200 kg ha-1de N na Chianga
(Figuras 2 e 4). O rendimento máximo foi obtido durante a época seca, com cerca
de 7,5 t ha-1para a cultivar ZM521', no Bailundo, e cerca de 2,5 t ha-1 para
Branco redondo'. Os baixos rendimentos da cultivar local fazem sentido por se
ter semeado grão de milho obtido no mercado local.
Nos ensaios relatados por Asanzi et al. (2006), durante a época seca, com a
cultivar importada ZM521' obteve-se um máximo superior (9 t ha-1) ao dos
ensaios agora relatados, com a mesma dose de azoto (N100).
A resposta das cultivares para doses de azoto mais altas (> 200 kg ha-1de N)
difere em relação às épocas. Na das chuvas, para a cultivar Branco redondo',
verificou-se um ligeiro decréscimo no rendimento, embora sem claro significado
estatístico, enquanto para ZM521' os rendimentos mantiveram-se sensivelmente
constantes. Durante a época seca, verificou-se o contrário: para a cultivar
ZM521' um ligeiro decréscimo nos rendimentos e para Branco redondo' os
rendimentos mantiveram-se constantes com tendência para um ligeiro aumento na
Chianga (Figura 3).
Assim, as duas doses de azoto mais elevadas não pareceram, em geral,
compensadoras, excepto no caso da época das chuvas no Bailundo, como se discute
adiante.
Análise económica
Nas figuras 5, 6 e 7 apresentam-se, para as duas épocas estudadas e para cada
um dos locais, uma análise de benefícios vscustos da fertilização para as duas
cultivares de milho.
Figura 5 ' Análise de benefícios vs custos, em duas épocas, da fertilização de
duas cultivares de milho, na província do Huambo, Bailundo.
Figura 6' Análise de benefícios vs custos, em duas épocas, da fertilização de
duas cultivares de milho, na província do Huambo, Chianga.
Figura 7 ' Análise de benefícios vs custos, em duas épocas, da fertilização de
duas cultivares de milho, na província do Huambo, Calenga.
Para os valores admitidos de custos do adubo e de venda do grão de milho,
durante a época das chuvas, apenas a cultivar ZM521' mostrou benefício
económico no uso do adubo ureia, a partir da dose 50 kg ha-1de N, atingindo o
máximo para 100 kg ha-1de N, na Chianga e Calenga (Figuras 6 e 7) com valores
acima dos 600 e 1250 USD, respectivamente. No Bailundo (Figura 5), o benefício
máximo foi atingido para 200 kg ha-1de N, com valores acima dos 1000 USD. A
cultivar Branco redondo', nesta época, apresentou benefícios muito baixos ou
mesmo prejuízo para qualquer dosagem. Os melhores resultados foram encontrados
para a dose de 50 kg ha-1de N no Bailundo e na Chianga e para a de 100 kg ha-
1de N na Calenga, mas com benefício que não ultrapassou cerca de 75 USD.
Para a época de regadio o benefício máximo foi atingido com a dosagem de 100 kg
ha-1de N para as duas cultivares e em todos os locais em estudo, sendo que a
cultivar ZM521' atingiu valores superiores a 2500 USD no Bailundo e na
Calenga, e superiores a 1000 USD na Chianga. A diferença nos benefícios entre
as duas épocas em estudo é compreensível, uma vez que, conforme demonstrado nas
figuras_2 e 3 o rendimento do grão durante a época das chuvas foi bastante
inferior ao obtido durante a época seca, com regadio. Nesta, a resposta
económica da cultivar regional já foi razoável mas só para a dose de 100 kg ha-
1de N.
CONCLUSÕES
Em síntese, a cultura respondeu à aplicação do fertilizante ureia com um máximo
para 100 kg ha-1de N e, num caso isolado, para 200 kg ha-1de N. De forma geral,
os camponeses de baixo rendimento, na província do Huambo, utilizam de forma
contínua o fertilizante sulfato de amónio para adubações de cobertura,
favorecendo assim a acidificação dos solos. Assim, tendo em conta a
concentração de azoto na ureia e o preço deste em relação ao sulfato de amónio,
os resultados destes ensaios apontam para a possibilidade de substituir, ou
pelo menos intercalar, os dois tipos de fertilizante. Porém, atendendo ao tipo
de solo desta região, é imprescindível que seja utilizado com outro
fertilizante que contenha enxofre, como é o caso do superfosfato simples,
empregue neste ensaio, não obstante Dias (1973a) tivesse considerado que, em
termos de economia, o superfosfato concentrado granulado de origem externa
bateria sempre, ou quase sempre, o superfosfato simples.
Tendo em conta os resultados destes ensaios e a limitada disponibilidade
financeira do pequeno camponês para a compra do adubo, pode concluir-se que a
dose de 100 kg ha-1de N se mostrou vantajosa para a cultivar importada e para a
regional em regadio.
Os prejuízos obtidos com a cultivar regional podem, em parte, ser atribuídos a
degeneração da semente, pelo que seria aconselhável a criação de uma rede
empresarial para produção de sementes.