Hipertensão Pulmonar no Recém-nascido
Introdução
A primeira descrição de hipertensão pulmonar no recém-nascido, por Gersony e
colaboradores, em 1969, teve a designação de persistência de circulação
fetal.1Actualmente, uma vez que a placenta não está incluída na circulação
neonatal, a designação hipertensão pulmonar persistente do recém-nascido
(HPPRN) tem sido usada preferencialmente.2,3
A HPPRN ocorre quando a resistência vascular pulmonar não diminui imediatamente
após o nascimento. Esta situação obriga à persistência de um shuntdireito-
esquerdo extra-pulmonar, através do foramen ovalee do canal arterial patente,
impossibilitando a normal circulação pulmonar e enriquecimento do sangue em
oxigénio, causando hipoxia arterial.3
A HPRN afecta principalmente o recém-nascido de termo ou quase termo, com uma
incidência de aproximadamente 0,1 a 0,2% (1 a 2 em cada 1000 nados vivos).2,4A
prematuridade, incluído a inferior a 32 semanas, não exclui a possibilidade de
HPPRN, uma vez que os factores desencadeantes podem existir na segunda metade
da gestação.2,5Não parece haver predomínio de raça ou género.2
São várias as condições que predispõem a HPPRN (Tabela_1).6A Organização
Mundial de Saúde, em 2003, efectuou uma revisão da nomenclatura e classificação
da hipertensão pulmonar, que não sendo especificado recém-nascido, é
apresentada na Tabela_2
, como complemento desta revisão.7
Alguns estudos demonstraram que a síndrome de aspiração de mecónio é a causa
mais frequente de HPPRN, seguida da HPPRN primária.4,8 No entanto, nos últimos
10 anos tem-se verificado uma diminuição na frequência da síndrome de aspiração
meconial, coincidente com a diminuição do número de gestações pós-termo.9 Por
outro lado, a síndrome de dificuldade respiratória do recém-nascido pré-termo
entre as 34 e as 37 semanas de gestação, após cesariana electiva, tem vindo a
tornar-se uma causa frequente de HPPRN.3
Circulação fetal
No feto, a placenta assegura a oxigenação sanguínea. As duas artérias
umbilicais levam sangue fetal à placenta, de onde o sangue regressa enriquecido
em oxigénio pela veia umbilical, com uma PO2 de 30 a 40 mmHg. O fluxo da veia
umbilical é orientado para o lobo esquerdo do fígado e para a veia cava
inferior através do ductus venosus a nível do seio venoso portal. O sangue da
veia cava inferior, antes da sua entrada na aurícula direita, resulta da junção
do sangue da metade inferior do corpo, com o sangue drenado pelo ductus venosus
e com o sangue vindo das veias hepáticas. A aurícula direita recebe também o
sangue proveniente da veia cava superior. Devido a características anatómicas
da aurícula direita, o sangue proveniente da veia cava inferior é orientado
preferencialmente para a aurícula esquerda através do foramen ovale, juntando-
se ao sangue venoso pulmonar. Este sangue, relativamente oxigenado, é de
seguida, bombeado pelo ventrículo esquerdo para a metade superior do corpo,
irrigando o coração e o cérebro.2A maioria do sangue ejectado pelo ventrículo
direito (90%) é desviada para a aorta descendente através do canal arterial
(ductus arteriosus). Este shunté condicionado pela existência de uma
resistência vascular pulmonar elevada e uma resistência sistémica baixa (cerca
de um décimo da resistência pulmonar, condicionada pela circulação
placentária). Os restantes 10% do sangue do ventrículo direito são orientados
para os pulmões através da artéria pulmonar. O circuito fica completo quando o
sangue da aorta descendente retorna à placenta através das artérias
umbilicais.2
Modificações respiratórias e hemodinâmicas na transição fetal-neonatal
Uma sequência de eventos ocorre imediatamente após o nascimento de modo a
permitir uma adequada oxigenação no recém-nascido separado da placenta.
O pulmão fetal é um órgão cheio de líquido que não contribui para as trocas
gasosas e oferece elevada resistência ao fluxo sanguíneo.10A baixa tensão em
oxigénio do fluxo sanguíneo pulmonar fetal e a libertação de vasoconstritores
endógenos como a endotelina1e o tromboxano, contribuem para a elevada
resistência vascular pulmonar.11Com o nascimento e início dos esforços
respiratórios dá-se a expansão pulmonar, com saída de líquido alveolar e
abertura do leito vascular. O oxigénio do ar inspirado tem efeito
vasodilatador, resposta mais evidente após as 31semanas de gestação.12,13A
resistência vascular pulmonar sofre uma diminuição significativa, diminuindo em
50% a pressão na artéria pulmonar, associado a um aumento de 10vezesno fluxo
sanguíneo pulmonar.14O aumento do fluxo sanguíneo pulmonar facilita as trocas
gasosas. O oxigénio é o estímulo mais importante para a vasodilatação do leito
vascular pulmonar, mas também a diminuição da PaCO2 e aumento do pH contribuem
para esta resposta.13Estes estímulos fisiológicos promovem a libertação de
vários vasodilatadores, incluindo mediadores derivados do endotélio, óxido
nítrico e prostaglandinas.15-18
A enzimas intetase do óxido nítrico endotelial (eNOs) tem um papel crítico na
transição da circulação pulmonar, através da produção de óxido nítrico. Esta
enzima, na presença de oxigénio, converte l-arginina em l-citrulina e óxido
nítrico. O oxigénio estimula a libertação de óxido nítrico directamente18e
indirectamente através do aumento da oxidação fosforilativa e libertação de ATP
(adenosina trifosfato) de eritrócitos fetais oxigenados.18,20O aumento e
maturação da enzima eNOs ocorrem e são críticos no final da gestação, uma vez
que o óxido nítrico não é armazenado e a sua síntese requer elevada expressão
enzimática.21O óxido nítrico inicia rápida vasodilatação por estimulação da
enzima solúvel, guanilate ciclase, dentro dacélulado músculo lisovascular,a
qual, por sua vez, converte moléculas de guanosina trifosfato nucleótido em
guanosina monofosfato cíclico (GMPc). O aumento intra-celular de GMPc diminui o
influxo de cálcio e produz relaxamento do músculo lisovascular. A
fosfodiesterase tipo 5, no interior da célula muscular lisa vascular, degrada o
GMPc e limita a duração da vasodilatação. O óxido nítrico tem, também, pa-pel
promotor no crescimento vascular pulmonar in utero,em resposta ao factor de
crescimento endotelial vascular (VEGF).22Este crescimento vascular é
acompanhado por crescimento alveolar.23Os peptídeos natriuréticos, ANP
(peptídeo natriurético auricular) e peptídeo natriurético tipo B (BNP) aumentam
os níveis de GMPc intra celular no músculo lisovascular, contribuindo para a
vasodilatação arterial pulmonar.24De qualquer modo, o seu papel na transição
fetal neonatal não está, ainda, completamente esclarecido. O sistema peptídeo
natriurético 'GMPc parece funcionar em paralelo com o sistema óxido nítrico-
GMPc. O sistema das prostaglandinas também é activado, ao nascimento, no pulmão
fetal.25Este sistema é mediador de vasodilatação vascular pulmonar,
complementando o sistema do óxido nítrico. A prostaciclina (PGI2) é o mais
potente dos vasodilatadores do grupo das prostaglandinas e activa a enzima
adenilate ciclase na célula muscular lisa vascular, que converte ATP em AMPc
(adenosina monofosfato cíclica), que diminui o influxo de cálcio intracelular e
consequente relaxamento vascular. A enzima fosfodiesterase tipo 3 (PDE-3)
degrada o AMPc e limita a duração da vaso dilatação induzida por este mediador.
Biologia vascular alterada na HPPRN
A HPPRN pode resultar de insuficiente desenvolvimento pulmonar incluindo a sua
árvore vascular (hérniadia fragmática congénita, hipoplasia pulmonar), má
adaptação do leito vascular na transição fetal-neonatal (várias condições, como
stressperinatal, hemorragia, hipoxia, asfixia, aspiração, hipoglicemia) ou
desenvolvimento anómalo do leito vascular pulmonar de causa conhecida ou
desconhecida. Contudo, mesmo quando há evidência de um evento perinatal (ex:
aspiração de mecónio) a causa da HPPRN é um processo intrauterino de alguma
duração.3
A falência da vasodilatação vascular pulmonar após o nascimento pode resultar
de inadequada oxigenação ou expansão pulmonar, bem como da falência na
libertação de óxido nítrico e/ ou prostaglandinas. Alterações bioquímicas no
sistema óxido nítrico ' GMPc incluem diminuição da expressão de
eNOs,26diminuição da disponibilidade de arginina,27e diminuição da produção de
óxido nítrico avaliada pela diminuição da excreção dos metabolitos
urinários.27O modelo animal de HPP mostra uma consistente diminuição na
expressão de eNOs nas artérias pulmonares.28,29Este facto pode ser devido a
alteração numa ou mais etapas do sistema óxido nítrico'GMPc. É o caso da
inibição competitiva do análogo natural da arginina, arginina dimetil
assimétrica, que competindo com a arginina leva a diminuição da produção de
óxido nítrico.30,31Também, o aumento dos níveis do peptídeo endotelina1inibea
enzima eNOs32,33e o radical livre superóxido presente nas células vasculares
pode inactivar a acçãodo óxido nítrico causando hipertensão pulmonar,34,35bem
como a diminuição da expressão de gualinate ciclase, levando a diminuição da
disponibilidade de GMPc.36A exposição pré-natal a anti-inflamatórios não
esteróides diminui a acção da cicloxigenase eleva a diminuição da síntese de
prostaglandinas vasodilatadoras aumenatando o risco de HPPRN.37,38O uso de
anti-inflamatórios não esteróides leva a constrição e/ou encerramento do canal
arterial fetal, elevação das pressões nas artérias pulmonares, persistência de
shuntsdireito-esquerdo após o nascimento, diminuição da libertação de óxido
nítrico pelas artérias pulmonares e aumento de radicais livres de oxigénio como
superóxido, peróxido de hidrogénio e peroxinitrito.28,29,34,35,39-41Também se
verificou que a hipertensão pulmonar intra-uterina por constrição do canal
arterial leva a alterações no desenvolvimento da vascularização pulmonar e
alveolar.42
Recentemente, um estudo epidemiológico sugeriu uma incidência aumentada de
HPPRN na exposição pré-natal aos anti-depressivos inibidores da recaptação
selectiva de serotonina, durante o terceiro trimestre de gestação.43Contudo,
esta associação não foi confirmada por outro estudo,44pelo que mais estudos são
necessários para definir o efeito dos inibidores da recaptação selectiva da
serotoninana circulação pulmonar fetal.
Tanto para os anti-inflamatórios não esteróides como para os inibidores da
recaptação selectiva de serotonina, alguns recém-nascidos com exposição pré-
natal não desenvolveram HPPRN, sugerindo uma susceptibilidade biológica com
papel na patogénese dadoença.3
Diagnóstico de HPPRN
No recém-nascido de termo ou quase termo, hipoxémia significativa e lábil,
desproporcional à patologia pulmonar, quando existe, é sugestivo, mas não
diagnóstico de HPPRN.6Dependendo da causa, o recém-nascido pode demonstrar-se
gravemente doente após o nascimento, ou por outro lado, a instalação dos sinais
clínicos pode ser insidiosa. Estes incluem sinais de dificuldade respiratória
com gemido, adejo nasal, retração esternal, taquipneia, taquicardia, cianose e
choque. Uma auscultação cardíaca anormal revelando um sopro sistólico de
regurgitação tricúspide e um S2 proeminente pode estar presente, contudo não é
diagnostica de HPPRN.3Muitos dos sinais clínicos de hipertensão pulmonar podem
estar presentes em doentes com cardiopatia congénita cianótica, pelo que uma
abordagem sistemática do doente hipoxémico é fundamental. É importante
reconhecer que a utilização de altas concentrações de oxigénio e
vasodilatadores pulmonares podem agravar a perfusão sistémica num recém-nascido
com cardiopatia esquerda ductusdependente como estenose aórtica crítica,
interrupção do arco aórtico, coartação da aorta ou coração esquerdo
hipoplásico.3
O estudo inicial inclui uma radiografia de tórax e análise dos gases do sangue
arterial. Contudo, uma radiografia de tórax revelando patologia parenquimatosa
pulmonar, não exclui uma cardiopatia congénita.3
Dependendo do grau e localização do shuntdireito esquerdo, vários graus de
oxigenação podem ser observados em locais pré-ductais (artérias radial e
temporal direitas) e pós-ductais (artéria umbilical ou de uma extremidade
inferior). Uma saturação pré-ductal 20 mmHg superior é, habitualmente,
considerada significativa (ou 5% superior por oximetria de pulso). No entanto,
a ausência deste gradiente não exclui HPPRN, uma vez que o
shuntpredominantemente auricular não cria esta diferença. Gradientes
detectáveis ocorrem quando o shuntdireito-esquerdo é ao nível do canal
arterial.2A diferença nas saturações pré e pós ductais de oxigénio podem,
também, estar associadas a coartação da aorta.
O ecocardiograma é fundamental para a correcta avaliação do recém-nascido com
hipertensão pulmonar. O cateterismo cardíaco está reservado para casos
seleccionados cuja investigação anterior não permita o diagnóstico.2Na prática
clínica o diagnóstico e seguimento do doente com hipertensão pulmonar baseiam-
se nos dados ecocardiográficos. A avaliação diagnóstica na HPPRN encontra-se
resumida na Tabela_3.
45
A associação entre hipertiróidismo neonatal e hipertensão pulmonar já foi
descrita na literatura,46-48pelo que a avaliação da função tiróideia está
indicada quando não existe uma causa evidente como síndrome de aspiração ou
pneumonia congénita. Um caso fatal de hipotiróidismo congénito associado a
hipertensão pulmonar em que a doente apresentava uma mutação (1207F) no gene do
factor 1 de transcrição tiróideia (TITF1/NKX2.1) (cromossoma 14q13), foi
descrito por Maquet E e colaboradores. Estes autores propõem que sempre que a
TSH (thyroid stimulating hormone) se encontre elevada em associação com
insuficiência respiratória não explicada deve ser efectuada a sequenciação do
gene TITF1/NKX2.1.49
Também, a associação de hipertensão pulmonar com doenças auto-imunes e do
tecido conjuntivo, nomeadamente a esclerodermia, tem sido descrita após o
período neonatal.50 No entanto, a possibilidade de mecanismos autoimunes como
causa de hipertensão pulmonar neonatal já foi colocada por Morse JH e
colaboradores.51
A associação entre infecção pelo vírus da imunodeficiência humana e hipertensão
pulmonar é rara, mas bem documentada no adulto,52 no entanto, descrições na
criança pequena começam a surgir na literatura.53
Hipertensão pulmonar familiar
A hipertensão arterial pulmonar familiar representa menos de 6% dos casos
idiopáticos.54A doença é autossómica dominante com penetração incompleta e, em
50% dos casos, ligada a mutações no gene do receptor tipo II de proteinas
morfogenéticas do osso (BMPR2), encontradas no cromossoma 2q31-32.55-59As
proteínas morfogenéticas do osso são parte da superfamília de citocinas TGF ß
(transforming growth factorß). Mutações no BMPR2 conferem 15% a 20% de
probabilidade de desenvolver hipertensão pulmonar arterial durante a vida. A
forma familiar da doença aparece mais cedo nas gerações sucessivas (antecipação
genética) e é mais comum no sexo feminino.
Mutações no gene do receptor ALK-1 (activin receptor-like kinase) foram
encontradas em doentes com hipertensão pulmonar associada a telangiectasia
hemorrágica hereditária.60Provavelmente outros genes permanecem por ser
identificados e, uma vez que apenas 15% a 20% dos indivíduos afectados de
mutação BMPR2 apresentam hipertensão pulmonar, outros mecanismos estão
envolvidos na génese da doença.
Tratamento
A prevenção, sempre que possível, permite minorar os danos da HPPRN, sendo
exemplos a identificação atempada de situações de risco, como sinais de
sofrimento fetal ou de líquido amniótico com mecónio, bem como a adequada
reanimação no bloco de partos de um recém-nascido com asfixia.
O tratamento da HPPRN deve ser efectuado em centros especializados por equipa
multidisciplinar experiente.45A resposta ao tratamento é menos previsível na
criança, pelo que a monitorização contínua e possíveis rápidas modificações nas
atitudes terapêuticas podem ser necessárias.45A investigação da causa
subjacente e o tratamento direccionado devem ser iniciados o mais precocemente
possível.61
O tratamento tem como objectivo prevenir lesões orgânicas causadas pela hipoxia
e barotrauma.6Em simultâneo com o tratamento da doença de base devem ser
corrigidos todos os desequilíbrios associados como hipovolémia, hipo ou
hipertermia, hipoglicemia, acidose, policitemia, anemia, pneumotórax,
hipotensão sistémica, hipocalcémia e hipomagnesemia. É importante manter uma
adequada resistência vascular sistémica, enquanto se tenta selectivamente
diminuir a resistência vascular pulmonar.6É importante manter uma normovolémia,
pois a hipovolémia agrava o shuntdireito-esquerdo.6
Manipulação mínima e sedação
Devido à lábil estabilidade clínica e de oxigenação, pequenos estímulos podem
provocar deterioração clínica importante. A manipulação deve ser mínima, as
aspirações endotraqueais não devem ser efectuadas por rotina mas apenas se
indicadas. Todos os estímulos, nomeadamente luminosos, auditivos e tácteis
devem ser reduzidos ao mínimo.
O uso de sedativos e relaxantes musculares tem sido prática generalizada, com o
objectivo de minimizar variações na oxigenação e facilitar a ventilação. No
entanto, esta prática não foi ainda testada em estudos aleatorizados.3Estes
fármacos apresentam efeitos ad-versos e frequentemente induzem hipotensão,
edema generalizado e deterioração da função pulmonar com o uso prolongado. A
hipotensão é mais comum quando são combinados sedativos com relaxantes
musculares. Os relaxantes musculares têm sido associados a maior incidência de
défice auditivo nos sobreviventes de HPPRN, contudo o mecanismo desta
associação é desconhecido.62Os diuréticos, frequentemente utilizados no
tratamento do edema secundário ao relaxamento muscular, também se associam ao
risco de défice auditivo.63Embora a sedação possa ser necessária para o
conforto do doente ventilado, alguns auto-res não recomendam o uso de
relaxantes musculares por rotina mas aceitam o seu uso por necessidade por
períodos não superiores a 48 horas.3
Ventilação mecânica
A ventilação mecânica facilita o recrutamento alveolar e a expansão pulmonar,
melhorando a relação ventilação/perfusão. A estratégia ventilatória deve
recrutar as áreas atelectásicas evitando simultaneamente a sobre distensão.
Manter a PaO2 entre 60 e 90 mmHg é importante para a adaptação pós-natal e não
há evidência de que uma PaO2 superior a 100 mmHg cause mais redução na
resistência vascular pulmonar.3Inicialmente é sensato usar uma fracção de
oxigénio no ar inspirado (FiO2) de 100%, e efectuar uma diminuição gradual e
lenta. O objectivo é manter uma adequada e estável oxigenação com o mínimo de
pressões. Este objectivo consegue-se habitualmente com a ventilação
convencional. Quando o recém nascido não consegue ser adequadamente oxigenado
com a ventilação convencional, a ventilação por alta frequência oscilatória
deve ser considerada precocemente.
A hiperventilação deve ser evitada e a pressão parcial arterial de dióxido de
carbono (PaCO2) deve ser superior a 30 mmHg, e valores de 40-50 mmHg, ou mesmo
superiores, são aceitáveis desde que a oxigenação seja adequada.64
A prática tradicional de manter uma PaO2 elevada (>100mmHg) e uma PaCO2 baixa,
de modo a provocar vasodilatação pulmonar não tem demonstrado benefício e pode
ser potencialmente lesiva para a perfusão pulmonar e cerebral.3O efeito da
hiperventilação na circulação pulmonar parece estar relacionada com a elevação
do pH.65A hipocarbia e a alcalose diminuem a perfusão cerebral e associaram-se
a défice auditivo e lesões neurológicas.66,67
A hiperventilação e a alcalose induzem hipocalcémia, disfunção miocárdica e
hipotensão sistémica. A alcalose diminui a libertação de oxigénio pela
hemoglobina, o que pode potencialmente diminuir a entrega de oxigénio aos
tecidos.3
Surfactante
A utilização de surfactante exógeno facilita a expansão alveolar na doença
parenquimatosa. O efeito benéfico do surfactante tem sido documentado em casos
de síndrome de aspiração meconial, sépsis com pneumonia e doença das membranas
hialinas.64,68
Agentes vasopressores e cardiotónicos
O suporte vasopressor deve ser considerado um componente essencial na abordagem
da HPPRN. Uma pressão sistémica adequada (> 40 mmHg) é necessária para diminuir
o shuntdireito-esquerdo, manter um adequado enchimento do ventrículo direito e
um débito cardíaco adequado.3A dopamina é o agente mais utilizado neste
propósito. A dobutamina, em-bora melhore o débito cardíaco, tem menor efeito
vasopressor. A milrinona, um inibidor da fosfodiesterase tipo 3, tem sido
utilizada algumas vezes no tratamento da hipotensão e melhoria do débito
cardíaco.64Recentemente foi demonstrado que o uso de noradrenalina se associou
a aumento da pressão sistémica e melhoria da oxigenação na HPPRN.69O
hematócrito deve ser mantido acima dos 35%.70
Terapêutica com óxido nítrico inalado
O óxido nítrico inalado (NOi) foi um marco na terapêutica vasodilatadora
pulmonar.3Estudos clínicos controlados demonstraram que o NOi melhora a
oxigenação de uma proporção significativa de recém nascidos de termo e quase
termo (> 34 semanas de gestação) com HPPRN. O seu uso está aprovado, desde o
ano 2000, pela US Food and Drug Administration. O NOi atinge o espaço alveolar
e difunde para o músculo liso da parede das artérias pulmonares adjacentes. O
NOi causa vasodilatação através do aumento do GMPc intracelular no músculo
liso. Uma vez que é preferencialmente distribuído aos segmentos ventilados (e
não aos atelectásicos), provoca uma maior perfusão destes segmentos, pelo que
um bom recrutamento alveolar é importante na HPPRN. À medida que o NO progride
através da parede vascular até ao lúmen arterial, é inactivado pela
hemoglobina, ficando o seu efeito limitado à circulação pulmonar.3
A melhoria na oxigenação é geralmente evidente em minutos após iniciar a
medicação, o que facilita a oxigenação do doente severamente hipóxico. No en-
tanto, já tivemos casos cuja resposta se verificou entre as quatro e as cinco
horas após o inicio da terapêutica. Vários estudos demonstraram que o NOi
diminui a necessidade de ECMO (extracorporeal membrane oxigenation) e
mortalidade no recém-nascido de termo e quase termo com HPPRN e insuficiência
respiratória hipóxica.72-76O NOi melhora a oxigenação em cerca de 70% ou mais
dos recém-nascidos com HPPRN, sendo as melhores respostas observadas nas formas
idiopáticas.8,72,75
Estudos prévios sugerem a dose inicial de 20 ppm como a mais adequada, com
efeito verificado entre os cinco e os 20 ppm.8Doses superiores a 20 ppm não
demonstraram mais eficácia e associaram-se a mais efeitos adversos.72, 77No
nosso serviço, alguns casos responderam a doses tão elevadas como 40 ppm. O
inicio do NOi deve ser antes ou logo no início da insuficiência respiratória,
quando se obtêm dois índices de oxigenação igual ou superior a 20.3Existem três
efeitos adversos potenciais do NOi: (1) metemoglobinemia, gerada pela oxidação
da hemoglobina pelo NO (manter < 2%); (2) exposição ao dióxido de nitrogénio
gerado pela reacção do NO com o oxigénio (manter < 0,5 ppm); (3) inibição da
agregação plaquetária pelo NO. Estes efeitos adversos surgem habitualmente com
doses de NOi superiores a 40ppm.3A descontinuação da terapêutica com NOi pode
provocar vasoconstricção rebound. A descontinuação só deve ser iniciada quando
a FiO2 é de 0,60, e deve ser gradual e lenta (1 ppm ou menos, sobretudo a
partir dos 5 ppm).3,70A duração da terapêutica varia com a etiologia, mas
geralmente inferior a 5dias.70A dependência prolongada de NOi está associada a
anomalias pulmonares subjacentes, como hipoplasia pulmonar ou displasia
alvéolo-capilar. Apesar da terapêutica com NOi ser eficaz na HPPRN, deve ser
considerada como uma estratégia clínica global. A falência da terapêutica com
NOi ou a não retirada do NOi em cinco dias obriga a uma revisão clínica do
doente bem como de toda a estratégia terapêutica. Recomenda-se a utilização de
NOi antes da exposição prolongada a elevadas fracções de oxigénio inspirado ou
suporte ventilatório máximo. A exposição a oxigénio a 100%, mesmo que por
breves períodos pode induzir disfunção vascular, aumentando o stressoxidativo e
impedindo a resposta subsequente ao NOi.78O NOi permite uma rápida diminuição
da FiO2 e diminui o stress oxidativo no modelo animal de HPPRN.79A terapêutica
com NOi não tem sido eficaz em muitos casos de hérnia diafragmática congénita,
apesar de evidência clínica e ecocardiográfica de HPPRN.80Também não diminuiu a
mortalidade ou a necessidade de ECMO (extracorporeal membrane oxygenation) em
recém-nascidos com hérnia diafragmática congénita.80Por outro lado, a
terapêutica com NOi não demonstrou eficácia em cerca de 30% dos casos de
HPPRN.8,72
Sildenafil
A fosfodiesterase 5 (PDE5) é abundante no tecido pulmonar e degrada o GMPc
(este causa captação de cálcio para o retículo sarcoplasmático que é usado na
vasodilatação do músculo arterial pulmonar). O sildenafil, um inibidor da PDE5,
prolonga a semi-vida do GMPc e teoricamente potencia a acção do óxido nítrico
endógeno e inalado.3Estudos não controlados demonstraram que o sildenafil tem
efeito sinérgico como NOi. Alguns casos clínicos demonstraram que o sildenafil
atenua a hipertensão pulmonar reboundapós retirada do NOi em doentes com
cardiopatia congénita.81
Um pequeno estudo aleatorizado com sildenafil oral versusplacebo foi
interrompido após a morte de cinco entre seis recém-nascidos do grupo placebo
comparado com a morte de um em sete no grupo de sildenafil.82Neste estudo
verificou-se melhoria na oxigenação no grupo com sildenafil, entre as seis e as
12 horas após a primeira dose. Não foi documentada hipotensão arterial neste
estudo. Tem também sido questionada a possibilidade de maior risco de
retinopatia da prematuridade. O sildenafil endovenoso, não disponível para uso
clínico, tem sido associado a hipotensão sistémica.83
Estudos experimentais no animal demonstraram que o verdenafil, outro inibidor
da fosfodiesterase, tem mais eficácia que o sildenafil in vitro. 84,85
De qualquer modo, a experiência no recém-nascido é ainda restrita sendo
necessários estudos mais alargados de modo a poder avaliar os riscos e os
benefícios.
Agonistas da prostaciclina
A prostaciclina (PGI2) é um vasodilatador endógeno com acção no músculo liso
via AMPc, causando vasodilatação pulmonar e sistémica.61Tem um efeito sinérgico
com o NOi, uma vez que actua por outro mecanismo, podendo ser utilizada em
simultâneo, ou na retirada do NOi.61Os análogos da prostaciclína podem ser
utilizados por via endovenosa (epoprostenol, treprostinil), por via inalatória
(iloprost) ou oral (beraprost). A maior experiência é com o epoprostenol, que
requer perfusão contínua devido à sua curta semi-vida (< 6 minutos) e na
criança e adulto associou-se a vários efeitos secundários indesejáveis,
incluindo cefaleias, dores, eritema cutâneo, trombocitopenia e hipotensão
sistémica.86A interrupção da perfusão pode causar rápido aumento da resistência
vascular pulmonar, colapso hemodinâmico e morte.86
A prostaciclina inalada tem uma vasodilatação pulmonar mais selectiva e requer
administração contínua devido à curta semi-vida. No entanto, o agonista
iloprost apresenta maior semi-vida e pode ser administrado por nebulização
intermitente (cada duas horas). Embora não existam estudos da sua eficácia no
recém-nascido, o seu efeito parece similar ao da prostaciclina inalada.3A
prostaciclina inalada já foi usada com êxito no recém-nascido com HPPRN
refractária ao NOi.87
Não existe experiência com o beraprost no recém-nascido, no entanto a sua
eficácia parece menor que a dos análogos endovenosos.61
Milrinona
O inibidor da fosfodiesterase 3 (PDE3), milrinona, demonstrou melhoria da
hipertensão pulmonar e função cardíaca no pós-operatório de cardiopatia
congénita.88A perfusão de milrinona tem sido testada em estudos não
controlados. Bassler e colaboradores89e McNamara e colaboradores90demonstraram
uma elevação na PaO2 e diminuição do índice de oxigenação em resposta à
perfusão de milrinona em recém nascidos com hipertensão pulmonar refractária a
NOi. Se esta melhoria foi devida à acção da milrinona ou à resolução espontânea
da doença só poderá ser avaliada em estudos aleatorizados.
O efeito da milrinona no AMPc pode ser aditivo ao da prostaciclina inalada e
complementar ao NOi.3
Antagonistas dos receptores da endotelina
A endotelina 1 (ET-1) actua nos receptores ETA e ETB das células musculares
lisas arteriais pulmonares.61A activação de ETA e ETB no músculo liso causa
vasoconstrição e a activação da ETB no endotélio liberta NO causando
vasodilatação. Este balanço entre vasodilatação e vasoconstrição parece estar
alterado em doente com HPPRN.61
O bosentan é um antagonista não selectivo dos receptores da endotelina 1 (ETA e
ETB) que demonstrou melhoria hemodinâmica e da qualidade de vida em adultos e
crianças com hipertensão pulmonar.61Cerca de 10% dos doentes apresentaram
toxicidade hepática. A experiência com o uso de bosentan no recém-nascido é
escassa.91,92
O sitaxsentan, um antagonista selectivo ETA foiusado com sucesso no adulto com
hipertensão pulmonar, sem evidência de toxicidade hepática. Não existe
experiência actual no recém-nascido.61
Oxigenação por membrana extracorporal
A oxigenação por membrana extracorporal (ECMO) tem indicação no recém-nascido
acima das 34 semanas de gestação com HPPRN sem resposta a outras terapêuticas e
que reúne critérios para ECMO. O recurso à ECMO tem vindo a diminuir com a
maior utilização do NOi, novos fármacos disponíveis para tratamento da HPPRN,
optimização da ventilação mecânica incluindo ventilação com alta frequência,
uso de surfactante exógeno e todo o suporte nutricional e metabólico.
Ultimamente parece ter sido mais utilizada em casos de HPPRN por hipoplasia
pulmonar secundária a hérnia diafragmática congénita.3
Terapêuticas futuras
Estudos recentes no modelo animal demonstraram que o stressoxidativo contribui
para a falta de vasodilatação arterial pulmonar e resposta diminuída ao NO. O
radical livre superóxido é um vasoconstritor e reage com o NO impedindo a
vasodilatação. A utilização de superoxido dismutase recombinante diminuiu a
vasoconstrição pulmonar e melhorou a resposta ao NO endógeno no modelo animal
de HPPRN.79
A administração antenatal de betametasona reduz o stress oxidativo e melhora a
resposta ao NO no modelo animal de HPPRN.93A utilização de betametasona
antenatal entre as 34 e as 37 semanas de gestação encontra-se actualmente em
estudo pelas unidades da National Institutes of Child Health and
HumanDevelopment (NICHD).3
A L-arginina é um substrato para a síntese de NO endógeno e a sua suplementação
encontra-se em estudo como alternativa à terapêutica com NOi na HPPRN.61
Hipertensão pulmonar no recém-nascido pré-termo
A HPPRN tem sido documentada por ecocardiografia no recém-nascido pré-termo com
idade gestacional inferior a 30 semanas com hipoxémia refractária ao tratamento
com surfactante exógeno.5Os factores de risco identificados foram a ruptura
prolongada de membranas, a hipoplasia pulmonar e a restrição de crescimento
intra-uterino.
A hipertensão pulmonar tem vindo, também, a ganhar crescente reconhecimento na
doença pulmonar crónica da prematuridade (displasia broncopulmonar) em
sobreviventes de prematuridade extrema.94A diminuição do número de vasos
sanguíneos pulmonares, a arquitectura pulmonar alterada, episódios de hipoxémia
e hipercápnia contribuem para o desenvolvimento da hipertensão pulmonar na
doença pulmonar crónica do pré-termo. Um estudo retrospectivo observacional de
42 recém-nascidos prétermo com displasia broncopulmonar demonstrou severa
hipertensão pulmonar em 43%, diagnosticada a uma idade pós-natal mediana de 4,8
meses.94A taxa de sobrevivência desta amostra foi de 64% aos seis meses após o
diagnóstico de hipertensão pulmonar. Nesta amostra, a hipertensão pulmonar
severa foi um factor de risco significativo de mortalidade. É importante
reconhecer que a hipertensão pulmonar pode desenvolver-se no pré-termo com
displasia broncopulmonar após a alta da unidade de cuidados intensivos
neonatais. As terapêuticas com NOi e sildenafil têm demonstrado benefício
nestes doentes. Embora a segurança do sildenafil a longo prazo ainda não esteja
estabelecida, este fármaco tem sido utilizado por períodos de um a dois anos,
em casos isolados, sem efeitos adversos.95 Um caso de severa retinopatia da
prematuridade foi documentado num recém-nascido prétermo tratado com sildenafil
às 29 semanas de idade gestacional, levantando questões quanto à segurança
deste fármaco durante o período de vulnerabilidade para desenvolvimento de
retinopatia da prematuridade.96 Permanece desconhecido se o NOi ou o sildenafil
melhoram a sobrevida e estimulam a angiogénese e crescimento pulmonar em
crianças com displasia broncopulmonar, embora estes efeitos benéficos tenham
sido documentados em modelos animais.97
Prognóstico
A taxa de sobrevivência na HPPRN é superior a 90%. No entanto, existe
considerável diferença na sobrevivência e sequelas a longo prazo na dependência
da causa da HPPRN.3
Vários estudos avaliaram o neurodesenvolvimento de sobreviventes de HPPRN aos
18 ' 24 meses de vida.98-101 Estes estudos identificaram significativo risco
para deficiência auditiva bem como outras alterações do neurodesenvolvimento,
incluindo paralisia cerebral, deficiência visual, índice de desenvolvimento
mental de Bayley ou índice de desenvolvimento psicomotor inferior a 70 e exame
neurológico anormal.
Estes dados demonstram a necessidade de seguimento a longo prazo destes
doentes.