Estratégias de suporte ventilatório no recém-nascido pré-termo: Inquérito
nacional (2008)
Introdução
Nos últimos 50 anos tem-se assistido a uma diminuição importante na mortalidade
perieneonatal. Entre os vários avanços nas diferentes áreas da medicina
associados a esta melhoria merecem especial destaque a descoberta (1959)
1
, a utilização com sucesso (1980)2 e a aprovação (1990)3 do uso de surfactante
exógeno para o tratamento da doença das membranas hialinas, o uso antenatal de
corticosteróides (1972)4, bem como o progresso nos aparelhos e técnicas
utilizadas no suporte ventilatório do recém-nascido de risco.
A ventilação assistida é a principal das técnicas utilizadas em cuidados
intensivos neonatais.
Desde antigas descrições, no Antigo Testamento, de reanimação com respiração
boca-a-boca e da primeira descrição de Hipócrates (400 aC)
5
de intubação traqueal para ventilação pulmonar, a era moderna de ventilação
mecânica na criança pode ser datada a 1953, com Donald e Lord
6
. Desde então, o aperfeiçoamento dos aparelhos e o desenvolvimento de novas
metodologias de ventilação contribuíram de modo significativo para aumentar a
sobrevivência do recém-nascido de risco. Actualmente, a taxa de sobrevivência é
superior a 50% para recém-nascidos pré-termo acima das 25 semanas de idade
gestacional7 e é observada uma sobrevivência acima das 32 semanas próxima da do
recém-nascido de termo (≥ 37 semanas).
Devido ao melhor seguimento e aos avanços da tecnologia médica, o aumento da
sobrevivência de recém-nascidos pré'termo acompanha-se de um significativo
número de complicações, nomeadamente a evolução para doença pulmonar crónica da
prematuridade, também referida como displasia broncopulmonar
8
.
Como consequência deste facto, têm surgido várias publicações traduzindo os
resultados de investigação clínica efectuada com o objectivo de melhorar as
estratégias de suporte ventilatório no recém'nascido pré-termo, sobretudo no de
extremo baixo peso (peso ao nascimento < 1000 g)9. Este estudo teve por
objectivo analisar as práticas correntes nas unidades de neonatologia
nacionais, em relação a estratégias de suporte ventilatório utilizadas na
assistência ao recém-nascido de extremo baixo peso, e verificar se estas
práticas reflectem a evidência de estudos multicêntricos aleatorizados.
Material e métodos
Foi enviado, por via electrónica, um questionário (em anexo) a 31 unidades de
neonatologia de Portugal continental, Açores e Madeira. (Nota:Em Portugal
existem 40 unidades de neonatologia, 19 com apoio perinatal diferenciado e 21
sem apoio perinatal diferenciado, tendo o inquérito sido enviado às mais
representativas em número de nascimentos.). Foi contactado um elemento de cada
uma dessas unidades que ficaria responsável pelo preenchimento e re envio do
inquérito. O preenchimento do inquérito deveria ser efectuado por um ou mais
clínicos, de modo a traduzir as práticas utilizadas na unidade. No caso de
dúvidas no preenchimento do inquérito poderia ser contactado qualquer um dos
elementos da Comissão para a Investigação da Secção de Neonatologia da
Sociedade Portuguesa de Pediatria.
O inquérito incluía 18 questões, sendo 14 de resposta sim/não, três de resposta
directa e uma de resposta opcional. As questões abrangiam as práticas de
suporte ventilatório utilizadas na assistência ao recém-nascido de extremo
baixo peso, desde o nascimento à retirada (desmame) do ventilador. Foram
também inquirido os valores de saturação de oxigénio obtidos por oximetria de
pulso, indicados no recém-nascido com doença das membranas hialinas e com
doença pulmonar crónica da prematuridade, quantos recém-nascidos de extremo
baixo peso são admitidos anualmente e qual a percentagem de doença pulmonar
crónica nos sobreviventes no ano 2007. Foi também dada a possibilidade de
responder livremente às questões de resposta sim/não sobre estratégias
ventilatórias.
Os resultados obtidos foram comparados com os resultados de estudos
aleatorizados e quasealeatorizados, nomeadamente os que reuniram critérios de
inclusão para as últimas revisões da Cochrane Database of Systematic
Reviewssobre ventilação mecânica sincronizada no recém-nascido (14 estudos) de
20089, sobre volume corrente optimizado (quatro estudos) de 2005
10
, ventilação de alta frequência oscilatória (15 estudos) de 2008
11
e aparelhos e pressões para administração de pressão positiva contínua nasal
no recém-nascido pré-termo (sete estudos) de 2008
12
.
Resultados
A taxa de resposta ao inquérito foi de 94% (29/31), incluindo 19 (70%) centros
com apoio perinatal diferenciado. Dois centros (7%) não possuem maternidade,
pelo que não prestam assistência no parto, sendo, no entanto, centros de
referência de recém-nascidos pré-termo nascidos em centros sem apoio perinatal
diferenciado.
Os aparelhos para ventilação invasiva disponíveis nas diversas unidades
encontram-se discriminados no Quadro I. Nove (31%) unidades possuem um único
tipo de ventilador (Draeger Babylog = 5; Bear Cub = 2; Servo 2000 = 1; VIP Bird
= 1). Os ventiladores mais frequentemente utilizados no recém-nascido de
extremo baixo peso são: Draeger Babylog (20 unidades); VIP Bird (cinco
unidades); SLE 2000 (quatro unidades); SLE 5000 (duas unidades); Bear Cub (duas
unidades); Servo 300 (duas unidades); Vyasis Avea (uma unidade).
Quadro I– Aparelhos de ventilação invasiva disponíveis nas 29 unidades de
neonatologia
Entre as 27 unidades que prestam assistência no parto, 13 (48%) (das quais, 12
unidades com apoio perinatal diferenciado) têm a possibilidade de utilizar
NCPAP (nasal continuous positive airway pressure) na sala de partos e 12 (44%)
optam preferencialmente pela sua utilização na assistência ao recém-nascido de
extremo baixo peso com alguma capacidade respiratória (Quadro II). Catorze
(52%) unidades têm a possibilidade de efectuar o transporte do recém-nascido de
extremo baixo peso com NCPAP da sala de partos para a unidade de cuidados
intensivos neonatais.
Quadro II – Utilização do NCPAP na sala de partos, transporte e na UCIN
Uma unidade tem possibilidade de usar NCPAP na sala de partos, mas não de
efectuar o transporte para o internamento. Uma unidade tem possibilidade de uso
precoce e transporte em NCPAP; no entanto, a política de assistência ao recém-
nascido de extremo baixo peso com capacidade ventilatória inclui intubação e
ventilação convencional. Uma unidade, sem possibilidade de transporte com
NCPAP, opta pelo CPAP nasofaríngeo. Em três (11%) unidades o transporte do
recém-nascido de extremo baixo peso com necessidade de suporte ventilatório é
efectuado com recurso a máscara insufladora e tubo endotraqueal, por
indisponibilidade de incubadora de transporte equipada com ventilador.
Os tipos de NCPAP utilizados são: Infant Flow Driver = 14 unidades; ventilador
com modo CPAP = 3; ambos = 11; uma unidade sem apoio perinatal diferenciado não
utiliza NCPAP. A maioria das unidades utiliza mais de um tipo de aplicação de
NCPAP: prongsnasais = 26; máscara nasal = 22; sonda nasofaríngea = 7; cânulas
nasais = 1. Uma unidade utiliza unicamente CPAP faríngeo. Uma unidade que
utiliza NCPAP utiliza também CPAP endotraqueal.
Na assistência ao recém-nascido de extremo baixo peso na unidade de cuidados
intensivos o suporte ventilatório é preferencialmente: NCPAP = 19 (66%);
ventilação convencional (VC) = 9 (31%); ventilação por alta frequência
oscilatória (VAFO) = 1 (3%). Das unidades que usam preferencialmente NCPAP, uma
usa preferencialmente VAFO no recém-nascido com peso ao nascimento inferior a
750 g. As modalidades de suporte ventilatório usadas na fase aguda de
dificuldade respiratória (doença das membranas hialinas) e de desmame
ventilatório encontram-se representadas no Quadro III. Treze (45%) unidades
usam mais de um modo ventilatório na fase aguda. Quinze (52%) utilizam o modo
SIMV (synchronized intermitent mandatory ventilation), isoladamente ou
associado às opções VG (volume garantido), PS (pressão de suporte) ou PC-PA
(pressure controled, pressure assisted).
Quadro III – Modos de ventilação usados no recém-nascido de extremo baixo peso
com necessidade de ventilação invasiva, na “fase aguda” e no “desmame”
ventilatório
O modo ventilatório mais utilizado no recém-nascido de extremo baixo peso com
necessidade de ventilação invasiva é o SIMV, sendo o modo preferido por 10
(34%) unidades. O SIPPV (synchronized intermitent positive pressure
ventilation,também designado A/C ' assisted controlled) é utilizado
isoladamente em seis (21%) unidades, em associação com a op ção VG em seis
(21%) unidades, e ambas possibilidades em duas (7%). Uma (3%) unidade utiliza
flow cycledSIPPV.
Doze (41%) unidades utilizam surfactante exógeno preferencialmente de modo
profiláctico, onze (38%) utilizam apenas de modo curativo e as seis (21%)
restantes unidades utilizam ambas as estratégias.
Cinco (17%) unidades utilizam monitorização contínua indirecta da pressão
arterial de dióxido de carbono (PaCO2): medição transcutânea = 3; capnometria =
2. Vinte e três (79%) unidades usam parâmetros de função respiratória na
correcção da estratégia ventilatória (Quadro IV). Para esse efeito utilizam o
monitor do ventilador e duas recorrem também ao uso de monitor separado do
ventilador.
Quadro IV – Utilização de parâmetros de função respiratória
No recém-nascido não ventilado com necessidade de oxigenoterapia, as
modalidades de administração de oxigénio mais utilizadas são: oxigénio na
incubadora = 27 (93%) unidades; sonda nasolabial = 14 (48%); prongsnasais = 13
(45%) e oxigénio sob campânula = 8 (28%).
As saturações de oxigénio por oximetria de pulso mantidas no recém-nascido com
doença das membranas hialinas e com displasia broncopulmonar (doença pulmonar
crónica da prematuridade) encontram-se representadas no Quadro V.
Quadro V – Valores de saturação de oxigénio, avaliados por oximetria de pulso,
mantidos no recém-nascido com doença das membranas hialinas e displasia
broncopulmonar
Vinte e três (79%) unidades referiram experiência com a alta de recém-nascidos
para o domicílio em oxigenoterapia, oito (28%) com ventilação não invasiva e
duas (7%) com ventilação invasiva. O número de recém-nascido de extremo baixo
peso admitidos no ano de 2007 nas 19 unidades com apoio perinatal diferenciado
variou entre os 3 e os 55 (mediana: 16). A percentagem de doença pulmonar
crónica da prematuridade nos sobreviventes no ano 2007, nas 17 unidades com
apoio perinatal diferenciado que responderam à questão 18 do inquérito, variou
entre os 0% e os 75% (mediana: 10).
Não se verificou associação entre a prevalência de doença pulmonar crónica da
prematuridade e o número de admissões de recém'nascidos de extremo baixo peso.
Discussão e conclusões
A taxa de resposta ao inquérito que serviu de base a este estudo foi
satisfatória, o que nos permite conhecer as práticas de suporte ventilatório
utilizadas nas maioria das unidades de neonatologia nacionais, sobretudo na
abordagem do recém-nascido de extremo baixo peso.
Todas as unidades participantes no estudo estão equipadas com ventiladores que
permitem ventilação sincronizada. Embora algumas unidades ainda possuam
ventiladores que não permitem sincronização, como os ventiladores Sechrist e
Infant Star, estes não são usados na ventilação de recém-nascidos de extremo
baixo peso. O ventilador para ventilação convencional mais frequente e também
mais utilizado é o Draeger Babylog, cujo modelo 8000 plus permite usar o modo
de ventilação PSV associado à opção VG (este modo ventilatório não é possível
no modelo 8000), um tipo protector de ventilação, uma vez que permite
sincronia na inspiração e expiração, garantindo um volume corrente fisiológico.
Um número significativo de unidades possui, também, a possibilidade de VAFO.
Nem todas as unidades possuem a possibilidade de NCPAP precoce e algumas ainda
mantêm como política o uso de ventilação invasiva, mesmo no recém-nascido de
extremo baixo peso com evidência de capacidade ventilatória.
Este estudo demonstrou a preferência do NCPAP no recém-nascido de extremo baixo
peso com capacidade ventilatória. O NCPAP, particularmente na Escandinávia, é
usado preferencialmente à intubação e ventilação assistida, sendo interpretado
como um modo ventilatório menos agressivo
13
. Embora uma metanálise de dois estudos aleatorizados não tenha revelado
diferença significativa na incidência de displasia broncopulmonar
14
, um estudo recente15, comparando duas unidades distintas (Boston e Estocolmo),
salientou que o uso de NCPAP desde a sala de partos se associou a menor
necessidade de oxigénio suplementar às 40 semanas de idade corrigida.
Relembrando Aly H et al.
16
, a maioria dos recém-nascidos acima das 27 semanas tolera o NCPAP precoce, não
necessitando de ventilação invasiva, enquanto só alguns recém-nascidos abaixo
das 27 semanas toleram o NCPAP precoce, necessitando de intubação e de
ventilação assistida.
No recém -nascido com necessidade de ventilação invasiva, a maioria das
unidades inquiridas usa preferencialmente ventilação sincronizada.
É verdade que as metanálises de estudos comparando ventilação sincronizada
versusventilação convencional não sincronizada em relação a mortalidade (cinco
estudos17-21, 1729 doentes), pneumotórax (seis estudos17-22, 1769 doentes),
falência da extubação (quatro estudos17,19,21,22, 1056 doentes), hemorragia
intraventricular grave (graus III e IV) (cinco estudos17-21, 1729 doentes),
dependência de oxigénio aos 28 dias de vida (quatro estudos17,19-21, 805
doentes) e dependência de oxigénio às 36 semanas de idade corrigida (dois
estudos17,
18
, 1310 doentes) não demonstraram benefício da ventilação sincronizada sobre a
ventilação convencional não sincronizada. No entanto, a metanálise de quatro
estudos17-19,21 (1402 doentes) demonstrou redução significativa na duração da
ventilação, com uma diferença média de '34,8 horas na ventilação sincronizada
(IC 95%: '62,1 ; '7,4). Também no estudo de Beresford MW et al.18, a incidência
de canal arterial patente com necessidade de tratamento médico e/ou cirúrgico
foi superior no grupo submetido a ventilação convencional não sincronizada (p <
0,05). Em três estudos23,
24a
,
24b
é feita a comparação entre os modos ventilatórios SIPPV e SIMV. As
metanálises, incluindo 120 doentes, em relação à falência do desmame
ventilatório, falência da extubação, ocorrência de enfisema intersticial ou
pneumotórax não demonstraram diferença estatisticamente significativa entre os
dois modos ventilatórios. No entanto, a metanálise da duração (em horas) do
desmame ventilatório demonstrou uma tendência a menor duração (diferença
média '42,38 horas) com o modo SIPPV; no entanto, sem significado estatístico
(IC 95%: '94,35; 9,60). De qualquer modo, este resultado sugere para aplicação
na prática clínica o uso de SIPPV no desmame ventilatório do recém-nascido
pr-termo. Esta ideia é reforçada por outro estudo efectuado por Roze JC
et al.
25, em que o uso de SIMV com frequência baixa aumentou o consumo de oxigénio e
o trabalho respiratório.
O estudo efectuado por Reyes ZC et al.
26
, que comparou o modo ventilatório SIMV com o modo SIMV+PS em 107 recém-
nascidos de extremo baixo peso, não demonstrou diferença significativa em
relação a mortalidade, pneumotórax, enfisema intersticial, dependência de
oxigénio aos 28 dias e às 36 semanas de idade corrigida, hemorragia
intraventricular grave (graus III e IV), patência de canal arterial e dias de
ventilação. No entanto, no subgrupo de recém-nascidos com peso ao nascimento
700-1000g, o número de dias de oxigénio suplementar foi inferior no modo
SIMV+PS (p = 0,034). Parece haver algum efeito benéfico com os modos
ventilatórios PRVC e SIMV+PS, mas ambos foram apenas examinados num único
estudo aleatorizado, o que não nos permite concluir acerca da sua eficácia.
Mais estudos serão necessários para testar a sua eficácia, de preferência
estudos com seguimento a longo prazo.
O presente estudo demonstrou que em algumas unidades se recorre ao uso de
estratégias ventilatórias com volumes correntes optimizados, que é possível com
alguns ventiladores, e é uma alternativa à ventilação tradicional limitada por
pressão. O objectivo é diminuir a hiperdistensão alveolar e atelectasias que se
pensa estarem associadas a inflamação e displasia broncopulmonar, sobretudo no
recém'nascido pré-termo com grande complianceda parede torácica. A rápida
variação da compliancena doença das membranas hialinas, quer por administração
de surfactante exógeno, quer por melhoria espontânea da doença, coloca o pulmão
em grande risco de volutrauma quando o volume corrente é determinado pela PIP
(positive inspiratory pressure) e pela PEEP (positive end expiratory pressure)
na ventilação limitada por pressão27. Embora a informação acerca do volume
corrente seja escassa no recém-nascido pré-termo, parece variar entre os 4 e os
6 ml/kg27. Esta estratégia de ventilação com volumes correntes optimizados é
provavelmente baseada nos resultados da revisão da Cochrane Database of
Systematic Reviews, efectuada por McCallion N et al,de 2005, incluindo quatro
estudos aleatorizados
28-31
, com 178 doentes, recrutados nas primeiras 72 horas de vida. Nestes quatro
estudos, foram comparados recém-nascidos pré-termo ventilados com volume
corrente optimizado (volume controlado ou volume garantido) e recém-nascidos
ventilados com ventilação limitada por pressão (SIPPV, IPPV, PSV), sem volume
corrente optimizado.
As estratégias com volume corrente optimizado resultaram em significativa
redução na duração do tempo de ventilação [WMD'2,93 dias ('4,28; '1,57)],
ocorrência de pneumotórax [RR 0,23 (0,07; 0,76), RD '0,11 ('0,20; '0,03), NNT
9] e hemorragia intra ventricular grave (graus III e IV) [RR 0,32 (0,11; 0,90),
RD -0,16 ( -0,29; -0,03), NNT 6]. A redução na incidência de displasia
broncopulmonar (dependência de oxigénio às 36 semanas de idade corrigida) entre
os sobreviventes apresentou menor significado estatístico [RR 0,34 (0,11;
1,05), RD '0,14 ('0,27; 0,00), NNT 7]; no entanto, esta redução não foi
significativa nos recém-nascidos de extremo baixo peso.
Não foram verificadas diferenças significativas para falência do modo
ventilatório, necessidade de curarização, patência do canal arterial, enfisema
intersticial e leucomalacia periventricular.
Comparando as duas estratégias de volume corrente optimizado, o volume
garantido (VG) associou-se a uma maior redução no tempo de ventilação e o
volume controlado (PRVC) associou-se a uma maior redução da incidência de
hemorragia intraventricular grave.
De qualquer modo, o número de estudos e crianças aleatorizadas foi pequeno e
mais estudos serão necessários para confirmar o papel da ventilação com volume
corrente optimizado na ventilação neonatal.
O baixo uso de VAFO [em quatro (14%) das unidades deste estudo] na doença das
membranas hialinas do recém-nascido de extremo baixo peso provavelmente
reflecte o resultado da metanálise de 15 estudos aleatorizados no recém-nascido
pré-termo, comparando a VAFO e a ventilação convencional (IPPV, SIPPV e SIMV)
iniciadas nas primeiras 24 horas de vida, tendo sido demonstrado não haver
vantagem significativa da VAFO sobre a ventilação convencional, 11 não tendo
sido demonstrado efeito significativo na mortalidade, alterações neurológicas a
curto prazo, hemorragia intraventricular, leucomalacia periventricular e apenas
uma modesta redução na displasia broncopulmonar nos sobreviventes. Há apenas um
estudo aleatorizado relativo ao uso de VAFO no recém-nascido pré-termo com
doença das membranas hialinas grave que demonstrou uma significativa diminuição
de pneumotórax e enfisema intersticial; no entanto, demonstrou significativo
aumento de hemorragia intraventricular
32
.
A maioria (79%) das unidades nacionais extuba o recém-nascido pré-termo após o
desmame da ventilação invasiva, para NCPAP. Embora não tenha sido avaliado no
inquérito, existe a noção de que o uso de NCPAP bifásico tem vindo a aumentar
na neonatologia. A última revisão da Cochraneefectuada por De Paoli AG et al.12
com o objectivo de determinar que técnica de pressão e que tipo de interface
nasal são mais eficazes na diminuição da reintubação após ventilação mecânica
ou falência de NCPAP na fase aguda da doença das membranas hialinas, concluiu
que o uso binasal de prongsé mais eficaz do que o uso de prongnasal único na
prevenção da reintubação. Também a melhoria da função respiratória com
prongsbilaterais sugere maior eficácia do que o uso de CPAP nasofaríngeo no
tratamento da doença das membranas hialinas. Existe discrepância entre as
diversas unidades na utilização de surfactante exógeno. De facto, ainda não
está resolvida a questão de qual a estratégia mais adequada, isto é, qual o uso
profiláctico de surfactante no pré-termo em risco de desenvolver doença das
membranas hialinas versususo curativo de surfactante na doença estabelecida33.
Embora as metanálises dos estudos comparando ambas as estratégias do uso de
surfactante tenham demonstrado maior benefício com o uso profiláctico
34
, a implementação desta estratégia promovida pela Vermont-Oxford Network, nas
unidades filiadas na rede, não demonstrou benefício na diminuição da
mortalidade, pneumotórax ou displasia broncopulmonar
35
.
É sabido que o surfactante exógeno melhora a oxigenação e diminui o risco de
pneumotórax no recém-nascido pré-termo ventilado com doença das membranas
hialinas. No entanto, há recém-nascidos de muito e extremo baixo peso que não
desenvolvem doença das membranas hialinas. Jobe AH propõe uma avaliação
clínica, seguida de uma intervenção adequada e orientada pelo estado clínico do
doente33. Esta proposta parece mais sensata do que a aplicação de um protocolo
rígido de NCPAP precoce ouintubação e administração de surfactante.
A monitorização contínua da pressão arterial de dióxido de carbono (PaCO2) não
é utilizada por rotina na maioria das unidades portuguesas.
A medição transcutânea apresenta a desvantagem das possíveis queimaduras
cutâneas provocada pelo eléctrodo e é mais frequentemente utilizada no recém-
nascido de termo ou quase termo durante períodos de instabilidade, necessidade
de rápidas modificações no suporte ventilatório, bem como com a VAFO, na qual
súbitas variações na PaCO2 devem ser evitadas3.
A capnometria tem-se mostrado um método relativamente fiável de monitorização
da PaCO2 através da medição do CO2 no ar expirado no recém-nascido de termo sem
patologia pulmonar3. No recém-nascido pré-termo com volumes correntes pequenos,
frequência respiratórias elevadas e patologia pulmonar, o valor de PCO2 no ar
expirado avaliado por capnometria mostrou correlação com a PaCO2; no entanto, a
magnitude desta correlação é limitada3,
36
,
37
.
A maioria (79%) das unidades referiu usar parâmetros de função respiratória na
correcção da estratégia ventilatória, usando para esse efeito o monitor do
ventilador. De facto, os ventiladores actuais incorporam monitorização da
função pulmonar, fornecendo informação útil aos clínicos no ajuste dos
parâmetros ventilatórios. Embora não exista clara evidência de que o uso dos
testes de função pulmonar ou disposição gráfica dos sinais respiratórios
melhore a evolução a curto ou longo prazo no recém-nascido pré-termo ventilado,
a sua utilização não acarreta riscos e em mãos bem treinadas pode-se tornar um
instrumento bastante útil. A sua utilização ajuda, também, a compreender e a
demonstrar os efeitos das diferentes intervenções, bem como a interacção entre
o doente e o ventilador
38
.
Este inquérito revelou que a maioria das unidades utiliza valores de saturação
de oxigénio de 90%-95% na doença das membranas hialinas e 85%-90% na doença
pulmonar crónica. Um estudo recente de Castillo A et al.
39
, com o objectivo de estabelecer uma relação entre PaO2 e saturação por
oximetria de pulso durante as práticas de rotina nas unidades de cuidados
intensivos neonatais, demonstrou que PaO2 elevadas (> 80 mmHg) ou baixas (< 40
mmHg) ocorrem raramente no recém-nascido em tratamento com oxigénio suplementar
quando a saturação por oximetria de pulso é mantida entre os 85% e os 93%. Uma
saturação por oximetria superior a 93% associou-se frequentemente a valores de
PaO2 elevados (> 80 mmHg), valores considerados de risco no recém-nascido pré-
termo. Em relação à doença pulmonar crónica da prematuridade, um estudo
efectuado por Askie LM
et al.
40 demonstrou não haver benefício em termos de crescimento e alterações do
desenvolvimento psicomotor em manter uma saturação entre os 95% e os 98%, em
relação a manter uma saturação entre os 91% e os 94%. Inclusive, o grupo de
recém-nascidos em que as saturações foram mantidas entre os 95% e os 98%
apresentou maior período de dependência de oxigénio, aumentando os custos dos
serviços de saúde.
Este estudo revelou que no recém-nascido não ventilado com necessidade de
oxigenoterapia a modalidade de administração mais utilizada é o uso de oxigénio
na incubadora.
Embora esta não seja a prática mais adequada, evita o desconforto causado pelas
sondas, prongsnasais e campânula.
Ao analisar a informação fornecida relativamente a equipamentos de ventilação
disponíveis nas diversas unidades de cuidados intensivos neonatais, parece-nos
importante repensar a distribuição dos investimentos a nível nacional em
equipamentos, em consumíveis e em recursos humanos.
Em conclusão, as estratégias de suporte ventilatório utilizadas na assistência
ao recém-nascido de extremo baixo peso na maioria das unidades nacionais
reflectem a evidência de estudos multicêntricos aleatorizados.
É necessário mais investimento no uso de NCPAP precoce, preferencialmente com
prongsbinasal, uso do modo SIPPV no desmame ventilatório, uso de estratégias
ventilatórias com volumes correntes optimizados e utilização criteriosa de
surfactante exógeno, de modo a assegurar a prática baseada na evidência.