Sarcoma Retroperitoneal
Introdução
Os sarcomas retroperitoniais são tumores malignos que se originam a partir de
células mesenquimatosas, localizadas no tecido adiposo, musculo-esquelético e
conjuntivo1. Apresentam uma incidência de 4/100.0002na europa e são
classificados histologicamente em: liposarcomas (41%), leiomiosarcomas (28%),
sarcomaspleo mórficos indiferenciados (7%), fibrosarcomas (6%), e sarcoma da
bainha dos nervos periféricos (3%)1. Apenas 20% dos sarcomas têm localização
retroperitonial3. Na maioria dos casos, a apresentação clinica inicial consiste
numa massa abdominal assintomática. A ressecção cirúrgica é o tratamento
preferencial, com sobrevivências aos 5 anos de 50-60% e taxas de recorrência de
49%4.
Caso clínico
Mulher de 58 anos, caucasiana, viúva, natural e residente em santarém, com
antecedentes de HTA, diabetes mellitus tipo II, AVC isquémico sequelar e anemia
microcítica. Recorre ao serviço de Urgência do hospital distrital de santarém
(HDS), por epigastralgias e astenia com 4 meses de evolução e agravamento da
frequência e intensidade na última semana, perda de peso de aproximadamente 15
kg nos últimos dois meses e saciedade precoce. Ao exame objectivo apresentava-
se vigil, desorientada no tempo, pouco colaborante, idade aparente superior à
real, corada, hidratada, emagrecida. À inspecção abdominal detectou-se
proeminência na região epigástrica, palpando-se massa de consistência dura, não
dolorosa, que se estendia até 7 cm abaixo da apófise xifoideia. De referir
ainda ligeira diminuição da força muscular à direita, sequela do AVC. A doente
ficou internada no serviço de medicina por epigastralgias de etiologia a
esclarecer. Realizou-se TAC Toraco-Abdomino-pélvica que revelou volumosa
massa tumoral atingindo o epigastro, o hipocôdrio e o flanco esquerdos mede
aproximadamente 20 cm de maior eixo no plano axial, tem limites relativamente
nítidos não se observam adenopatias . A nível hepático não se evidenciam lesões
focais (Figura_1). O caso clínico foi discutido em consulta multidisciplinar
de decisão terapêutica onde foi considerada a indicação para ressecção
cirúrgica urgente. A doente foi submetida a tumorectomia, pancreatectomia
caudal e esplenectomia por aderência da massa tumoral ao baço e pâncreas. Tanto
o procedimento cirúrgico como o pós-operatório decorreu sem intercorrências com
alta médica no 12º dia após a intervenção. O resultado anatomo-patológico foi:
peça de tumorectomia que pesa 3800g e mede 25x25x15cm. Macroscópicamente o
tumor estava quase totalmente coberto por peritoneu, e a superfície de secção
era acinzentada, sólida e mole, tendo uma área de necrose central que ocupa 60%
da massa tumoral.Microscópicamente o tumor mostrava focalmente padrão
fusocelular e estoriforme, predominando, no entanto, as áreas desorganizadas
constituídas por células marcadamente pleomórficas (Figura_2).
Imunohistoquimicamente identificou-se positividade intensa com Vimentina, e
focal e escassa com Actina de músculo liso e CD34, sendo o CD117 (C-Kit) e os
restante marcadores de diferenciação epitelial, miogénica, lipogénica e neural
negativos. Isolam-se 8 gânglios com diâmetros entre 0,1 cm e 0,7 cm. Conclusão:
sarcoma pleomórfico indiferenciado de alto grau (histiocitoma fibroso maligno).
Gânglios linfáticos sem metástases. O tumor rasa a margem cirúrgica. Baço e
pâncreas aderentes ao peritoneu, sem infiltração tumoral. Na reavaliação em
consulta multidisciplinar, foi considerado não haver indicação para tratamento
adjuvante com quimio ou radioterapia, apesar do elevado potencial de recaída da
lesão, ficando a doente em vigilância na consulta de Cirurgia do HDS.
Discussão
O sarcoma pleomórfico indirenciado de alto grau, antigamente designado de
histiocitoma fibroso maligno pleomórico5, representa apenas 7% dos sarcomas1,
existindo muito poucos casos publicados. Deste facto, resulta que, a maioria
das recomendações relativas ao tratamento e follow-up tenham por base os
conhecimentos adquiridos com os lipossarcomas e leiomiosarcomas, de incidência
superior.
Clinicamente apresentam-se, na grande maioria dos casos, como uma massa
abdominal assintomática, não dolorosa à palpação. Quando os sintomas estão
presentes, estes resultam do efeito massa ou da invasão local do tumor, tais
como: saciedade precoce, oclusão gastrointestinal, edemas dos membros
inferiores ou dor abdominal1. Os doentes normalmente têm entre 50-60 anos de
idade, com uma relação masculino/feminino de 1,2:1; são tumores que medem
normalmente mais de 20 cm; cerca de 5% dos casos apresentam-se na altura do
diagnóstico com metastização, principalmente pulmonar; são caracterizados por
heterogeneidade macroscópica, uma vez que podem ter áreas quísticas,
hemorrágicas, necróticas e/ou fibróticas; heterogeneidade microscópica pois são
constituídos por vários tipos de células, e heterogeneidade genética.
O tratamento de primeira linha é cirúrgico com a ressecção em bloco do tumor e
estruturas ou órgãos adjacentes (geralmente rim, musculo psoas e cólon), com
evidência directa de invasão, uma vez que as margens histológicas negativas
representam o principal factor prognóstico. Outros factores de prognóstico
considerados importantes são: rápido diagnóstico, baixo grau, ausência de
ruptura tumoral aquando da ressecção cirúrgica, ressecção em bloco, e
tratamento em centros de referência. A ressecção compartimental, ou seja,
ressecção do tumor e órgãos adjacentes com ou sem tumor, foi proposta como
tratamento cirúrgico de 1ª linha, mas esta mantém-se controversa por não se ter
comprovado melhoria de sobrevivência, por implicar aumento importante de tempos
de cirurgia, de necessitar em maior quantidade de transfusões sanguíneas e
aumentar a morbilidade do doente 6 . Pelo que o mais indicado continua a ser a
remoção radical do tumor e dos órgãos adjacentes com evidência de invasão.
A radioterapia e a quimioterapia não demostraram beneficio no aumento da
sobrevivência dos doentes, de modo que só são recomendados em casos
seleccionados.
O follow-up frequente incluindo exames de imagem justifica-se pela elevada taxa
de recorrência: 13% no 1º ano, 37% aos 3 anos, 49% aos 5 anos 4;7. Nos casos de
recidiva local deve ser feita a resseção tumoral sempre que possível. A taxa de
sobrevivência aos 5 anos é de 50-60%5 .
Este caso realça a importância de uma abordagem global do doente pelas
diferentes especialidades implicadas no seu tratamento e seguimento. Este é um
caso clínico ilustrativo de uma entidade rara quer pela sua localização quer
pela sua histologia mas que deverá ser equacionada no diagnóstico diferencial
de massas retroperitoneais.