Caso Estomatológico
Criança de dois anos de idade que foi enviada à consulta de Estomatologia
devido ao aparecimento de múltiplas vesículas de pequeno diâmetro localizadas à
região da língua, mucosas gengival e palatina bem como na região periorbicular
da boca, acompanhadas de hipertermia e recusa alimentar.
Ao exame objectivo a criança apresenta bom desenvolvimento estato-ponderal.
A nível oral apresentava múltiplas lesão vesiculares intra e extra orais com
predomínio na região periorbicular da boca e na língua, de pequeno diâmetro
(Figura 1).
Antecedentes pessoais e familiares irrelevantes.
Face ao descrito:
Qual o seu diagnóstico? Qual a sua atitude?
COMENTÁRIOS
O caso clínico descrito refere-se a GENGIVOESTOMATITE HERPÉTICA.
A doença é provocada pelo vírus Herpes simplex tipo I, um agente que
normalmente habita nos tecidos infectados e nas lesões activas dos indivíduos
afectados por este problema, com uma especial propensão para os tecidos cutâneo
e nervoso.
O vírus herpes simplex tipo I (VHS-I) é o responsável pelas lesões que aparecem
na parte superior do corpo, nomeadamente nos olhos, no tronco e nos dedos das
mãos.
O contágio do VHS-I efectua-se através do contacto directo com as lesões
activas de uma pessoa infectada ou através de objectos contaminados. A infecção
por este vírus é muito comum e ocorre geralmente durante a infância.
Após o contágio, os vírus invadem o tecido nervoso, instalando-se nos gânglios
nervosos mais próximos, onde permanecem ao longo de toda a vida do indivíduo
infectado.
Na maioria dos casos, a infecção não produz sinais ou sintomas, nem provoca
problemas, visto que os vírus se mantêm adormecidos. Embora as defesas do
organismo não consigam eliminá-los, conseguem evitar a sua rápida reprodução e
extensão aos tecidos adjacentes. No entanto há situações em que os vírus
reactivam-se uma ou várias vezes, originando lesões características. As causas
das reactivações não são conhecidas, mas constata-se que os episódios de
reactivação são, muitas vezes, desencadeados por uma exposição prolongada ao
sol, stress, febre, menstruação, gravidez ou a existência de doenças que
alterem o estado imunitário.
As manifestações clínicas variam consoante o tipo de vírus e a idade e o estado
do sistema imunitário da pessoa infectada.
Na infecção pelo VHS-I, existem dois tipos de manifestações habituais após o
primeiro contacto:
- a gengivoestomatite herpética, que se caracteriza por uma inflamação das
gengivas e lábios e, sobretudo, pela formação de inúmeras vesículas que
provocam ardor sobre a zona inflamada;
- a infecção cutânea herpética, que consiste na formação de uma placa elevada e
vermelha num sector da pele, sobretudo à volta da boca, no tronco ou nos dedos
das mãos, que se reveste de vesículas que originam um certo ardor, acompanhada
pela tumefacção dos gânglios linfáticos próximos da zona afectada.
Ambos os incidentes afectam com maior frequência os bebés, surgindo cerca de
cinco dias após o contágio e sendo muitas vezes acompanhados por febre e mal-
estar geral. Ao fim de alguns dias, as vesículas rebentam, permitindo a saída do
seu conteúdo líquido para o exterior, seguindo-se a formação de uma crosta que
acaba por cair.
Os episódios de reactivação da infecção por VHS-I apenas afectam 1 a 2% das
pessoas infectadas. Estes episódios manifestam-se através da formação de uma
placa vermelha sobre a zona do corpo afectada, sempre a mesma, que proporciona
o desenvolvimento de uma série de vesículas, normalmente agrupadas, muito
pruriginosas, por vezes dolorosas.
A gengivoestomatite herpética tem tratamento sintomático, recorrendo-se ao uso
de AINE e a uma dieta líquida, à base de bebidas não-ácidas frescas ou geladas.
O uso do aciclovir pode acelerar a recuperação.
A evolução da patologia é para a recuperação completa em 10 dias.
Ocasionalmente podem surgir complicações como ceratoconjuntivite herpética. O
motivo que mais frequentemente leva a internamento de crianças com esta
patologia é a desidratação, pois a criança pode recusar comer e beber
adequadamente por causa da boca dorida.