Tatuagens temporárias: Inofensivas?
INTRODUÇÃO
As tatuagens temporárias com hena são usadas tradicionalmente nos países
islâmicos ou orientais, para tingir o cabelo, as unhas e a pele1‑3, como parte
de costumes religiosos ou culturais. A hena é obtida a partir das folhas de
Lawsonia inermise, no seu estado natural, tem a aparência de um pó verde que
produz uma tinta vermelha uma vez dissolvido1. Na preparação pode ser misturado
com vários produtos de origem natural (chá, café, sumo de limão, água de
rosas), ou química (parafenilenodiamina ' PPDA). Vários tons de castanho ou até
preto são obtidos através da adição de PPDA; estes são frequentemente usados em
tatuagens temporárias1. A PPDA é conhecida por ser um sensibilizante potente,
muitas vezes associado a elevado risco de sensibilização activa1. A verdadeira
alergia a hena, causada pelo seu ingrediente activo, Lawsone, é rara4.
A popularidade das tatuagens temporárias tem vindo a aumentar nos últimos anos,
sobretudo entre turistas em estâncias balneares, onde se têm tornado uma
prática comum pela ausência de risco infeccioso (vírus da imunodeficiência
humana, hepatite), aplicação indolor, duração limitada e baixo custo5,6. Apesar
do número de reacções adversas reportadas após aplicação de hena na pele, o seu
potencial para induzir reacções alérgicas ainda é largamente subestimado. As
tatuagens com PPDA são a causa mais frequente de dermatite de contacto nas
crianças7.
CASO CLÍNICO
Adolescente do sexo feminino, 16 anos, sem antecedentes pessoais relevantes,
observada no serviço de urgência pediátrica por lesão eczematosa no dorso da
mão com a forma de uma flor (Figuras 1 e 2), que surgiu 9 dias após aplicação
de tatuagem de hena numa estância de férias. Negou, nesse momento, contacto
prévio com hena ou tintas de cabelo no passado. Foi medicada com
anti‑histaminico H1 (levocetirizina 5mg/dia) e corticóide tópico (mometasona
1mg/g) durante uma semana com resolução completa, sem lesão residual.
Foi referenciada à consulta de Imunoalergologia para investigação aprofundada,
onde realizou testes de contacto com a bateria standarddo Grupo Português de
Dermatites de Contacto, os quais foram fortemente positivos para PPDA 1%.
Verificou‑se também uma reacção mais ligeira ao sulfato de níquel 5%.
Quando novamente questionada, a mãe da doente recordou‑se da aplicação de outra
tatuagem semelhante, 8 anos antes, durante as férias de verão, sem qualquer
reacção.
DISCUSSÃO
A frequência da dermatite de contacto alérgica devida a PPDA tem aumentado nos
últimos anos. Nas crianças, as tatuagens temporárias têm sido o principal
motivo7.
Estas têm maior probabilidade de induzir sensibilização do que as tintas de
cabelo, dada a duração da exposição durante o procedimento, que pode durar
várias horas3.
Neste contexto a PPDA é usada para estabilizar a preparação, escurecer a cor,
acelerar o processo de tatuagem e produzir desenhos mais definidos8.
A PPDA habitualmente induz reacções de hipersensibilidade do tipo IV. De acordo
com as leis europeias, a concentração máxima permitida nos produtos capilares é
de 6% e a sua aplicação directa na pele, pestanas e sobrancelhas, é
proibida6,9. No entanto, não existe legislação relativa às tatuagens
temporárias e os produtos usados contêm frequentemente concentrações de PPDA
mais elevadas.
No caso reportado, um primeiro contacto foi mais tarde identificado, tendo sido
este provavelmente o responsável pela sensibilização primária. Contudo, pode
ocorrer sensibilização activa devido à potência da PPDA, reduzindo o período de
sensibilização e permitindo a ocorrência de sensibilização e reacção na mesma
aplicação, sem exposição prévia10.
O termo temporário e o facto de a hena ser uma substância de origem natural
induz falsa segurança. Os autores chamam a atenção para esta prática, cada vez
mais frequente em crianças; as tatuagens temporárias podem não ser tão
inofensivas quanto aparentam e podem induzir sensibilização permanente a uma
substância que pode apresentar reactividade cruzada com produtos mais comuns,
como tintas de cabelo e de têxteis.