Envolvimento tímico na imunoterapia específica e na alergia respiratória a
Dermatophagoides teronyssinus
INTRODUÇÃO
O carácter sistémico da alergia por mecanismo IgE é um pressuposto consensual e
com plena evidência traduzida em inúmeros trabalhos em modelos experimentais e
em humanos1. O mecanismo imune subjacente implica intervenção de múltiplas
células imunoinfl amatórias e mediadores biológicos, sendo que os efeitos
patológicos resultantes de uma resposta específica a alergénios terão,
necessariamente, de resultar num envolvimento de órgãos imunes centrais2,3.
A imunoterapia específica por via subcutânea (SCIT) ou sublingual (SLIT)
constituem, na actualidade, as únicas formas de tratamento que permitem
modificar a história natural da doença5-8. Os mecanismos pelos quais resulta a
tolerância imunológica, apesar de profusamente estudados, não são completamente
conhecidos9,10. Um estudo com administração do extracto alergénico terapêutico
directamente no gânglio linfático, para além da demonstração da eficácia num
tempo muito curto de tratamento, permitiu sustentar a necessidade de
intervenção de estruturas imunes centrais na indução de mecanismo imune
central11.
A reacção alérgica mediada por IgE determina um efeito sistémico muito precoce,
que se desenvolve em simultâneo ao mecanismo imunoinflamatório no local de
exposição a alergénio. Em estudos in vivopudemos observar que, em paralelo à
actividade inflamatória no local onde se procedeu à provocação alergénica,
decorre envolvimento de estruturas linfoganglionares regionais adjacentes em
simultâneo à recirculação de células circulantes que infiltram estruturas
relacionadas ao sistema imune central, nomeadamente medula óssea e tecido
funcional tímico12.
A focalização de actividade inflamatória em áreas anatómicas reportadas ao
sistema imune central pressupõe, não só o efeito sistémico da alergia mediada
por IgE, mas também o envolvimento célere e central do sistema imunitário. Da
mesma forma, pudemos observar que a imunoterapia específica (SCIT ou SLIT)
determina intervenção precoce destas estruturas com potenciais implicações no
mecanismo imunomodulador13,14. O início do efeito da administração terapêutica
de alergénios específico ocorre muito precocemente, sendo que o efeito
sistémico é mais célere que a actividade inflamatória local. Não existem
diferenças significativas na magnitude da resposta nos órgãos imunes centrais
relativamente ao tipo de extracto e à via de administração. No entanto, admite-
se a existência de um mecanismo indutor local distinto entre a SLIT e a SCIT,
embora com idêntico efeito sistémico, dependente da heterogenia fenotípica das
células dendríticas presentes na mucosa sublingual e no tecido subcutâneo.
De facto, se os trabalhos do grupo de Denburg JA et al.são inquestionáveis
quanto ao contributo da medula óssea na inflamação alérgica, a intervenção e
persistência de actividade tímica ao longo da vida tem mais dificuldades de
demonstração de forma directa. O nosso grupo pôde evidenciar essa actividade na
resposta alérgica IgE mediada e a que decorre da administração de imunoterapia
específica, independentemente da via de administração ser SLIT ou SCIT)13,14 e,
nesta última, do tipo de extracto (aquoso, depotou polimerizado).
A involução glandular tímica na idade adulta foi tradicionalmente assumida15.
Porém, vários estudos recentes têm evidenciado que a função tímica persiste ao
longo da vida em indivíduos saudáveis. Em humanos, a pool de células T
circulantes inicia o seu desenvolvimento, ainda no período fetal, após a
passagem e a maturação de timócitos através do microambiente tímico e a
posterior migração de timócitos maduros para a periferia, gânglios linfáticos e
baço12.
O timo é, pois, o único órgão linfóide responsável pela produção de células
naïveT, com tolerância self, bem como de linfócitos T naturalmente reguladores
para antigénios self-específicos17. Apesar da diferente magnitude, o número
absoluto de células T naïvena criança e no idoso é relativamente estável e a
imunidade T-CD4+ está, inequivocamente, mantida na idade adulta, embora estas
células possam proliferar num estadio pós-tímico, mantendo o fenótipo funcional
naïve18. Frequentemente são considerados dois subtipos destas células: um
quiescente altamente representativo de células recentemente emigradas do timo
(recent thymic emigrants' RTEs) e um segundo subtipo compreendendo células T-
CD4+ naïveque tiveram proliferação na periferia19.
A molécula de superfície CD31 (platelet endothelial cell adhesion molecule-1'
PECAM-1) pode ser de enorme utilidade para distinguir células T-CD4+
naïvetímicas/CD31+no sangue periférico de humanos saudáveis18.
Para além do fenótipo CD4+CD31+ que sustentam as RTEs os círculos de excisão do
receptor da célula T (T cell receptor excision circles'TRECs) são outro
interessante marcador18-20. Os TRECs são episomas estáveis de ADN formados
durante o rearranjo do receptor T em células α/β e que se localizam no
citoplasma celular19. Na constituição do receptor é gerado um signal jointTREC
durante o próprio processo de rearranjo em cerca de 2/3 de células Thα/β20.
Como os TRECs não se replicam durante a mitose permite aquilatar o fenótipo de
célula RTE18.
No indivíduo saudável a variabilidade na quantificação de TRECs em células
periféricas é muito reduzida ao longo do tempo, sustentando que a função tímica
se mantém de uma forma relativamente constante20. São detectados em RTEs CD4+ e
CD8+, células T-CD45RA+ e T-CD45RO+ ou em células mononucleares circulantes18.
Assim, a análise paralela de CD31-TRECs é, por definição, um marcador de
desenvolvimento estreitamente relacionado com a função tímica, e a concentração
à periferia pode ser preconizada para estimar a produção e a reconstituição
imune.
O objectivo deste estudo foi avaliar a produção de células RTEs e do número de
TRECs linfocitários que possam suportar o mecanismo fulcral do tecido funcional
tímico na agressão alérgica e na indução da tolerância imune subjacente à
imunoterapia específica, plenamente reportada na literatura.
MATERIAL E MÉTODOS
Doentes e população saudável
Foram seleccionados doentes com alergia respiratória a Dermatophagoides
pteronyssinus(Dpt), com asma brônquica persistente moderada, controlada21,
associando rinite persistente moderada/grave22, seguidos na Consulta de
Imunoalergologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra. Todos os doentes
adultos, de ambos os sexos, assinaram o seu consentimento informado, e o estudo
foi aprovado pela Comissão de Ética do Hospital. O estudo decorreu de Janeiro a
Março de 2009.
Nenhum dos doentes apresentava outra patologia, para além da doença alérgica,
nomeadamente doença inflamatória, infecciosa ou distúrbio mental. Não existia
medicação farmacológica em curso, para além da requerida para a doença
alérgica, excepto anticoncepcionais orais em algumas mulheres, sendo excluídos
estados de gravidez.
O grupo controlo foi seleccionado de uma população de indivíduos saudáveis de
potenciais dadores de órgão, tendo sido excluída doença alérgica.
Foram objecto de estudo os seguintes grupos de doentes:
' Grupo I: 44 doentes alérgicos sem tratamento anterior com imunoterapia
específica, para realização de prova de provocação alergénica específica com
Dpt (nasal ou conjuntival).
' Grupo II: 41 doentes alérgicos em tratamento de manutenção com imunoterapia
específica (SCIT ou SLIT) há pelo menos 1 ano e nos quais foi possível
demonstrar eficácia clínica traduzida pela completa remissão dos sintomas,
ausência de medicação antialérgica preventiva, e/ou sintomática em períodos de
agudização, bem como por evolução favorável de parâmetros laboratoriais,
nomeadamente redução da reactividade cutânea ao alergénio em testes cutâneos
por picada, redução da concentração sérica de IgE específica relativamente ao
início do tratamento.
Todos os extractos terapêuticos foram da Bial'Aristegui® (Bilbao, Espanha):
SLIT (aquosos, 0,97 μg/ml de Der p 1 e Der p2, na dose de 5 gotas) e SCIT
(polimerizados, 1,95 μg/ml de Der p1 e Der p2, correspondendo a injecção
subcutânea de 0,5 cc), administrados sob estrita vigilância hospitalar. O dia
de administração coincidiu com o previsto no esquema terapêutico de manutenção
(mensal para SCIT e 3 vezes na semana para SLIT).
' Grupo III: 10 indivíduos saudáveis. Nos doentes alérgicos foi solicitada a
interrupção de tratamento de anti-histamínicos sistémicos e/ou locais por 3
dias, e corticosteróides tópicos e anti-leucotrienos sistémicos nos 8 dias
anteriores ao estudo.
Provas de provocação específicas: nasal e conjuntival
Foi utilizado um extracto alergénico de Dpt (23μg/ml de Der p1, Bial -
Aristegui®, Bilbao, Espanha), diluído na concentração de 1/10. Esta
concentração foi selecionada após se garantir que era a requerida na indução de
uma pápula cutânea mínima de 3 mm de diâmetro e que em estudos anteriores
assegurava resposta positiva na prova nasal e conjuntival12. Os procedimentos
foram realizados de manhã e após uma adaptação à temperatura ambiente durante
30 minutos.
A prova de provocação nasal específica foi realizada com aplicação unilateral
de 2 pulverizações consecutivas (volume de 160 μl) da solução alergénica
aerossolizada por via nasal a nível do corneto médio, em expiração.
A prova de provocação conjuntival consistiu na aplicação unilateral de uma gota
(50 μl) da solução alergénica no quadrante inferior externo da conjuntiva
bulbar, unilateralmente.
Os sintomas nasais e conjuntivais foram recolhidos ao longo de 5 minutos após a
provocação, utilizando scoresclínicos padronizados que asseguram a positividade
da resposta23,24.
Extracto alergénico terapêutico
Os extractos administrados foram provenientes da Bial - Aristegui® para todos
os doentes. Nas administrações subcutâneas foi utilizado um extracto modificado
por glutaraldeído, num volume de 0,50 cc e de 5 gotas de um extracto aquoso de
Dpt na administração sublingual, pelas técnicas comuns5,8. Em todos os doentes
a dose de manutenção foi administrada respeitando, em absoluto, o esquema
individual em curso.
PROCEDIMENTOS LABORATORIAIS
Amostras de sangue
Após venopunção foi recolhido 30 ml de sangue periférico para tubo revestido de
heparina e para PAXgene Blood RNA Tubes (Qiagen®).
Para todos os doentes e controlos foi efectuada colheita sanguínea em dois
tempos. Em T0 antes da prova de provocação ou da administração da imunoterapia
específica subcutânea ou sublingual e, num segundo tempo, aos 60 minutos (T60)
ou 240 minutos após o procedimento diagnóstico ou terapêutico (T240).
Nos indivíduos saudáveis do Grupo III foram realizadas três colheitas no mesmo
dia com os mesmos intervalos de tempo idênticos aos do grupo activo de estudo.
Separação de populações linfocitárias T
As populações CD4+ e CD8+ foram isoladas de polimorfonucleares circulantes por
imunosselecção positiva utilizando Dynal beadsespecíficos, de acordo com
procedimentos específicos (Dynal®, Oslo, Noruega).
O estudo da celularidade para determinação dos receptores celulares de
superfície foi efectuado por método de imunofluorescência directa em citómetro
de fluxo FACSCalibur (Beckton-Dickinson, EUA) usando fluorocromos ligados a
anticorpos monoclonais específicos para CD3, CD4, CD8, CD31, CD45RA e CD45RO.
Quantificação de TRECs por PCR em tempo real
Procedeu-se a quantificação dos TRECs em células CD4+/CD31', CD4+/CD31+, CD8+/
CD31 - CD8+/CD31+ por PCR em tempo real (PCR -rt) com 5´ -nuclease (TaqMan) num
sistema ABI 7900 (Perkin - Elmer®, Norwalk, EUA).
As células foram classificadas por utilização de combinação de anticorpos
monoclonais: CD3 - PE (Beckman Coulter), CD4 - APC (Beckman Coulter), CD8-PercP
Cy5.5 (Becton Dickinson), CD31 -FITC (BD Pharmingen®, San Diego, EUA).
O ADN foi extraído por lise celular com 5μl de proteinase K (100 μg/ml) pelo
menos durante 1 hora de incubação a 56ºC seguido de incubação a 95ºC durante 15
minutos.
Foi efectuado PCR-rt em 5μl do lisado celular (±50000 células) com primers: F-
5´-CACATCCCTTTCAACCATGCT e R-5´-GCCAGCTGCAGGGTTTAGG, e probe5´ -
[6FAM]ACACCTCTGGTTTTTGTA AAGGTGC CCACT[TAM] (Sigma-Aldrich, EUA). A reacção
decorreu sob 0,125 μl de Taq polimerase, 3,5 μl MgCl2 25 mM, 0,5 μl dNTPs 10
mM, 1 μl de cada primer12.5 uM, 1 μl sonda 5 uM, 0,25 μl de BD636 de referência
(Megabases) para um total de 25 μl de água. As condições requereram aquecimento
a 95ºC durante 5 minutos, posteriormente na mesma temperatura durante 30
segundos, a 6ºC durante um minuto, para 40 ciclos efectuados. Uma curva
estandardizada foi traçada usando 5 ml do standardcom 103, 104 e 105 moléculas
de plasmídeo e o número de TRECs nas amostras foi obtido usando sofware SDS2.0
Perkin-Elmer, Norwalk, EUA.
O número de cópias de TRECs em cada amostra foi calculado pela interpolação na
curva-padrão e os resultados reportados a 100 000 células. Os resultados foram
efectuados em duplicado em cada amostra para minimização de erro.
Estudo estatístico
A concentração foi expressa em média e desvio-padrão referente a 100 000
células. O teste de Wilcoxon signed-rank(amostras emparelhadas) foi usado para
comparar as determinações em tempos distintos. O teste de Kruskal-Wallis (one-
way analysis of variance)e o teste de Mann-Whitney Uforam usados para aferir
diferenças entre grupos distintos. Foi considerado significância para p<0,05.
RESULTADOS
No Quadro 1 apresentam-se as características demográficas e clínicas da amostra
de doentes e dos controlos saudáveis.
Quadro 1. Caracterização da amostra
Todos os doentes submetidos a provocação alérgica específica apresentaram
scoresclínicos compatíveis com a positividade do teste. Nos doentes submetidos
a imunoterapia específica não foram observados efeitos adversos locais ou
sistémicos. Não existiram diferenças relevantes nas características clínicas
dos doentes estudados nos diferentes grupos e subgrupos.
Relativamente ao número total de células CD4+ e CD8+ não foram observadas
diferenças significativas nos doentes submetidos a provocação alérgica
específica (nasal e conjuntival) nos dois tempos considerados. O mesmo ocorreu
Celso Pereira, Graça Loureiro, António Martinho, Artur Paiva, Beatriz Tavares,
Daniel Machado, Rodrigo Nunes, Susana Pedreira, Maria Luísa Pais, António
Segorbe-Luís no grupo de doentes submetidos a tratamento com imunoterapia
(subcutânea ou sublingual).
No grupo controlo de indivíduos saudáveis não foi observada diferença relevante
individual na determinação do número de TRECs em 100 000 células CD4+CD31+ ou
CD8+CD31+. Nestes indivíduos as determinações obtidas 1 hora e 4 horas após a
primeira colheita não revelaram oscilações relevantes, sustentando um
metabolismo constante.
Em alguns doentes não foi possível obter resultados por dificuldades técnicas,
da qualidade das amostras de ADN, particularmente no grupo em tratamento com
SCIT estudado 1 hora após a administração.
Nos doentes alérgicos submetidos a provocação específica (Grupo I) são patentes
significativas variações do número de TRECs em linfócitos periféricos. A
provocação alergénica por via nasal, comparativamente à administração de
alergénio na conjuntiva, parece ser a que induz uma resposta mais expressiva
(TRECs/CD4+CD31+), com uma elevação mais pronunciada, particularmente no grupo
em que a segunda amostra ocorreu à 4.ª hora (Figura 1).
Figura 1. Número de TRECs por 100 000 células CD4+ CD31+ em doentes (Grupo I)
submetidos a prova de provocação alérgica específica (nasal e conjuntival). Os
resultados são indicados para cada doente, em condições basais e aos 60 ou 240
minutos após a primeira colheita sanguínea.
O número de TRECs em células CD4+CD31+ parece reduzir-se sob efeito da
imunoterapia específica, particularmente no grupo estudado após 240 minutos da
administração do extracto terapêutico, apesar de alguns doentes apresentarem
efeitos divergentes (Figura 2).
Figura_2. Número de TRECs por 100 000 células CD4+ CD31+ em doentes (Grupo II)
submetidos a imunoterapia específica (SCIT e SLIT). Os resultados são indicados
para cada doente, em condições basais e aos 60 ou 240 minutos após a primeira
colheita sanguínea.
Relativamente ao número de TRECs na população CD8+CD31+ foram observadas
diferenças induzidas quer pela provocação específica quer por efeito
terapêutico (Figuras 3 e 4). Comparativamente aos resultados na célula
CD4+CD31+, verificou- se uma maior inconsistência dos resultados com valores
muito divergentes nos doentes incluídos nos diferentes subgrupos.
Figura 3. Número de TRECs por 100 000 células CD8+ CD31+ em doentes (Grupo I)
submetidos a prova de provocação alérgica específica (nasal e conjuntival). Os
resultados são indicados para cada doente, em condições basais e aos 60 ou 240
minutos após a primeira colheita sanguínea.
Figura 4. Número de TRECs por 100 000 células CD8+ CD31+ em doentes (Grupo II)
submetidos a imunoterapia específica (SCIT e SLIT). Os resultados são indicados
para cada doente, em condições basais e aos 60 ou 240 minutos após a primeira
colheita sanguínea.
Apesar de ser mais importante a avaliação do comportamento individual da
resposta dinâmica ao alergénio ou ao tratamento, analisamos também os valores
médios basais de TRECs/100 000 células CD4+CD31+ obtidos na totalidade dos 3
grupos em estudo. Nos doentes em IT em fase de manutenção, com excelente
resposta terapêutica, o valor médio, ainda que mais elevado, não tem
significado estatístico (p=0,32) comparativamente aos doentes alérgicos não
sujeitos a tratamento específico (Figura 5).
Figura 5. Média do número de TRECs por 100 000 células obtidas nos três grupos
(III -controlo saudável; I - provocação alérgica, II - administração de
imunoterapia específica) em condições basais (T0).
No plano clínico, quer a provocação nasal, quer a provocação conjuntival,
determinaram scoresde positividade da reacção alérgica. Da mesma forma, quer a
SCIT, quer a SLIT demonstraram, no plano clínico, excelente resposta.
Os resultados obtidos, particularmente para o número de TRECs/100 000 células
CD4+CD31+, determinaram variações nos tempos considerados, muito diferentes do
observado em indivíduos saudáveis.
Quando analisados os valores médios obtidos para a totalidade dos doentes
submetidos a teste de provocação, verifica-se que a resposta alérgica, nos
doentes avaliados 1 hora e 4 horas após o contacto com o alergénio, determina
uma elevação progressiva (sem significado estatístico), inversamente ao
observado após a administração do extracto terapêutico.
DISCUSSÃO
A determinação do outputtímico por quantificação de TRECs é uma linha de
investigação com enorme interesse na transplantação, infecção, autoimunidade e
imunodeficiências25. Não temos conhecimento, até ao presente, de que esta
metodologia tenha sido empreendida no estudo da alergia respiratória mediada
por IgE.
Os indivíduos saudáveis apresentam uma muito reduzida variabilidade das
contagens de TRECs ao longo do tempo, sustentando a funcionalidade e
metabolismo funcional do timo, apesar do declínio com a idade20. No nosso grupo
controlo foram observados valores para cada doente em espectros muito variados,
mas estáveis pelo menos durante as 4 horas de observação. Vários estudos
salientam a redução do número total de TRECs em doenças inflamatórias crónicas
comparativamente a controlos saudáveis, nomeadamente na dermatite atópica,
artrite reumatóide ou lúpus eritematoso20,29,30.
O nosso grupo, em estudos anteriores, pode demonstrar in vivoa precocidade da
resposta a alergénios nos órgãos imunes centrais12-14, bem mais céleres do que
os
sustentados por vários trabalhos em estudos de biopsias medulares26-28. A
persistência ao longo da vida da integridade imunológica da célula T é
garantida por uma actividade funcional tímica, apesar da involução anatómica,
que pôde ser visualizada por cintigrafia de leucócitos marcados e essa
intervenção, também ela, ocorre de forma muito precoce na alergia IgE mediada.
A determinação de TRECs reflecte não só a função do timo, mas é também
influenciado pelo metabolismo da célula T na periferia. A avaliação do número
de TRECs presentes em 100 000 células CD31+ de duas populações T possibilita
uma maior aproximação à efectiva actividade tímica, traduzida por jovens e
imaturas RTEs. Estas são células T naïveperiféricas sem proliferação periférica
ou selecção antigénica18. Apesar de não existir um marcador exclusivo destas
células, a metodologia que desenhámos, determinação de TRECs em células CD31+,
constitui o parâmetro actualmente mais próximo de aferição da actividade tímica
em humanos.
Neste contexto, é de extrema relevância a avaliação dos resultados individuais
obtidos nos diferentes subgrupos de doentes estudados, uma vez que a enorme
variabilidade individual não permite uma inequívoca avaliação dos valores
médios da amostra. Um grupo controlo de doentes alérgicos não pareceu
relevante, uma vez que o tempo T0 dos doentes do Grupo I constitui um controlo.
Nos diferentes grupos e subgrupos considerados, a análise dos resultados tendo
como base a média dos valores obtidos tem uma diminuta importância, uma vez que
é mais importante avaliar a dinâmica individual da resposta nos tempos de
estudo definidos. De facto, apesar de em cada doente se ter observado uma
variação apreciável dos valores reportados a RTEs, não foram detectadas
diferenças
significativas nos valores médios da percentagem de células CD4+CD31+ ou
CD8+CD31+ face ao número total de células CD4+ ou CD8+, respectivamente.
Nos nossos doentes com alergia respiratória, apesar de o estudo ter ocorrido em
período de estabilização clínica, o valor basal de TRECs em células CD4+CD31+
foi inferior, comparativamente ao grupo controlo. Esse valor basal foi, porém,
mais elevado no grupo de doentes sob tratamento com IT, corroborando o
mecanismo central deste tratamento.
A variabilidade da determinação na maioria dos grupos activos em estudo foi
muito expressiva, atestando a actividade funcional do sistema imune central.
Foi, também, evidente que a resposta individual de cada doente é muito
variável, naturalmente dependente da expressão génica desse doente, apesar de
uma clínica semelhante e de uma idêntica sensibilização alérgica, neste caso a
Dermatophagoidespteronyssinus.
O teste de provocação específico nasal e ocular determinou idêntico perfil de
outputde RTEs no sangue periférico logo após os primeiros 60 minutos. Embora no
mesmo doente não tenha sido efectuada uma segunda determinação, o grupo de
doentes estudados à 4.ª hora parece descrever um aumento, dependente do tempo,
estatisticamente significativo (Figura_2).
Apesar da população total de células T CD4+ e CD8+circulantes estarem
conservadas nos doentes alérgicos,comparativamente aos controlos saudáveis, a
redução de RTEs poderá ser resultado do estado inflamatório crónico20,29.
Os mediadores mastocitários localmente libertados aumentam a expressão de
moléculas de adesão em vénulas pós-capilares. Esta situação pode permitir um
homingde leucócitos circulantes possibilitando infiltração celular à distância.
Existe evidência suficiente que sustenta que nas fases iniciais da reacção
alérgica ocorre um recrutamento selectivo de linfócitos T CD4+ para o
compartimento extravascular nos locais onde ocorre a estimulação alergénica31.
Esta recirculação celular e a posterior focalização torna a doença alérgica
mediada por IgE um processo dinâmico e sistémico. Resultados anteriores
demonstram que a resposta celular se inicia em períodos muito precoces
subsequentes ao início da reacção, na fase imediata do mecanismo de
hipersensibilidade tipo I12.
A resposta mediada por IgE induz envolvimento imunolinfático em estruturas
adjacentes. A posterior amplificação da reacção alérgica a órgãos linfóides
locorregionais é determinante, paralelamente à recirculação de leucócitos
circulantes a estruturas linfóides primárias, nomeadamente medula óssea e
tecido funcional tímico. Estas estruturas são, pois, responsáveis pela indução
de uma resposta imune sistémica após exposição alergénica específica e
controlada.
Na reacção alérgica a população mais interessada parece ser TRECs/CD4+CD31+, ao
contrário do observado na dermatite atópica20. Na maioria dos doentes
observamos, globalmente, um aumento de células T naïvecirculantes, podendo
significar uma capacidade para um outputde maturação de células tímicas capazes
de controlar a magnitude da própria reacção.
Na imunoterapia específica a indução de células T-reg constitui, na
actualidade, um dos efeitos mais relevantes no mecanismo modulador6. A
administração terapêutica por via intraganglionar pressupõe, naturalmente, a
intervenção directa do sistema imunitário11, apesar de as vias subcutânea e
sublingual induzirem idêntico efeito13,14. Nos nossos doentes em tratamento de
manutenção observamos, comparativamente aos controlos saudáveis, uma redução de
RTEs circulantes, embora em valores médios superiores ao grupo de doentes
alérgicos não submetidos a este tratamento.
O envolvimento precoce da medula óssea e do tecido funcional tímico é também
observado, mas obviamente que os mecanismos e os alvos serão seguramente
distintos da reacção alérgica.
A indução de células T-reg é determinante no mecanismo da imunoterapia, apesar
de constituírem uma população heterogénea que inclui: CD4+CD25+ naturais e as
induzidas na periferia após exposição antigénica (Tr1, Th3 e CD8+
reguladoras)32. Da análise dos resultados admitimos que a necessidade dessa
produção necessite de um tempo de maturação no tecido tímico, motivo pelo que
após a administração do extracto terapêutico é observada uma redução circulante
de RTEs (TRECs/CD31+).
Os nossos resultados sustentam que o sistema imune central é, efectivamente, um
alvo da reacção alérgica IgE mediada e na IT. O tecido funcional tímico
intervém precocemente, uma vez que o outputde RTEs apresenta enorme
variabilidade, bem diferente do que ocorre no indivíduo saudável, em que esses
níveis são constantes ao longo do tempo. Admitimos que na reacção alérgica a
pronta libertação de células tímicas naïveseja resultado do próprio mecanismos
patogénico e/ou de regulação da própria reacção.
Já no mecanismo da IT a aparente redução destas células poderá traduzir um
influxo celular ao tecido funcional tímico para posterior maturação de
linfócitos T-reg.
Presumimos que uma avaliação mais tardia da provocação alérgica ou da IT possa
evidenciar diferenças mais significativas na análise individual e de grupo.
Considera'se relevante estudos adicionais de caracterização de marcadores
celulares específicos destas populações de RTEs, capazes de regularem a
reconstituição do compartimento T, capazes de explorar novas estratégias
terapêuticas no tratamento da alergia e da doença alérgica mediada por IgE.