Os genes ERCC1 e RRM1 no carcinoma broncopulmonar
Introdução
O carcinoma do pulmão continua hoje em dia a ser o mais frequente, sendo
responsável por aproximadamente um milhão de mortes/ano a nível mundial1. Ainda
se agrupa o cancro do pulmão em dois grupos: o carcinoma do pulmão de pequenas
células (SCLC), quimiossensível e com taxas de resposta na ordem dos 80% à
quimioterapia com cisplatina e etoposido; e o carcinoma de células não pequenas
(NSCLC), moderadamente quimiossensível, dependendo do estádio TMN, e com taxas
de resposta para tumores inoperáveis que variam de 30 a 60% para esquemas que
combinam platina com gemcitabina, vinorelbina, ou taxanos.
Neste grupo estão os tipos histológicos mais frequentes, o adenocarcinoma e o
carcinoma epidermóide
2,3
. O NSCLC é responsável por aproximadamente 80% de todos os casos de cancro do
pulmão. Aproximadamente 70% dos doentes apresenta um estádio avançado da doença
e a sobrevivência para os detectados em estádios mais tardios permanece
bastante pobre4. Apesar de a terapêutica cirúrgica ser a melhor opção nos
estádios mais precoces para estes doentes, metade poderá eventualmente sofrer
recidiva local ou à distância. Estudos clínicos desenvolvidos recentemente e
focados na quimioterapia adjuvante para NSCLC, baseada em regimes que têm por
principal agente os derivados da platina demonstraram que estes aumentam de
facto a sobrevivência5,6,7; contudo, a proporção de doentes que beneficiam da
quimioterapia adjuvante permanece ainda baixa. Em casos avançados, tratamento
duplo baseado em platina tem sido o inicial protocolado8, apesar de a
sobrevivência média de 10-12 meses ser obviamente ainda insatisfatória9, 10. É
portanto lógico pensar que novas abordagens para selecção dos melhores
candidatos à quimioterapia e para identificar os regimes terapêuticos mais
adequados são necessárias. A perspectiva da utilização de biomarcadores, com o
fim de atingir este objectivo, tem-se mostrado aliciante, sendo já considerável
a investigação actualmente orientada neste sentido4. Contudo, estudos clínicos
retrospectivos já realizados mostraram que apenas alguns destes biomarcadores
são clinicamente interessantes no que toca ao carcinoma do pulmão.
Actualmente, os mais referidos como candidatos a marcadores são o
excision'repair cross-complementation group 1(ERCC1), implicado como veremos
adiante na reparação do ADN; a subunidade do ribonucleotide reductase M1(RRM1),
implicada no metabolismo dos nucleótidos para a síntese de ADN; e o p53,
implicado no processo apoptótico11.
Tentaremos avaliar o impacto do nível expresso de ERCC1 e RRM1 pelas células
neoplásicas na sobrevivência dos doentes com cancro do pulmão; e comparar a
sobrevida pós-quimio terapia e os níveis de ERCC1 e polimorfismos de RRM1
expressos, de modo a que num futuro próximo seja possível optimizar e
personalizar o tratamento destes doentes.
ERCC1
O ERCC1 é a principal enzima da cascata NER: nucleotide excision repair,
mecanismo responsável pela reparação do ADN12. Esta enzima (de 33 kDa) é
codificada pelo gene ERCC1, de 15 kb, localizado no cromossoma 19q. Este gene
foi altamente preservado durante a evolução e é expresso em todos os tecidos em
níveis relativamente elevados.
Apesar de todas as suas funções não serem ainda conhecidas, é um facto
comprovado que ele é essencial à vida13. A importância da enzima por ele
codificada prende-se portanto com o seu papel no NER14, 15. De facto, estando a
informação genética armazenada na estrutura química do ADN, manter a sua
integridade estrutural é crucial e indispensável à vida. Subsequentemente,
complicados sistemas de reparação do ADN evoluíram neste sentido, entre os
quais se destaca o NER16. Na última década, todos os factores-chave do NER
foram identificados e o conhecimento sobre este mecanismo foi largamente
ampliado. Existem dois tipos distintos de reacções NER: um com funções de
reparação de danos e lesões, abrangendo todo o genoma, o global genome NER(GG-
NER); outro responsável pela reparação de lesões bloqueadoras da transcrição
presentes em sequências de ADN transcritas, o transcription-coupled NER(TC-
NER). A reacção TC-NER é iniciada pelo XPC, um sensor de danos no ADN e
recrutador da maquinaria de reparação, que inicia todo o processo de reparação
ao formarem complexo com o hHR23B. Uma vez que o segmento do dano no ADN, e
consequentemente a ser excisado, seja identificado, o complexo geral de
transcrição TFIIH, composto pelas helicases XPB e XPD, promove a separação das
duas fitas de ADN no local da lesão. No GG-NER, o complexo TFIIH consegue
iniciar a reacção sem a ajuda do complexo XPC-hHR23B. O XPA é então recrutado
identificando a lesão no ADN na forma de conformação aberta. A proteína de
replicação A estabiliza o ADN nessa conformação e posiciona a endonuclease XPG
(ERCC5), que procede à excisão na terminação 3' do segmento de ADN. Por fim, o
ERCC1 liga-se ao XPF para formar uma endonuclease responsável pela excisão na
terminação 5' da lesão17. O oligonucleótido contendo a lesão (tipicamente
constituído por 24-32 nucleótidos) é então removido. Factores de replicação são
activados, sendo o processo de reparação concluído18.
O NER contraria assim os efeitos deletérios de múltiplos insultos que causam
dano ao ADN, entre os quais estão os causados por químicos, por radiações
(nomeadamente as ondas UV da luz solar) e por várias toxinas ambientais19.
Perante tal facto, pode colocar-se a possibilidade de os mecanismos de
reparação do ADN, como o NER, poderem desempenhar um papel fundamental na
carcinogénese. Simultaneamente, são instrumentos úteis na definição do
prognóstico e resposta ao tratamento, uma vez que um aumento da sua capacidade
de reparação do ADN leva provavelmente a um aumento da resistência a certos
tipos de quimiofármacos18.
Estudos recentes clarificaram o papel do NER na história natural e na resposta
ao tratamento em doentes com NSCLC. O estado funcional do NER é avaliado em
espécimes clínicos através da medição do ERCC1. De facto, quer o ERCC1 mRNA,
quer a proteína ERCC1 podem ser quantificados. O primeiro por técnicas de
reverse-transcriptase polymerase chain reaction(RT-PCR) e a segunda através de
técnicas de imunoistoquímica20, 21.
Os níveis de ERCC1 em amostras do tumor são assim presumíveis representantes de
todo o NER18. Entretanto, há ainda a ter em consideração o facto de a expressão
do gene ERCC1 e, consequentemente, os níveis da enzima correspondente, serem
influenciados por alterações genéticas, nomeadamente pela presença de
determinados polimorfismos (single nucleotide polymorphisms' SNP). De facto, a
perda de heterozigotismo nos genes do NER foi já observada em carcinomas do
pulmão22 , e a expressão de níveis reduzidos de mRNA dos genes NER foi
observado nos linfócitos do sangue periférico (PBL) de doentes com carcinoma do
pulmão23. Alguns dos SNP actualmente mais abordados numa perspectiva de
investigação da sua influência na expressão do ERCC1, e consequente possível
relação com a carcinogénese e resistência a fármacos citostáticos, são o códão
118 C/T, o C8092A24-28 e o C15310G29. O polimorfismo códão 118 C/Testá
associado a diminuições nos níveis de ERCC1 mRNA e, consequentemente, à
proteína correspondente30; já o polimorfismo C8092A,localizado na região 3'-
untranslateddo gene, poderá afectar a estabilidade do ERCC1 mRNA27.
RRM1
O gene RRM1 (ribonucleotide reductase M1 polypeptide) está localizado no
segmento 11p15.5 do cromossoma 11, região com importância na supressão tumoral.
Codifica a subunidade grande (M1) da ribonucleótido-redutase, enzima
heterodimérica, essencial para a produção de ADN, antes da sua síntese, na fase
S, da divisão celular31. A ribonucleótido-redutase é constituída por duas
subunidades não idênticas, R1 e R2, sendo a única enzima conhecida que converte
ribonucleótidos em desoxirribonu- cleótidos, sendo uma etapa fundamental na
polimerização e na reparação de ADN32.
Tem como função ligar ATP e nucleótidos, apresenta actividade de oxiredutase na
ligação às proteínas e actividade de ribonucleótido-difosfato-redutase.
Alterações na região onde se encontra este gene estão associadas a síndroma de
Beckwith-Wiedemann, tumor de Wilms, rabdomiossarcoma e carcinomas da
suprarenal, do pulmão, do ovário e da mama31,33.
A actividade reguladora da subunidade ribonucleótido-redutase está envolvida na
carcinogénese, na progressão tumoral e na resposta ao tratamento das células no
cancro do pulmão de não pequenas células. LOH11A é uma região do cromossoma
11p15.5, onde 75% dos carcinomas do pulmão de não pequenas células mostram
perda de heterozigotia (LOH). Estudos clínicos e culturas de células sugerem
que a LOH11A contém um gene supressor tumoral.
Em células geneticamente modificadas para cancro do pulmão, um aumento na
expressão da proteína RRM1 aumenta a expressão da fosfatase e da tensina
homóloga ' PTEN (inibidor da proliferação celular), diminui a fosforilação da
adesão cinase focal, inibe a migração, a invasão celular e a formação de
metástases3 ,34, 35.
Altos níveis de expressão do gene RRM1 estão associados a uma longa sobrevida
em doentes submetidos a ressecção cirúrgica completa do carcinoma do pulmão de
não pequenas células em estádios iniciais; baixos níveis de expressão do gene
estão associados a sobrevivência baixa destes doentes34,36.
A gemcitabina (2' 2 -difluoro deo xycytidine[dFdC]) é uma pirimidina análoga à
desoxicitidina, penetra nas células pelo mecanismo de transporte facilitado de
nucleotídeos, sendo fosforilada sucessivamente nas formas de monofosfato,
difosfato e trifosfato37, 38. O difosfato de dFdC é um inibidor da enzima
ribonucleótido-redutase e o trifosfato de dFdC compete com o trifosfato de
desoxicitidina na incorporação ao ADN, ao mesmo tempo que inibe a fosforilação
da desoxicitidina, produzindo a interrupção do processo de polimerização do
ADN.
O desenvolvimento da resistência à gemcitabina é um grande problema no
tratamento das neoplasias e essa resistência pode ser inerente ou adquirida.
Em múltiplos estudos in vitro,o principal mecanismo de resistência à
gemcitabina é um decréscimo da actividade da dCK (deoxicitidina cinase). No
entanto, a resistência a este fármaco pode incluir outros mecanismos, como o
aumento da actividade da desoxicitidina desaminase e da ribonucleó tido-
redutase, a diminuição da acumulação de trifosfatos e a alteração da ADN-
polimerase39.
Como a gemcitabina é um dos principais agentes de quimioterapia para o cancro
do pulmão de não pequenas células, e sendo o gene RRM1 um determinante celular
da eficácia dos análogos nucleótidos da gemcitabina, a expressão aumentada do
RRM1 aumenta a resistência do tumor à quimioterapia, enquanto o inverso confere
sensibilidade10.
A determinação dos níveis de expressão de RRM1 foi tecnicamente difícil; no
entanto, com o desenvolvimento de uma técnica de imunoistoquímica e a
integração de um sistema totalmente automatizado e quantitativo, a análise de
expressão génica do RRM1 está agora mais objectiva, fiável e reprodutível34.
A expressão do gene RRM1 é influenciada por alterações genéticas,
designadamente polimorfismos. O conhecimento destes pode ter um papel
importante na escolha do tratamento mais adaptado a cada doente10.
Altos níveis de expressão de RRM1 são determinantes nos níveis de sobrevivência
no cancro do pulmão de não pequenas células, porque estão associados a uma
fraca resposta à quimioterapia com gemcitabina34.
Discussão
Actualmente, o tratamento-padrão em doentes com NSCLC metastático e incurável,
é um regime quimioterapêutico assente na combinação de dois fármacos e já
protocolado. Os principais agentes utilizados no NSCLC são a cisplatina ou
carboplatina, o docetaxel ou paclitaxel, gemcitabina, e a vinorelbina18. Há uma
década, foi realizada a nível mundial uma meta-análise40 que demonstrou de
facto que a quimioterapia baseada em cisplatina melhorava a sobrevivência no
carcinoma avançado do pulmão. Desde então, vários ensaios clínicos sobre
esquemas de quimioterapia adjuvante baseados em platina foram realizados, e
resultados recentes demonstraram que este tipo de quimioterapia aumenta a
sobrevida em cerca de 4 -15% entre os doentes com NSCLC submetidos a cirurgia
de ressecção5,6,7,41,42,43. De entre estes destaca-se o IALT ' Internacional
Adjuvant Lung Cancer Trial, que incluiu mais de 1800 doentes com NSCLC e que
demonstrou uma diminuição de 14% na taxa de mortalidade e um benefício absoluto
de 4,1% na sobrevivência em 5 anos nos doentes tratados com quimioterapia
adjuvante baseada em cisplatina42. É óbvio que a quimioterapia adjuvante não
tem efeito em muitos doentes, que, contudo, sofrem com os efeitos adversos
relacionados com o tratamento, sem qualquer benefício terapêutico11. Os
compostos de platina, e especialmente a cisplatina e a carboplatina, são
complexos de metal pesado que formam adductse covalent cross-linksentre as
fitas duplas de ADN, bloqueando desta forma a sua replicação e transcrição. São
exactamente estes segmentos de ADN reparados pelo NER descrito, e cujo
funcionamento depende por sua vez da expressão do gene ERCC118. A resposta (ou
a sua ausência) ao tratamento com quimioterapia baseada em cisplatina pode
assim estar relacionado com o nível de expressão tumoral do ERCC1 (níveis
obviamente influenciados então pela presença de polimorfismos)11.
Uma abordagem personalizada da selecção do tratamento quimioterapêutico é
necessária no NSCLC, uma vez que actualmente o benefício é mínimo e apenas há
incrementos modestos nas taxas de respostas e na sobrevivência. Foi colocada a
hipótese de que os doentes com tumores NSCLC ressecados em estádios iniciais,
com elevada expressão de ERCC1, não só teriam uma baixa incidência de recidivas
como também iriam beneficiar menos de quimioterapia adjuvante baseada em
cisplatina, uma vez que o ERCC1 iria conferir resistência à platina. O
contrário também seria verdade para doentes com baixo ERCC1 intratumoral,
i.e.,estarão mais predispostos a recorrências mas beneficiarão de quimioterapia
adjuvante com cisplatina, ocorrendo menor catabolismo do fármaco18. O estudo
IALT, através de uma análise imunoistoquímica, determinou a expressão da
proteína do ERCC1 em tumores em estádios cirúrgicos de doentes com NSCLC21,44.
O IALT é um ensaio de fase III que analisou tumores ressecados de doentes com
NSCLC do estádio I ao III e incluiu-os em dois grupos: o de observação e o da
quimioterapia (4 ciclos de quimioterapia baseada em cisplatina)45. Dos 1897
doentes envolvidos no IALT, 761 tinham tumores possíveis para análise do ERCC1.
A expressão imunoistoquímica do ERCC1 de amostras tumorais foi classificada
alta ou baixa, usando um valor mediano de ERCC1 como valor de cut-off. A
análise comparativa do grupo que recebeu quimioterapia do que não recebeu
permitiu um estudo estatisticamente poderoso sobre o impacto do ERCC120,34.
Assim sendo, uma expressão positiva de ERCC1 estava correlacionada com um
melhor prognóstico no grupo de observação. Havia uma interacção estatística
significativa (P<0,01) entre expressão de ERCC1 e o impacto da quimioterapia na
sobrevivência. A correlação entre ERCC1, sobrevida, e a interacção biológica
com a quimioterapia, dá uma explicação para o facto de o ERCC1 não demonstrar
um valor prognóstico para o grupo da quimioterapia. Efectivamente, quando os
doentes são tratados com cisplatina, uma correlação inversa é observada,
significando que o benefício da quimioterapia adjuvante é maior quando o ERCC1
é baixo11.
Quantificando os níveis de ERCC1, pode ser representativo da capacidade da
reparação do ADN intrínseco danificado das células e pode servir como um
biomarcador da extensão de ADN lesado acumulado intratumoral18. Simon et al.20
publicou um estudo em que avaliou tumores ressecados de 51 doentes com NSCLC
(sem quimioterapia) e quantificou o ERCC1 (método Taqman) para correlacionar a
sobrevivência com a expressão do ERCC1. Concluiu que doentes com elevada
expressão de ERCC1 (>50) têm uma melhor sobrevida quando comparados com doentes
com baixa expressão (<50). No mesmo estudo foi também concluído que a expressão
do ERCC1 no tumor ressecado não tem correlação com o pulmão adjacente, o que
sugere que a capacidade do NER é uma propriedade intrínseca do tumor e é
necessário medir o ERCC1 intratumoral18.
Outros dos aspectos a considerar é se o ERCC1 pode ser um factor preditivo da
resposta à quimioterapia em doentes com NSCLC em estádios avançados. Lord et
al.46 correlacionou as respostas à quimioterapia (com gemcitabina e cisplatina)
e a sobrevivência com o nível de ERCC1, encontrado em 56 doentes com NSCLC em
estádios avançados (estádio IIIb ou IV). Concluiu que o ERCC1 era detectável em
todos os tumores e que não havia variabilidade na expressão genética de acordo
com o género, performance status, perda de peso ou estádio tumoral diferente. A
taxa global de resposta foi de 44,7%. A sobrevida média global era
significativamente maior nos que tinham baixa expressão de ERCC1 comparada com
os doentes com elevada expressão de ERCC1.
Ensaios de terapias individualizadas nestes doentes através da análise
molecular têm vindo a ser feitos. Simon et al.47, num ensaio clínico
prospectivo de fase II, testou a eficácia e a possibilidade dessa terapia
individualizada. A hipótese proposta era a de que a selecção de uma
quimioterapia dupla baseada na expressão de ERCC1 e RRM1 seria possível e
benéfica para todos os doentes com NSCLC em estádios avançados. O estudo foi
feito através da determinação da expressão do ERCC1 e RRM1 por RT-PCR em
biópsias tumorais. Só 53 doentes com expressão génica disponível foram eleitos
para tratamento. A quimioterapia dupla consistia em carboplatina e gemcitabina,
docetaxel ou vinorelbina, e era seleccionada consoante a expressão génica.
Valores predeterminados de ERCC1 e RRM1 eram usados para decidir o fármaco a
utilizar, se a gemcitabina se a carboplatina. Se RRM1 fosse igual ou inferior a
16,5, decidia-se pela gemcitabina. Se ERCC1 fosse igual ou inferior a 8,7,
optava-se pela carboplatina. Estes valores são baseados em estudos publicados
anteriormente20,36,48. Esta estratégia resultou em quatro esquemas de
quimioterapia diferentes com quatro expressões diferentes de genes. Em seguida,
foi avaliada a resposta ao tratamento, à sobrevida global e ao tempo de
sobrevida livre de doença. O resultado foi uma taxa de resposta de 42%. A
sobrevida global não diferiu entre as diferentes quimioterapias e não houve
diferenças estatisticamente significativas entre elas, o que sugeriu que a
quimioterapia personalizada não alterava a sobrevida. No entanto, comparando um
estudo de fase II, Chiappori et al.49, onde foram usados os mesmos critérios de
selecção de doentes e a quimioterapia tradicional (ou seja, carboplatina +
gemcitabina), foi apenas atingida uma taxa de resposta de 24% (versusa 42%
anterior), significando que o uso de quimioterapia não seleccionada aparenta
ser inferior em relação aos resultados obtidos com a quimioterapia
personalizada. Os mesmos resultados foram encontrados para a sobrevivência, na
comparação entre os dois estudos. Isto implica que a decisão terapêutica
baseada no ERCC1 e RRM1 em doentes com NSCLC avançado é possível e pode
melhorar taxas de resposta e sobrevivência18. Estudos semelhantes, Rosell el
al.50, recentemente publicados, comparando o uso de quimioterapia baseada em
cisplatina com a expressão quantitativa de mRNA ERCC1 (ensaio randomizado fase
III), concluíram que a taxa de resposta era maior no grupo tratado com
quimioterapia optimizada e que a taxa expressa de mRNA ERCC1 em tecido tumoral
é possível na clínica para prever respostas à cisplatina. Por outro lado, neste
estudo não foram encontradas diferenças estatísticas significativas na
sobrevivência global11. Outro estudo retrospectivo muito importante realizado
recentemente, Ceppi et al.51, efectuou biópsias em 70 doentes com NSCLC
avançado e estudou dois grupos de doentes, uns tratados com cisplatina/
gemcitabina e outros apenas com gemcitabina11. Igualmente a sobrevida média em
doentes com baixo ERCC1 e após quimioterapia com cisplatina/gemcitabina foi
maior, assim como os doentes com RRM1 baixo. Então, o ERCC1 e RRM1 têm impacto
na sobrevida nos doentes com NSCLC tratados com cisplatina/gemcitabina18.
Nos doentes submetidos a ressecção cirúrgica, altos níveis de expressão do gene
RRM1 estão associados a um aumento da sobrevivência. Num estudo efectuado por
Bepler et al.35 foi analisada a frequência de 2 SNPs (RR37 e RR524) em
diferentes populações (americanos caucasianos, afro--americanos, hispânicos,
asiáticos), tendo como objectivo analisar a associação destes polimorfismos com
a expressão do promotor do gene RRM1 e investigar o seu impacto no prognóstico
dos doentes com NSCLC.
Para a tipagem dos alelos dos dois SNP, aplicou-se a PCR seguido de RFLP'
restriction enzime digestion. Nas populações em estudo, a combinação mais
frequente encontrada foi a associação entre os alelos RR37CC e RR524TT. A
segunda mais frequente foi entre os alelos RR37AC e RR524CT.
A análise do alelótipo do promotor do RRM1 foi efectuada em 286 doentes com
NSCLC e com dados clínicos acessíveis.
Analisou-se a evolução dos doentes em função do alelótipo do promotor RRM1, com
base na hipótese de que uma elevada expressão de RRM1 em tumores estaria
associada a um melhor prognóstico35.
Para esta análise foram criados três grupos de doentes: um com alelótipo
RR37CC-RR524TT (N=112), outro com alelótipo RR37AC-RR524CT (N=93) e outro
englobando os restantes alelótipos. Como previsto, os doentes com alelótipo
RR37CC-RR524TT tiveram uma sobrevivência maior do que os doentes com alelótipo
RR37AC-RR524CT35.
Num trabalho efectuado por Woo SK et al.52 foram investigados polimorfismos de
RRM1 em 62 linhas celulares cancerígenas e realizado um estudo de associação
destes polimorfismos com a sensibilidade à gemcitabina. A frequência dos
polimorfismos foi de 79 % para RRM1 2464G>A, 59,7 % para RRM1 2455A>G e de 45,2
% para RRM1 1082C>A. O polimorfismo RRM1 2464G >A encontrou-se em todas as
linhas celulares dos carcinomas pulmonares. A sensibilidade de cada linha
celular à gemcitabina foi classificada de acordo com os valores de log IC50.
Cada célula foi classificada como resistente (n=20), ou sensível (n=42) com
base nos valores de log Cmax (concentrações máximas) de todas as linhas
celulares.
Quando a associação dos polimorfismos com os valores de log IC50 foi efectuada,
apenas o polimorfismo RRM1 2464G>A apresentou maior sensibilidade à
gemcitabina. Foi também estudado a relação entre haplótipos de RRM1 e a
sensibilidade à gemcitabina. Foram criados oito haplótipos a partir de três
polimorfismos de RRM1 ( 2464G>A, 2455A>G, 1082C>A). Os haplótipos mais comuns
foram: AGA (40,4%), CAA (21%), CGA (16,1%). Os haplótipos demonstraram alguma
sensibilidade quando comparados com o wild-type(CAG), excepto os que se
apresentavam numa linha celular (CGG, AAG, AGG, AAA). Haplótipos do
polimorfismo 2464G>A (AGA, CAA, CGA) apresentavam maior sensibilidade à
gemcitabina.
Relativamente aos polimorfismos do ERCC1, vários estudos também já foram rea
lizados, na tentativa de saber qual o impacto deles na sobrevida dos doentes
com NSCLC. Um estudo realizado em 2000 concluiu que existem polimorfismos
específicos do ERCC1 que podem aumentar o risco de cancro23. Dos SNP falados,
incluindo o códão 118 C/T, o C8092A53 e o C15310G29 do ERCC1, sabe-se que o
polimorfismo C8092A pode ser um factor preditivo importante na sobrevida global
em doentes com NSCLC avançado e tratados com quimioterapia baseada em
cisplatina. Já o polimorfismo C15310G não foi descrito como estando associado a
qualquer doença29.
Isla et al.54 estudou um SNP (single-nucleotidepolymorphism) do ERCC1 nos
linfócitos do sangue periférico em doentes com NSCLC avançado e tratados com
quimioterapia baseada em cisplatina. Os autores concluíram que os doentes com o
polimorfismo 118C tinham uma melhor sobrevida. Por outro lado, outro estudo
refere não haver associação estatisticamente significativa entre esse
polimorfismo e a sobrevida global53.
Zhou et al.53 demonstraram que um aumento do número de variantes alélicas no
ERCC1 está associado a uma diminuição da sobrevida global nesses doentes e que
o número desses alelos pode ser preditivo da sobrevida global.
Após a análise de diversos resultados obtidos nos estudos observados, conclui-
se que o NER tem um papel fulcral na carcinogénese, no prognóstico e na
resposta ao tratamento em doentes com NSCLC. Em doentes com NSCLC em estádios
iniciais, observamos que níveis reduzidos de ERCC1 intratumoral traduziam
níveis de sobrevida inferiores, bem como uma maior susceptibilidade para
recidivas; no entanto, estes doentes apresentavam também uma maior
sensibilidade ao tratamento com platina, sendo portanto de grande interesse a
identificação dos grupos que poderiam beneficiar de quimioterapia adjuvante ou
neoadjuvante, com base na expressão do ERCC1.
Pelo contrário, doentes com níveis elevados de ERCC1 apresentam um melhor
prognóstico e uma menor probabilidade de recidiva, apesar de não apresentarem
qualquer tipo de benefício com o uso de quimioterapia.
No entanto, fica ainda por investigar até que ponto doentes com elevados níveis
de ERCC1 beneficiariam ou não de quimioterapia dupla não baseada em derivados
da platina. Assim, em futuros estudos, a quimioterapia individualizada tendo
por base os níveis de ERCC1 deverá ser um método a considerar18.
Em estádios mais avançados, os níveis de ERCC1 são preditivos da sensibilidade
à terapêutica, permitindo-nos uma escolha, baseada no perfil molecular
individual de cada doente. Apenas um estudo prospectivo de fase II50 demonstrou
uma elevação na resposta terapêutica, mas não na sobrevida global de doentes
tratados com cisplatina. Os restantes estudos, quer o prospectivo fase II47,
quer o outro estudo retrospectivo51, sugeriram que a quimioterapia baseada nos
níveis individuais de ERCC1 aumenta as respostas à quimioterapia e a
sobrevivência.
No entanto, apesar de promissor, este é um tipo de estudo ainda difícil, uma
vez que a quantificação de ERCC1 ou de RRM1 requer, para além de biópsias do
tumor, microdissecção a lasere subsequentes métodos de análise de expressão do
gene, como imunoistoquímica21, expressão de mRNA51 e AQUA (quantitative in situ
protein analyses)55.
O ERCC1 pode ser visto como um potencial marcador, preditivo da resistência aos
compostos de platina, como a cisplatina, a carboplatina e a oxaliplatina. No
entanto, nenhum estudo obteve provas sólidas que pudessem considerar o ERCC1 um
marcador de resistência a todos os tipos de quimioterapia. Além disso, o ERCC1
não é, necessariamente, o único marcador que pode prever a quimiossensibilidade
aos derivados da platina56.
Antes de podermos avaliar o potencial global do ERCC1 como um marcador
preditivo de quimiossensibilidade, há que repensar certos pormenores técnicos,
como são: o facto de o diagnóstico ser feito tendo por base um pequeno
fragmento do tumor, que pode até nem representar o tumor na sua globalidade,
devido à heterogeneidade do marcador, bem como a biópsia poder ser rea lizada,
quer no tumor primário, quer numa metástase. Uma vez que ainda não está
determinada a expressão do ERCC1 no tumor primário e nas metástases, esta
sequência poderá ser considerada uma limitação.
Uma outra limitação passa pelo facto de ser difícil, em estudo de IHC (uma
técnica praticável em qualquer laboratório), criar um valor óptimo de cut-
offpara ERCC1, uma vez que o olho humano tem uma visão ao microscópio demasiado
subjectiva. Outras dificuldades passam pelas diferenças genéticas existentes na
população, bem como as interacções com carcinogéneos, como é o caso do fumo do
tabaco11.
Conclusões
Um biomarcador como o ERCC1 deverá ser validado e confirmado em estudos
independentes, sendo de futuro necessários estudos prospectivos mais alargados,
que deverão ser discutidos com uma equipa multidisciplinar, envolvendo não
apenas patologistas, mas também bioestatistas. Do que podemos ter a certeza,
com os dados publicados até então, é da utilidade da quimioterapia
individualizada, de acordo com os níveis individuais de ERCC111.
Os níveis de ERCC1 são também influenciados pelas alterações genéticas; assim,
a presença de certos polimorfismos, como são o códão 118 C/T e o C8092A,
parecem apresentar relações, quer a nível da carcinogénese, da resistência aos
citostáticos, da sobrevida e mesmo a nível do prognóstico.
Todos os dados apresentados nesta revisão são apenas referentes a tumores de
não pequenas células (NSCLC), uma vez que não se encontram publicados estudos
feitos em tumores de pequenas células, o que traduz uma lacuna na área da
investigação do tratamento de carcinoma do pulmão, já que a terapêutica
advogada para este tipo de tumor é na maioria das vezes quimioterapia e
radioterapia.
Estudos clínicos e laboratoriais demonstraram que a elevada expressão do gene
RRM1 no NSCLC tem impacto no fenótipo do tumor. Doentes submetidos a ressecção
cirúrgica, cujos tumores apresentavam expressão aumentada do gene RRM1, têm
maior sobrevida do que os doentes com baixa expressão. No entanto, os doentes
com NSCLC avançado sujeitos a quimioterapia com gemcitabina e cisplatina
apresentam um pior prognóstico se o tumor apresentar expressão aumentada do
gene RRM135.
Os polimorfismos podem estar associados à eficiência de certos tratamentos
quimioterapêuticos, aos seus efeitos tóxicos e podem ser usados como marcadores
de prognóstico. Estudos efectuados demonstraram que o polimorfismo RRM1 2464G>A
está associado a uma aumento de sensibilidade ao tratamento com gemcitabina; no
entanto, são necessários mais estudos funcionais e clínicos para que a
expressão deste polimorfismo seja considerada um indicador de prognóstico52.
Em relação aos doentes submetidos a ressecção cirúrgica curativa do NSCLC, foi
concluído que os SNP do promotor RRM1 têm impacto na sua actividade e têm valor
prognóstico. Entretanto, são necessários estudos mais aprofundados para uma
melhor elucidação sobre os factores controladores da expressão do RRM135.
É cada vez mais provável que doentes com ERCC1 positivo, apesar do seu
prognóstico melhor, poderão num futuro ser tratados com agentes não derivados
da platina, assim como os doentes ERCC1 negativos, com um prognóstico inicial
mais desfavorável do que os anteriores, irão ser considerados possíveis
candidatos a quimioterapia com derivados da platina11.
O ERCC1 poderá ser considerado, de acordo com os mecanismos de reparação de
ADN, uma faca de dois gumes57, ou the two faces of janus58. Uma menor
capacidade de reparação do ADN (como ocorre em tumores com baixos níveis de
ERCC1) conduz a uma maior instabilidade genómica nas células cancerígenas e,
consequentemente, conduz a uma mais rápida aquisição de características
malignas, tal como a metastização. No entanto, por outro lado, também é
preditiva de uma resposta mais favorável à terapêutica, sugerindo que o ERCC1
possa ter uma função alternativa nas células cancerígenas.