Iniciativa Hospital Amigo da Criança: uma análise a partir das concepções de
profissionais quanto às suas práticas
Introdução
Com base nos benefícios da amamentação, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e
o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) elaboraram, para a década de
1990, estratégias que favorecem a prática do aleitamento materno exclusivo até
o sexto mês de vida; e do aleitamento materno complementar até os 2 anos ou
mais. Foi, então, criada a Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), cujo
objetivo é promover, proteger e apoiar o aleitamento materno por meio da
mobilização de toda a equipe hospitalar que trabalha com mães e lactentes1,2.
Atualmente são mais de 20 mil hospitais credenciados em todo o mundo. No
Brasil, a IHAC faz parte do elenco de programas que compõem a Política Nacional
de Incentivo ao Aleitamento Materno (PNIAM) do Ministério da Saúde (MS)3 e
configura-se como uma estratégia de reconhecida importância para o sucesso do
aleitamento materno, com impacto positivo na prática da amamentação4-6.
Contudo, durante o processo de implantação e manutenção da IHAC num hospital,
podem ocorrer dificuldades de naturezas diversas, sendo ainda escassos os
estudos que abordam questões relacionadas à sustentabilidade dessa estratégia7.
Nesse sentido, o presente estudo teve por objetivo analisar a operacionalização
da IHAC no Instituto Cândida Vargas, no que diz respeito à humanização na
promoção do aleitamento materno e ao envolvimento da equipe nas ações
relacionadas com a estratégia. Adicionalmente, objetivou-se identificar
eventuais barreiras e fatores facilitadores para a promoção desses aspetos-
chave da IHAC.
Material e métodos
Trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa, do tipo estudo de caso,
realizada num HAC - o Instituto Cândida Vargas -, da rede pública de João
Pessoa, capital do estado da Paraíba, nordeste do Brasil. Essa instituição foi
escolhida como cenário de estudo por ser a maternidade que apresenta, desde a
sua fundação, a maior média mensal de nascidos vivos no estado. Além disso, é
um dos mais antigos HAC da Paraíba: foi credenciado na iniciativa em outubro de
1997 e, desde então, vem mantendo o título.
Coleta de dados
A coleta de dados foi realizada no período de fevereiro a junho de 2011 e
consistiu na realização de entrevistas individuais, com aplicação de roteiro de
entrevista semiestruturado, e também de encontros de grupos focais. Foram
considerados elegíveis a participar da pesquisa todos os 222 profissionais de
saúde de níveis técnico e superior que trabalhavam na instituição. Foram
incluídos no estudo 60 profissionais selecionados aleatoriamente a partir da
listagem de escala de trabalho dos diversos setores do instituto. Participaram
dos encontros de grupos focais os auxiliares de enfermagem; enquanto que, das
entrevistas individuais, participaram os profissionais de saúde de nível
superior, incluindo cargos de chefia.
Os instrumentos utilizados na coleta dos dados foram elaborados com base nos
documentos oficiais que normatizam a iniciativa8,9 e em artigos científicos da
área10,11. Continham questões incluídas em 2 eixos norteadores: a humanização
na promoção do aleitamento materno e o envolvimento da equipe nas ações da
IHAC.
Com o objetivo de analisar a adequação do roteiro semiestruturado para a
entrevista, realizou-se um pré-teste num HAC de outro município da Paraíba.
Nessa ocasião, foram entrevistados 15 profissionais de saúde de nível superior.
Observou-se, então, se houve compreensão do conteúdo por parte dos
entrevistados e se a ordem das questões obedecia a uma lógica sem indução a
respostas.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de ética em Pesquisa da Universidade
Federal da Paraíba, sob o protocolo n.º 681/10. Todos os participantes
receberam esclarecimentos sobre a pesquisa e, em caso de concordância,
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Sistematização e análise dos dados
Os depoimentos foram registrados por meio de gravador e transcritos na sua
íntegra. Em seguida, procedeu-se à análise de conteúdo, procurando atender as
etapas propostas por Bardin12: pré-análise, exploração do material, tratamento
dos resultados e interpretação. Foram consideradas as palavras, o contexto, a
frequência, a intensidade dos comentários, a especificidade das respostas e a
consistência interna destas13.
Resultados e discussão
Participaram da pesquisa as seguintes áreas profissionais: auxiliares de
enfermagem (12), enfermeiros (18), fisioterapeutas (6), fonoaudiólogos (6),
nutricionistas (6), psicólogos (6) e médicos pediatras (6). Dentre os
profissionais entrevistados, 8 exerciam cargos de gestão, sendo 2 diretores e 6
coordenadores de área. A idade dos participantes variou de 21-58 anos, com mais
da metade destes apresentando idade inferior ou igual a 30 anos. Entre os
participantes do estudo, apenas 15% trabalhavam há menos de um ano no instituto
- sendo que o menor tempo de serviço verificado foi de 3 meses; e o maior, de
29 anos.
Humanização na promoção do aleitamento materno
Percebeu-se que a atenção humanizada às puérperas é uma questão que permeia o
processo de trabalho de parte dos profissionais entrevistados, refletindo,
assim, uma extrapolação do campo meramente técnico e consistindo num
compromisso com aspetos relacionados ao acolhimento:
"[...] Eu acho que a finalidade do nosso trabalho é o acolher,
o acolher do binómio, tanto da mãe quanto do recém-nascido. Como já
foi dito, elas vêm para cá muito fragilizadas - é um período que a
gente está muito sensível -; a puérpera também precisa de um apoio e
a gente está ali para apoiá-la: cuidando, ensinando, apoiando
psicologicamente [...]. Eu acho que a palavra correta pra finalidade
do nosso trabalho na verdade é acolhimento." (Auxiliar de
enfermagem).
"A humanização - eu gosto muito desta palavra -, sem isso aí
nada funciona. Você pode dar o medicamento ao paciente, mas mais da
metade é você levar para ele a compreensão, o acolhimento - como ela
falou - a preocupação com ele." (Auxiliar de enfermagem).
Alguns profissionais, contudo, revelaram maior preocupação com o aspeto técnico
da finalidade das suas atribuições:
"Coordenar toda a área técnica correlacionada às atividades
médicas desde a admissão até a alta, como também a parte ambulatorial
e diagnóstica." (Diretor técnico).
"É preparar as mães para que o trabalho de parto possa evoluir
de forma rápida e segura para a mãe e para o bebê; e, então, quando
ele nasce, a gente acompanha esse bebê para que o desenvolvimento
dele seja o mais próximo do normal possível." (Coordenador de
fisioterapia).
Verificou-se, ainda, que a valorização do aspeto técnico prevaleceu, mesmo
quando a promoção do aleitamento materno foi abordada como um dos objetivos das
atividades por eles desenvolvidas:
"Eu trabalho com o objetivo de promover o aleitamento materno;
trabalho com musculatura, porque tem bebês prematuros que nascem sem
reflexo, com musculatura inadequada, dificuldade de sucção; então a
gente vai trabalhar para desenvolver isso para que ele seja capaz de
mamar, recebendo aleitamento materno exclusivo."
(Fonoaudiólogo).
Em alguns momentos das entrevistas, a necessidade de uma abordagem mais
humanizada no incentivo ao aleitamento materno foi reconhecida pelos próprios
profissionais, com destaque para aqueles que desempenhavam cargos de gestão:
"[...] Então eu preciso de uma pessoa capacitada que tenha
também essa vontade de trabalhar com aleitamento materno. E tem a
questão também da humanização do profissional que, por mais que
tenha, eu ainda sinto falta disso." (Coordenador de Banco de
Leite).
"Que dessem espaço para reciclar profissionais. Com relação ao
aleitamento materno, a sugestão seria [...] a humanização no
trabalho, a recepção com relação ao usuário, ao acompanhante [...],
para tirar um pouco esse peso de você chegar aqui e dizer: "Preste
esse serviço...". E você deixa de ser uma pessoa [...] que interaja
com o outro de uma forma mais harmoniosa [...]." (Coordenador
de Psicologia).
É importante lembrar que não apenas o saber técnico, específico das diferentes
profissões, deve ser aperfeiçoado, mas também a clareza de incorporar no
processo de trabalho o acolhimento e a importância de entender de forma
individualizada a situação de cada mulher.
Uma dificuldade apontada por Bulhosa et al.14 refere-se às orientações
oferecidas às mulheres - muitas vezes não individualizadas e não
contextualizadas -, que aparentemente não contribuem para o aleitamento
materno. Torna-se importante valorizar as características singulares de cada
binómio '"mãe-filho" e fornecer apoio e orientações que
possibilitem à mulher sentir-se livre para decidir o manejo do aleitamento
materno. Esses autores discutem a falta dessa individualização das orientações
sobre aleitamento materno, constituindo situações que parecem pressionar as
mulheres a amamentar. Tais atividades profissionais, como atividades mecânicas,
induzem a mulher a amamentar também de modo mecânico, porque são atividades
desempenhadas sem a indicação de suas finalidades, portanto,
descontextualizadas.
Por sua vez, Ramos et al.15 perceberam, em seu estudo, que o repasse de
informações sobre aleitamento materno às puérperas, em HAC, era feito, algumas
vezes, de forma verticalizada e centrado nas vantagens e nas técnicas da
amamentação. Para esses autores, é provável que o enfoque centrado nos aspectos
biológicos do aleitamento - presente nos documentos que norteiam os
treinamentos da IHAC - tenha influenciado os discursos predominantemente
técnicos dos profissionais de saúde.
É importante destacar que, em 2009, foi lançada uma nova versão do material que
normatiza o curso da IHAC para equipes de maternidade9. Esse material tem sido
adotado pelo Instituto Cândida Vargas no processo de capacitação dos
profissionais de saúde. De acordo com o material revisitado, o aspecto técnico
da amamentação enfatizado nas versões anteriores foi substituído por uma
metodologia mais participativa, que envolve questões que ultrapassam as
técnicas relativas às profissões da área da saúde e alcançam outras áreas do
conhecimento humano, como a comunicação, a antropologia e a sociologia.
Deve-se compreender, ainda, que a apreensão das normas da IHAC pelos
profissionais sob uma ótica exclusivamente administrativa pode transformar o
caráter humanizador dessa iniciativa em práticas impositivas de condutas que
não incorporam o respeito às diversidades socioculturais das mulheres e o
direito destas sobre suas próprias decisões; como refletem os depoimentos a
seguir:
"[...] Como ele (o recém-nascido) está aqui, e aqui é HAC, você
tem que amamentar [...]". (Médico Pediatra).
"[...] Só vão liberar (dar alta às mães) quando elas estiverem
amamentando [...]." (Enfermeiro).
Segundo Tornquist16, a obsessão em fazer toda mulher amamentar seu bebê - fruto
da apropriação burocrática de normas e rotinas - pode facilmente transformar
gestos aparentemente acolhedores em atos de imposição normativa. Se as
experiências de humanização se concentram em aspectos técnicos isolados e num
modelo universalista de família e de feminilidade, podem minimizar seu grande
potencial, que é o do empoderamento das diferentes mulheres no que tange à sua
saúde reprodutiva e à saúde do seu filho.
Envolvimento da equipe nas ações da Iniciativa Hospital Amigo da Criança
Quanto às ações promotoras do aleitamento materno desenvolvidas na maternidade,
os profissionais destacaram as atividades educativas, ou seja, palestras ou
orientações durante o atendimento individual junto às puérperas ou gestantes.
No entanto, observou-se também, em suas falas, a ausência do tema entre os
elementos dos processos de trabalho das práticas profissionais, no sentido do
incentivo à amamentação.
"Eu creio que são as palestras que minhas colegas desenvolvem
nas enfermarias; então elas incentivam muito o aleitamento materno.
Eu creio que é isso aí, eu não tenho como responder com precisão,
pois não é minha área de atuação." (Nutricionista).
"Na minha função no hospital, eu não chego a incentivar o
aleitamento materno, [...] mas tem o Banco de Leite, tem as outras
fisioterapeutas lá em cima que estão sempre estimulando; elas (as
mães) são bem estimuladas no incentivo ao aleitamento materno, mas do
meu incentivo mesmo eu não tenho contato." (Fisioterapeuta).
"[...] A gente trabalha também em conjunto com a fisioterapia
no Grupo de Gestantes, [...] às vezes chamam psicólogo, mas não é
sempre não, sempre é a fisioterapia [...]." (Enfermeira do
Banco de Leite).
A desvinculação das práticas cotidianas dos profissionais das atividades pró-
amamentação reflete ser necessário um maior entendimento de que os processos de
trabalho pressupõem iniciativas para a promoção, proteção e apoio ao
aleitamento materno.
É importante ressaltar que todos os profissionais de saúde da maternidade são
sujeitos-chave para o cumprimento dos passos da IHAC, por estarem em contato
direto com o binómio "mãe-bebê". Nessa perspectiva, uma das etapas
cumpridas pelo hospital em estudo para o credenciamento na iniciativa é o
treinamento de toda a equipe de cuidados de saúde, capacitando-a para
implementar a política de aleitamento materno do hospital. Na maternidade em
análise, conforme relato da equipe do Banco de Leite, esse treinamento ocorre
semestralmente a fim de promover a educação permanente e contemplar os
profissionais recém-contratados:
"[...] é a minha área aqui dentro que é a questão da educação
permanente, treinando os profissionais para o programa da IHAC. Todos
os funcionários que entram aqui têm que passar por esse treinamento,
porque a gente é um HAC, e a cada 6 meses a gente está fazendo sempre
uma reciclagem com esses profissionais já existentes e com os que
estão chegando." (Psicóloga do Banco de Leite).
O cumprimento da etapa de treinamento dos profissionais quanto às normas da
iniciativa é importante. No entanto, não parece ser suficiente para que os
profissionais se percebam como corresponsáveis para que o binómio "mãe-
bebê" tenha acesso a uma estrutura facilitadora da prática da
amamentação. A maternidade em estudo, enquanto HAC, deve caracterizar-se não
apenas pelas rotinas e atividades que desenvolve, mas sobretudo por apresentar
toda a sua equipe de saúde preparada e envolvida com a questão da amamentação,
valorizando a relação com as pacientes.
Moorel, Gauld e Williams10, ao estudarem a experiência da Nova Zelândia na
implementação da IHAC, revelaram que nem todos os profissionais estavam
familiarizados com a política e com as implicações desta nos seus processos de
trabalho. Além disso, esses profissionais revelaram não entender por que eles
precisavam participar de treinamentos sobre o assunto, mostrando-se relutantes
em relação ao processo de capacitação. Os autores afirmaram a necessidade de se
ir além dos treinamentos - a importância de sensibilizar todos os
profissionais, em longo prazo - para que seja alcançado o efetivo cumprimento
da política de aleitamento materno.
Algumas atividades têm sido referidas como formas de sensibilizar a equipe de
saúde e garantir o envolvimento desta nas ações da IHAC: reuniões periódicas, a
fim de reforçar continuamente conceitos e práticas para adaptação das pessoas
envolvidas no processo; promoção de fóruns de acompanhamento, como Comitê
Permanente de Aleitamento; e avaliações sistemáticas realizadas pelas
Secretarias de Estado da Saúde - muito embora estas tenham sido relatadas como
algo temido, requerendo uma preparação prévia intensa11,17.
Um fato que pode estar contribuindo para o distanciamento entre o incentivo à
amamentação e o processo de trabalho dos profissionais de saúde refere-se à
inexistência de uma padronização das orientações sobre aleitamento materno que
devem ser transmitidas às mães, conforme se verifica nos relatos abaixo:
"[...] Das orientações não; é mais uma questão oral mesmo, a
gente não segue nenhum." (Fonoaudiólogo).
"[...] Não tem por escrito, mas a gente tenta padronizar: o
pessoal que faz a visita nos alojamentos, quando dão alta, eles
tentam orientar do mesmo jeito [...]." (Médico pediatra).
A definição de uma política interna de aleitamento materno é o primeiro passo
para o credenciamento de um hospital na IHAC8. No entanto, a simples existência
dessa política, no plano teórico, não é suficiente para impactar o processo de
trabalho dos profissionais. As intenções da política devem ser apropriadas por
toda a equipe de saúde como um instrumento orientador para o desempenho das
atividades cotidianas de cada profissional. Essa correspondência do plano
teórico na prática profissional possibilitaria visibilidade da uniformidade das
atividades pró-amamentação adotada pela instituição, inclusive no que se refere
às orientações que são transmitidas às mães, permitindo que os profissionais
tratassem da questão de forma equânime.
O processo de inserção dos profissionais no contexto da IHAC não deve ficar
limitado a contemplar as atividades específicas de cada categoria profissional,
mas também ajudá-los a compreender a rotina de toda a instituição como uma
estratégia global de incentivo à amamentação. Quando questionados quanto às
ações promotoras do aleitamento materno desenvolvidas na maternidade, esse
entendimento não se mostrou claro entre os entrevistados. Estes referiram, de
forma pontual, o alojamento conjunto e o contato entre mãe e bebê logo após o
nascimento como práticas facilitadoras da amamentação, a exemplo das seguintes
falas:
"Colocar a criança no peito assim que chega é um incentivo, e a
gente orienta em relação à importância dele (aleitamento materno)
[...]." (Enfermeiro).
"A primeira coisa é deixar o bebê junto com a mãe, é um
protocolo [...] e aí a gente faz isso de rotina, então isso tudo
incentiva o aleitamento materno." (Médico pediatra).
Quanto à conduta diante de mães que apresentam alguma intercorrência com a
amamentação, os profissionais revelaram dificuldades referentes ao procedimento
adequado nesse tipo de situação. Adicionalmente, verificou-se que as ações de
incentivo e manejo da lactação são predominantemente referidas como atribuições
específicas do setor de Banco de Leite, conforme as declarações:
"[...] Eu não consigo dar essas orientações, mas tem as meninas
do Banco de Leite que dão todo o apoio às mães que estão com alguma
dificuldade ou têm que tirar o leite [...], aí elas orientam essas
mães." (Enfermeiro).
"Elas recebem do Banco de Leite, como eu falei, elas
(profissionais do Banco de Leite) são bem atuantes aqui [...]. Não
sei como é o tratamento, mas eu acho que deve sim ter algum
tratamento adequado." (Enfermeiro).
"Sim, sempre que as mães têm dificuldade para amamentar, o
Banco de Leite é solicitado; as meninas do Banco de Leite vão lá e
dão orientação." (Fonoaudiólogo).
Foram identificados depoimentos que revelaram autonomia no apoio às mães com
dificuldades para amamentar, ainda que associada à participação do Banco de
Leite:
"A gente percebe que ela tem alguma dificuldade para amamentar.
A gente tem que detectar a causa da dificuldade, ouvir a história, o
porquê dessa dificuldade de amamentar - que às vezes dá dor -, ver se
deu de mamar, se não deu e a gente vai investigar. Aí, trabalho
intensamente os conflitos psicológicos existentes naquela amamentação
e também solicito a participação do Banco de Leite [...]."
(Psicólogo).
"[...] A gente procura incentivar, procura dizer a ela que não
é assim; dependendo do que for a situação, às vezes é um mito [...].
São pacientes que apresentam um pouco mais de dificuldade, mas a
gente consegue quebrar, traz o pessoal do Banco de Leite, que é
especialista no assunto. A gente também conversa, a gente ajuda, diz
que está com ela, que vai ajudar a colocar no peito [...]."
(Enfermeiro).
Os profissionais de saúde de um HAC devem estar capacitados para analisar as
causas das dificuldades que as puérperas tenham e sugerir meios que possam
ajudá-las a resolver os problemas relativos à amamentação9. Assim, o hospital,
cenário do estudo, uma vez credenciado na IHAC, deve garantir às mulheres o
auxílio necessário para a prática da amamentação, independente da etapa do
fluxo de atenção hospitalar em que a mãe se encontre.
Salientamos que a atuação efetiva dos profissionais do Banco de Leite na
promoção do aleitamento materno também foi evidenciada. Os depoimentos a seguir
revelam essa realidade:
"O Banco de Leite tem um trabalho de primeiro mundo. Inclusive
eu posso falar como usuária, que eu tive que levar minha filha, ela
teve dificuldade [...] e fiquei muito feliz, porque ela hoje é
doadora do Banco de Leite. Ela teve sérias dificuldades, ela teve
acompanhamento de vários profissionais; então é um trabalho realmente
de muita qualidade." (Nutricionista).
"[...] Aqui tem muito apoio, porque você tem o Banco de Leite;
eu acho que isso já é muito bem orientado. A única coisa que falta
mais aqui é o interesse de alguns profissionais, porque aqui a gente
trabalha com equipe, sabe- E a gente vê a dificuldade que alguns
profissionais têm de dar mais atenção, porque o Banco de Leite é para
a maternidade todinha." (Enfermeiro).
A existência de uma comissão de aleitamento materno responsável pelas
atividades da IHAC foi recomendada pelos participantes de um estudo realizado
na Austrália por Walsh, Pincombe e Henderson18. Os profissionais consideraram
importante o processo de educação em amamentação, mas reconheceram a
dificuldade de seu alcance por todos os membros da equipe em virtude da intensa
carga horária de trabalho, o que limitava o acesso aos treinamentos. Esses
profissionais apresentaram, então, como recurso útil, a designação de
funcionários para atuarem como consultores em lactação e promoverem atividades
educativas sobre aleitamento materno junto às puérperas.
Assim, pode-se minimizar a preocupação com o fato de as atividades de promoção
do aleitamento materno estarem predominantemente a cargo de profissionais do
Banco de Leite, levando-se em consideração que o aperfeiçoamento e o empenho
dos profissionais que o compõem possam resultar em um apoio à amamentação mais
especializado. Por outro lado, essa prática pode levar à diminuição do
envolvimento da maternidade como um todo - enquanto instituição credenciada na
IHAC -, uma vez que esta deve apresentar envolvimento de todos que lidam direta
ou indiretamente com mães e bebês, devendo estar preparados para atuar,
sobretudo, diante das intercorrências com a amamentação.
Conclusões
Na perspectiva de identificar possíveis limitações, assim como possíveis
fatores facilitadores, em relação à humanização na promoção do aleitamento
materno e ao envolvimento da equipe de saúde com as ações da IHAC, analisou-se
o material empírico produzido e observou-se que o caminho metodológico
percorrido contribuiu para o alcance do objetivo. Essa análise evidenciou
alguns fatores intervenientes na sustentabilidade da IHAC, como a necessidade
de implantação de uma efetiva política de educação permanente e continuada
destinada aos profissionais de saúde da maternidade.
Nesse sentido, um dos eixos norteadores do processo de capacitação deve ser a
abordagem humanizada na promoção do aleitamento materno. Esta deve considerar,
não somente as habilidades de comunicação, inseridas na última versão do curso
da IHAC para equipes de maternidades, mas, sobretudo, despertar os
profissionais para o propósito da IHAC: que é incentivar o aleitamento materno
por meio do empoderamento das mulheres em relação às suas próprias decisões
sobre a amamentação.
Outro aspecto que deve ser contemplado no processo de capacitação é o
entendimento de que a dinâmica de trabalho de cada profissional faz parte de um
projeto maior: a IHAC. Dessa forma, o processo de inserção dos profissionais no
contexto da iniciativa não deve apenas esclarecê-los quanto aos aspectos
biológicos do aleitamento materno, mas também sensibilizá-los quanto à
valorização da relação com as mães e à percepção das rotinas de toda a
instituição como práticas facilitadoras da amamentação. Assim, os profissionais
irão perceber-se como sujeitos-chave na promoção do aleitamento materno num
HAC.
A educação permanente e continuada da equipe de saúde deve ainda permitir o
acesso e a utilização da política de aleitamento materno da instituição amiga
da criança, especialmente no que se refere às orientações a serem transmitidas
às mães, como um instrumento efetivo para o desempenho das atividades dos
profissionais.
Revelou-se como uma prática positiva o fato de existir um grupo de
profissionais (Banco de Leite) responsável pelas atividades de incentivo ao
aleitamento materno e manejo da lactação, e pelos treinamentos da IHAC para os
profissionais de saúde da maternidade, considerando a qualificação dessas
atividades. Entretanto, para que essa prática não prejudique o envolvimento dos
demais profissionais nas ações da IHAC, é necessário o reforço contínuo de
conceitos, de práticas e do papel essencial que cada um destes exerce num HAC.
Portanto, o processo de capacitação precisa contemplar uma ampla divulgação e
discussão com todos os profissionais envolvidos na assistência materno-
infantil, devendo todos estes estar preparados para resgatar a prática do
aleitamento materno.
Autoria
Maria Clara Santana Maroja é servidora técnico-administrativa do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, Brasil. Alice Teles de
Carvalho e Ana Tereza Medeiros Cavalcanti da Silva são docentes da Universidade
Federal da Paraíba, Brasil.