Diagnóstico e Tratamento do Hipogonadismo Masculino Tardio
Fisiologia do eixo hipotálamo-hipófise-testicular
A produção de GnRH (Gonadothropin Releasing Hormone) pelo hipotálamo é regulada
por sinais estimulantes ou inibitórios, que têm origem no córtex cerebral e que
são mediados por neurotransmissores. A sua libertação leva à produção e
libertação de gonadotropinas, a FSH (Follicle-Stimulating Hormone) e a LH
(Luteinizing Hormone) (1), verificando-se que a cada pulso de LH corresponde um
pulso hipotalâmico de GnRH (2). Estas hormonas, por sua vez, actuam a nível
gonádico levando à produção de testosterona (T) e contribuindo, de modo
fundamental, para a espermatogénese. A LH estimula as células de Leydig a
produzir T a partir do colesterol e a FSH estimula as células de Sertoli a
produzir espermatozóides. Para que a espermatogénese seja qualitativa e
quantitativamente eficaz é essencial a presença de níveis adequados de T nos
túbulos seminíferos (1). A prolactina (PRL) potencia a acção da LH nas células
de Leydig.
A FSH induz ainda a produção, pelas células de Sertoli, da proteína de ligação
aos androgénios e da inibina B. Esta última suprime a espermatogénese por
efeito parácrino e, indirectamente, pela supressão da FSH (feedback negativo)
(1). A T e os seus metabolitos, o 17-beta estradiol (E2) e a di-
hidrotestosterona (DHT), suprimem também a produção de gonadotropinas por um
mecanismo de feedback negativo sobre o hipotálamo e a hipófise anterior.
É interessante recordar outras condicionantes da produção de T, nomeadamente o
efeito da luz e a existência de um ritmo circadiano e circanual. É bem
conhecida a produção de T pelo efeito da luz solar na pele, em particular na
pele dos órgãos genitais. Verifica-se ainda que os seus níveis urinários se
elevam na primavera e no verão, sendo cerca de um terço mais elevados no fim do
mês de Agosto, comparativamente ao mês de Fevereiro (3,4). A produção de T no
jovem adulto saudável é também variável ao longo do dia. Este ritmo circadiano
caracteriza-se por concentrações máximas de madrugada e concentrações mínimas
ao anoitecer. O ritmo circadiano de produção de T desvanece-se com o
envelhecimento (5).
Testosterona e órgãos-alvo
Em circulação, a T existe sob três formas. A T pode encontrar-se ligada à SHBG
(sex hormone binding globulin), forma esta que não está imediatamente
disponível para os órgãos-alvo, já que a ligação é forte. Pode ainda ser
encontrada em ligação com a albumina, uma ligação mais fraca, o que a torna
facilmente disponível para os órgãos-alvo. Uma pequena percentagem de T, 1 a
2%, circula livremente (T livre). A T total (100%) resulta da soma das três
formas em circulação. A T biodisponível (60%) é a fracção correspondente à soma
da T livre com a T ligada à albumina (6).
Determinados tecidos requerem a configuração da DHT, obtida pela acção da 5a-
reductase, de modo que o efeito androgénico seja máximo. A T pode ainda ser
aromatizada em E2, que exerce os seus efeitos ligando-se aos receptores
estrogénicos (1).
Funções da testosterona
A T contribui para o aumento da força e volume muscular, influencia a síntese
hepática de proteínas séricas, actua no tecido adiposo, reduzindo a massa
gorda, acelera o crescimento linear dos ossos e é importante no encerramento
das epífises, durante a puberdade, e na manutenção da densidade mineral óssea.
Tem ainda um papel a nível cerebral influenciando a líbido, a agressividade e a
cognição. É também determinante na distribuição da pilosidade corporal e facial
com padrão masculino, no desenvolvimento de calvície e na produção de sebum na
pele. Tem efeitos hematológicos, aumentando a hemoglobina e o hematócrito,
através da actuação directa na medula óssea, onde estimula as stem cells,ou no
rim, estimulando a produção de eritropoietina. Contribui também para o
crescimento peniano, a espermatogénese, o crescimento e a função prostática
(1).
Hipogonadismo
O hipogonadismo no homem é um síndrome clínico que resulta da falência do
testículo na produção de níveis fisiológicos de T e na produção de um número
normal de espermatozóides, devido à disrrupção em um ou mais níveis do eixo
hipotálamo-hipófise-gonádico (5).
A falência testicular primária resulta em níveis baixos de testosterona,
alteração da espermatogénese e elevação dos níveis de gonadotropinas. A
falência testicular secundária associa-se a níveis baixos ou normal-baixos de
gonadotropinas e a níveis reduzidos de T.
Existem ainda indivíduos com hipogonadismo de etiologia primária e secundária
em simultâneo, estando inseridos neste grupo muitos dos indivíduos com
hipogonadismo de aparecimento tardio (7).
Envelhecimento endócrino
Durante o envelhecimento assiste-se a um declíneo da função de diferentes
sistemas hormonais, nomeadamente a uma diminuição da secreção de hormona de
crescimento, com consequente diminuição dos níveis de IGF-1 (somatopausa),
diminuição da libertação de LH e FSH e da produção de estradiol e testosterona
(menopausa e andropausa) e a uma diminuição da actividade das células do córtex
da supra-renal, produtoras de di-hidroepiandrostenediona (adrenopausa), sem que
se observem alterações significativas nos níveis de ACTH e cortisol. Pensa-se
que, de facto, exista um pacemaker central a nível do hipotálamo ou em áreas
cerebrais superiores, que associadamente às alterações nos órgãos periféricos
(ovários, testículos, supra-renal), regule o processo do envelhecimento destes
eixos endócrinos (1).
Hipogonadismo de aparecimento tardio
O hipogonadismo associado à idade não se desenvolve tão claramente no homem
como na mulher. Os níveis de androgénios diminuem de forma gradual e
frequentemente subtil (vs diminuição brusca da produção de estrogénios na
mulher, justificando o termo menopausa). Este declínio nos níveis de T,
quando associado a sinais ou sintomas, tem sido chamado de andropausa, mas este
termo foi substituído por (partial) androgen deficiency of the aging male (
[P]ADAM) ou late onset hypogonadism (hipogonadismo de aparecimento tardio), já
que a redução da produção é gradual, e não brusca (8).
A apresentação clínica pode variar em diferentes indivíduos. Habitualmente os
doentes referem que já não são capazes de fazer algo que habitualmente faziam,
sentindo sobretudo falta de energia. Verifica-se, geralmente, uma acumulação de
gordura corporal e uma diminuição da força muscular. Dado que a testosterona é
necessária para a manutenção da densidade mineral óssea, o indivíduo pode
apresentar osteoporose, fracturas ou dor lombar. Quando a descida dos níveis é
marcada, pode ocorrer diminuição da pilosidade corporal ou outras queixas
inespecíficas como a fadiga, a ausência de sensação de bem-estar, a falta de
energia ou alterações do humor.
No que respeita à função sexual, não se mostrou a existência de uma correlação
entre esta e os níveis de T, se estes se encontrarem no intervalo normal.
Contudo, verifica-se a diminuição da líbido e da potência sexual em indivíduos
com níveis de T reduzidos. Não esquecer, contudo, que no homem idoso
hipogonádico, a disfunção eréctil é geralmente multifactorial (6).
Há alguns anos, apenas as implicações na função sexual alertariam para o défice
hormonal. Actualmente, sintomas inespecíficos no homem de meia-idade devem
levar à ponderação desta hipótese diagnóstica (6).
A diminuição dos níveis de T total e livre associada à idade foi confirmada em
vários estudos longitudinais e transversais. Resulta de alterações da função
testicular e hipotálamo-pituitária (9,10).
A resposta da T à LH e da LH à GnRH estão atenuadas em comparação com
indivíduos mais jovens e também ocorrem alterações nos mecanismos de feedback.
A elevação da LH é inferior ao que se esperaria (normal ou apenas ligeiramente
aumentada) para os níveis reduzidos da T, reflectindo uma atenuação da função
hipofisária e umreajustamento do gonadostato (1). No entanto, podemo-nos
deparar com níveis de LH e FSH reduzidos, elevados ou inapropriadamente
normais.
Os níveis de T livre e biodisponível são baixos. Os níveis de T total são
baixos ou normal-baixos. A SHBG encontra-se frequentemente elevada. A
testosterona livre desce mais rapidamente na idade avançada, devido ao aumento
da SHBG (1).
Este declíneo nos níveis de testosterona total inicia-se depois dos 30 anos.
OBaltimore Longitudinal Study of Agingestudou a prevalência de hipogonadismo de
aparecimento tardio e verificou, na oitava década, uma prevalência de T total
baixa de 30% e de T livre de 50% (10).
Em estudos transversais, a descida anual na T total e livre é de 1,0% e 1,2%,
respectivamente (11). A taxa de declínio da T associada à idade varia, no
entanto, em diferentes indivíduos (10,12).
O Massachusetts Male Aging Study(9) foi o estudo em que pela primeira vez se
estimou a prevalência e a incidência do défice de androgénios em adultos/idosos
saudáveis, num estudo prospectivo longitudinal, usando critérios de diagnóstico
tanto clínicos como bioquímicos. Foi feito um seguimento de 1691 homens por um
período médio de 8,8 anos, com idades compreendidas entre os 40 e 69 anos (9).
A prevalência do défice sintomático de androgénios basal e durante o seguimento
foi de 6 e 12,3%, respectivamente (9). A prevalência aumentou
significativamente com a idade. De acordo com estes dados previa-se uma
incidência de 481.000 novos casos de défice de androgénios/ano em homens
americanos com idades compreendidas entre 40 e 69 anos (13).
O EPIC-Norfolk Study (14) é um estudo prospectivo caso-controlo, que estabelece
a relação entre os níveis de T e a mortalidade devida a todas as causas, a
doença cardiovascular e cancro. Mais de 11500 homens, com idades compreendidas
entre os 40 e 79 anos, foram introduzidos entre 1993 e 1997 e seguidos até
2003. Os níveis de T no início do estudo mostraram-se inversamente
proporcionais à mortalidade por todas as causas (825 mortes), mortalidade por
doença cardiovascular (369 mortes) e mortalidade por cancro (304 mortes). Um
aumento da T em 6 nmol/L (~1DP) associou-se a um odds ratio de 0,81 para a
mortalidade. Concluiu-se que a concentração de T se associa inversamente com a
mortalidade por doença cardiovascular e por todas as causas (14). Assim, os
níveis baixos de T poderiam ser considerados como factor preditivo de doença
cardiovascular (14).
Diagnóstico
O diagnóstico de hipogonadismo deve ser considerado apenas no homem com sinais
e sintomas compatíveis em associação com níveis baixos de T plasmática (15). O
limiar de T abaixo do qual ocorrem sintomas de défice de androgénios e efeitos
adversos não é conhecido e pode ser dependente da idade. Além disso, o nível de
T abaixo do qual se obtém benefícios com a administração exógena também é
desconhecido e pode variar entre indivíduos e em diferentes órgãos-alvo (15-
17). Assim, a evidência actual não sustenta o uso de um limiar arbitrário
abaixo do qual exista um défice sintomático de androgénios e que confirme o
diagnóstico de hipogonadismo em todos os indivíduos (15). O limite inferior do
normal é, provavelmente, o ponto mais controverso deste tema.
Na prática clínica, cada laboratório deverá desenvolver o seu próprio intervalo
de referência e deve ser considerado como limiar o limite inferior da
normalidade para jovens saudáveis. Os doseamentos devem ser feitos entre as 7 e
as 10h00, quando ocorre o pico de secreção, no contexto da variação diurna da T
no homem jovem (6).
Recomenda-se, como teste inicial, o doseamento da T total de manhã, no período
de tempo já mencionado. Se se detectarem níveis baixos, deve-se confirmar o
diagnóstico, repetindo o doseamento da T total de manhã e, em alguns
indivíduos, o doseamento da T livre ou biodisponível (15). A determinação da T
biodisponível pode ser obtida por cálculo (métodos de Vermeulen e Sodergard) ou
por método laboratorial. Este último, utilizando a precipitação da SHBG, por
exemplo, por sulfato de amónia ou pela concanavalina-A, com posterior
doseamento de T por cromatografia líquida-espectometria de massas em tandem,
associa-se a resultados mais fiáveis do que os determinados por cálculo (18).
Na interpretação destes resultados deverá ter-se em consideração o seguinte:
30% dos homens com um primeiro doseamento indicando hipogonadismo ligeiro podem
apresentar um valor normal na repetição; 15% dos homens jovens saudáveis podem
apresentar um nível de testosterona abaixo do limite inferior da normalidade
durante as 24 horas (19); a existência de um ritmo circadiano, ritmo circanual,
a secreção episódica, a existência de variações entre doseamentos e entre
métodos. Os níveis hormonais podem também ser afectados por doença e pela
influência de certos fármacos (por exemplo, opiáceos e glucocorticóides).
Alterações da concentração da SHBG podem também alterar os doseamentos de T
(15). Atender ao facto de os níveis de SHBG se elevarem nas seguintes
condições: envelhecimento, cirrose hepática, hipertiroidismo, uso de
anticonvulsivantes, uso de estrogénios e infecção por HIV (15). Estão
diminuídos os níveis de SHBG em doentes com obesidade moderada, síndrome
nefrótico, hipotiroidismo e naqueles que tomam glicocorticóides, progestagéneos
e esteróides androgénicos (15).
Nas suas recomendações de tratamento, a ISA - International Society of
Andrology, a ISSAM - International Society for the Study of the Aging Malee a
EAU ' European Association of Urologyrecomendam a reposição com testosterona se
T total for inferior a 2,3 ng/ml (8,0 nmol/l). Perante valores de T total de
2,3 a 3,5 ng/ml, sugere-se aprofundamento da investigação e se T total superior
a 3,5 ng/ml (12,2 nmol/l) não existe necessidade de tratamento (20). No seu
algoritmo de investigação, a Endocrine Society considera baixos os valores de T
total inferiores a 300 ng/dl (10,4 nmol/l) (15). Contudo, como já referido,
chama-se a atenção para o facto de o limite inferior do intervalo de referência
poder ser diferente em diferente laboratórios (limite inferior do normal para o
jovem adulto). Este valor deverá ser confirmado com um segundo doseamento de T
total ou T livre/biodisponível, quando se suspeita de alteração dos níveis de
SHBG. Deve ainda excluir-se a presença de condições que possam interferir com
os níveis de T como doença, certos fármacos ou o défice nutricional. Os níveis
de LH e FSH devem também ser doseados. Se estes doseamentos são compatíveis com
hipogonadismo secundário, deverá ser excluída hiperprolactinemia, hemocromatose
(saturação da transferrina) e outras doenças infiltrativas, apneia obstrutiva
do sono e causas genéticas. A determinação de outras hormonas produzidas pela
adeno-hipófise é importante na suspeita clínica de hipopituitarismo ou se o
hipogonadismo for grave (T total <150 ng/dl). Deverá pedir-se RMN hipofisária
para exclusão de doença infiltrativa, tumor hipofisário ou hipotalâmico quando
se está perante hipogonadismo secundário grave, pan-hipopituitarismo,
hiperprolactinemia persistente ou sinais e sintomas de efeito de massa (5).
Segundo a European Association of Urology, se a repetição do doseamento de T
total cai na zona cinzenta (valores entre 2,3 e 3,5 ng/ml) pode recorrer-se a
outros métodos para esclarecimento: T livre, T biodisponível (após precipitação
da SHBG por sulfato de amónia) ou o doseamento da SHBG e cálculo da T livre ou
T biodisponível (20).
Se os níveis de T total e livre se encontram nesta zona cinzenta e existem
sintomas compatíveis com hipogonadismo é legítimo tentar-se uma prova
terapêutica com testosterona de curta duração de acção e por um curto período
de tempo, por exemplo, durante 3 meses (6).
Segundo as recomendações da Endocrine Society, o tratamento pode ser iniciado
em homens sintomáticos e com níveis baixos de T, com o objectivo de induzir e
manter as características sexuais secundárias, melhorar a função sexual, a
sensação de bem-estar, a massa e a força musculares e a densidade mineral óssea
(5).
No que respeita a homens com baixos níveis de T e diminuição da líbido e/ou
disfunção eréctil, é sugerida o tratamento com testosterona após avaliação de
causas subjacentes de disfunção eréctil e consideração de terapêuticas já
estabelecidas.
Tratamento
O início da terapêutica deve ser considerado, individualmente, após discussão
das incertezas sobre riscos e benefícios da terapêutica com testosterona no
homem com hipogonadismo de aparecimento tardio.
Não se chegou a acordo relativamente ao nível de T abaixo do qual o tratamento
deva ser oferecido ao indivíduo sintomático. Dependendo da gravidade das
manifestações clínicas, alguns estudos defendem o tratamento de homens
sintomáticos com níveis de T inferiores a 3 ng/ml (10,4 nmol/l), enquanto
outros preferem um nível inferior a 2 ng/ml (6,9 nmol/l). Faz-se ainda uma
recomendação contra uma política geral de tratamento de todos os homens idosos
com baixos níveis de testosterona (5).
No mercado nacional e internacional podem ser encontradas diferentes
formulações de testosterona. Recomenda-se a utilização semanal de 75 a 100 mg
de enantato ou cipionato de testosterona, por via intramuscular, ou 150 a 200
mg a cada 2 semanas (Testoviron® Depot/Sustenon 250®). Os adesivos
transdérmicos não genitais de 5 mg de testosterona (Testopatch®) podem ser
aplicados durante a noite na pele do dorso, coxa, ou parte superior do braço,
afastados de áreas de pressão. A testosterona existe ainda sob a forma de gel
que deve ser aplicado diariamente sobre área de pele não exposta e não genital.
São geralmente usados 5 a 10 g de gel de testosterona (Testim®/Testogel®). A
testosterona bucal bioadesiva (Striant® 30 mg) pode ser aplicada na mucosa oral
duas vezes por dia. O undecanoato de testosterona está disponível em formulação
oral, 40 a 80 mg (Andriol T®) administrados duas a três vezes por dia com as
refeições, ou injectável (Nebido®), administrado a cada 10 a 14 semanas, a
última sendo a opção mais cómoda, mas também a mais dispendiosa (5).
O objectivo do tratamento é atingir-se um valor de T total na parte inferior do
intervalo de referência para o homem jovem [400'500 ng/dl (14,0 '17,5 nmol/l)].
As formulações terapêuticas devem ser escolhidas de acordo com a conveniência
para o doente, a farmacocinética, a dose necessária e os custos inerentes.
Monitorização do tratamento
Recomenda-se uma reavaliação três meses após o início do tratamento e, depois,
anualmente para constatação da melhoria dos sintomas e aferição da existência
de efeitos adversos (5).
Os indivíduos tratados com preparações de cipionato ou enantato de
testosterona, devem fazer os doseamentos de monitorização a meio do intervalo
entre injecções5. Se a T for superior a 7 ng/ml (24,5 nmol/l) ou inferior a
3,50 ng/ml (12,3 nmol/l), deve ajustar-se a dose ou a frequência das
administrações. Em doentes tratados com adesivo transdérmico, os doseamentos
devem efectuar-se 3 a 12 h após a aplicação do adesivo. Quando se usa gel
transdérmico o doseamento pode ser feito em qualquer altura a partir de 1 a 2
semanas depois do início do tratamento. Se o doente usa a testosterona bucal
bio-adesiva os doseamentos fazem-se imediatamente antes ou depois de nova
aplicação. A utilização de undecanoato de testosterona oral implica o
doseamento 3 a 5 h após ingestão. Se se utilizar undecanoato de testosterona
injectável, deve-se dosear imediatamente antes de uma nova injecção (5).
Recomenda-se sempre, a cada visita, a avaliação de sinais e sintomas de efeitos
adversos específicos para cada formulação. Em doentes medicados com ésteres de
testosterona injectáveis questionar sobre possíveis flutuações do humor e da
líbido e dosear hematócrito, para detecção precoce de eritrocitose excessiva,
especialmente nos mais idosos. Os indivíduos que usam preparações transdérmicas
podem apresentar reacções cutâneas locais. Com a formulação em gel, deve
proteger-se a área de aplicação com roupa e lavar a pele antes de se
estabelecer contacto directo com outras pessoas, já que o seu resíduo pode ser
transferido para outros. A testosterona bucal bio-adesiva pode provocar
alterações no paladar, bem como irritação da mucosa oral (5).
Benefícios terapêuticos
Os potenciais benefícios terapêuticos associados ao tratamento substitutivo com
testosterona estão sumarizados na tabela_1
e pormenorizados no texto que se segue.
Densidade mineral óssea (DMO)
Estudos randomizados controlados por placebo com 1 a 3 anos de duração que
avaliaram o efeito do tratamento destes indivíduos na DMO mostram resultados
imprecisos e inconsistentes. Kenny e colaboradores seguiram indivíduos tratados
durante um ano e não verificaram benefícios significativos a este respeito
(21). Dois estudos mais longos mostraram um efeito moderado na DMO lombar
(aumento de 2%) mas não a nível do colo do fémur (22-3).
Não existem estudos sobre o efeito da testosterona no risco de fracturas
ósseas, no entanto, a razão de risco aumenta com o grau de hipogonadismo.
Recomenda-se a determinação da DMO em homens com défice de androgénios grave ou
que apresentem fracturas desproporcionais ao trauma. Deve repetir-se a
determinação da DMO da coluna lombar e do colo do fémur 1 a 2 anos após início
do tratamento no homem com osteoporose ou com fracturas desproporcionais ao
trauma (5).
Composição corporal
Num estudo que envolveu 96 homens com mais de 65 anos tratados com testosterona
ou placebo durante 36 meses, verificou-se aumento dos níveis de T de 367 ± 7,9
ng/dL para 625 ± 249 ng/dL (P <0,001) após 6 meses de tratamento, tendo-se
mantido os níveis até ao final do estudo23. Neste estudo, verificou-se a
diminuição da massa gorda (-3,0±0,5 kg) (P < 0,005) e o aumento da massa magra
(1,9±0,3 kg) (P < 0,01) no grupo tratado com testosterona, resultados
significativamente diferentes dos observados no grupo placebo (23).
Em diferentes estudos o tratamento associa-se a um aumento significativo na
massa magra e a uma maior redução da massa gorda relativamente aos doentes a
tomar placebo, sem que contudo se observem alterações significativas no peso
entre os grupos (22-7).
Força muscular e capacidade física
No que respeita aos membros superiores, em diferentes estudos, o tratamento com
testosterona associou-se a um aumento na força de preensão em comparação com os
grupos placebo (3,3 kg; IC95%: 0,7; 5,8) (28-30). As alterações na força
muscular dos membros inferiores e medidas de capacidade física estão descritas
em poucos estudos e os dados são inconsistentes.Um estudo em particular não
mostrou diferenças significativas na capacidade física (força de extensão e
flexão do joelho a 60 e 180º, força de preensão, velocidade da caminhada) entre
os 2 grupos (23).
Um outro estudo, randomizado e controlado por placebo, que envolveu 70 homens
com idade superior a 65 anos, com níveis de T inferiores a 3,5 ng/mL, comparou
o tratamento de testosterona com ou sem finasteride durante 36 meses. Três anos
depois, verificou-se uma melhoria dos tempos de performance física, aumento da
força de preensão e força dos membros inferiores no grupo tratado com
testosterona independentemente da co-administração de finasteride. Verificou-se
ainda um aumento significativo da massa magra (+3,8 kg) e da DMO na coluna
lombar (+10,2 ± 1,4%) e na anca (+2,7 ± 0,7%) (29).
Líbido e disfunção eréctil
Para níveis de T inferiores a 3 ng/ml, o estudo mais longo que avaliou os
efeitos da reposição de testosterona na líbido, teve uma duração de seguimento
de 6 meses. Os resultados foram inconsistentes, mas à semelhança de outros
estudos favorecem uma melhoria deste parâmetro (31-5). Em homens com disfunção
eréctil ou diminuição da líbido, com níveis de T superiores a 3 ng/ml, não se
observaram efeitos significativos na líbido (36-8).
Jain e colaboradores fizeram uma meta-análise de 16 estudos publicados, tendo
concluído uma melhoria da DE em 57% dos indivíduos (39). Quatro estudos
randomizados controlados por placebo, dois dos quais paralelos e dois cruzados,
que envolveram doentes com níveis de T inferiores a 3 ng/ml, mostraram
resultados inconsistentes no que respeita aos efeitos na disfunção eréctil
(31,32,36,40).
Em estudos que se debruçaram sobre o efeito da testosterona na líbido e na
disfunção eréctil em homens hipogonádicos, o tratamento associou-se a melhoria
mais acentuada na líbido e a melhorias não significativas da disfunção eréctil
em comparação com os grupos placebo (5).
Outros efeitos sexuais
No que respeita a outros outcomes como o orgasmo, a função ejaculatória, a
actividade sexual e a satisfação sexual, dois estudos controlados com placebo
revelaram resultados positivos, não significativos, no grau de satisfação
sexual (32,41). No geral, o tratamento com testosterona é positivo, mas os
dados derivam de alguns estudos com resultados inconsistentes e incompletos o
que impede extrapolações seguras.
Qualidade de vida (QdV)
Quatro estudos randomizados controlados por placebo referiram-se aos efeitos do
tratamento na QdV. Os resultados foram inconsistentes e imprecisos. Apenas se
verificou melhoria significativa no domínio da função física (42-45).
Depressão
O tratamento com testosterona melhora os aspectos positivos do humor e reduz os
aspectos negativos (46). Estudos não controlados mostram melhoria na energia e
sensação de bem-estar com o tratamento (47).
Uma revisão sistemática de 3 estudos randomizados não encontrou efeitos
significativos do tratamento com testosterona, durante 3 ou mais meses, na
depressão em idosos com níveis baixos ou normal-baixos de T (32, 42,48).
Os resultados inconsistentes e imprecisos limitam a generalização das
conclusões.
Cognição
Os efeitos da testosterona na função cognitiva são fracamente compreendidos;
alguns estudos mostram efeitos discretos na cognição visuo-espacial, memória
verbal e fluência verbal (49,50).
Três estudos randomizados controlados por placebo, um dos quais estudou doentes
com Doença de Alzheimer com baixos níveis de T, revelam efeitos imprecisos e
não significativos em diversas dimensões do domínio cognitivo (42,51,52).
Risco cardiovascular
Níveis reduzidos de T no homem constituem um factor de risco para o
desenvolvimento de síndrome metabólica e diabetes tipo 2 e associam-se, de
forma independente, com os componentes individuais da síndrome metabólica -
obesidade visceral, resistência à insulina, hiperglicemia, hipertensão e
dislipidemia. Estudos epidemiológicos mostram um aumento da mortalidade em
homens com baixos níveis de T. O tratamento substitutivo associa-se a redução
do perímetro da cintura, do colesterol total e LDL e citocinas pró-
inflamatórias circulantes e melhora a sensibilidade à insulina e o controlo
glicémico em diabéticos. A testosterona apresenta também efeitos benéficos
relacionados com angina pectoris, isquemia miocárdica e insuficiência cardíaca
(53).
Efeitos adversos
A utilização de doses substitutivas de testosterona em homens jovens
hipogonádicos associa-se a baixa frequência de efeitos adversos (54). São
efeitos adversos comuns o aumento do hematócrito, acne, pele oleosa e
hipersensibilidade mamária. É baixa a frequência de aumento mamário, apneia do
sono e alterações prostáticas em estudos com jovens hipogonádicos. A tabela_2
sumariza os potenciais efeitos adversos associados ao tratamento substitutivo
com testosterona.
Hematócrito
A administração de testosterona associa-se a um aumento da hemoglobina que é
dose-dependente. Este aumento é maior em idosos (55). Deve obter-se um
hemograma basal, aos 3 meses e a partir de então, anualmente.Se o hematócrito
aumentar para um valor superior a 54%, deve interromper-se o tratamento até que
haja diminuição para um nível seguro. Deve-se igualmente excluir hipóxia e
apneia do sono. O tratamento pode ser reiniciado com dose mais baixa (5).
PSA e próstata
Num estudo de Snyder e colaboradores, o PSA médio aumentou discretamente aos 6
meses de tratamento com testosterona, com significância estatística (P < 0,001)
e permaneceu relativamente estável até ao final do estudo (56). O PSA médio não
se alterou durante os 36 meses de tratamento no grupo placebo. O fluxo
urinário, volume urinário pós-miccional e o número de eventos prostáticos
clinicamente significativos durante os 3 anos do estudo foram semelhantes nos 2
grupos (56).
Numa revisão sistemática de 19 estudos randomizados com homens idosos, a taxa
combinada de eventos prostáticos foi significativamente maior no grupo tratado
vs placebo (54). No grupo tratado com testosterona foram mais prevalentes a
neoplasia da próstata, PSA superior a 4 ng/ml e a realização de biópsias
prostáticas, embora, isoladamente, as diferenças entre grupos não tenham sido
estatisticamente significativas (54).
O tratamento de homens idosos com testosterona associou-se a um maior risco de
detecção de eventos prostáticos e de hematócrito superior a 50% (54).
Numa revisão, o aumento médio do PSA após início da testosterona foi de 0,3 ng/
ml no jovem hipogonádico e 0,44 ng/ml no homem idoso (57). De considerar que os
doseamentos de PSA apresentam uma variabilidade inter-doseamento considerável
(58).
Num estudo retrospectivo de Coward e colaboradores os níveis de PSA mantiveram-
se estáveis após normalização dos níveis de testosterona por um período igual
ou superior a 5 anos. Concluíram que a neoplasia prostática pode ser
eficazmente diagnosticada e tratada nestes indivíduos e que a sua incidência
entre homens em terapêutica substitutiva não é maior do que na população geral
(59).
Deve ser feito o toque rectal e o doseamento de PSA antes do início do
tratamento, aos 3 meses, e a partir daí de acordo com directrizes de rastreio
do cancro da próstata, dependentes da idade e raça do indivíduo. A observação
em consulta de Urologia será necessária se: PSA superior a 4,0 ng/ml, aumento
do PSA superior a 1,4 ng/ml num intervalo inferior a 12 meses de tratamento,
velocidade de PSA (aumento do PSA em ng/ml/ano) superior a 0,4 ng/ml/ano tendo
como referência o valor de PSA após 6 meses de tratamento, que apenas deve ser
usado quando se dispõe de dados de pelo menos 2 anos, o exame rectal (toque
rectal) com alterações ou score de sintomas prostáticos da American Urological
Association (AUA) superior a 195.
Perfil metabólico e eventos cardiovasculares
O tratamento não parece associar-se a aumento de incidência de doença
cardiovascular, enfarte agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral, angina
pectorisou a alterações significativas do perfil lipídico.No homem idoso
hipogonádico verificou-se uma diminuição modesta do colesterol HDL ou ausência
de alteração no perfil lipídico.Page e colaboradores mostraram diminuição CT e
LDL nos grupos tratados com testosterona (29).
O tratamento não foi associado a fenómenos tromboembólicos.
Muller e colaboradores encontraram correlação inversa entre níveis de T livre e
a progressão da espessura média da íntima-média-carotídea (carótida comum) ao
longo de 4 anos de seguimento (60,61).
Recomendações de não-tratamento do hipogonadismo
Não deverá ser iniciado tratamento se se estiver perante uma das seguintes
situações: neoplasia da próstata ou mama, nódulo ou enduração palpável ou PSA
superior a3 ng/ml sem avaliação urológica prévia, eritrocitose (hematócrito
superior a 50%), hiperviscosidade, apneia obstrutiva do sono não tratada,
hiperplasia benigna da próstata grave não tratada com score sintomático AUA/
IPSS (International prostate symptom score) superior a 19 e insuficiência
cardíaca classe III/IV (5).
Variabilidade na resposta ao tratamento
A considerável variação na resposta ao tratamento observada entre idosos pode
estar relacionada com variações no gene do receptor de androgénios que se
localiza no cromossoma X. Esta variabilidade parece estar relacionada com o
polimorfismo da repetição CAG no exão 1 do gene do receptor de androgénios. A
repetição CAG codifica uma poliglutamina; varia, normalmente, entre 6 a 37
repetições (20 a 22, em média). O número de repetições CAG associa-se
inversamente com a actividade transcripcional do gene (62). Verifica-se que
quanto menor o número de repetições, mais cedo é detectada a hiperplasia
prostática e maior o seu grau (63). Krithivas e colaboradores demonstraram que
esta repetição também se associa à diminuição dos níveis de testosterona
associados à idade (64). Quanto menor o nº de repetições, maior a redução nos
níveis de T64. Em doentes tratados com testosterona durante 36 meses, quanto
menor o número de repetições constatado, mais significativo foi o aumento
prostático observado (62).
O crescimento da próstata com o tratamento com testosterona em homens
hipogonádicos, será fortemente influenciado por factores genéticos, estando
associado a um menor número de repetições. Esta correlação genética poderá ter
importantes implicações terapêuticas nomeadamente na selecção futura de homens
idosos para tratamento (1).
Considerações finais
Em estudos randomizados, controlados por placebo, com 1 a 3 anos de duração, em
homens com hipogonadismo de aparecimento tardio foram observados níveis
sustentados de testosterona (21,22,41). Apesar disso, na generalidade, os
estudos com testosterona em idosos caracterizam-se por pequenas amostras e pela
inclusão de homens assintomáticos (com níveis baixos de T), não fornecendo
força suficiente para clarificar ganhos substanciais com a terapêutica, assim
como repercussões sobre a taxa de eventos prostáticos e cardiovasculares (5).
Os efeitos do tratamento com testosterona na progressão da aterosclerose e na
taxa de eventos cardiovasculares não foi estudada em ensaios randomizados e são
importantes; mesmo pequenas modificações nas taxas de incidência de doença
cardiovascular poderiam exercer um impacto substancial em termos de saúde
pública. Apesar da diminuição dos níveis de testosterona com a idade e das suas
possíveis consequências na energia, função sexual, função e massa muscular e no
osso, permanece por esclarecer a relação causal com as alterações na actividade
biológica da T e também não se sabe se esta indução do aumento dos níveis de
testosterona para os níveis normais (do homem jovem) prevenirá ou reverterá
estas alterações. Também não se sabe, conclusivamente, se este aumento poderá
aumentar a incidência de doenças dependentes da testosterona.
Por todos estes motivos, o investimento nesta área é necessário e premente. São
necessários mais estudos randomizados que abordem os diferentes aspectos da
utilização da testosterona no tratamento do hipogonadismo de aparecimento
tardio.