Combate e Gestão da Epidemia de VIH/SIDA: Proposta para Optimizar a Política de
Prevenção e de Diagnóstico Precoce
Combate e Gestão da Epidemia de VIH/SIDA
Proposta para Optimizar a Política de Prevenção e de Diagnóstico Precoce
Khalid Fekhari
Instituto Piaget - Campus Académico de Viseu
Fundamentação
• Situação epidemiológica preocupante e fraca fiabilidade dos dados
A nível europeu, Portugal apresenta a segunda maior taxa, a seguir à Estónia
(1), de novos casos de infecção por VIH em 2006 (205 casos por milhão de
habitante). Além disso, uma pessoa infectada em cada três ignora-o, não sabe
que está infectada pelo VIH.
Para lutar contra a epidemia de VIH/SIDA, impõe-se um conhecimento o mais
preciso possível da realidade epidemiológica assim como da realidade
sociocultural em que ela se inscreve. Ora, essa realidade é ainda mal
conhecida. Há falta de dados epidemiológicos fiáveis e consistentes e há falta
de trabalhos de investigação no campo do VIH/SIDA, tanto a nível da
epidemiologia como das ciências sociais, particularmente qualitativos.
• Consequências nefastas e custos elevados de uma prevenção insuficiente
O cenário de diagnóstico e tratamento precoces representa um benefício em
termos de saúde pública. No entanto, o teste só se realizará em maior escala se
as pessoas estiverem sensibilizadas para a importância do diagnóstico, se o
acesso ao teste for facilitado, se as pessoas tiverem informação sobre a doença
e se não houver discriminação das pessoas infectadas. Em Portugal, isso não
acontece. A população portuguesa apresenta ainda importantes falhas a nível da
informação e continua a estar insuficientemente sensibilizada para o problema da
epidemia de VIH/SIDA (2).
• Consequências e custos do diagnóstico tardio
As pessoas só podem tratar-se se souberem que estão infectadas. Há portanto um
benefício individual no incentivo do diagnóstico precoce. E há também um
benefício colectivo, pois deixar as pessoas na ignorância do seu estatuto
serológico diminui as possibilidades de elas modificarem o seu comportamento no
sentido de adoptarem medidas de protecção. As pessoas mudam os seus
comportamentos (no sentido de não infectarem outras pessoas) quando sabem que
estão infectadas.
O diagnóstico tardio da infecção por VIH tem um impacto negativo quer para as
pessoas quer para o Sistema Nacional de Saúde. O diagnóstico e o acesso aos
cuidados de saúde precoces garantem um maior custo - eficácia em termos de
recursos financeiros e humanos, e benefícios em termos de redução da morbilidade
e da mortalidade das pessoas infectadas. O diagnóstico precoce representa um
benefício individual e colectivo. Um benefício individual porque se o
diagnóstico for feito antes do sistema imunitário estar muito debilitado e se o
paciente beneficiar de cuidados de saúde adequados, há um menor risco de
morbilidade e de mortalidade. Um benefício colectivo porque os comportamentos
de risco são muito menores quando as pessoas sabem que estão infectadas e
porque os cuidados de saúde às pessoas diagnosticadas precocemente são menos
dispendiosos para o Sistema Nacional de Saúde do que nos casos em que as
pessoas são diagnosticadas tardiamente, já têm o sistema imunitário muito
debilitado e morbilidades associadas, tendo um maior risco de mortalidade e
menores hipóteses de eficácia dos tratamentos.
Vários estudos, entre os quais o do Prof. Julio Montaner (3), mostram que o
custo financeiro de um cenário de diagnóstico e tratamento precoces é menor do
que o de um cenário de não utilização de tratamentos anti-retrovirais, ou seja,
não recorrer aos tratamentos fica mais caro a médio e longo prazo.
PROPOSTAS
• Questionar a actual política de prevenção e diagnóstico
Há que levantar a questão dos diagnósticos opt-in / opt-out (4), face à
constatação da necessidade da oferta de testes de diagnóstico que procure
chegar às pessoas mais vulneráveis, das dificuldades de acesso ao diagnóstico e
aos cuidados de saúde das populações mais vulneráveis, nomeadamente os
imigrantes em situação de ilegalidade. É necessário desdramatizar a prática do
teste.
O diagnóstico faz parte da prevenção, é um instrumento importante na prevenção
do VIH/SIDA. Também a educação sexual é um instrumento de prevenção
negligênciado em portugal.
Por fim, a investigação deve ser desenvolvida pois não se pode agir eficazmente
se não se conhecer bem a realidade.
• Detectar as limitações e disfunções do sistema actual
Urge perceber as condições dos comportamentos de risco, as percepções que as
pessoas têm do risco; porque chegam tarde ao diagnóstico; avaliar a
estigmatização; perceber as consequências da discriminação dos seropositivos
para os comportamentos de risco e, por conseguinte, para a situação da
epidemia.
O medo da estigmatização constitui um obstáculo ao diagnóstico. A discriminação
favoriza os comportamentos de risco e a má adesão terapêutica (5). É necessário
acabar com as atitudes e práticas que perpetuam a estigmatização das pessoas
infectadas pelo VIH, acabar com as reticências dos profissionais de saúde à
proposição do teste, acabar com os entraves burocráticos aos cuidados de saúde
e promover a educação terapêutica.
A falta de informação e a marginalização de certas pessoas constituem uma
ameaça à saúde pública. Com efeito, as pessoas que não têm uma auto-percepção
do risco e as pessoas marginalizadas são diagnosticadas tardiamente. Existem
ainda, em Portugal, problemas de não interiorização do risco autoreferente, de
informações distorcidas ou mesmo erradas, de falsas crenças e medos
irracionais, de perpetuação das atitudes e actos de discriminação das pessoas
infectadas, recentemente reavivados pelo caso do cozinheiro seropositivo cujo
despedimento foi apoiado pelos tribunais, passando por cima dos pareceres
médicos, agravados pela tradição sensacionalista dos media (6). Os meios de
comunicação social deveriam focar o assunto com informações cientificamente
verdadeiras e não ambíguas. O meio laboral é também outro ambiente em que
deveria circular mais informação sobre o VIH (7).
• Implementar uma política incitadora e facilitadora do teste de diagnóstico do
VIH
É necessário desenvolver a informação, sensibilização e educação da população
em relação à sexualidade em geral e às infecções sexualmente transmissíveis em
particular. A par com a sensibilização para a importância do teste é necessário
assegurar um acesso aos cuidados de saúde para todos (inclusive migrantes
indocumentados); a protecção dos direitos humanos; a luta contra as
dicriminações; a educação para a saúde e a educação sexual para a população
mais jovem.
É necessário acabar com a estigmatização e a discriminação das pessoas
seropositivas assim como com a penalização da transmissão viral. A
estigmatização e a discriminação dos seropositivos desencorajam a realização do
teste, além de constituírem um desrespeito pelos direitos humanos. O mesmo se
pode dizer das penalizações da transmissão.
O problema da estigmatização dos seropositivos continua a ser um problema
grave. Permanecem discursos de culpabilização das pessoas infectadas, discursos
moralistas, uma judiciarização da vida íntima e um tratamento judicial da
transmissão, muitas vezes longe dos conhecimentos científicos, como é exemplo o
caso do cozinheiro seropositivo (8).
As barreiras ao teste podem ser individuais (como o medo da estigmatização ou o
desconhecimento do dispositivo de diagnóstico) ou estruturais, ligadas ao
sistema de saúde (por exemplo, os horários dos centros de diagnóstico ou a sua
localização).
É necessário um conhecimento preciso da realidade da prevalência; estudos que
ajudem a compreender as barreiras ao teste; avaliar os problemas de
estigmatização e os impactos da criminalização da transmissão viral.
A nível europeu, o diagnóstico precoce do VIH/SIDA é uma preocupação e vários
países estão a definir linhas de acção para o diagnóstico e os cuidados de saúde
precoces. De lembrar que o Parlamento Europeu adoptou recentemente uma
resolução nesse sentido. Há que replicar as boas práticas dos outros países
europeus.