Análise comparativa de métodos de abordagem da obesidade infantil
Introdução
A obesidade infantil constitui, na actualidade, um dos mais sérios desafios de
saúde pública, tendo atingido níveis epidémicos em vários países do Mundo1-3.
As crianças com excesso de peso têm um risco acrescido de se tornarem adultos
obesos4,5. A obesidade infantil tem um impacto significativo, a curto e a longo
prazo, em termos da saúde e do bem-estar das crianças e dos adolescentes1,6.
Está frequentemente associada a outras doenças crónicas como as doenças
cardiovasculares e o cancro, sendo de destacar a hipertensão, dislipidémia,
intolerância à glicose, apneia do sono e infertilidade7 que contribuem para um
risco acrescido de morte prematura e perda de qualidade de vida6.
A prevalência da obesidade infantil tem vindo a aumentar na grande maioria dos
países industrializados e em muitos países em desenvolvimento. Dados recentes
confirmam que 1/3 das crianças portuguesas dos 6 aos 8 anos de idade apresentam
excesso de peso, sendo 14,6% obesas8. Na Europa, a prevalência do excesso de
peso infantil é menor nos países da Europa Central e maior nos países
mediterrânicos, que apresentam prevalências na ordem dos 20 a 40%3. Portugal é
um dos países da União Europeia com maior prevalência da obesidade infantil9.
Nos Estados Unidos da América (EUA), de acordo com os dados obtidos do National
Health and Nutrition Examination Survey(NHANES) de 2003-2006, 31,9% das
crianças e dos adolescentes com idades compreendidas entre os 2 e 19 anos têm
excesso de peso, sendo 16% obesas10.
Neste contexto, a prevenção e o tratamento da obesidade infantil tornam-se
prioritários, já que é mais difícil reverter a obesidade na idade adulta assim
como tratar as co-morbilidades associadas6. Não estando definido um modelo
único padrão no tratamento da obesidade infantil2, pretende-se identificar e
valorizar neste artigo os elementos essenciais na abordagem da obesidade
infantil.
Abordagem da obesidade infantil
Avaliação do estado nutricional
A avaliação do estado nutricional das crianças e dos adolescentes representa o
primeiro passo na abordagem da obesidade infantil. Esta avaliação é feita,
actualmente, com base no cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC), expresso
como o peso corporal em kg a dividir pela estatura em metros ao quadrado11.
Relativamente às crianças e aos adolescentes não se pode utilizar os mesmos
critérios que se utilizam nos adultos6,12,13, uma vez que nas crianças e nos
adolescentes, o IMC varia consideravelmente com a idade e o sexo10,13. Contudo,
ainda não se chegou a um consenso universal relativamente aos critérios de
classificação do IMC para a população pediátrica, na medida em que a selecção
de uma única curva de crescimento levanta questões pertinentes e ainda em
discussão14. Alguns países, nomeadamente França, Reino Unido, Singapura,
Suécia, Dinamarca e Holanda, desenvolveram as suas próprias tabelas de
crescimento, que relacionam dentro de cada sexo o IMC com a idade13. Nos EUA,
utilizam-se as curvas publicadas em 2000 pelo Center for Disease Control and
Prevention (CDC), que representam uma revisão das curvas do National Center for
Health Statistics (NCHS) de 1977, baseando-se em dados de cinco surveysde
carácter epidemiológico(Cycles I e II do National Health Examination Survey II
e III e National Health and Nutrition Examination Surveys I, II e
III)desenvolvidos entre 1963 e 1994, em crianças e adolescentes dos 2 aos
20 anos de idade15. Em 2000, Cole et al.16 estabeleceram pontos de corte para o
excesso de peso e a obesidade baseados nos dados de IMC, em função da idade e
do sexo, de crianças dos 2 aos 18 anos. Estes pontos de corte foram
desenvolvidos a partir de dados de seis países (Brasil, Grã-Bretanha, Hong
Kong, Holanda, Singapura e Estados Unidos) e estabelecidos através da
utilização de percentis ligados aos pontos de corte estabelecidos para
sobrepeso (> 25 kg/m2) e obesidade (> 30 kg/m2) em adultos. São estas as curvas
recomendadas pela International Obesity Task Force (IOTF) e frequentemente
utilizadas por vários investigadores em estudos epidemiológicos6. Em 2006, a
Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou as curvas de crescimento que se
baseiam nos resultados de um estudo multicêntrico (WHO Multicentre Growth
Reference Study - MGRS) elaborado entre 1997 e 2003 em diferentes continentes e
que inclui amostras altamente selectivas de lactentes e crianças oriundas das
cidades de Davis (Estados Unidos), Muscat (Oman), Oslo (Noruega), Pelotas
(Brasil), Accra (Gana) e da região sul de Deli (Índia). A metodologia utilizada
na construção das curvas da OMS teve como base uma robusta amostra populacional
de lactentes, em condições favoráveis de crescimento, de acordo com o potencial
genético e com 21 avaliações no decurso dos primeiros 24 meses de vida. O
estudo teve como condição primordial a forte motivação das mães para o
aleitamento materno exclusivo nos primeiros 4-6 meses de vida. A segunda
componente imprescindível relativa à população estudada, era a de que o plano
de diversificação alimentar fosse correcto e que o lactente beneficiasse de
todos os cuidados de saúde adequados a um saudável crescimento e
desenvolvimento de acordo com o seu potencial genético. Foi também critério de
inclusão no estudo a ausência de hábitos tabágicos nas mães, durante e após a
gestação17,18. De acordo com Guerra17, as curvas da OMS foram adoptadas por
muitos países, nomeadamente 14 na Europa, 17 em África, 35 na América, 9 no
Médio Oriente, 9 no Sudeste Asiático e 8 no Pacífico Ocidental, entre outros,
num total de 101 países. Em Portugal, as tabelas de crescimento e as curvas de
percentis adoptadas desde Setembro de 2005 pela Direcção-Geral de Saúde são as
estabelecidas pelo CDC dos EUA19. De acordo com estas curvas, uma criança com
um IMC entre o percentil 85 e 95 para a idade e sexo tem excesso de peso e
acima do percentil 95 para a idade e sexo tem obesidade.
Posteriormente à avaliação do estado nutricional, torna-se fundamental a
avaliação de possíveis causas exógenas da obesidade, apesar de estas serem
raras. Entre elas destacam-se algumas doenças genéticas e endócrinas, atraso no
crescimento e perturbações do comportamento alimentar. Outro aspecto a ter em
conta e a avaliar é o das co-morbilidades associadas à obesidade. Para além
disso, a história familiar da obesidade, a história social e psicológica assim
como os hábitos alimentares e a prática de actividade física também devem ser
avaliados11,20.
Objectivos da abordagem da obesidade infantil
O objectivo primário da abordagem da obesidade infantil consiste na adopção de
estilos de vida mais saudáveis, nomeadamente no que concerne à alimentação e
actividade física, pelas crianças e pelos adolescentes assim como por toda a
família21-23. É igualmente importante melhorar ou reverter as co-morbilidades
associadas. A pressão arterial e o perfil lipídico tendem a melhorar com o
controlo do peso e por isso, segundo alguns autores, a monitorização destes
parâmetros durante as consultas de seguimento é essencial, pois permitirá
demonstrar à família que a melhoria do bem-estar geral ocorre independentemente
da perda de peso corporal20,21.
Para além disso é também um objectivo a diminuição do IMC das crianças, para
que este, em relação à idade da criança, seja inferior ao percentil 85. Este
objectivo pode ser alcançado através da integração de várias estratégias a
diferentes níveis que visam essencialmente a possível perda ou a manutenção do
peso corporal21. Por existir uma fraca correlação com o excesso de peso na
idade adulta até aos 2 anos de idade, devido ao rápido crescimento e
desenvolvimento que ocorre nesta faixa etária, não é aconselhado a perda de
peso durante os dois primeiros anos de vida22.
Tipos de intervenções específicas
a. Alimentação
A alimentação constitui um elemento chave na abordagem da obesidade infantil,
tendo sido propostas, ao longo das últimas décadas, várias intervenções a este
nível. Contudo, ainda não se chegou a um consenso sobre qual a intervenção
dietética mais eficaz na abordagem da obesidade infantil, na medida em que não
existem ensaios clínicos aleatorizados controlados que avaliem os efeitos das
diferentes prescrições dietéticas no peso e na composição corporal,
independentemente de outros factores, nomeadamente a mudança comportamental e a
prática de actividade física. Neste contexto, torna-se fundamental apresentar
algumas das estratégias alimentares que têm sido adoptadas na abordagem da
obesidade infantil23-25.
Dietas hipocalóricas
As dietas hipocalóricas caracterizam-se por uma diminuição da ingestão
energética diária em paralelo com um aporte equilibrado de macronutrientes, de
acordo com as Dietary Reference Intake(DRI)26: 45-65% do Valor Calórico Total
(VCT) em hidratos de carbono, 10-30% do VCT em proteínas e 25-35% do VCT em
lípidos. A evidência científica sugere que as dietas hipocalóricas de 900 a
1200 kcal diárias parecem ser eficazes no controlo do peso corporal, a curto e
a longo prazo, em crianças dos 6 aos 12 anos de idade. Nos adolescentes com
idades compreendidas entre os 13 e 18 anos recomenda-se uma ingestão
ligeiramente superior desde que não ultrapasse as 1200 kcal por dia. Contudo,
continua por esclarecer qual a contribuição das dietas hipocalóricas, como
factor independente, na perda de peso corporal21,27.
Dietas hipoglicídicas e hiperproteicas
Sondike et al.28 compararam os efeitos de uma dieta hipoglicídica (20g de
hidratos de carbono por dia durante as primeiras duas semanas de intervenção e
40g de hidratos de carbono por dia nas 10 semanas seguintes) com os de uma
dieta hipolipídica (< 40 g de lípidos por dia) na perda de peso e no perfil
lipídico, em adolescentes obesos. Após 12 semanas de intervenção, os autores
verificaram que houve uma maior diminuição do IMC no grupo que recebeu a dieta
hipoglicídica. Contudo, no que respeita ao perfil lipídico, o grupo que recebeu
a dieta hipolipídica registou uma redução dos níveis do colesterol total e do
colesterol LDL e um aumento do colesterol HDL ao contrário dos adolescentes que
receberam a dieta hipoglicídica, onde se verificou um aumento dos níveis de
colesterol LDL. Estes resultados vão de encontro a alguns estudos
anteriores25 que demonstraram uma redução significativa do IMC no grupo que
recebeu uma dieta hipoglicídica comparativamente aos que receberam uma dieta
hipolipídica. Contudo, os resultados obtidos através destes estudos devem ser
interpretados com algum cuidado, na medida em que não são conhecidos os efeitos
a longo prazo das dietas hipoglícidicas ao nível do crescimento e
desenvolvimento das crianças e dos adolescentes23.
Apesar de muitas vezes serem prescritas dietas hiperproteicas em programas de
redução de peso, estas não providenciam benefícios na perda e na manutenção do
peso corporal, podendo por vezes apresentar efeitos nefastos para a saúde.
Roland-Cachera et al.29 compararam o efeito de duas dietas com teores proteicos
diferentes (19% versus 15% do VCT) na composição corporal, em adolescentes
obesos com idades compreendidas entre os 11 e 16 anos. Após 1 ano da
intervenção, verificou-se que a média do peso perdido em ambas as intervenções
foi de 30 kg. No entanto, após 2 anos houve um ganho de 21 kg e uma perda
progressiva dos comportamentos adquiridos anteriormente, em ambos os grupos de
intervenção. Assim, concluiu-se que uma dieta de elevado teor proteico não
conferiu nenhum benefício no tratamento da obesidade infantil.
A literatura sugere que a efectividade, a longo prazo, das dietas
hipoglicídicas e hiperproteicas é escassa, devido essencialmente a duas razões.
Primeiro, porque o número de estudos que adoptaram este tipo de dietas é muito
limitado e em segundo lugar, os estudos que existem têm algumas limitações,
entre as quais se destaca o facto de estas dietas serem acompanhadas por uma
ingestão energética muito reduzida que pode comprometer o crescimento e o
desenvolvimento das crianças e dos adolescentes23.
Dietas de baixo Índice Glicémico e de reduzida Carga Glicémica
O Índice Glicémico (IG) é um parâmetro que permite avaliar o efeito
hiperglicemiante de uma refeição ou de um alimento, ou seja, o poder que o
alimento ou refeição tem para elevar a concentração de glucose sanguínea após a
sua ingestão. Este valor é obtido através da resposta glicémica a uma
quantidade fixa de hidratos de carbono (50 g) de um determinado alimento em
comparação com a mesma quantidade de hidratos de carbono (50 g) presentes num
alimento de referência, que pode ser o pão branco ou a glucose, consumido pelo
mesmo indivíduo. Em 1997, o conceito de Carga Glicémica (CG) foi introduzido
pela Universidade de Harvard para quantificar o efeito glicémico total de uma
porção de alimento. Assim, a CG de uma porção de um alimento é obtida através
do produto da quantidade de hidratos de carbono disponíveis numa porção de
alimento pelo IG desse mesmo alimento30,31.
Spieth et al.32 comparou os efeitos de uma dieta de baixo IG com os de uma
dieta hipolípidica na população pediátrica, durante 4 meses. O IMC diminui
1,15 kg/m2 no grupo que recebeu a dieta de baixo IG e 0,03 kg/m2 no grupo que
recebeu a dieta hipolípidica, sendo esta diferença estatisticamente
significativa. Os resultados foram semelhantes para as alterações no peso
corporal (-1,16 kg versus +1,44 kg). Ebbeling et al.33 comparou os efeitos de
uma dieta ad libitum de reduzida CG com os de uma dieta hipocalórica e
hipolípidica, em adolescentes obesos com idades compreendidas entre os 13 e
21 anos. Após 12 meses, o IMC (-1,3 ± 0,7 versus 0,7 ± 0,5) e a massa gorda (-
3,0 ± 1,6 versus 1,8 ± 1 kg) diminuíram significativamente, sendo esta
diminuição mais pronunciada no grupo da dieta de reduzida CG.
Em ambos os estudos foram demonstradas perdas estatisticamente significativas
no que respeita ao peso corporal e ao IMC tanto nos grupos que receberam uma
dieta de baixo IG como nos que receberam uma dieta de reduzida CG, ambas sem
restrição calórica.
Dieta do "Semáforo"
A Dieta do "Semáforo", mais comummente conhecida por The Traffic Light Diet ou
Stop Light Diet foi desenvolvida por Epstein et al., sendo actualmente a
intervenção dietética mais utilizada na abordagem da obesidade infantil nos
EUA24.
O objectivo principal desta dieta é providenciar às crianças uma alimentação
equilibrada através da redução do aporte energético. Os alimentos são
categorizados como encarnados, amarelos ou verdes com base no seu valor
energético e nutricional. Assim, os alimentos verdes (por exemplo frutos
e hortícolas) por apresentarem um baixo valor energético são de consumo livre,
os alimentos amarelos (por exemplo leite, iogurte e cereais) por possuírem um
valor energético superior ao dos alimentos verdes, apesar de conterem os
nutrientes essenciais para uma alimentação equilibrada, devem ser consumidos
moderadamente e por fim, os alimentos encarnados (por exemplo doces e alimentos
fritos) por apresentarem uma elevada densidade energética e reduzida densidade
nutricional devem ser limitados34-38. A partir deste sistema de cores, é
recomendada a adopção de uma dieta hipocalórica pelas crianças e pelos
adolescentes. Inicialmente a ingestão calórica variava entre um mínimo de 900
kcal e um máximo de 1200 kcal diários. Contudo, esta ingestão tem sofrido
algumas modificações ao longo das últimas duas décadas, variando actualmente
entre um mínimo de 100036,38 a 1200 kcal35,37 e um máximo de 120036,38 a
1500 kcal diários35,37. Para além disso, as crianças e respectivas famílias são
encorajadas a reduzir a ingestão dos alimentos encarnados, sendo variável o
número de alimentos permitidos semanalmente35-38. Por fim, é recomendado às
crianças e respectivos pais que mantenham o balanço nutricional através da
ingestão do número de porções recomendado nas Food-based Dietary Guidelines.
Quando o IMC da criança atingir um percentil inferior ao percentil 85, são
acrescentados 100 kcal diários à alimentação da criança.
Epstein et al.35-37 desenvolveu vários estudos no âmbito da abordagem da
obesidade infantil onde a Dieta do "Semáforo" foi integrada com outros
componentes, nomeadamente modificações do comportamento e da prática de
actividade física em ambiente familiar. Apesar de terem sido demonstradas
perdas de peso sustentáveis após 5 e 10 anos de intervenção35, não se pode
afirmar que estas perdas se devam exclusivamente à Dieta do "Semáforo", na
medida em que estes estudos não excluem outras componentes da intervenção. É
igualmente importante referir que o trabalho realizado por Epstein et al. ao
longo dos últimos anos tem-se focado maioritariamente em famílias americanas
caucasianas de classe média, com crianças com idades compreendidas entre os 6 e
os 12 anos e como tal, a sua aplicabilidade a outras populações ainda não foi
estabelecida.
Parece assim que a Dieta do "Semáforo" como parte integrante de uma intervenção
da abordagem da obesidade infantil, poderá estar associada a reduções na
adiposidade das crianças com idades compreendidas entre os 6 e os 12 anos.
b. Actividade física
A maior parte dos estudos realizados no âmbito da abordagem da obesidade
infantil, enfatiza a importância da incorporação da prática de actividade
física nos programas de controlo do peso, não só pelos seus efeitos ao nível da
composição corporal mas também devido a todos os benefícios que a sua prática
representa para a saúde, nomeadamente a melhoria do estado cardiorespiratório e
muscular, da saúde óssea, dos biomarcadores cardiovasculares e metabólicos
assim como parece reduzir alguns sintomas associados à depressão39.
Enquanto nos adultos as recomendações para a prática de actividade física são
de 150 a 300 minutos por semana39, para as crianças e os adolescentes as
recomendações são diferentes. O Canada's Physical Activity Guide recomenda um
aumento inicial de 30 minutos por dia de actividade física, dos quais
10 minutos deverão ser de actividade física vigorosa, seguidos por um aumento
de 15 minutos por dia nos cinco meses subsequentes. Em paralelo com o aumento
da prática de actividade física, preconiza-se a diminuição de 30 minutos
diários de comportamentos sedentários, nomeadamente ver televisão, estar
sentado ao computador ou jogar jogos electrónicos sem movimento40. As
recomendações australianas são de pelo menos 60 minutos por dia de actividade
física moderada a vigorosa. Contudo, caso a criança seja sedentária, deverá
começar por actividades de intensidade moderada durante pelo menos 30 minutos
diários e ir aumentando gradualmente. Recomenda-se também uma redução dos
comportamentos sedentários a 2 horas por dia no máximo41,42. Por último, o CDC
recomenda a prática de 60 minutos diários de actividade física moderada a
vigorosa, sendo que a maior parte desta actividade física aeróbia deve ser de
intensidade moderada e deve incluir pelo menos 3 dias por semana de actividade
física de intensidade vigorosa39. É importante encorajar as crianças e os
adolescentes a participarem em actividades adequadas à sua faixa etária, que
sejam divertidas e dêem prazer, de modo a que sua prática seja mantida a longo
prazo11,22. Relativamente às crianças obesas, estas poderão ter que iniciar a
prática de actividade física por períodos de curta duração e ir aumentando
gradualmente ao longo dos tempos. A família assume um papel fundamental na
criação de oportunidades para um estilo de vida mais activo, através da criação
de actividades desenvolvidas em ambiente familiar e da monitorização do tempo
que as crianças despendem em comportamentos sedentários. São muitas as
abordagens que contribuem para o aumento da prática de actividade física
nomeadamente, a integração da mesma nas actividades diárias, a participação
numa actividade física vigorosa e estruturada43 assim como a redução dos
comportamentos sedentários36,37.
Gutin et al.43 determinou os efeitos do treino físico, de intensidade moderada
e elevada, no estado cardiovascular, na percentagem de massa gorda e no tecido
adiposo visceral em adolescentes obesos com idades compreendidas entre os 13 e
16 anos. A amostra foi aleatorizada em três grupos de intervenção: 1) sessões
de sensibilização sobre estilos de vida saudáveis; 2) sessões de sensibilização
sobre estilos de vida saudáveis + treino físico de intensidade moderada; 3)
sessões de sensibilização sobre estilos de vida saudáveis + treino físico de
intensidade elevada. Após 8 meses de intervenção, os autores verificaram que
houve uma melhoria do estado cardiovascular no grupo que participou no treino
físico de intensidade elevada comparativamente ao grupo que participou apenas
nas sessões de sensibilização sobre estilos de vida saudáveis. Contudo, o mesmo
não se verificou no grupo que recebeu o treino físico de intensidade moderada.
De forma a testar a hipótese de que os adolescentes que participaram nas
sessões de sensibilização sobre estilos de vida saudáveis e no treino físico,
teriam maiores alterações no estado cardiovascular e na composição corporal do
que os que participaram apenas nas sessões de sensibilização sobre estilos de
vida saudáveis, formou-se um grupo que compreendeu os adolescentes que
frequentaram duas ou mais vezes por semana os treinos físicos e que assistiram
a 40% ou mais das sessões. Verificou-se que este grupo obteve alterações
favoráveis no estado cardiovascular e no tecido adiposo visceral. No entanto,
não foram encontradas diferenças na composição corporal entre os treinos
físicos de intensidade moderada e elevada. Assim, aparentemente, as melhorias
na composição corporal podem ser obtidas tanto pelo exercício físico moderado
como pelo vigoroso.
No que respeita à redução dos comportamentos sedentários foram realizados dois
estudos por Epstein et al. No primeiro estudo36, os autores compararam a
influência da diminuição dos comportamentos sedentários versus o aumento da
actividade física na melhoria do peso corporal e do fitness aeróbio em crianças
obesas com idades compreendidas entre os 8 e 12 anos. A estas crianças foi
providenciado um programa de controlo do peso de base compreensiva e familiar
que incluía uma forte componente alimentar (Dieta do "Semáforo") e
comportamental apesar de haver diferenças no que respeita à prática de
actividade física. As crianças foram distribuídas aleatoriamente por quatro
grupos de intervenção de acordo com os comportamentos (comportamentos
sedentários versus actividade física) e a dose de tratamento (reduzida versus
elevada). A dose de tratamento foi de 10 a 20 horas/semana no grupo dos
comportamentos sedentários e o equivalente em dispêndio energético de 16,1 ou
32,2 km/semana no grupo da actividade física. Verificou-se que após 2 anos,
houve uma diminuição significativa na percentagem de excesso de peso e na
gordura corporal bem como uma melhoria no fitness aeróbio em ambas as
intervenções. Parece assim que a redução dos comportamentos sedentários como
parte integrante de um programa de controlo do peso de base compreensiva e
familiar pode assegurar benefícios semelhantes a um programa que visa o aumento
da prática da actividade física. No segundo estudo37 foram avaliadas as
diferenças entre sexo em dois programas de controlo do peso, sendo que um deles
visava o aumento da actividade física e o outro a redução dos comportamentos
sedentários, em combinação com o aumento da prática de actividade física. Após
12 meses, foram registadas diferenças significativas na percentagem de excesso
de peso entre os rapazes (-15,8%) e as raparigas (-1,0%) que receberam o
tratamento combinado. Contudo, o mesmo não se verificou na intervenção que
visava apenas o aumento da prática de actividade física (-9,3% para os rapazes
e -7,6% para as raparigas). Aparentemente os rapazes beneficiaram mais das
intervenções combinadas do que as raparigas mas no que respeita a intervenções
que visam somente o aumento da prática de actividade física a resposta é
idêntica em ambos os sexos.
c. Mudança comportamental
As intervenções em termos de mudança comportamental apresentam características
interessantes. Primeiro, define objectivos claros que podem ser facilmente
medidos (por exemplo: caminhar 4 vezes por semana, prolongar o tempo das
refeições por mais 10 minutos). Em segundo lugar, pode auxiliar as pessoas a
explorar as razões facilitadoras e as barreiras à aquisição de determinados
comportamentos para que elas próprias sejam capazes de identificar o modo como
pode ocorrer a mudança comportamental. Por último, defende a adopção de
pequenas mudanças, que devem ser adquiridas gradualmente, uma vez que as
mudanças drásticas raramente são mantidas ao longo do tempo44.
As estratégias utilizadas na mudança comportamental, referentes especificamente
às mudanças ao nível da alimentação e actividade física, são bastante
diversificadas, destacando-se entre elas: o controlo do ambiente envolvente, a
monitorização dos comportamentos, o estabelecimento de objectivos e a
recompensa pelos objectivos alcançados. Na tabela estão descritos alguns
exemplos respeitantes a cada uma destas estratégias a serem adoptados tanto
pelas crianças como pelas respectivas famílias.
Tabela -Estratégias comportamentais na abordagem da obesidade infantil
Num estudo realizado por Epstein et al.35 no qual a abordagem comportamental
foi combinada com a prática de uma alimentação saudável e de actividade física
em ambiente familiar, verificou-se uma diminuição significativa na percentagem
de excesso de peso, após 5 e 10 anos da intervenção (-11,2% e -7,5%,
respectivamente). Assim, tudo parece indicar que a mudança comportamental como
parte integrante da abordagem da obesidade infantil poderá ter efeitos
benéficos a longo prazo no controlo do peso corporal.
d. Ambiente familiar
O ambiente familiar, nomeadamente a estrutura e o funcionamento da própria
família são determinantes importantes para o sucesso da abordagem da obesidade
infantil27,46. As intervenções em ambiente familiar parecem motivar os pais das
crianças na mudança comportamental, nomeadamente dos comportamentos que estão
relacionados com a alimentação e actividade física. Deste modo, o Expert
Committee for Obesity Evaluation and Treatment21 recomenda que a abordagem da
obesidade infantil seja iniciada precocemente e que envolva a família.
Epstein et al.35 foi o primeiro a estudar os efeitos a longo prazo (10 anos)
de uma abordagem comportamental em ambiente familiar na percentagem de excesso
de peso em crianças obesas dos 6 aos 12 anos de idade. Estas crianças foram
distribuídas aleatoriamente em três grupos, cada um deles com um público-alvo
diferente: 1) crianças e pais; 2) apenas crianças; 3) não especificado. Em
todos os grupos, foi providenciada a mesma abordagem no que respeita à
alimentação, prática de actividade física e mudança comportamental. Verificou-
se, após 10 anos, que a abordagem focada nas crianças e na família obteve
melhores resultados do que a abordagem centrada apenas nas crianças, uma vez
que se registou uma redução maior na prevalência de excesso de peso no grupo 1
(-7%) comparativamente aos grupos 2 e 3 (+4,7% e +13,6%, respectivamente).
Golan et al.47 comparou a eficácia de uma abordagem em ambiente familiar - os
pais como os agentes exclusivos de mudança - com uma abordagem convencional -
as crianças como os únicos agentes de mudança. Após um ano de intervenção, os
autores demonstraram que a abordagem da obesidade infantil foi mais eficaz no
grupo cuja intervenção foi feita em ambiente familiar. Neste grupo, 79% das
crianças reduziram mais de 10% do excesso de peso e 35% deixaram de ser obesas,
enquanto no grupo convencional apenas 38% reduziram mais de 10% do excesso de
peso e 14% deixaram de ser obesas. Tendo por base esta mesma intervenção, Golan
e Crow27 reportaram as alterações que ocorreram nestas crianças após 1, 2 e
7 anos da intervenção. Os resultados a longo prazo foram surpreendentemente
positivos com 60% das crianças no grupo em ambiente familiar e 31% das crianças
no grupo convencional que deixaram de ser obesas. Noutro estudo realizado por
Golan et al.48 foi demonstrado que as crianças com idades compreendidas entre
os 6 e os 11 anos que participaram com os pais em sessões de aconselhamento
sobre estilos de vida saudáveis, perderam menos peso do que aquelas crianças
que não participaram nas mesmas sessões e nas quais os principais mediadores da
intervenção foram os pais. Assim, segundo estes autores, as intervenções que
visam os pais como os agentes exclusivos de mudança apresentam resultados
benéficos comparativamente às intervenções que envolvem os pais e as crianças.
Por último, num estudo realizado por Wrotniak et al.49 verificou-se que após
6 e 24 meses da implementação de uma abordagem comportamental em ambiente
familiar, a alteração do z-score do IMC dos pais das crianças dos 8 aos 12 anos
de idade com excesso de peso foi um preditor independente da alteração do z-
score do IMC nas crianças. Segundo estes autores, a alteração do peso nos pais
pode influenciar a perda de peso nas crianças devido essencialmente à adopção
de comportamentos mais saudáveis por toda a família no que respeita
essencialmente à disponibilidade alimentar e à diminuição dos comportamentos
sedentários.
e. Projectos comunitários
A participação da comunidade assume-se como um verdadeiro eixo estratégico no
combate a esta doença, no entanto ainda são escassos os projectos que assentam
no desenvolvimento de respostas inovadoras às famílias com crianças com excesso
de peso. Existem alguns programas de prevenção da obesidade infantil ao nível
municipal, nomeadamente o EPODE (França), o Thao (Espanha) e o Viasano
(Bélgica) que se fundamentam essencialmente no estudo Fleurbaix-Laventie Ville
Santé (FLVS). Este estudo consiste num programa de educação alimentar iniciado
em 1992 em Fleurbaix e Laventie, dois municípios do Norte de França, que foi
seguido por uma série de intervenções de base comunitária. Romon et
al.50 verificou que a longo prazo a prevalência do excesso de peso foi
significativamente mais baixa nestes municípios quando comparados com os
municípios controlo, demonstrando que é possível reverter esta situação através
de acções de base comunitária. Estes resultados vão de encontro aos objectivos
da Carta Europeia de Luta Contra a Obesidade51 que recorda "as autarquias têm
um grande potencial e também um papel significativo a desempenhar, ao criar um
meio ambiente e oportunidades para a prática de actividade física, para uma
vida activa e uma alimentação saudável e devem receber apoios para este fim",
havendo assim uma vontade política para um investimento prioritário nesta área.
Em Portugal, ainda são escassos os projectos de abordagem da obesidade
infantil, de base comunitária e familiar. Contudo, foi recentemente
desenvolvido um projecto de promoção e educação para a saúde dirigido a
crianças com excesso de peso em idade escolar, em ambiente familiar - o
Projecto Obesidade Zero. Este projecto foi desenvolvido em 5 municípios do país
(Melgaço, Mealhada, Cascais, Beja e Silves) em articulação com as Câmaras
Municipais e os respectivos Centros de Saúde. Compreendeu as seguintes fases de
desenvolvimento: 1) Aconselhamento alimentar individual ao nível das consultas
de obesidade infantil; 2) Workshops de Culinária Saudável; 3) Sessões de Grupo
com as Crianças e 4) Sessão "Alimentação Saudável" dirigida às famílias. O
projecto centrou-se no desenvolvimento de competências nas famílias no sentido
da melhoria dos seus conhecimentos sobre nutrição e alimentação, bem como na
melhoria dos hábitos alimentares e na procura de alterações favoráveis do
estado nutricional das crianças participantes. 80,5% das crianças reduziram o
seu percentil relativo ao IMC/idade durante o período de intervenção. Em média
registou-se uma redução do percentil 93,6 para o percentil 91,3, sendo as
diferenças estatisticamente significativas (p < 0,05)52.
Conclusão
Assim, apesar de não estar definido um modelo padrão na abordagem da obesidade
infantil, as intervenções em ambiente familiar de base comportamental que
incorporam modificações ao nível da alimentação e da actividade física parecem
ser as mais efectivas no controlo do peso corporal. As intervenções de base
comunitária, apesar de ainda serem escassas, parecem assumir um eixo
estratégico no combate a esta doença. É ainda de realçar os esforços
internacionais que têm sido desenvolvidos no sentido de estabelecer guidelines,
baseadas na evidência científica, para a prevenção e o tratamento da obesidade.
Contudo, estes esforços têm sido mais evidentes para a população adulta53,
sendo igualmente importante o estabelecimento de guidelines para a população
infanto-juvenil, de forma a uniformizar os critérios de actuação utilizados na
abordagem da obesidade infantil.