Doses reduzidas de herbicidas no controlo do Juncus Bufonius L. e infestantes
dicotiledóneas em trigo de sementeira directa
INTRODUÇÃO
Em condições Mediterrânicas, a flora infestante em cereais de Outono/Inverno é
dominada por dicotiledóneas (folha larga) e monocotiledóneas (folha estreita)
anuais, independentemente do sistema de mobilização usado. Contudo, em solos
com deficiente drenagem como por exemplo nos mediterrânicos, é comum haver uma
infestação importante de Juncus bufonius L. (junco-dos-sapos) tanto no sistema
convencional de mobilização do solo como na sementeira directa. Esta infestante
pertence à classe monocotiledónea e à família das Juncáceas. Quer o J.
bufonius, quer as infestantes de folha larga podem causar importantes perdas de
produção nos cereais, nomeadamente no trigo, em condições Mediterrânicas. O
método mais comum para controlar ambas as infestantes é através da aplicação de
herbicidas.
As infestantes são o factor mais importante da redução da produção de grão na
cultura do trigo (Baghestani et al., 2007) mas, actualmente, o objectivo de uma
estratégia sustentável de controlo de infestantes é manter um nível de
infestação aceitável, mais do que um controlo total das infestantes nas
culturas. Vários estudos têm demonstrado um controlo satisfatório das
infestantes e a obtenção de produções aceitáveis quando os herbicidas são
aplicados com doses inferiores às recomendadas pelos fabricantes (Fernandez-
Quintanilla et al., 1998; Brian et al., 1999; Navarrete et al., 2000; Zhang et
al., 2000; Böstrom e Fogelfors, 2002; Walker et al., 2002; Hamill et al., 2004;
Barros et al., 2005, 2007, 2008).
Estudos levados a cabo por Fernandez-Quintanilla et al. (1998) e Navarrete et
al. (2000), em Espanha, mostraram que o nível de controlo de Lolium
rigidumL.obtido com herbicidas comerciais aplicados nas doses recomendadas
variou de 57 a 99%, com um valor médio de 90%. Estes estudos também mostraram
que reduzindo as doses de herbicida abaixo da dose recomendada, o impacto no
controlo das infestantes foi baixo.
Belles et al. (2000) reportaram que 50% da dose de tralkoxydim controlou mais
de 85% de Avena fatua L. em cevada (Hordeum vulgare L.). Walkeret al. (2002),
na Austrália, referem que a eficácia do clodinafope e do tralkoxydim no
controlo da Avena ludoviciana Durieu e da Phalaris paradoxa L. permaneceu alta
quando se aplicou 50% a 70% das doses recomendadas.
Barros et al. (2005, 2007, 2008), em condições Mediterrânicas e estudando o
efeito de diferentes herbicidas de pós-emergência no controlo de infestantes
mono e dicotiledóneas em trigo de sementeira directa, incluindo o herbicida
mesossulfurão metilo + iodossulfurão-metilo-sódio, encontraram que é possível
obter um controlo suficiente das infestantes de maneira a obter-se a produção
potencial da cultura, mesmo aplicando doses de herbicida inferiores às
recomendadas pelos fabricantes. Contudo e de acordo com os mesmos autores,
parece essencial usar uma data de aplicação temporã (início do afilhamento para
as infestantes monocotiledóneas e 3 a 4 pares de folhas para as dicotiledóneas)
a qual, em condições Mediterrânicas de precipitação elevada de Inverno, é
muitas vezes um problema, devido à baixa capacidade do solo em suportar a
maquinaria quando se usa o sistema convencional de mobilização.
O'Donovan et al. (1985) demonstraram também que o controlo precoce das
infestantes é importante para evitar quebras na produção das culturas.
Com o objectivo de reduzir os custos de produção e a erosão do solo, muitos
agricultores portugueses estão a substituir o sistema de mobilização
convencional do solo, baseado na lavoura com charrua de aivecas e em que a
preparação da cama da semente é efectuada por grades de discos e/ou
escarificadores, por sistemas de menor intensidade e perturbação do solo, tais
como a mobilização reduzida e a sementeira directa. A sementeira directa,
especialmente, representa uma grande alteração nas práticas de produção e um
desafio no maneio das infestantes (Young e Thorne, 2004).
A adopção da sementeira directa pode afectar fortemente o ambiente para a
germinação das sementes através da alteração da temperatura e humidade na
camada superficial do solo e da presença de uma maior ou menor quantidade de
resíduos das culturas (Froud-Williams, 1988). Neste sistema de mobilização, as
sementes das infestantes não estão distribuídas ao longo da camada mobilizada
do solo, mas tendem a acumular-se na camada superficial do mesmo. Por
conseguinte, a densidade de população de infestantes pode aumentar,
consequência das condições serem mais favoráveis para a germinação das sementes
das infestantes (Streit et al., 2002). Deste modo, em condições Mediterrânicas
é de esperar uma elevada emergência inicial depois da ocorrência das primeiras
chuvas, com as sementes das infestantes a permanecerem na superfície do solo ou
perto desta. Consequentemente, o controlo de infestantes em pré-sementeira
elimina uma quantidade importante de potenciais infestantes e reduz a
subsequente pressão das infestantes na cultura estabelecida. Quer a reduzida
pressão das infestantes, quer a vantagem de uma muito melhor capacidade do solo
em suportar as máquinas, permitem uma data de aplicação mais adequada e,
portanto, um controlo mais eficaz das infestantes com doses reduzidas de
herbicidas. Datas de aplicação mais temporãs permitem não só um controlo das
infestantes numa fase mais sensível do seu desenvolvimento, mas também a
suficiente penetração na cultura para o necessário contacto com as folhas das
infestantes, mesmo com o uso de volumes de calda inferiores.
O objectivo do presente trabalho é o de estudar a possibilidade da redução dos
inputs de herbicidas de pós-emergência para controlar Juncus bufonius L. e
infestantes de folha larga em trigo semeado em sementeira directa, mantendo
níveis aceitáveis de população de infestantes e, consequentemente, mantendo a
produção potencial da cultura. Por conseguinte, ensaios de campo foram levados
a cabo, utilizando uma mistura de dois herbicidas e diferentes doses, num
estádio precoce do desenvolvimento das infestantes.
MATERIAL E MÉTODOS
Para estudar o efeito de doses reduzidas de dois herbicidas de pós-emergência
no controlo de J. bufonius e infestantes de folha larga em trigo (Triticum
aestivum L.) realizaram-se ensaios nos anos de 2007/08 e 2008/09, numa herdade
privada do Distrito de Évora (Sul de Portugal).
Um dos herbicidas usados (H1) é uma mistura comercial de grânulos dispersíveis
em água de mesossulfurão-metilo (3%) + iodossulfurão-metilo-sódio (0.6 %) +
mefenepir ' dietilo (9%). O mesossulfurão-metilo é uma substância química
utilizada em pós-emergência no controlo de infestantes monocotiledóneas (folha
estreita) e também de algumas dicotiledóneas (folha larga) em trigo, triticale
(Triticale Wittmack) e centeio (Secale cereal L.). Esta substância está
misturada com o iodossulfurão-metilo-sódio para complementar o controlo das
infestantes de folha larga e com um "safener" (mefenepir-dietilo), cujo
objectivo é o de assegurar a selectividade sem comprometer a eficácia do
produto. De salientar que o iodossulfurão está igualmente recomendado no
controlo de Lolium rigidum e Avena sterilis. Para aumentar a eficácia deste
herbicida, juntou-se um molhante não iónico que é uma solução concentrada com
283 g L-1 ou 27% (p/p) de lauril éter diglicol sulfato de sódio.
O outro herbicida utilizado (H2) foi o clortolurão (500 g L-1), o qual pertence
ao grupo químico das fenilureias e está indicado para o controlo das principais
infestantes de folha estreita e de muitas infestantes de folha larga em trigo
mole, trigo duro (Triticum durum L.) e cevada (Hordeum vulgare L.). Este
herbicida tem um duplo modo de acção, actuando por contacto e por efeito anti-
germinativo.
Os ensaios foram delineados em blocos casualizados, estando os tratamentos em
combinação factorial. As repetições foram quatro e os tratamentos realizados
estão apresentados no Quadro 1.
Quadro 1 - Doses dos herbicidas e estádios de desenvolvimento utilizados no
controlo do Juncus bufonius L. e das infestantes de folha larga.
Os ensaios foram levados a cabo durante 2 anos em diferentes folhas da herdade,
mas ambas as folhas tinham características do solo idênticas, sendo o solo
classificado como Mediterrânico e cartografado como Pmg (Luvissolo), sendo
franco-arenoso no horizonte A e franco-argilo-arenoso no horizonte B. O pH em
água era de 6.2 no horizonte superficial aumentando para 7.2 nos horizontes
inferiores. O teor em matéria orgânica no horizonte A era de 1%.
A cultura do trigo foi instalada através do sistema de sementeira directa, em
meados de Novembro. No controlo de infestantes em pré-sementeira aplicou-se o
glifosato com a dose de 450 g L-1 por hectare.
A aplicação dos herbicidas de pós-emergência nos talhões de ensaio efectuou-se
com um pulverizador próprio para ensaios, equipado com bicos de fenda (110o-
10), quando cerca de 90% das infestantes (J. bufonius e folhas-largas) estavam
no estádio de desenvolvimento de 3-4 pares de folhas. Esta aplicação
correspondeu ao estádio 22-25 da escala de Zadoks (Zadoks et al., 1974) do
desenvolvimento do trigo. O volume de calda aplicado foi de 200 L ha-1. Os
talhões de ensaio tinham uma dimensão de 10 m x 3 m e a área útil colhida foi
de 15 m2.
As infestantes foram identificadas e contadas duas vezes, mas não foram
removidas. A primeira contagem teve lugar imediatamente antes do tratamento e a
segunda, cerca de 2 meses após o tratamento. Para a contagem das infestantes
usaram-se quadrados com 50 cm de lado, os quais foram colocados no meio de cada
um dos talhões de ensaio e na mesma posição para as duas contagens. O número
determinado de infestantes está expresso em número de infestantes por metro
quadrado.
A eficácia no controlo das infestantes dos diferentes tratamentos é expressa
como a percentagem de infestantes controladas e calculada usando a seguinte
expressão:
Ef= 100 ' ((C2 ' d)/C1).100
em que, Ef é a eficácia do tratamento (%), C1 o número de infestantes por metro
quadrado contadas antes do tratamento, C2 o número de infestantes por metro
quadrado contadas aproximadamente 2 meses depois do tratamento e d, a diferença
no número de infestantes por metro quadrado entre a primeira e a segunda
contagem nos talhões testemunha (reinfestação).
O valor de d (média dos 2 anos) foi de 5 plantas m-2 para o J. bufonius e 4
plantas m-2 para as infestantes de folha larga.
A média de infestantes por metro quadrado presentes nos ensaios era de 96 para
o J. bufonius e 46 para as infestantes de folha larga.
A cultivar de trigo usada nestes ensaios foi o Jordão, que é um trigo de ciclo
longo, tendo sido semeado com uma densidade de 200 kg ha-1 e sendo aplicada uma
fertilização em N-P-K de acordo com recomendações resultantes da análise ao
solo de maneira a manter os níveis de fertilidade para se obter uma produção
potencial da cultura de 2500 kg ha-1.
A área central dos talhões (10 m x 15 m) foi colhida, usando-se uma ceifeira
debulhadora própria para ensaios. A produção de grão por unidade de área foi
determinada em função do peso seco do grão.
O tratamento estatístico consistiu na análise de variância que se aplicou aos
diferentes parâmetros estudados, sendo feita de acordo com o delineamento
experimental do ensaio. A separação de médias foi efectuada sempre que o teste
F revelou uma probabilidade do erro justificar diferença, menor ou igual a 5 %
(p = 5%), pelo teste de separação múltipla de médias de DUNCAN. O programa
estatístico utilizado foi o MSTAT-C.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Eficácia no controlo das infestantes
A figura 1 mostra a eficácia da interacção dos dois herbicidas aplicados, no
controlo do J. bufonius. D1 e D2 representam, respectivamente, as doses mais
baixa e mais alta do herbicida mesossulfurão-metilo + iodossulfurão-metilo (H1)
e d1 e d2 as doses mais baixa e mais alta do herbicida clortolurão (H2).
Figura_1 - Eficácia da interacção dos dois herbicidas no controlo do Juncus
bufonius L. (D1-0.2 e D2-0.3 kg ha-1; d1-1 e d2-2 L ha-1).
Verifica-se que a maior eficácia no controlo desta infestante, foi conseguido
com a aplicação da dose mais elevada do herbicida H2 (D1d2 e D2d2), apesar de a
diferença não ter sido significativa relativamente ao tratamento D1d1. Pelos
dados obtidos parece que o efeito principal no controlo do Juncus bufoniusL.
terá sido exercido pelo herbicida H2 (clortolurão),e será necessário aplicar a
dose recomendada (2 l ha-1) deste herbicida para se obter um maior controlo
desta infestante, mesmo quando o tratamento é efectuado numa fase precoce do
seu desenvolvimento (3-4 pares de folhas). No entanto, poderá considerar-se ter
havido um controlo satisfatório (> 90%) do J. bufonius com a dose de 1 L ha-1
(d1), que corresponde a metade da dose recomendada pelo fabricante para o
controlo desta infestante.
Como mostra a figura 2, o controlo das infestantes de folha larga
(dicotiledóneas) foi significativamente maior quando se aplicou a dose mais
elevada (D2 - 0.3 kg ha-1) do herbicida H1 (mesossulfurão-metilo +
iodossulfurão-metilo-sódio + mefenepir-dietilo), parecendo não ter o herbicida
H2 (clortolurão) o efeito no controlo destas infestantes que era de esperar. No
entanto, apesar da elevada eficácia no controlo das infestantes de folha larga
com a dose de herbicida de 0.3 kg ha-1 (D2), esta corresponde a uma dose
inferior à recomendada pelo fabricante (0.4 kg ha-1).
Figura 2 - Eficácia da interacção dos dois herbicidas no controlo de
infestantes de folha larga (dicotiledóneas) (D1-0.2 e D2-0.3 kg ha-1; d1-1 e
d2-2 L ha-1).
Produção de grão
Pelo gráfico da figura 3 pode constatar-se que não houve diferenças
significativas na produção de grão para os diferentes tratamentos, apesar da
maior produção ter sido obtida no tratamento em que se usaram as doses mais
altas dos dois herbicidas. Os resultados obtidos mostram claramente que doses
inferiores às recomendadas destes dois herbicidas originam um controlo
satisfatório das infestantes em estudo com consequência numa produção de grão
na cultura do trigo também satisfatória. Os gráficos das figuras_1 e 2 parecem
indicar que o controlo do Juncus bufonius L. foi mais importante na definição
da produção de grão na cultura, havendo uma tendência no aumento da produção
com um controlo mais eficaz desta infestante. Os resultados obtidos estão de
acordo com o observado por vários investigadores (Fernandez-Quintanilla et al.,
1998; Belles et al. 2000; Brian et al., 1999; Navarrete et al., 2000; Zhang et
al., 2000; Böstrom e Fogelfors, 2002; Walker et al., 2002; Hamill et al., 2004;
Barros et al., 2005, 2007, 2008).
Figura 3- Efeito da interacção dos dois herbicidas na produção de grão (D1-0.2
e D2-0.3 kg ha-1; d1-1 e d2-2 L ha-1).
CONCLUSÕES
Pelos resultados obtidos nestes ensaios pode concluir-se que é possível reduzir
as doses de herbicidas aplicados no controlo do Juncus bufonius L. e de muitas
infestantes de folha-larga em pós-emergência na cultura do trigo e, mesmo
assim, conseguir-se um controlo bastante satisfatório dessas infestantes e,
consequentemente, manter o potencial produtivo da cultura. A redução da dose de
herbicida parece ser possível, principalmente se usarmos a sementeira directa,
pois neste sistema, a germinação das infestantes é muito menos escalonada e
menos tardia, o que permite o controlo numa fase mais precoce do seu
desenvolvimento, ou seja, numa fase mais sensível aos herbicidas. A redução das
doses de herbicida não só é ambientalmente desejável como muito importante na
redução dos custos de produção para o agricultor, visto que os herbicidas de
pós-emergência pelo facto de serem específicos têm preços bastante elevados,
aumentando significativamente esses custos.