Melhoria da Qualidade em Unidades de Saúde: Que Investigação?
COMENTÁRIO
Melhoria da Qualidade em Unidades de Saúde: Que Investigação?
Manuel Cardoso de Oliveira1
1Escola de Estudos Pós-Graduados e de Investigação Universidade Fernando Pessoa
Praça 9 de Abril, 349 4249-004 Porto. Email: manuelco@ufp.edu.pt,
maco0410@gmail.pt
Na área da Saúde a Investigação é fundamental para que se possa avançar eficaz
e eficientemente nos cuidados a prestar aos doentes, dotando as instituições
com meios estruturais e humanos que permitam acautelar a Qualidade Clínica e a
Segurança dos Doentes. Porém, a interligação de todos estes componentes mostra
lacunas que é urgente ultrapassar, tendo a consciência deste facto ganho
particular relevância nesta última década.
A investigação na área das bases científicas da medicina tem particular
relevância para o rigor das conclusões e a disseminação de novos conhecimentos,
tantos deles com repercussões positivas na qualidade das práticas
profissionais. Os clínicos mais esclarecidos muito têm aproveitado com a sua
ligação a este tipo de investigação, mas as exigências das suas rotinas não
lhes deixam muito tempo disponível, pelo que só em escasso número de casos é
que assistimos, entre nós, a colaborações exemplares. Acresce que aqueles
investigadores têm revelado algumas vezes uma clara incapacidade para
compreender as exigências e as susceptibilidades da clínica. Continuamos a
pensar que o contacto directo com os doentes, apesar de alguns avanços
tecnológicos empurrarem no sentido contrário, continua a ser uma fonte
inesgotável de aprendizagem, mormente no tempo em que se defende o crescente
envolvimento dos doentes nos cuidados de Saúde que lhes são prestados. Estes
cenários de diferentes tipos de investigação (básica, de translação e clínica)
foram enriquecidos nestes últimos anos com a emergência da qualidade clínica e
sua melhoria contínua bem como da Segurança dos Doentes, o que tem obrigado a
uma profunda alteração das mentalidades e uma especial atenção de que alguns se
têm alheado. Esta incapacidade é ainda mais lamentável e perigosa quando
algumas destas personalidades estão em centros de decisão ou posições de
liderança que podem fazer perigar iniciativas meritórias numa área delas tão
carecida. Efectivamente, nos países mais desenvolvidos e mais atentos à
importância do que está em jogo começam-se a notar dedicações plenas a estas
matérias, o que lhes confere competências importantes. Ainda há bem pouco tempo
vi citado o Professor Orlando Ribeiro ' Tudo o que se refere a ensino e
organização da ciência requer estruturas plásticas a todo o momento capazes de
adaptar-se aos resultados da experiência, conceito que apesar de estabelecido
há muitos anos revela uma actualidade flagrante.
Sendo áreas emergentes, temos assistido à proliferação de um elevado número de
ideias, métodos e ferramentas. Das auditorias médicas às auditorias clínicas e
à governação clínica, da Total Quality Managementaté à Continuous Quality
Improvement, do controlo estatístico até ao método six sigmae lean thinking,
todas estas ferramentas significam que para se estar actualizado se exige uma
constante atenção às revistas da especialidade, bem como às conferências,
livros e programas de formação. Há uma tendência universal para modas e
caprichos de que não se excluem as organizações de saúde e os seus líderes1.
Uma questão fundamental é averiguar se muitas destas inovações são realmente
novas e efectivas. No entender daquele autor nem sempre há melhorias
sustentadas e contínuas mas desperdício de esforços e recursos se não se
obtiverem os resultados desejados.Todas as metodologias referidas necessitam de
um ambiente organizacional adequado, sínteses claras e uma grande
disponibilidade de tempo para os que têm de liderar estes processos.
As tentativas para estimular um maior número de publicações na área da melhoria
da Qualidade e da Segurança dos Doentes não tiveram inicialmente grande
sucesso, pois os interesses das pessoas que nela trabalham estão especialmente
virados para a qualidade dos cuidados que prestam e não para os escassos
incentivos e o exigente trabalho de preparar material para publicar em revistas
de enorme exigência redactorial, dado que estas estão especialmente voltadas
para iniciativas de investigação original mais básica e não para assuntos
ligados à Qualidade em Saúde2.
Foi evidente para muitos autores, e é também essa a nossa opinião, que é
necessário libertarmonos das algemas dessas exigências tradicionais de modo a
que possamos estimular um grande número de profissionais que continua a
trabalhar nesta área, com resultados visíveis que não são publicados e
necessitam de ser disseminados.
É importante reconhecer que enquanto floresce a prática da melhoria da
qualidade, as suas bases científicas são embaraçadas pela complexidade e
diversidade da informação necessária para avaliar e compreender a sua
implementação e efeitos. Apesar do uso cada vez mais frequente de metodologias
investigacionais nesta área, os cientistas clássicos questionam se os
standardsusados serão os mais aconselháveis, enquanto os que se dedicam à
investigação na área da melhoria da qualidade apontam a frequente inadequação
de estudos prospectivos e randomizados para esse tipo de trabalho. Esta
investigação e os cuidados de saúde baseados na evidência são encarados como
distintos, por vezes até diametralmente opostos, a despeito de objectivos
semelhantes ' melhorarem os outcomes3. Não obstante, e como já anteriormente
referimos, é possível uma sinergia crescente entre os dois sectores, apelando-
se para uma maior compreensão e melhor espírito de colaboração. A versão SQUIRE
(Standards for Quality Improvement Reporting Excellence) é um complemento mais
elaborado das guidelinese destina-se a dar mais consistência científica aos
projectos de investigação e aos trabalhos publicados4.Todos os esforços
necessários serão muito bem vindos de modo a que se sensibilizem os académicos
para a importância do que está em causa, não podendo admitir-se que a
publicação e a disseminação de resultados obtidos nesta área emergente e tão
importante da saúde esteja sujeita a constrangimentos que nada têm a ver com a
verdade e o interesse do que se vai fazendo.
Espera-se, pois, que as próprias revistas médicas mais exigentes adequem os
seus critérios de aceitação de trabalhos, pois a maior finalidade dos nossos
desempenhos tem a ver com o modo como os doentes são tratados e o seu grau de
satisfação. Não é relaxando os standardsda MBE para a investigação e
publicações sobre Melhoria da Qualidade (QI) que se encontra o ponto certo,
dado que isso nos pode conduzir a becos sem saída. Muitos referem que revistas
de grande impacto não compreendem completamente os desafios que os
investigadores na área QI encaram na condução de programas com fundos escassos
ou nulos. Os constrangimentos orçamentais, e as dificuldades em aderir às
exigências científicas no mundo real dos cuidados de saúde, tornam impraticável
esperar que os estudos sobre QI satisfaçam o rigor científico expectável em
estudos mais tradicionais. Alguns autores acham mesmo que essas exigências
despropositadas podem desencorajar os que vão labutando no terreno5. As
referidas exigências e as rejeições de trabalhos bem executados à luz da
ciência pragmática podem ter consequências trágicas, sendo no entanto
necessário reconhecer que em muitos trabalhos faltam dados e clareza que podem
conduzir a enviesamentos e informações distorcidas. Pode ainda admitir-se que a
rejeição de alguns trabalhos pode ter boa fundamentação científica de acordo
com critérios rigorosos e tradicionais, o que não significa que a sua
disseminação seja intrinsecamente má dado que tem potencialidades para nos
conduzir a novas hipóteses. Por isso há também que criar veículos adequados
para disseminar experiências e achados disponíveis, como sejam, conferências,
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