Doença de Addison e Gravidez
INTRODUÇÃO
A doença de Addison é uma entidade rara, que atinge
uma em cada 10.000 mulheres e afecta cerca de uma em
cada 12.000 gestações (1). Com o advento da
corticoterapia, a gravidez tornou-se mais frequente neste
grupo de pacientes, já que a insuficiência da supra-renal,
quando não tratada, reduz a fertilidade. Este trabalho tem
como objectivo avaliar a evolução da gravidez decorrente
em mulheres com diagnóstico de doença de Addison
prévio à gravidez.
MÉTODOS
Foi efectuado um estudo retrospectivo num grupo de
4 grávidas admitidas no Serviço de Obstetrícia e Medicina
Materno-Fetal do Hospital de Geral de Santo António no
período compreendido entre 1993 a 2005, com diagnóstico
de doença de Addison prévio à gravidez. Os autores
retratam os 4 casos clínicos detalhadamente, com base
na consulta dos respectivos processos clínicos
Caso 1
Mulher de 33 anos, com doença de Addison
diagnosticada em 1981, com história de duas gestações
anteriores não complicadas, engravidou 12 anos após o
diagnóstico. Na altura encontrava-se sob corticoterapia
(hidrocortisona 30 mg/ dia). A terapêutica foi mantida
durante a gravidez e não houve agravamento da doença
de base. A paciente foi vista pela última vez às 28
semanas de gestação e na altura encontrava-se bem. Às
32 semanas de gestação a grávida não compareceu à
consulta e após contacto telefónico com seu familiar, foinos comunicado que tinha tido um parto eutócito no
domicílio, do qual resultou um nado-morto. Não foi possível
estabelecer mais nenhum contacto nem com a paciente,
nem com familiar.
Caso 2
Mulher de 42 anos, VII gesta, V para e um abortamento
espontâneo, com diagnóstico de doença de Addison
desde 1994 (um ano após o último parto) foi referenciada
ao nosso hospital em 2003, às 10 semanas de gestação.
A actual gravidez decorreu sem intercorrências, tal com
as anteriores. No entanto, a grávida referiu alguma astenia
e náuseas durante o primeiro trimestre de gravidez, pelo
que a dose de hidrocortisona foi aumentada de 15 mg
para 30 mg diários e a dose de fludrocortisona manteve-se
em 0,1 mg/dia, durante toda a gravidez, com melhoria
sintomática. Às 39 semanas de gestação, foi submetida
a cesariana por trabalho de parto estacionário, tendo
resultado um recém-nascido de sexo feminino, com 3050
gramas de peso e índice de Apgar 9/10. Quatro dias após
a cesariana, a paciente retomou a sua dose diária de
corticoterapia.
Caso 3
Mulher de 37 anos, com diagnóstico de insuficiência
supra-renal desde 2000, engravidou pela primeira vez 2
anos após, sob corticoterapia (hidrocortisona 30 mg/dia).
Às 33 semanas de gestação, houve necessidade de
aumentar a dose de hidrocortisona para 40 mg/dia,
devido a um quadro de hipoglicemia, tendo revertido
imediatamente. Às 40 semanas de gestação foi submetida
a uma cesariana por falha de indução, tendo resultado
um recém-nascido de sexo masculino, com 2730 g de
peso e índice de Apgar 9/10. A paciente reiniciou a sua
dose de hidrocortisona oral cinco dias após a cesariana.
A criança teve um crescimento e desenvolvimento
favorável, tal como no caso anterior.
Caso 4
Mulher de 23 anos, com doença de Addison
diagnosticada em 1997, engravidou pela primeira vez 7
anos após, sob um regime diário de 30 mg de
hidrocortisona. Às 14 semanas de gestação a grávida
referiu astenia e fadiga, pelo que a dose de hidrocortisona
foi aumentada para 35 mg/dia, com melhoria da
sintomatologia, tendo-se mantido esta dose durante toda
a gravidez. Às 39 semanas de gestação foi submetida a
uma cesariana por falha de indução, tendo resultado um
recém-nascido de sexo masculino, 3400 gramas de peso
e índice de Apgar 9/10. Após cesariana, a paciente
reiniciou a sua dose de corticoterapia habitual. Neste
momento, o recém-nascido encontra-se bem de saúde.
DISCUSSÃO
O diagnóstico da doença de Addison durante a gravidez
torna-se difícil, uma vez que os níveis de cortisol
encontram-se elevados e os de ACTH mantêm-se
constantes até ao terceiro trimestre de gravidez. Deste
modo, apenas alguns casos de doença de Addison
associados à gravidez estão descritos na literatura. Em
1953, e mesmo antes dos corticoesteróides se tornarem
disponíveis, Hunt (2) descreveu um grupo de 50 grávidas
com doença de Addison, sugerindo que a insuficiência da
supra-renal, quando não tratada, se associa a uma
redução da fertilidade. Com o advento da corticoterapia,
a gravidez neste grupo de pacientes tornou-se muito
mais frequente. Em 1972, Khunda (3) descreveu pela
primeira vez um caso de uma mulher infértil com doença
de Addison, que respondeu favoravelmente à
corticoterapia, registando no entanto uma albuminúria
persistente durante a gravidez. Em 1989, Albert (2)
descreveu cinco novos casos de doença de Addison
diagnosticados previamente à gravidez, que resultaram
em seis gestações com desfecho favorável, sob
corticoterapia. Em 2004, Ozdemir (4) relatou um caso
referente a uma grávida com doença de Addison
diagnosticada previamente à gravidez, que apresentou
um quadro de hiperemese gravídica. Durante a gravidez
foi submetida a corticoterapia, sem agravamento da
doença de base e com bom desfecho materno-fetal.
Apesar de a gravidez em mulheres com doença de
Addison estar raramente associada a complicações,
estão descritos na literatura alguns casos de morte fetal
intra-uterina, um dos quais numa grávida que desenvolveu
hipertensão e edema durante a gravidez, e outro numa
grávida com placenta prévia que se apresentou às 34
semanas de gestação com uma crise addisoniana, sem
diagnóstico prévio de doença de Addison (1). Há outra
referência na literatura, que data de 1967, de um recém-
nascido que morreu imediatamente após o parto devido
a patologia cardíaca (1). O aumento dos níveis séricos da
globulina que se liga ao cortisol circulante, secundário ao
hiperestrogenismo inerente à gravidez, resulta numa
exposição tanto para a mãe como para o feto de níveis
elevados de corticoesteróides, o que poderá explicar a
morte fetal intra-uterina. Nas gestações decorrentes em
mulheres com doença de Addison, existe uma maior
incidência de abortamento e prematuridade, embora a
maioria das gestações descritas tenham sido de termo.
Na presença de sintomas ou sinais de fadiga, náuseas e
hipoglicemia, como nos casos descritos, a dose de
corticóide tem de ser invariavelmente aumentada.
Na literatura estão descritos apenas seis casos em
que o diagnóstico de doença de Addison foi efectuado
apenas durante a gravidez. Wieacker (1) descreveu um
caso de uma grávida, sem diagnóstico prévio de doença
de Addison, cuja manifestação inicial da doença foi uma
crise addisoniana às 8 semanas de gestação. George (5)
por sua vez, descreveu dois outros casos cuja
manifestação inicial foi também uma crise addisoniana
às 18 e 31 semanas de gestação, respectivamente. De
facto o aparecimento de sintomas tais como fadiga e
náuseas durante a gravidez, pode ser interpretado como
inerente à própria gestação e deste modo mascarar uma
insuficiência da supra-renal. Apenas 11 casos de doença
de Addison foram diagnosticados no puerpério. Perlitz
(6) descreveu um outro caso que ocorreu 24 horas após
a cesariana, e cujos sintomas iniciais foram hipoglicemia
e coma. Na primeira semana após o parto ocorre uma
diminuição dos níveis de cortisol para valores observados
previamente à gravidez, o que poderá explicar o
aparecimento destes sintomas no puerpério. As grávidas
com história de cirurgia supra-renal prévia e com um
quadro de doença de Addison sub-clínico devem ser
submetidas a uma monitorização apertada, bem como
corticoterapia durante a gravidez. Durante o trabalho de
parto, a dose de corticóide deve ser aumentada e pelo
menos até ao sexto dia pós-parto, altura em que a
produção de corticóides endógena retorna ao normal (3).
De facto, o período crítico neste grupo de grávidas reside
no pós-parto imediato, altura em que ocorre diminuição
brusca dos níveis de cortisol para níveis prévios aos da
gravidez, culminando por vezes numa crise addisoniana,
uma complicação potencialmente fatal (5).
O parto deve ser preferencialmente por via vaginal. A
cesariana deve ser efectuada apenas por razões
obstétricas, assim como no trabalho de parto prolongado,
segundo alguns autores, uma vez que este se associa a
alterações hidroelecrolíticas maternas graves. A atitude
a ter perante um recém-nascido não é consensual. Alguns
autores recomendam o estudo electrolítico, bem como o
uso de corticoterapia no recém-nascido, embora outros
advoguem não ser necessário qualquer tipo de tratamento
(3).
A vigilância apertada da gravidez e a manutenção de
um meio hormonal equilibrado, são fundamentais na
obtenção de bons resultados materno-fetais. A nossa
série, à semelhança daquelas descritas na literatura,
demonstra como a doença de Addison e gravidez não
são incompatíveis, desde que fornecida uma terapia de
substituição adequada.