Evolução da prevenção e combate à obesidade de crianças e jovens em Portugal ao
nível do planeamento estratégico
Introdução
A obesidade é um grave problema de saúde nos países desenvolvidos e em
desenvolvimento, considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1997,
como epidemia de escala global e um dos maiores desafios da saúde pública do
início do século XXI1. Desde então que se assiste à mobilização crescente de
recursos e esforços de responsáveis políticos, autoridades e profissionais de
saúde e educação, sociedade civil e comunidade científica, para conhecê-lo e
enfrentá-lo melhor.
Em Portugal, estudos de diversos especialistas e os resultados do 4.º Inquérito
Nacional de Saúde (2005/2006)2 confirmam o crescimento da obesidade entre
adultos3, enquanto outros indicadores apontam para uma das mais elevadas taxas
de prevalência entre crianças e jovens ao nível da Europa4.
É largamente aceite que a obesidade é originada pelo desequilíbrio energético
resultante de um aporte muito superior às necessidades orgânicas, num período
de tempo prolongado5. Este balanço energético positivo tem múltiplas causas que
interagem e se potenciam: os fatores internos, como genética ou fisiologia, e
os externos, ligados à inter-relação do indivíduo com a sociedade.
Os fatores externos são considerados determinantes no aumento da incidência e
prevalência da obesidade6. Entre estes, destacam-se as mudanças dos estilos de
vida, tais como alterações do padrão alimentar - maior consumo de hidratos de
carbono e lípidos, redução do consumo de cálcio ou menor qualidade dos
nutrientes - e aumento do sedentarismo5.
Além de doença crónica, a obesidade constitui fator de risco para outras
patologias, tais como hipertensão, diabetes tipo 2, litíase vesicular, doenças
cardiovasculares, certos tipos de cancro e problemas psicossociais, aumentando
também o risco de dislipidemia, insulinorresistência, problemas respiratórios,
osteoarticulares, hormonais, entre outros, contribuindo em larga escala para a
diminuição da qualidade de vida de adultos, crianças e jovens7. Estes factos
originam elevados custos diretos e indiretos com a saúde e consideráveis perdas
económicas8,9.
Para crianças e jovens em particular, a obesidade não só representa um risco
acrescido no desenvolvimento cada vez mais precoce de doenças não
transmissíveis, como se afigura precursora de obesidade na idade adulta,
calculando-se que cerca de 60% das crianças que apresentam excesso de peso
antes da puberdade poderão apresentar excesso de peso numa idade adulta jovem7.
A origem multifatorial da obesidade sugere que a prevenção se deve centrar nas
escolhas e comportamentos individuais e também nos fatores sociais e ambientais
que os influenciam, incidindo em vários níveis, do individual ao global, pela
conjugação de estratégias provenientes de organizações internacionais com
iniciativas locais ou comunitárias e nacionais10.
Defendida por vários especialistas e organizações, a prevenção centrada nas
crianças e jovens justifica-se pela maior facilidade de intervenção junto
destas faixas etárias, tanto em ambiente familiar como na escola e serviços de
saúde, de modo a influenciar a sua alimentação e padrões de atividade e, por
consequência, o seu desenvolvimento. Por outro lado, verifica-se uma maior
dificuldade dos adultos em perder peso5.
Em 2002, a International Obesity Task Force alertava para o facto da obesidade
se estar a tornar numa ameaça direta às crianças da Europa6. No ano seguinte, a
FAO/OMS enfatizava a prevenção prioritária junto de crianças e jovens,
apontando um conjunto de estratégias nesse sentido11.
Em 2006 teve lugar a conferência da OMS-Europa sobre a luta contra a obesidade,
da qual resultou um compromisso político e uma proposta estratégica para
prevenção, combate e tratamento da obesidade, com especial destaque para as
crianças, vertidos na Carta Europeia de Luta Contra a Obesidade12. A génese e
conteúdo deste documento, que Portugal subscreveu, tornam-no num quadro de
referência para os sistemas de saúde, orientador da política e intervenção
sobre o problema.
Em Portugal, a Lei de Bases da Saúde13 determina que é ao Governo que compete
formular a política de saúde (Base VI, Art.º 1.º), cabendo ao Ministério da
Saúde, em coordenação com os ministérios que tutelam áreas conexas, propor a
sua definição, promover e vigiar a respetiva implementação e execução (Base VI,
Art.º 2.º).
A política de saúde, enquanto conjunto de valores, finalidades e preferências,
num domínio de maior abrangência e de menor especificidade14, é clarificada no
Programa de Governo15, sendo desdobradas, através do planeamento em saúde, em
estratégias de saúde, as linhas de "atuação seletiva para alcançar,
atingir as metas e os objetivos"16.
Com a elaboração da Estratégia de Saúde Para o Virar do Século (1998-2002)16,
que denominaremos como Estratégia, o planeamento em saúde em Portugal assumiu
um caráter de planeamento estratégico17, que se pode definir como o processo
através do qual se estabelecem prioridades acordadas e uma orientação para o
sector, dando-lhe uma direção e continuidade, e que tem em conta os limites
definidos pelos recursos existentes e os contextos político, social, cultural,
institucional, financeiro, económico e internacional em que ocorre18. Estes
contextos estão interligados, influenciando-se mutuamente e reagindo às
alterações que neles possam ocorrer.
Pelas implicações para indivíduos e comunidade, a elevada incidência e
prevalência da obesidade em Portugal constitui um foco de interesse para quem
estuda a evolução dos sistemas de saúde e as respostas que as autoridades têm
vindo a preconizar. Assim, este artigo tem por objetivo fazer uma retrospetiva
das políticas e principais estratégias de prevenção e combate à pré-obesidade e
obesidade infantil e dos jovens implementadas ao abrigo da Estratégia e do
Plano Nacional de Saúde 2004-201019,20, procurando compreender em que medida é
que estas influenciam as opções inscritas na versão preliminar do PNS 2012-
2016.
Material e métodos
A investigação assentou numa metodologia qualitativa, com a realização de um
estudo de caso, procurando a compreensão de um fenómeno atual no seu contexto
real21.
Focando-nos num fenómeno particular - a resposta preconizada pelas autoridades
de saúde portuguesas à problemática da obesidade infantil e dos jovens -
procurámos, pela descrição da sua evolução num determinado período de tempo, a
sua compreensão global, recorrendo a pesquisa documental de fontes escritas
oficiais, complementada com consulta a um conjunto de 10 informadores-chave.
O contributo destes informadores foi o de facilitar documentação, esclarecer
dúvidas sobre os documentos estratégicos e sugerir outros informadores a
contactar. A sua seleção foi orientada por técnicas de amostragem não
probabilística: partindo de um grupo inicial de especialistas e responsáveis
envolvidos no processo de planeamento, constituído de forma criteriosa e de
conveniência, o conjunto de informadores foi expandido por bola de neve22.
A constituição do Corpus Documental para análise partiu da leitura geral dos
documentos estratégicos e da consulta de sites e microsites oficiais - Governo,
ACS, DGS, PNS 2011-2016 e Plataforma Contra a Obesidade - abarcando textos
mencionados nestas fontes e sugestões dos informadores. A seleção final atendeu
a critérios de exaustividade, homogeneidade e pertinência, sendo composta por
meia centena de documentos, posteriormente analisados quanto à estrutura,
semântica e conteúdos, de modo a obter uma visão ampla e sistematizada de cada
um23.
Para análise semântica, foi construída uma grelha de análise com 3 categorias,
definidas no processo de pré-análise, correspondentes ao problema e a 2 das
suas principais causas - obesidade, alimentação e atividade física -, sendo-
lhes agregado um conjunto de subcategorias com elas relacionadas.
A grelha de análise de estrutura, aplicada aos documentos mais relevantes e
adaptada às suas características, incidiu na organização e conteúdos, em
particular na identificação e caracterização da obesidade e obesidade infantil,
propostas de estratégias, recomendações ou ações para lhe responder.
A aplicação destas grelhas teve ainda uma função exploratória, permitindo
eliminar alguns textos inicialmente considerados.
Além de documentos em suporte papel e digital, o material utilizado na
investigação compreendeu software para edição de texto e pesquisa e edição em
ficheiros PDF (MSWord 2003 e Adobe Acrobat 7.0 Professional).
Resultados
Saúde um Compromisso: A Estratégia de Saúde para o Virar do Século (1998-2002)
A Estratégia de Saúde para o Virar do Século (1998-2002) é um dos resultados
visíveis do conjunto de reformas que marcaram o ciclo político iniciado nas
eleições legislativas de 1995. Estabelecendo como missão do sistema de saúde a
obtenção de ganhos em saúde, a Estratégia propõe uma nova política para o
sector e visa ser "um quadro de referência nacional a partir do qual é
necessário estabelecer prioridades regionais e locais, de acordo com cada
situação específica"16. Focada nos principais problemas de saúde da
população, apresenta objetivos gerais, metas a 5 anos, horizontes qualitativos
a 10 anos e orientações de ação para lhes responder.
Pese a sua abordagem inovadora, a Estratégia não recolheu consenso político
necessário à sua prossecução24, tendo sido abandonada pouco tempo depois da
apresentação pública do documento final. No entanto, continuou a servir como
guia de atuação das autoridades regionais e serviços de saúde25.
Quando a Estratégia foi elaborada, a mudança nos padrões nutricionais e de
atividade física da população era já preocupação das autoridades de saúde26. No
entanto, a obesidade não está quantificada nem considerada nos problemas
prioritários da população: da análise à semântica e conteúdos do documento,
conclui-se que existe apenas uma menção ao problema, relativa aos obesos
enquanto grupo de risco da diabetes mellitus.
Considerando a perspetiva intersectorial da Estratégia, uma análise às suas 27
áreas de intervenção prioritária permite identificar, em 11 delas, horizontes,
metas, objetivos e orientações de ação que podem contribuir para combater e
prevenir o problema junto de crianças e jovens, pois visam algumas causas da
obesidade, como alimentação e atividade física, propondo melhoria na vigilância
de saúde, reforço de conhecimentos dos indivíduos ou capacitação de
professores, profissionais de saúde e respetivas equipas.
No relatório Ganhos de Saúde em Portugal, que reflete sobre alguns dos domínios
abordados na Estratégia, o excesso de peso é apontado como um problema dos
adolescentes que, a par das morbilidades associadas, carece de indicadores
atualizados para avaliação, recomendando-se o reforço "da agenda para a
saúde dos portugueses" no que respeita a dieta e atividade física25.
Plano Nacional de Saúde 2004-2010
Apresentado como alavanca com "orientações estratégicas destinadas a
sustentar - política, técnica e financeiramente - o Sistema Nacional de
Saúde"19, o PNS 2004-2010 assume continuidade com a Estratégia, sendo
balizado pelo conhecimento existente sobre a situação da saúde, evidência e
orientações de organizações como a União Europeia, OMS ou OCDE27.
Construído através de uma metodologia consultiva e de debate público, o Plano
foi implementado, monitorizado e submetido a avaliação, tendo todo este
processo servido de base ao ciclo de planeamento que se iniciou em 200928.
O estado de saúde da população é descrito a partir dos indicadores disponíveis,
utilizados, juntamente com os resultados da consulta pública e dos debates
preparatórios, para estabelecer prioridades de intervenção.
A obesidade é considerada um "enorme problema de saúde pública"20,
sendo apresentados indicadores de prevalência nas fases do ciclo de vida
correspondentes à idade adulta, bem como metas de redução dos mesmos até 2010.
Prevê-se ainda monitorização dos hábitos de atividade física/sedentarismo.
As alterações do padrão nutricional e a diminuição dos índices de atividade
física são identificadas como fatores de risco de patologia crónica e é
proposta uma intervenção transversal preventiva, centrada na promoção da saúde,
curativa e de gestão da doença, abrangendo vários sectores (saúde, social,
alimentar, educação e cultural), através de um programa nacional específico.
Estas temáticas são ainda apontadas como importantes no quadro da cooperação
técnica no domínio da saúde com vários organismos internacionais, recomendando-
se o seu reforço.
Não existem, no entanto, referências a obesidade infantil e dos jovens, nem
quantificação do problema. Constata-se aumento do sedentarismo e desequilíbrios
nutricionais nos jovens, admitindo-se limitação dos indicadores disponíveis
para a avaliação da morbilidade associada a obesidade, bulimia, anorexia.
A resposta aos principais problemas de saúde identificados no Plano passou pela
elaboração de programas nacionais (ou revisão dos existentes), tendo sido
concretizados 22 dos 40 previstos29. Entre estes, analisámos o Programa
Nacional de Luta Contra a Obesidade (PNLCO), os de Saúde dos Jovens e Saúde
Escolar, e, entre os restantes, os 7 onde se identificaram referências à
problemática: Plano Nacional de Ação Ambiente e Saúde e Programas Nacionais de
Promoção da Saúde Oral; Prevenção e Controlo das Doenças Oncológicas; Prevenção
e Controlo das Doenças Cardiovasculares; Prevenção e Controlo da Diabetes;
Contra as Doenças Reumáticas; Intervenção Integrada sobre Determinantes da
Saúde Relacionados com os Estilos de Vida.
Os objetivos específicos do PNLCO apontam para a redução da proporção de
indivíduos com excesso de peso em todos os grupos etários. Embora se reconheça
a elevada prevalência entre crianças e jovens, com disparidades regionais,
étnicas e de condição social na sua distribuição, estes não figuram entre
grupos de risco identificados. As 23 Estratégias inscritas no documento servem
a prevenção e combate à obesidade entre crianças e jovens, sendo 3 delas
particularmente dirigidas a estes grupos30.
O PNLCO foi extinto em 2008, com integração das competências de prevenção
secundária/terciária na Plataforma Contra a Obesidade e enquadramento do
tratamento cirúrgico numa comissão criada para o efeito.
A Plataforma surge para concretizar os objetivos da Carta Europeia de Luta
Contra a Obesidade e é apresentada como "medida estratégica, assumida
politicamente a nível nacional, que visa criar sinergias intersectoriais, a
nível governamental e da sociedade civil"31. Assume explicitamente a
prevenção e combate à obesidade como prioridade política e, através dos
objetivos e estratégias propostos, valoriza uma intervenção direcionada aos
mais jovens.
Nos restantes 7 programas, obesidade, comportamentos alimentares ou
sedentarismo são apontados como fatores de risco, não se identificando uma
relação entre os propósitos de cada um destes documentos com a necessidade de
prevenção e combate à obesidade infantil e dos jovens. Apenas o programa de
combate às doenças cardiovasculares contempla intervenções preventivas junto
destes grupos, nomeadamente alteração de hábitos alimentares e combate ao
sedentarismo32.
Todos estes programas apresentam medidas que, não sendo dirigidas ao problema
ou a estes grupos, podem contribuir para este desígnio, tais como alteração da
oferta alimentar, intervenções no meio, melhoria na vigilância de saúde e
resposta dos serviços, capacitação de indivíduos, profissionais de saúde ou
professores ou promoção de melhor conhecimento epidemiológico.
Plano Nacional de Saúde 2012-2016
Dando seguimento à orientação governamental para elaboração de um novo Plano
"orientado no sentido de uma priorização clara das intervenções, com base
na evidência acerca do que gera mais ganhos em saúde"33, o Alto
Comissariado da Saúde deu início à construção do PNS 2011-201634, mais tarde
designado como PNS 2012-2016 em virtude de atrasos ocorridos na sua elaboração.
Em junho de 2011, um ano após a data prevista, foi anunciada a discussão
pública deste Plano35, estando disponíveis para consulta vários capítulos do
primeiro volume, Estratégias para a Saúde, e apenas um capítulo do segundo
volume, Operacionalização do Plano Nacional de Saúde. Quando esta investigação
foi realizada, a versão definitiva ainda não era conhecida, pelo que nos
centrámos na versão preliminar e no seu processo preparatório.
No novo Plano, a obesidade é considerada risco de saúde pública e fator de
risco para um conjunto de patologias em adultos e crianças. Constata-se aumento
da prevalência entre adultos, com assimetrias na distribuição regional36, não
existindo dados de prevalência para menores de 18 anos.
O problema não figura entre as prioridades de intervenção nacional. No entanto,
poderá vir a ser considerado como tal nos Planos Regionais de Saúde, previstos
no PNS e que deverão estabelecer um quadro regional de prioridades37.
Embora a obesidade seja valorizada nas diversas fases do ciclo de vida dos
indivíduos, só na fase Crescer com Segurança (período entre os 29 dias e 9 anos
de idade) se explicita a necessidade de uma intervenção direcionada ao
problema. Nas restantes fases são definidas áreas de intervenção que, não
visando diretamente o problema, interferem com as suas causas.
Para monitorizar a evolução da prevalência do excesso de peso, propõe-se a
manutenção do quadro de indicadores do PNS 2004/2010, alargando-o às crianças
de 6 e 13 anos. Não foi divulgada previsão das metas a alcançar em 2016.
O quadro de ações e recomendações para operacionalização do Plano não foi
disponibilizado. No entanto, face à valorização do problema ao longo do
documento, com referências à Plataforma Contra a Obesidade - embora a Carta
Europeia não figure no quadro legal, normativo, regulamentar e estratégico
apresentado -, aos programas de Saúde Escolar, aos projetos de Cidades
Saudáveis e Escolas Promotoras de Saúde, como exemplo de intervenção a
desenvolver, e perante a orientação e evidência formuladas para os Eixos
Estratégicos e Objetivos para o Sistema de Saúde do documento, abrem-se
perspetivas para um quadro de ações que responda direta ou indiretamente ao
problema.
Esta perspetiva é reforçada por um conjunto de reflexões e propostas feitas
durante o processo de planeamento, no âmbito das Análises Especializadas e dos
Contributos enviados por entidades, organizações, especialistas e cidadãos,
que, a serem acolhidas, poderão vir a ter impacto positivo sobre o problema e
suas causas.
Entre estas propostas, destacamos a adoção de boas práticas implementadas
noutros países, atribuição de responsabilidade e meios para uma intervenção
dirigida ao problema e suas causas ao nível dos cuidados primários, reforço das
estratégias locais de saúde e de iniciativas que promovam saúde em todas as
políticas, cidadania em saúde ou equidade no acesso e a promoção da saúde e
atividade física em meio urbano pela alteração dos instrumentos de ordenamento
do território.
Discussão
Esta investigação permitiu-nos uma perspetiva sequencial do processo de
planeamento estratégico em Portugal e da sua evolução num contexto de mudança e
influenciado por vários fatores18, bem como uma visão contextualizada das
principais estratégias de prevenção e combate à obesidade infantil e dos jovens
pensadas a este nível de planeamento. A discussão far-se-á em torno destes
aspetos, focando ainda algumas dificuldades e aspetos críticos identificados
durante o estudo.
Apesar das diferenças de conceção, a concretização das orientações político-
ideológicas que enquadram a política de saúde que está por detrás dos 3
documentos estratégicos traduz-se numa perspetiva comum de obtenção de ganhos
em saúde, espelhando a evolução e maturação da sociedade portuguesa e do
próprio SNS.
Os 3 documentos propõem uma visão e direção para o sistema de saúde38,
identificando-se uma linha de continuidade indiciadora de consistência
associada ao planeamento39. Partem do conhecimento existente sobre a saúde da
população para consensualizar prioridades, procuram ter em conta as
características, necessidades e recursos do sistema de saúde e são alinhados
com a evidência, orientações e boas práticas internacionais. Estas
características, bem como a integração de múltiplos atores no planeamento,
refletem uma preocupação de ancorar estes processos na realidade e contextos em
que decorram18,38.
Embora sem estatuto de prioridade em nenhum dos 3 documentos estratégicos, a
obesidade foi sendo gradualmente reconhecida como problema de saúde em
Portugal. A atenção crescente dada ao problema nos documentos e a preocupação
cada vez mais explícita com a necessidade de respostas espelham este ganho de
importância.
Contemporânea da classificação da obesidade enquanto epidemia global, a
Estratégia não referencia o problema. No entanto, existem no documento metas,
objetivos e orientações de ação que podem contribuir para combater e prevenir a
obesidade junto de crianças e jovens, bem como de adultos, pois visam uma
intervenção sobre algumas das suas causas.
No PNS 2004-2010, a obesidade é já considerada como problema de saúde pública,
não estando incluída nas 5 áreas prioritárias de intervenção propostas, sendo
valorizada mais como fator risco e até como determinante da saúde, do que
enquanto doença em si40.
à data da elaboração deste plano, existiam orientações internacionais para uma
intervenção de prevenção e combate ao excesso de peso centrada nas idades
infantojuvenis. No entanto, e embora estivesse descrito um aumento da
prevalência na população portuguesa adulta, poucos eram os dados de prevalência
em crianças e jovens3, facto que pode explicar uma menor atenção dada à questão
e a inexistência de um quadro de indicadores para acompanhar a evolução nestes
grupos etários. Ainda assim, é possível identificar intervenções visando uma
ação positiva sobre algumas das causas do problema em 10 dos 22 programas
nacionais então elaborados.
O PNS 2012-2016 surge num contexto de uma prioridade política de prevenção e
combate ao problema, assumida em 2007 com a criação da Plataforma Contra a
Obesidade, existindo um conhecimento mais alargado sobre a prevalência na
população portuguesa, fruto do desenvolvimento da investigação.
Embora a obesidade não seja apontada como problema prioritário na versão
preliminar do Plano, verifica-se um alinhamento com os princípios da Carta
Europeia, nomeadamente uma maior preocupação com o aumento da prevalência, em
particular nas idades infantojuvenis, referências à necessidade de uma
intervenção direcionada e a adoção de indicadores para avaliar e monitorizar a
evolução do problema entre os mais jovens. Quando realizámos a investigação,
esta intervenção direcionada ainda não estava definida, existindo um acervo de
propostas para a sua concretização.
Os principais resultados deste estudo, bem como a discussão que deles é feita
neste artigo, validam a pertinência da abordagem à problemática escolhida e da
metodologia utilizada, permitindo-nos alcançar o objetivo proposto na
investigação.
A aplicação de metodologias qualitativas no campo da ciência tem sido alvo de
reflexão de vários autores, pois a inexistência de mensuração quantitativa dos
fenómenos dificulta a avaliação dos resultados quanto à sua validade, ou seja,
à correspondência com a realidade, e à sua fiabilidade, que será tanto maior
quanto maior for a possibilidade de serem idênticos se houver uma repetição do
estudo21.
Tratando-se de uma investigação baseada na análise documental, confrontámo-nos
permanentemente com a necessidade de fazer prevalecer o rigor da técnica e a
objetividade aos juízos, valores e ideias pré-concebidas de quem investiga.
Esta dificuldade constitui-se como um desafio que consideramos bem-sucedido,
estando a validade e a fiabilidade do estudo asseguradas pela clarificação dos
procedimentos de seleção do Corpus documental e do processo de análise
realizado.
Durante o trabalho de análise foi possível identificar um conjunto assinalável
de intervenções na área da prevenção e combate à obesidade, promovidas por
organizações da sociedade civil, especialistas, escolas, universidades,
serviços de saúde ou entidades locais e regionais, num claro sinal de que,
apesar do problema não ter estatuto de prioridade, existem respostas
organizadas e experiências de trabalho concretas sobre as quais valerá a pena
refletir. Estas realidades não têm expressão significativa nos resultados
apresentados, uma vez que a investigação se centrou nas respostas ao nível do
planeamento estratégico em saúde, e constituem-se como uma hipótese de trabalho
científico futuro.
É ainda de referir que a análise do PNS 2012-2016 ficou limitada pelo facto de,
à data de termo da investigação (novembro de 2011), a versão posta à discussão
pública estar incompleta. Ainda assim, tendo a versão final do PNS sido
publicada após submissão deste artigo, mas antes da sua revisão final, foi
possível uma breve abordagem ao documento, confirmando-se a generalidade dos
resultados aqui enunciados.
Conclusão
A análise à abordagem da obesidade feita na Estratégia, PNS 2004-2010 e na
versão preliminar do PNS 2012-2016, permite concluir que, embora sem ganhar
estatuto de prioridade, o problema tem vindo a ganhar importância entre as
preocupações das autoridades de saúde em Portugal, expressas ao nível do
planeamento estratégico. O mesmo se conclui sobre a importância dada ao aumento
da prevalência entre crianças e jovens e à necessidade de intervenção
específica junto destas faixas etárias, verificando-se, no entanto, que este
percurso tem sido mais lento.
Pode ainda concluir-se que a inexistência de uma preocupação formal com a
obesidade infantil e dos jovens, no sentido da sua priorização enquanto
problema, não limitou as respostas ao mesmo, pois existiam conhecimento e
recursos para impulsioná-las.
No entanto, a subscrição da Carta Europeia de Luta Contra a Obesidade pelo
governo português determinou o assumir de uma prioridade política, verificando-
se que a existência de um referencial de liderança e ação41 deu uma nova
dimensão ao problema, sendo possível estabelecer correspondência entre os seus
princípios e as orientações estratégicas do PNS 2012-2016.