Efeitos da água salina e da adubação azotada na composição foliar em
macronutrientes e na produção do sorgo sacarino
INTRODUÇÃO
Dado o elevado potencial do sorgo sacarino (Sorghum bicolor ssp. saccharatum)
na sustentabilidade da produção de etanol (Lourenço et al., 2007), como
alternativa a culturas mais exigentes em água, fertilizantes e pesticidas, como
o milho, tem sido considerado necessário, especialmente na última década,
estudar o comportamento da cultura face aos fatores de produção, nomeadamente a
fertilização, nas regiões do país (centro e sul) e em condições de regadio,
onde é possível obter produções elevadas.
O azoto é o nutriente que mais frequentemente se tem mostrado limitante para a
produção do sorgo (Soipara e Bradford, 1985; Camacho et al., 2002). Em relação
à salinidade do solo, o sorgo tem sido considerado uma cultura moderadamente
tolerante (Ayers e Westcot, 1985), com perda de produção unitária a partir de
valores de condutividade eléctrica do extracto de saturação entre 3 e 6 dS m-1.
Contudo, o sorgo apresenta uma ampla variação genotípica em relação à
tolerância à salinidade (Almodares et al., 2008).
Os dados de análise de plantas no diagnóstico de problemas nutricionais,
utilizando níveis críticos ou intervalos de suficiência de nutrientes, são
escassos para o sorgo, por comparação com os existentes para o milho (Jones et
al., 1990). As concentrações de nutrientes dependem da parte da planta
analisada, do estádio de desenvolvimento, do genótipo e da localização
geográfica. Todavia, para o presente trabalho, considerou-se que a análise
foliar em sorgo sacarino poderia permitir diagnosticar o estado nutricional da
planta quanto à suficiência em nutrientes e também se pretendeu relacionar o
estado nutricional com a produtividade da cultura, contribuindo para ajustar a
fertilização.
O trabalho inseriu-se no Projeto "Optimização da Fertilização Azotada em função
do Teor de Sal na Água de Rega - NITROSAL", que decorreu entre 2007 e 2010.
Visou avaliar, em dois anos sucessivos, o efeito de níveis diferenciados de
adubação azotada e de salinidade, veiculados ao solo pela água de rega, nas
concentrações foliares de N, P, K, Ca, Mg e Na em sorgo sacarino. Pretendeu-se,
ainda, pesquisar relações entre os teores foliares destes nutrientes e a
produção da parte aérea do sorgo, bem como com os níveis de N e de NaCl
testados.
MATERIAL E MÉTODOS
O estudo incidiu sobre as 12 modalidades de um ensaio em Alvalade do Sado
(Concelho de Santiago do Cacém), cuja instalação e condução em 2007, 2008 e
2009 foram descritas, com algum detalhe, em trabalho anterior (Serrão et al.,
2010).
Na área do ensaio, o solo classifica-se como Aluviossolo moderno não calcário
de textura mediana (Cardoso, 1974) ou como Fluvissolo êutrico (FAO, 2001). No
Quadro 1, mostram-se algumas características físicas e químicas de amostras
colhidas num perfil do solo. Os métodos utilizados na determinação destas
características são os correntemente adoptados na UIARN do L-INIA, em Oeiras.
Quadro 1 ' Algumas características físicas e químicas de um perfil de solo na
área do ensaio.
As modalidades do ensaio resultaram da combinação de quatro níveis de adubação
azotada (incluindo o nível 0) com três níveis de adição de NaCl na água de rega
(Quadro 2). Assim, foi instalado um sistema de rega gota-a-gota de "Fonte
tripla linear", alimentado por 3 fontes de água: água de rega (água da região,
não salina, com condutividade elétrica entre 0,3 e 1,0 dS m-1), água salina
(água de rega com NaCl dissolvido, com condutividade elétrica média 7 dS m-1) e
água+fertilizante (água de rega com NH4NO3, com condutividade eléctrica média 9
dS m-1), que foram injetadas nos tubos de alimentação principal, através de
bombas doseadoras (Serrão et al., 2010).
Quadro_2
' Quantidades médias de azoto e de sódio aplicadas na água de rega, para as 12
modalidades do ensaio.
Cada modalidade teve três repetições, correspondentes a 3 linhas de sorgo, com
comprimento de 3 m e espaçamento de 0,75 m. Cada linha de sorgo, semeado em
Maio de cada ano, foi regada por três tubagens com três conjuntos de
gotejadores com dotação sempre constante em cada ponto de rega, debitando 18 L
por hora e por metro.
A amostragem de folhas foi realizada em Agosto, à floração, na fase de ântese,
seguindo o procedimento preconizado por Jacquinot (1984). Colheu-se a 4ª folha
abaixo da inflorescência, em seis plantas, previamente marcadas, de cada uma
das três linhas de sorgo de cada modalidade. No laboratório, as amostras (36)
foram lavadas com água desionizada (Jacques et al., 1974), secas em estufa de
ventilação forçada, durante 48 horas, a 65-75oC e moídas (< 0,5 mm). As
concentrações totais de P, K, Na, Ca e Mg foram determinadas, após digestão
nitroperclórica (Ulrich et al., 1959), por espetrofotometria de absorção
atómica, exceto o P, o qual foi doseado por colorimetria. O teor de N total foi
determinado pelo método de Kjeldahl.
No final do ciclo cultural (Setembro de 2007 e 2008), efetuou-se o corte da
parte aérea das plantas das 12 modalidades, para cada repetição. A produção de
matéria seca (MS) foi determinada conforme descrito por Serrão et al. (2010).
Calculou-se a produção da parte aérea (aqui designada por produção total) pelo
somatório da produção de MS de caules e de folhas + panículas.
A origem da variabilidade de resposta (concentrações foliares de nutrientes e
produção total de MS) obtida em cada ano foi avaliada através da análise de
variância, considerando o nível de significância de 0,05. Para comparação entre
modalidades, utilizou-se o teste da diferença mínima significativa (d.s.m.), ao
mesmo nível de significância. A correlação linear simples foi utilizada para
identificar as relações significativas entre os teores foliares dos nutrientes
e a produção de matéria seca e ainda, entre os níveis de N e de NaCl aplicados
e os teores foliares médios de nutrientes. A análise estatística foi realizada
com o Programa STATGRAPHICS.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Efeito dos níveis de adubação azotada e de salinidade nos teores foliares de
nutrientes e na produção total de matéria seca
Em ambos os anos (2007 e 2008), o nível de N afetou significativamente as
concentrações foliares de todos os nutrientes (Quadro 3), independentemente do
nível de NaCl adicionado à água de rega. Por outro lado, o nível de NaCl apenas
influenciou significativamente a concentração foliar de N (no conjunto dos
níveis de N). A interação entre os níveis de N e de NaCl não foi significativa,
afetando apenas o teor foliar de Mg em 2007.
Quadro 3 - Valores F resultantes da análise de variância efectuada à
concentração foliar (g 100g-1) de N, P, K, Ca, Mg e Na e à produção total (kg
ha-1 MS) de sorgo sacarino, em 2007 e 2008.
Apesar da produção total de MS (Quadro 3) ter sido afetada pelo nível de N em
ambos os anos (no conjunto dos níveis de NaCl), só em 2008 é que se observou o
efeito do nível de NaCl. A interação entre os níveis de N e de NaCl não foi
significativa em ambos os anos.
A maior produção total de MS foi observada nos dois níveis de N mais elevados
(Quadro 4) em ambos os anos, sendo os valores similares entre si. A estes
valores de produção corresponderam, sempre, teores foliares médios de
nutrientes (valores médios dos três níveis de NaCl) significativamente
superiores aos obtidos sem adubação, com exceção do teor de Na em 2008 (Quadro
4). Tal pode ser explicado pelo estímulo na absorção de nutrientes provocado
pelo maior desenvolvimento das plantas melhor nutridas em N.
Quadro_4
' Diferenças de concentração média foliar (g 100g-1) de nutrientes e de
produção média total (kg ha-1 MS) de sorgo sacarino, em 2007 e 2008, em 4
níveis de aplicação de N na água de rega
Sem aplicação de N, o teor foliar médio de N (Quadro 4) foi inferior a 2 g
100g-1, valor abaixo do qual é provável ocorrer deficiência de N para a cultura
do sorgo (Reuter, 1986). Em concordância com este valor, as plantas de sorgo
mostraram, ao longo do desenvolvimento, nos dois anos agrícolas, sintomas
nítidos de deficiência de N (clorose generalizada e nanismo das plantas), o
que deu origem às mais baixas produções médias totais de MS (10860 e 12540 kg
ha-1, em 2007 e 2008, respetivamente). Aquele valor crítico foliar confirmou,
assim, que a disponibilidade de N no solo era insuficiente para um adequado
desenvolvimento das plantas.
O menor nível de N aplicado (entre 17,2 e 19,0 g m-2) também conduziu, em 2007
e 2008, a produções médias totais significativamente mais elevadas do que sem
adubação, mas inferiores às obtidas nos dois maiores níveis de aplicação de N
(Quadro_4). Quanto às concentrações foliares de nutrientes que lhe
corresponderam, não acompanharam, de forma sistemática, o comportamento da
produção média total.
Na Figura 1, procurou ilustrar-se como variaram simultaneamente os teores
foliares médios de nutrientes e a produção total média do sorgo com a elevação
do nível de N na água de rega, dado que o estabelecimento de níveis críticos ou
de intervalos de suficiência de um nutriente tem geralmente, como base, curvas
de resposta dos teores foliares e da produção da cultura à aplicação do
nutriente em estudo.
Figura 1 - Variação dos teores foliares e das produções totais de MS com o
nível de adubação azotada, em dois anos consecutivos.
Da observação da mesma, parece poder extrair-se a ilação de que a partir do
nível médio de aplicação de N (cerca de 36 g m-2), não será vantajoso,
economicamente, utilizar uma dose superior de N para aumentar a produção total
de sorgo. Mas outro fator há a ter em conta ' o teor de açúcar dos caules, o
que não foi objeto deste estudo.
Quer o teor médio foliar de N, quer a produção total média (valores médios dos
quatro níveis de N) diminuiram significativamente com o aumento da salinidade
da água de rega (Figura 2). Todavia, em 2007, os dois níveis de salinidade mais
elevados reduziram significativamente o teor foliar de N em relação ao obtido
com a água da região. Já a produção total média só baixou com a água de maior
concentração salina. Em 2008, ambos os teores de N e a produção total média
decresceram, apenas, com a utilização da água de maior salinidade.
Figura 2 - Variação do teor foliar médio de N e da produção total de MS com o
nível de salinidade da água de rega.
Relações entre produções de MS da parte aérea do sorgo e teores foliares de
nutrientes
No estabelecimento destas relações, consideraram-se os pares de valores (72)
referentes aos 2 anos de ensaio.
Obtiveram-se correlações lineares simples positivas entre a produção total de
MS da parte aérea e os teores foliares de N, P, Ca, Mg. K e Na (Quadro 5),
sendo a correlação mais elevada com o teor de N foliar (r = 0,70; P <0,001),
seguida da existente com o teor de Mg foliar (r = 0,64; P <0,001).
Quadro_5
' Coeficientes de correlação (r) entre produções de MS (kg ha-1) de caules,
folhas + panículas e total e teores totais foliares de nutrientes (g 100 g-1),
no conjunto dos dois anos (2007 e 2008).
A produção de MS de caules também se correlacionou positiva e
significativamente com os teores foliares de nutrientes, com exceção do teor de
Na, sendo obtida a maior correlação, tal como para a produção total, com o teor
de N (r = 0,76; P <0,001), seguindo-se a correlação com o teor de Mg foliar
(r = 0,64; P <0,001). Os valores dos restantes valores do coeficiente de
correlação foram:
A semelhança entre os resultados obtidos para as produções de MS total e de
caules seria expectável, dado a grande representação do caule na parte aérea do
sorgo.
Quanto às correlações entre produções de MS de folhas + panículas e teores
foliares de nutrientes, foram todas significativas e positivas (Quadro_5), mas
com baixos valores de coeficiente de correlação.
Atendendo ao valor do coeficiente de determinação (r2 = 0,58) da relação linear
simples entre a produção de MS de caules e a concentração foliar de N,
distanciado da unidade, esta relação entre as variáveis em causa não se pode
considerar estreita.
Relações entre níveis de aplicação de N e de NaCl e teores foliares médios de
nutrientes
A pesquisa de relações deste tipo visou, em última análise, a previsão de
teores foliares que poderiam revelar-se úteis na formulação da recomendação de
fertilização.
Os pares de valores (24) que intervieram no cálculo destas correlações
corresponderam aos níveis de N e de NaCl experimentais de 2007 e 2008 (Quadro
2) e aos teores foliares médios (médias de três repetições) referentes às
respetivas modalidades do ensaio.
Os teores médios dos vários nutrientes correlacionaram-se, apenas, com o nível
de N aplicado (Quadro 6), com maior expressão para o teor de Mg foliar (r =
0,8614; P£ 0,001), sendo a explicância da respetiva regressão linear (r2 =
0,74) relativamente elevada.
Quadro 6 ' Coeficientes de correlação simples (r) entre níveis de aplicação de
N e de NaCl (g m-2) na água de rega e teores foliares médios de nutrientes (g
100 g-1), no conjunto dos dois anos (2007 e 2008).
CONCLUSÕES
Dos resultados anteriores, podem extrair-se as seguintes conclusões:
1 ' Os teores foliares dos vários nutrientes elevaram-se por aplicação de N na
água de rega, embora não de forma sistemática com o aumento do nível de N;
2 ' O efeito depressivo do aumento de salinidade da água de rega na produção de
MS total e no teor foliar de N não foi consistente durante o período
experimental;
4 ' O teor foliar de N foi o melhor indicador na previsão da produção de caules
do sorgo sacarino;
5 ' Não foi encontrada uma relação estreita entre níveis de aplicação de N e de
NaCl na água de rega e teores foliares de nutrientes no sorgo.