Prevenção de Acidentes: o que sabem os pais
INTRODUÇÃO
Os traumatismos e as lesões são, em Portugal, a principal causa de morte das
crianças e adolescentes entre os 0 e os 19 anos.(1) Entre 2001 e 2005 houve uma
redução acentuada no número de mortes (menos 151 mortes). (1) No entanto, os
traumatismos e lesões continuam a ser responsáveis por mais de 25% do total de
mortes neste grupo etário.(1)
Apesar desta redução, não podemos esquecer que as mortes são apenas a ponta do
iceberg, e que centenas de crianças são hospitalizadas na sequência de
acidentes que, muitas vezes, deixam sequelas para toda a vida.
Os acidentes rodoviários continuam a ser os mais importantes, sobretudo entre
os 15 e os 19 anos; enquanto o ambiente doméstico é onde ocorrem mais
frequentemente os acidentes durante os primeiros anos de vida.(1) Na verdade,
muitos destes acidentes acontecem em circunstâncias relativamente previsíveis.
As crianças pequenas não têm capacidade para avaliar o perigo, pelo que
qualquer objecto que encontram em casa é um brinquedo potencial.(2)
O nível socio-económico e a escolaridade paterna baixa são identificados como
factores de risco para acidentes. Estas crianças têm maior probabilidade de
estarem expostas a mais riscos, seja pelas condições precárias da habitação ou
por ambientes familiares problemáticos.(3)
Cabe aos cuidadores a vigilância e adopção de medidas e condutas seguras de
forma a evitar acidentes sérios. Contudo, não nos podemos esquecer que a
criança se desenvolve explorando o mundo que a rodeia, usando para isso os
cinco sentidos. Assim, as medidas de prevenção de acidentes, devem, dentro do
possível, permitir a liberdade necessária para esse desenvolvimento.(2,3)
OBJECTIVOS
Avaliar o conhecimento das normas de segurança infantil (regras gerais de
segurança da habitação, entre outras) e atitudes para a prevenção de acidentes
por parte dos pais, tendo em consideração o grau de habilitações académicas
(Ensino Básico (B), Ensino Secundário (S), Ensino Superior (SU)).
MATERIAL E MÉTODOS
Foi efectuado um estudo transversal, através da aplicação de um inquérito, aos
pais de crianças com idades compreendidas entre os 9 meses e os 6 anos de
idade, que frequentam infantários em Vila Real (concelho com 50131 habitantes),
Peso da Régua (concelho com 16992 habitantes) e Santa Marta de Penaguião
(concelho com 8075 habitantes).(4)
Na análise estatística utilizou-se o teste χ2 (p<0,05), recorrendo ao programa
SPSS versão 17.0.
Após preenchimento do inquérito, procedeu-se à distribuição de panfletos com
informações sobre prevenção de acidentes.
RESULTADOS
Foram entregues 350 inquéritos, tendo sido recolhidos 281 adequadamente
preenchidos por pais de crianças com idades compreendidas entre os 9 meses os 6
anos de idade. A média de idade das crianças foi de 2,9 anos.
Figura 1 'Distribuição das idades das crianças
Quanto às habilitações académicas dos pais: 20% (56) tinham a escolaridade
básica, 34% (95) o ensino secundário e 46% (130) tinham o ensino superior. A
maioria (99%) já tinha ouvido falar de prevenção de acidentes, sendo as
principais fontes de informação os meios de comunicação (86,7%), o médico
(69,5%) e os amigos (33,3%).
Na Tabela 1 apresenta-se os resultados (totais e segundo a escolaridade
académica) às diferentes questões.
Tabela 1 'Resultados totais e segundo as habilitações académicas dos pais.
Relativamente às medidas de segurança gerais da habitação salientam-se os
seguintes resultados: 40,2% sem trincos de segurança nas varandas ou janelas (B
26,8%, S 36,8%, SU 48,5%, p=0,014); ausência de protecção nas escadas em 47,5%
(B 17,9%, S 44,4%, SU 59,5%, p=0,000) e nas lareiras 28,1%. Referiram não ter
protecções de tomadas eléctricas 33,1% e 70,2% não usavam protecções das
esquinas de móveis. Apenas 49% possuíam material antiderrapante para os
tapetes.
Admitiram já ter deixado crianças sozinhas na cozinha 30,2% dos pais; 19,5% não
tinham facas guardadas em locais inacessíveis a crianças e 22,8% já tinham
cozinhado com as crianças ao colo. A maioria (86,1%) preocupava-se em usar os
bicos de trás do fogão e afastava da sua borda, os cabos ou pegas (95,0%). Em
relação aos detergentes, 49,1% não os guardavam em local inacessível e 8,5%
admitiram mudar o detergente da sua embalagem original, sendo este acto mais
frequente nos pais de escolaridade mais baixa (B 19,6%, S 11,6%, SU 1,5%,
p=0,000).
No banho, 15,3% já deixaram o filho sozinho na banheira, a maioria (94,3%)
esvaziava imediatamente a banheira, 97,5% verificavam a temperatura da água e
84,0% tinham tapetes anti-derrapantes.
No quarto, 6,0% dos pais admitiram usar cobertores eléctricos ou botijas de
água quente e 2,8% cobriam o candeeiro com pano para reduzir a luminosidade.
Todos os pais escolhiam os brinquedos de acordo com a idade; 34,2% das crianças
usa ou usou andarilho e 22,4% já deixaram os filhos ao cuidado de um menor (B
30,4%, S 25,3%, SU 7,8%, p 0,039). Apenas metade dos pais (52,3%) tinham
capacete para os filhos andarem de bicicleta ou triciclo.
No carro, 98,2% possuíam o sistema de retenção adequado, mas 32,4% admitiram já
ter transportado o filho ao colo.
A maioria (95,0%) tinha os medicamentos guardados em armários fechados ou
inacessíveis e cerca de metade (49,1%) tomava medicamentos em frente às
crianças.
Apenas 19 pais (6,8%) possuíam armas de fogo, em todos os casos guardados em
locais inacessíveis, mas 4 delas guardadas com munições.
No total, 19% já tinham sofrido algum tipo de acidente doméstico, o qual
motivou avaliação médica.
DISCUSSÃO/CONCLUSÕES
Muitos adultos não cumprem as regras básicas de segurança e a maioria das
habitações não parece estar devidamente preparada para a segurança das
crianças.
Um número significativo de pais não possui trincos de segurança nas varandas ou
janelas ou protecções nas escadas (40,2% e 47,5%, respectivamente), medidas de
prevenção importantes, dado que as quedas são um motivo frequente de recurso ao
serviço de urgência (3). Nestas medidas de prevenção de acidentes os pais com
habilitações académicas superiores são menos cumpridores, com valores
estatisticamente significativos.
Apesar do material de protecção de tomadas e esquinas dos móveis estar
disponível em locais acessíveis à população, muitos pais ainda não os aplicam
nas habitações (33,1% e 70,2%, respectivamente).
Os pais com menores habilitações académicas parecem ter maior propensão à troca
da embalagem original dos detergentes, causa comum de intoxicações na infância
e deixam mais vezes os filhos ao cuidado de um menor. Essas diferenças tiveram
significado estatístico.
Salienta-se o número ainda elevado (34,2%) de pais que permitem o uso do
andarilho e apenas cerca de metade, promove o uso de capacete para as
bicicletas ou triciclos.
As campanhas de prevenção de acidentes rodoviários, bem como o uso obrigatório
de sistema de retenção(5), levam a que a grande maioria tenha o sistema
adequado à idade; mas há ainda um número expressivo de pais (32,4%) que admitem
transportar os filhos ao colo no carro.
Considerando os diferentes graus de escolaridade e a aplicação de medidas de
segurança na habitação e no carro, só encontramos diferenças estatisticamente
significativas em quatro parâmetros dos 26 avaliados, não se evidenciando uma
relação entre o nível de educação e a adopção de medidas de prevenção de
acidentes pelas famílias.
Podemos observar que muitas regras de segurança são ainda desconhecidas ou,
então, não são bem implementadas pelos pais. Os médicos são sugeridos como uma
das principais fontes de informação sobre a prevenção de acidentes. A consulta
é a ocasião por excelência em que o médico pode promover a educação da família
na prevenção de acidentes, ao fornecer a informação de uma forma clara e
compreensível.
Os profissionais de saúde têm uma grande responsabilidade na educação e alerta
da família para a prevenção de acidentes, pois estes conferem-lhe uma grande
credibilidade. São intervenientes activos na mudança de comportamentos e
atitudes, no sentido da prevenção de acidentes e minimização das sequelas que
deles podem advir.
Face à sua importância, este tema tem estado na ordem do dia. A percepção como
factor causador de doença grave potencialmente evitável, tem levado à adopção
de medidas legais, criando normas adequadas à idade e tamanho pediátrico,
pretendendo criar um mundo mais seguro para as crianças. A criação de
associações cívicas com o objectivo de identificar as potenciais causas e
informar sob a sua prevenção tem permitido a execução de um trabalho de grande
importância, que se tem reflectido na melhoria dos indicadores.
Qualquer acidente com uma criança é uma situação potencialmente dramática, com
cobertura dos meios de comunicação social, que divulgando o facto lhe vai dar
importância e secundariamente alertar para as medidas de prevenção possíveis,
promovendo a sensibilização da população para este grave problema.
Desde há vários anos que a sociedade científica se centra na prevenção primária
de acidentes. A todos os profissionais de saúde cabe um papel de extrema
responsabilidade, quando sensibilizam e fornecem informação aos cuidadores
sobre esta problemática nos contactos programados ou incidentais que têm com a
criança.