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EuPTCVHe0870-71032011000400015

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variedadeEu
ano2011
fonteScielo

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Porquê pedir ecografia pélvica «de rotina»?: Rastreio combinado para cancro do ovário: nenhum benefício, dano (falsos-positivos e excesso de cirurgias) CLUBE DE LEITURA Porquê pedir ecografia pélvica «de rotina»?Rastreio combinado para cancro do ovário: nenhum benefício, dano (falsos-positivos e excesso de cirurgias)

Bruno Heleno General Practice Research Unit / Nordic Cochrane Center Universidade de Copenhaga

Buys SS, Partridge E, Black A, Johnson CC, Lamerato L, Isaacs C, et al. Effect of screening on ovarian cancer mortality: the Prostate, Lung, Colorectal and Ovarian (PLCO) Cancer Screening Randomized Controlled Trial. JAMA 2011 Jun 8; 305 (22): 2295-303.

Contexto O componente ovárico do ‘Prostate Lung Colorectal and Ovarian Cancer Screening Trial' (PLCO) foi desenhado para avaliar se havia redução da mortalidade com a introdução de um programa de rastreio.

Métodos 78.216 mulheres entre os 55 e 74 anos, sem diagnóstico prévio de cancro do pulmão, colo-rectal ou ovárico e sem ooforectomia bilateral prévia, foram aleatorizadas para rastreio (34.253 participantes, tendo 9.659 sido excluídas após aleatorização por ooforectomia bilateral anterior ao início do rastreio) com ecografia pélvica transvaginal anual durante 4 anos (1 de prevalência e 3 de incidência) e doseamento de CA-125 anual durante 6 anos (1 de prevalência e 5 de incidência) ou cuidados de saúde habituais (34.304). A ocultação da sequência de aleatorização fez-se através de um sistema informático; no entanto, as participantes tinham conhecimento do grupo a que tinham sido atribuídas dada a natureza invasiva dos procedimentos. O rastreio era positivo quando, na ecografia transvaginal, o volume ovárico excedia 10 cm3, existia um quisto com volume superior a 10 cm3, qualquer quisto tivesse uma projecção sólida ou papilar ou existisse conteúdo misto (sólido e quístico) no quisto; ou quando o doseamento de CA-125 era igual ou superior a 35 U/mL. Os resultados do rastreio eram transmitidos às participantes e aos seus médicos de cuidados primários, que eram responsáveis pela investigação diagnóstica e referenciação.

A variável resultado principal era a mortalidade por cancro do ovário, sendo definidos como variáveis secundárias a mortalidade global, a incidência de cancro, estádio dos cancros diagnosticados e potenciais danos relacionados com o rastreio. As fontes de informação incluíram: questionários anuais às participantes, registos nacionais oncológicos, registo nacional de óbitos.

Adicionalmente, o centro coordenador PLCO obteve todos os registos médicos referentes a cada um dos procedimentos diagnósticos e terapêuticos. As causas de morte desconhecidas e as potencialmente relacionadas com cancros do ovário, pulmão ou colorectal foram revistas por um painel independente que desconhecia qual o grupo a que tinha sido atribuída a mulher. A realização de exames de rastreio fora do contexto do ensaio foi aferida pelo questionário basal e por um inquérito a uma subamostra aleatória de participantes.

Resultados A mediana de seguimento foi de 12,4 anos. A contaminação no grupo controlo foi entre 2,3 a 3,2% para o CA-125 e de 2,7 a 4,6% para a ecografia transvaginal. A adesão no grupo rastreio foi de 79% para o CA-125 e 78% para a ecografia transvaginal. As perdas de seguimento não são relatadas. Não foram encontradas diferenças na incidência de cancro do ovário (razão de taxas 1,21; Intervalo de Confiança a 95% [IC95] 0,99-1,48), com 212 cancros (5,7 por 10.000 pessoas-ano) no grupo submetido a rastreio e 176 (4,7 por 10.000 pessoas-ano) no grupo de cuidados habituais. Não foram observadas diferenças de mortalidade (razão de taxas 1,18; IC95 0,82-1,71), com 118 óbitos por cancro ovárico (3,1 por 10.000 pessoas-ano) e 100 óbitos (2,6 por 10.000 pessoas ano) no grupo de cuidados habituais. Também não foram encontradas diferenças nas mortes por outras causas (excluindo cancro ovárico, colorectal e pulmonar; razão de taxas de 1,01; IC95 0,96-1,06): 2924 óbitos (76,6 por 10.000 pessoas-ano) no grupo rastreio e 2914 óbitos (76,2 por 10.000 pessoas-ano) no grupo de cuidados habituais.

Adicionalmente, no grupo rastreio, existiram 3285 mulheres com resultados falsos-positivos, das quais 1080 foram submetidas a cirurgia, com 163 a sofrerem pelo menos uma complicação grave.

Conclusões Rastreio simultâneo com CA-125 e ecografia endovaginal não reduz a mortalidade, quando comparada com os cuidados habituais. Os procedimentos diagnósticos após resultados positivos estiveram associados a complicações.

Comentário O PLCO é um ensaio com múltiplas intervenções de rastreio com 154.909 participantes (38.343 homens e 39.105 mulheres no grupo intervenção, 38.350 homens e 39.111 mulheres no grupo controlo).1 Os participantes no grupo de intervenção eram rastreados para cancro do pulmão com radiografia de tórax anual, para cancro colorectal com sigmoidoscopia (1 basal e 1 ao fim de 5 anos). Adicionalmente os homens eram rastreados para cancro da próstata com PSA e toque rectal anuais; enquanto as mulheres eram rastreadas para cancro do ovário com CA-125 e ecografia transvaginal anuais. Assim, o impacto desta intervenção múltipla sobre a mortalidade global poderá ser compreendido após os 15 anos de seguimento previstos para o ensaio (2015). Os resultados do ramo ovárico do ensaio foram agora apresentados porque a comissão de acompanhamento independente declarou que, na última análise interina, tinha sido ultrapassada a barreira da futilidade.

Convertendo os resultados deste ensaio clínico para frequências naturais,2 ao fim de 12 anos após início de rastreio combinado do cancro do ovário com CA-125 e ecografia transvaginal, em 1000 mulheres saudáveis entre os 55 e 74 anos, haverá pelo menos 88 mortes (sem dados da mortalidade para cancro do pulmão ou colorectal), das quais 3 serão devidas a cancro do ovário. Dessas 1000 mulheres, 6 serão diagnosticadas com cancro do ovário (2 desses diagnósticos serão consequência do rastreio, 1 após um exame de rastreio negativo e os restantes 3 fora do programa de rastreio); mas 96 mulheres terão pelo menos um exame de rastreio positivo, 32 serão operadas após rastreio positivo (10 ooforectomias) e 2 terão uma complicação grave não-fatal decorrente da cirurgia.

Quando comparado com os cuidados habituais, não houve qualquer redução de mortalidade por cancro do ovário. Aparentemente, não houve diferenças na mortalidade global (excluindo morte por cancro do pulmão ou colorectal). Pelo contrário, em resultado do rastreio, mais uma mulher saberá que tem cancro do ovário. Uma vez que não são mencionados os eventos adversos no braço controlo é impossível saber o excesso de falsos-positivos, exames invasivos, cirurgias e complicações. Desconhecem-se as consequências psicossociais e o impacto na qualidade de vida deste programa de rastreio.

Num ensaio clínico anterior,3 com uma duração de seguimento de 7 anos, assistiu-se a uma tendência para maior mortalidade no grupo controlo que não atingiu significância estatística (risco relativo [RR] 2,0; IC95 0,78-5,13).

Contudo, também não era possível excluir benefício e, apesar dos números serem pequenos, a redução do número de cancros em estádios avançados sugeria um potencial benefício. O PLCO é o primeiro de três ensaios clínicos subsequentes sobre rastreio do cancro do ovário a publicar dados sobre mortalidade. Num ensaio clínico que decorreu em Shizouka, Japão (n=82.487 mulheres pós- menopáusicas, aleatorizadas para rastreio combinado com ecografia transvaginal e CA-125 ou cuidados habituais), a incidência de cancro de ovário foi mais baixa que neste ensaio (cerca de 1 por 1000 mulheres).4 Aguarda-se a publicação os dados relativos à mortalidade. Entretanto, não houve diminuição do número de carcinomas avançados (à semelhança do PLCO) nem se encontrou prova de sobrediagnóstico (ao contrário do PLCO). Um terceiro ensaio clínico encontra-se activo no Reino Unido (n= 202 638 mulheres entre os 55 e os 74 anos, aleatorizadas numa proporção 2:1:1 para cuidados habituais, rastreio com um algoritmo multifásico de CA-125 e ecografia transvaginal ou rastreio apenas com ecografia transvaginal), tendo sido publicados os resultados referentes ao primeiro ciclo de rastreio.5 Uma vez que os dados do PLCO não estão estratificados por ciclo de rastreio é impossível fazer comparações de incidência ou do estádio das neoplasias. No entanto, os resultados preliminares do ensaio britânico sugerem que o rastreio algorítmico (são referenciadas para ecografia as mulheres com alteração do CA-125) tem um desempenho diagnóstico semelhante e um perfil de efeitos adversos muito mais favorável do que apenas ecografia.

Concluindo, à luz da melhor prova científica disponível, a ecografia pélvica de rotina não faz sentido. É importante relembrar que não existe prova científica robusta que sustente o rastreio de carcinoma do endométrio com ecografia pélvica. E, à luz do PLCO, o rastreio do cancro do ovário com ecografia pélvica e CA-125 não traz benefício e está associado a dano: falsos- positivos, sobrediagnóstico e excesso de cirurgia.


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